INTRODUÇÃO
A palavra “adolescência” tem origem no latim, derivada do verbo adolescere que denota “crescer”, “desenvolver-se”, “tornar-se maior” ou então, “crescer até a maturidade”1,2,3,4,5. Para a Organização Mundial de Saúde6,7 a adolescência pode ser compreendida como um processo fundamentalmente biológico, que acontece nos indivíduos entre os 10 e 19 anos de idade. É um período de grandes mudanças, quer sejam de ordem fisiológica, comandada pelos hormônios que desencadeiam o surgimento dos caracteres sexuais secundários, quer sejam de fatores psicológicos.
Normalmente é nessa fase que alguns indivíduos começam a vivenciar as primeiras práticas sexuais, as quais assumem um caráter específico, ocasionando a escolha de um parceiro sexual à medida que ocorrem o desenvolvimento de suas funções reprodutivas e o aumento do conhecimento sobre sexo8,9. A escolha deste parceiro sexual ocorre inicialmente de maneira discreta; contudo, vai-se tornando cada vez mais intensa até que esse adolescente tenha sua primeira relação sexual, a qual vem acontecendo cada vez mais cedo10,11.
A iniciação sexual é um evento marcante na vida de um adolescente. Ao mesmo tempo em que lhe permite adentrar em um mundo de novas descobertas, pode inseri-lo em um grupo de vulnerabilidade a doenças sexualmente transmissíveis (DST) e aids. Essa inserção pode ter como desfecho, também, a ocorrência de gravidez na adolescência, aborto e outros problemas de ordem biológica, socioeconômica e psicológica12,13,14,15,16.
Identificam-se na literatura estudos que enfatizam o tema, fazendo uma forte relação entre o comportamento adotado na ocasião da primeira relação sexual e práticas que podem perdurar por toda a vida do indivíduo, em especial quanto ao uso do preservativo17,18,19. Também é possível identificar uma associação entre início da vida sexual por indivíduos muito jovens e o fator de risco para a aquisição de DST e gravidez na adolescência14,20.
Alguns autores encontram associação entre iniciação sexual precoce e comportamento sexual de risco, uma vez que a iniciação sexual precoce expõe o adolescente a um contexto de vulnerabilidade à infecção por HIV, pois o mesmo terá um período maior de atividade sexual e, com isso, terá mais parceiros sexuais até chegar aos relacionamentos monogâmicos estáveis e duráveis15,21,22.
Para fins de análise, neste trabalho foi considerada iniciação sexual precoce, o adolescente que teve sua primeira relação antes dos 15 anos de idade (M = 15,7; DP = 1,98) que está baseada na média de idade com que os jovens brasileiros geralmente iniciam sua vida sexual4,9,23,24,25,26.
No Município de Abaetetuba, Estado do Pará, observa-se que os adolescentes têm se exposto cada vez mais a comportamentos sexuais de risco. Essa situação os deixa mais vulneráveis a DST/Aids e à gravidez na adolescência, fato este percebido na análise do aumento das taxas de natalidade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)27. Face ao exposto, é relevante um estudo pioneiro na cidade, em virtude da escassez de estudos em saúde pública na região, que investiguem a vida sexual e a vulnerabilidade dos adolescentes.
Desta forma, este trabalho se propôs investigar o comportamento sexual referente ao início da vida sexual de adolescentes escolares, matriculados no ensino médio da rede pública estadual no Município de Abaetetuba, levando-se em consideração a idade da primeira relação sexual e o uso do preservativo nessa ocasião, a fim de identificar possíveis comportamentos sexuais de risco e contribuir com informações que subsidiem medidas de prevenção e/ou de intervenção na educação em saúde sexual desses adolescentes.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo observacional, quantitativo, de campo, do tipo transversal, realizado no Município de Abaetetuba no ano de 2010.
O Município de Abaetetuba fica localizado no nordeste paraense, distante da capital, Belém, 62 km por via rodo fluvial e 97 km por via rodoviária. A população da cidade é de 141.100 habitantes, sendo que, na faixa de 10 a 19 anos de idade, encontram-se 32.853 indivíduos27. Segundo dados do Ministério da Educação, estavam matriculados no ensino médio 6.721 alunos com idade entre 14 e 19 anos28.
A amostra do presente estudo foi constituída por adolescentes com idade entre 14 e 19 anos, matriculados em escolas públicas estaduais localizadas na sede do Município. A escolha dessa faixa etária foi motivada pela maior probabilidade de encontrar adolescentes que já se iniciaram sexualmente. O tamanho da amostra foi calculado com nível de confiança de 95% e erro amostral de 5%, para se estimar a porcentagem de adolescentes de 14 a 19 anos de idade com vida sexual ativa, chegando-se a um valor de aproximadamente 361 indivíduos29.
Os critérios de inclusão foram: ser aluno da rede estadual de ensino no Município de Abaetetuba; estar devidamente matriculado no ensino médio; ter idade entre 14 e 19 anos; ter concordado em participar da pesquisa; e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os critérios de exclusão foram: negar-se a participar da pesquisa; não se enquadrar na faixa etária; não ser aluno da rede estadual de ensino; não estar matriculado no ensino médio; e falha grave no preenchimento do questionário, isto é, deixar de responder as perguntas de forma a comprometer a análise dos dados.
No presente trabalho utilizou-se um questionário para coleta de dados composto por perguntas fechadas, autopreenchível, pré-codificado, anônimo, adaptado da “Pesquisa de Comportamento, Atitudes e Práticas da População Brasileira sobre DST/Aids, 2008”, realizada pelo Ministério da Saúde30. Foram aplicados 750 questionários a alunos residentes no Município, matriculados nos turnos da manhã e da tarde nas turmas de ensino médio das quatro maiores escolas públicas estaduais. Os questionários foram aplicados durante as aulas, com os alunos organizados em fila. Não foi permitida a comunicação entre eles, a fim de minimizar a ocorrência de algum viés. Para os maiores de idade, foi requisitada a assinatura do TCLE. Para os menores, o TCLE foi assinado pelos pais ou responsável maior. O total de perdas (19,46%) foi considerado adequado ao esperado no plano amostrai, estimado em 30%. Finalmente, a amostra foi composta de 603 adolescentes escolares, com idade entre 14 e 19 anos.
Para formar o banco de dados, os questionários foram tabulados utilizando-se o programa Microsoft® Excel e, para os testes de hipótese, foram utilizados os testes qui-quadrado, odds ratio e G de independência, utilizando-se os softwares STATISTICA® v.6.0 e BioEstat 5.0.
Este trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará, onde foi apreciado e aprovado em 13 de outubro de 2010 (parecer n° 162/10 - CEP-ICS/UFPA) sob o protocolo CAAE - 5630.0.000.073-10 (carta definitiva n° 166/10 - CEP-ICS/UFPA).
RESULTADOS
Os 603 adolescentes distribuíram-se em 368 do sexo feminino (61,03%) e 235 do sexo masculino (38,97%), com média de idade de 17,14 anos (DP = ± 1,14) para os homens e 17,11 anos (DP = ± 1,13) para as mulheres (Tabela 1).
As características sociodemográficas da amostra estudada revelaram que 70,32% tinham renda familiar de até dois salários mínimos, sendo que 87,89% dos adolescentes residiam com os pais; contudo, a maioria não tinha emprego (82,26%) e não ganhava mesada (74,46%) (Tabela 2).
Da amostra constituída de 603 adolescentes, 297 (49,25%) já haviam se iniciado sexualmente. Dentre esses, 162 (54,55%) eram do gênero masculino e 135 (45,45%) do feminino. A média de idade na primeira relação sexual foi 15,23 anos (DP = ± 1,99), não diferindo significativamente entre homens e mulheres (Tabela 3).
* Dois questionários sem dados; p < 0,0001; p < 0,05 (teste G de independência). Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
A iniciação sexual precoce foi observada em 30,5% dos adolescentes. Analisando os dados dos adolescentes que já se iniciaram sexualmente foi possível observar uma associação, estatisticamente significativa, entre o gênero e o início da vida sexual precoce (χ2 = 22,99). Observou-se que a maioria dos adolescentes que se iniciou precocemente pertence ao sexo masculino (75,55%) e que os mesmos tinham três vezes mais chance de se iniciarem precocemente do que mulheres (OR = 3,72; IC95% = 2,13-6,47; p < 0,0001) (Tabela 4).
0 uso do preservativo na primeira relação sexual esteve associado ao sexo feminino (χ2= 7,05). A análise dos dados ainda sugeriu que mulheres tiveram duas vezes mais chance de usar preservativo na ocasião da primeira relação que os indivíduos do sexo masculino (OR = 2,04; IC95% 1,20-3,47; p = 0,011) (Tabela 5).
Dentre os adolescentes que possuíam renda familiar de até dois salários mínimos, 67,07% não usaram o preservativo na primeira relação e 61,08% fizeram uso do mesmo (Tabela 6).
DISCUSSÃO
O presente trabalho é um dos primeiros estudos de base populacional dirigido aos indivíduos adolescentes do Município de Abaetetuba, e seu objetivo foi documentar a ocorrência do início da vida sexual e o uso de preservativo masculino na primeira relação.
Na amostra estudada, foram observados comportamentos referentes à saúde sexual dos adolescentes, tais como a iniciação sexual precoce e o uso inconsistente do preservativo na primeira relação sexual. Esses comportamentos deixam o adolescente numa situação de maior vulnerabilidade.
A pesquisa constatou que 49,25% dos adolescentes investigados ¡6 haviam iniciado sua vida sexual. A ocorrência da primeira relação antes dos 15 anos de idade se fez presente em cerca de 30% desses indivíduos. Este dado é semelhante aos de outros estudos, que revelaram que a maioria dos adolescentes vivencia a sexarca nessa idade31,32.
A iniciação sexual precoce é um comportamento de risco, pois o adolescente exposto a essa situação terá uma chance maior de aumentar o número de parceiros sexuais durante a vida, até que o mesmo faça opção por relações monogâmicas estáveis e, quanto maior o número de parceiros sexuais, maior a chance de exposição a alguma DST33,34,35,36. Estudos apontam uma forte associação entre início precoce da vida sexual e a infecção por papilomavírus humano, HIV e outras DST, além de ocorrência de gravidez na adolescência14,15,16,36,37,38,39,40. Um estudo de coorte, realizado em Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, constatou que 40% dos indivíduos do sexo masculino, na idade entre 14 e 15 anos, já haviam iniciado sua vida sexual, diferentemente das mulheres na mesma faixa etária, que somaram apenas 30%24,41,42.
A diferença da iniciação sexual entre homens e mulheres pode ser entendida mais por razões de gênero do que por questões biológicas do sexo. Isso porque, para homens, o sexo é apresentado desde cedo como algo certo e, para as meninas, como algo errado, por isso eles seriam mais estimulados a se iniciarem mais cedo do que as mulheres, o que resulta em diversos estudos encontrando uma prevalência na iniciação sexual de homens ocorrendo mais precocemente do que em mulheres11,12,20,21,23,41,43.
Segundo o IBGE, nas capitais e no Distrito Federal a frequência de adolescentes escolares no 9° ano do ensino fundamental, do sexo masculino, que tiveram relação sexual, foi de 43,7%; do sexo feminino, a proporção foi de 18,7%27.
Os motivos para essa iniciação sexual precoce em adolescentes do sexo masculino são diversos. Estudos com essa temática norteiam que, dentre os vários motivos destacam-se a baixa escolaridade, estrutura familiar, trabalho, grupos sociais, gênero, autoafirmação da identidade, entre outros12,13,44,45.
Em relação ao uso do preservativo, contatou-se no presente estudo que 29,12% dos adolescentes investigados não utilizaram o preservativo na primeira relação sexual. Este dado é preocupante, uma vez que o uso do preservativo na primeira relação sexual não é importante somente para prevenir gravidez precoce e/ou DST e aids, mas também para gerar um comportamento saudável que pode se refletir por toda a vida do indivíduo. Tal atitude é tão importante que estudos revelaram que adolescentes que usam preservativo na primeira relação sexual são mais propensos a terem relações sexuais protegidas subsequentes do que aqueles que não usaram camisinha na iniciação sexual17,18,19.
Pode-se sugerir que o não uso do preservativo pelos adolescentes investigados está relacionado com alguns dos diversos fatores apontados por Galvão et al46 em seu estudo. Os fatores relatados pelos autores são: a falta de informação sobre o uso correto do preservativo, dificuldade e resistência em negociar com o parceiro o uso da camisinha, descrédito quanto ao risco de infecção e a falta de condições financeiras para a aquisição do preservativo. Dentre os vários fatores citados pelos autores, talvez a questão socioeconômica seja um dos principais motivos pelos quais 29,12% dos adolescentes deste estudo não usaram preservativo na primeira relação. Esse fator pode ter sido importante nos achados do presente trabalho, uma vez que, conforme dados do IBGE, a renda per capita domiciliar do Município, em 2010, era de R$ 287,19, tendo os pais dos adolescentes, como principais atividades econômicas, aquelas predominantes no Município, que são a agricultura, a prestação de serviços ou o comércio varejista27.
Acredita-se que a recusa em adquirir preservativos em postos de saúde ou na escola seria por medo ou vergonha de se exporem. Por se tratar de uma cidade interiorana, a retirada anônima de preservativos é quase impossível, pois há sempre alguém por perto que pode conhecer o adolescente. Assim, supostamente temendo os pais ou responsáveis, esses adolescentes ficariam com receio em adquirir um preservativo nesses locais.
Mediante o exposto e evidenciando os estudos, a população de adolescentes deve ser vista com grande relevância, pois essa parcela expressiva está exposta a riscos e relações de vulnerabilidade principalmente de caráter sexual, apresentando, assim, comportamentos sexuais de risco, em especial os indivíduos do sexo masculino, uma vez que os mesmos precocemente iniciaram-se sexualmente e não fizeram uso consistente do preservativo na ocasião da primeira relação sexual, em comparação com as mulheres da amostra5,16,47,48.
CONCLUSÃO
Abaetetuba é uma cidade interiorana que, como outras no Estado do Pará, padece com diversos problemas de saúde pública. Dentre esses, o comportamento sexual de risco adotado por jovens em idade escolar, tal como a crescente iniciação sexual de adolescentes associada a relações sexuais sem preservativo. Esses comportamentos favorecem a disseminação de DST, em especial do vírus HIV, e aumentam a chance de gravidez na adolescência. A ocorrência desses eventos pode prejudicar sobremaneira a vida escolar desses adolescentes.
Os achados deste estudo indicam que há comportamentos sexuais de risco nos adolescentes, em especial do sexo masculino, como uso inconsistente de preservativos e a iniciação sexual precoce. Assim, é possível perceber uma situação preocupante, considerando-se que esses adolescentes encontram-se regularmente frequentando a escola, onde eles teriam mais acesso a informações relacionadas à saúde sexual.
Diante do exposto, é mister a implementação de políticas públicas visando a saúde sexual dos adolescentes, a serem promovidas pelos diversos setores da sociedade, isto é, pelas famílias, escolas, instituições religiosas e poder público.