INTRODUÇÃO
O Município de Juruti está localizado na região oeste do Estado do Pará, Brasil, com estimativa de sua população de 52.755 habitantes1 em 2014. Limita-se ao norte com os Municípios de Oriximiná e Óbidos, ao sul com Aveiro, a leste com Óbidos e Santarém, e a oeste com o Município de Faro e com o Estado do Amazonas. Desde 2005 vem sendo submetido à exploração de reserva de bauxita, a qual acarretou grande migração populacional para aquele Município.
A realização de pesquisa sobre a prevalência de infecção pelos vírus das hepatites na demanda do hospital municipal, realizada entre fevereiro de 2007 e abril de 2008, demonstrou a necessidade de realizar estudos epidemiológicos locais baseados em comunidades para comparar com os dados hospitalares apresentados2, assim como para atender aos condicionantes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente a fim de redesenhar e apresentar a metodologia no sentido de estender as amostragens aos bairros da área urbana e também às comunidades rurais localizadas nas proximidades da mina e da ferrovia que sofrem diretamente com impacto do empreendimento de mineração, e ainda, que o estudo tenha caráter de inquérito epidemiológico, visto que essas áreas apresentam maiores problemas em relação ao saneamento básico e condições de moradia, assim como as invasões de terras que estão localizadas nas margens do lago Jará.
As hepatites virais são doenças infecciosas causadas por vírus que possuem tropismo pelo tecido hepático e que apresentam diferenças clínicas, epidemiológicas e laboratoriais. Os principais vírus reconhecidos como agentes etiológicos das hepatites virais humanas, são os vírus das hepatites A (VHA), B (VHB), C (VHC), D (VHD) e E (VHE), os quais estão incluídos nas famílias Picornaviridae, Hepadnaviridae, Flaviviridae, Deltaviridae e Hepeviridae3, respectivamente.
A hepatite A é transmitida pela via fecal-oral por veiculação hídrica e de alimentos contaminados e está relacionada às condições de saneamento básico e de higiene pessoal, contribuindo para isto, a subsistência do VHA no ambiente, assim como a abundância do vírus eliminado junto com as fezes dos infectados. De distribuição mundial, sua prevalência depende do nível socioeconômico das populações, sendo considerada como uma das mais importantes doenças virais agudas em todo o mundo3,4.
A hepatite B, cujo agente etiológico é o VHB, é considerada com um sério problema de saúde pública em todo o mundo, responsabilizada, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) pela infecção de cerca de 2 bilhões de pessoas, com 350 milhões de portadores crônicos e pela mortalidade de 1 a 2 milhões de pessoas ao ano. A doença se transmite por meio das vias percutânea, parenteral e vertical, de mãe para filho, desde o nascimento até aproximadamente os 5 anos de idade5,6.
De acordo com a OMS, existem em todo o mundo cerca de 130 a 150 milhões de infectados pelo VHC e, no Brasil, estima-se que 3 a 4 milhões de indivíduos são portadores crônicos do vírus. Na grande maioria das vezes, a infecção é assintomática e a transmissão semelhante a do VHB, mas com algumas diferenças quanto à via sexual. Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, não existem evidências razoáveis que indiquem que o aleitamento materno possibilite o aumento do risco de transmissão do VHC3,7.
Ainda segundo a OMS, existem aproximadamente 18 milhões de infectados pelo VHD em todo o mundo. A hepatite D ou delta tem como agente etiológico o VHD, que por ser um vírus incompleto, necessita da presença do VHB para ser infectante, por esse motivo sua ocorrência está relacionada às áreas endêmicas de hepatite B8,9,10,11,12.
A hepatite E é uma doença de distribuição mundial. Estimam-se que ocorram 20 milhões de infecções por hepatite E, com 3,3 milhões de casos agudos, com uma estimativa de 56.000 mortes por ano13. De transmissão fecal-oral, água e alimentos contaminados têm sido implicados em surtos importantes. A ingestão de mariscos crus ou cozidos também tem sido identificada como a fonte de casos esporádicos em áreas endêmicas. Suínos, roedores e aves também podem ser reservatórios.
Desenvolvido complementarmente à pesquisa "Prevalência de infecção pelos vírus das hepatites A, B, C e D na demanda de um hospital no Município de Juruti, oeste do Estado do Pará, Brasil"2, o estudo atual ampliou a pesquisa até novembro de 2010, com os mesmos objetivos iniciais de definir a prevalência das infecções por VHA, VHB, VHC e VHD, acrescidos de informações acerca do VHE, apresentando dessa forma, informações completas de todo o estudo desenvolvido no Município de Juruti.
MATERIAIS E MÉTODOS
A pesquisa desenvolvida no Município de Juruti foi realizada em oito períodos, distribuídas entre fevereiro de 2007 e novembro de 2010, com a participação de indivíduos residentes na sede e nas localidades rurais de Café Torrado, Jauari, Nova Galiléia, Vila Muirapinima e Lago Jará, em Juruti.
Participaram do estudo, de forma aleatória, indivíduos da demanda habitual do Hospital Municipal Francisco Barros e moradores das comunidades rurais citadas, que estavam presentes nas localidades durante o período de coleta de amostras, foram convidados e aceitaram participar do estudo, assinando um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Houve o preenchimento de uma ficha individual de inquérito de cada participante e foi coletado aproximadamente 8 mL de sangue por punção venosa, o qual, após a identificação e centrifugação, foi acondicionado em criotubos de 3 mL e congelados até serem transportados à Seção de Hepatologia (SAHEP) do Instituto Evandro Chagas (IEC), órgão da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), do Ministério da Saúde (MS), em Belém, Estado do Pará, onde foram congelados a -20° C até a realização dos testes sorológicos e de biologia molecular.
Na SAHEP/IEC, foram realizados testes sorológicos por meio da técnica imunoenzimática para as hepatites A (anti-VHA total e anti-VHA IgM em pacientes sintomáticos), E (anti-VHE total e anti-VHE IgM, nas amostras anti-VHE positivas), B (HBsAg, anti-HBc total e anti-HBs) e C (anti-VHC), utilizando-se kits comerciais dos laboratórios Symbiosys® (São Paulo, Brasil), Mikrogen® (Neuried, Alemanha), bioMérieux® (Marcy-l'Etoile, França) e ORTHO® (New Jersey, EUA), respectivamente.
Nas amostras HBsAg positivo, foram pesquisados HBeAg (Bio-RAD®, Marnes-la-Coquette, França) e anti-HBe (RADIM diagnostics®, Pomezia, Itália), anti-HD total (bioMérieux®) e detecção do VHB-DNA por reação em cadeia da polimerase (PCR) por meio da quantificação do VHB-DNA pelo método semiautomatizado COBAS Amplicor HBV Monitor Test® (Roche Diagnostic Systems, Basel, Suíça). Nas amostras anti-VHC+ foi realizada a detecção do VHC-RNA por meio da reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (RT-PCR). Foram obedecidas as recomendações do fabricante em todos os testes, foram considerados duvidosos os testes que apresentaram densidade óptica situada entre 20% para cima ou para baixo do limite de cut-off.
Os dados foram armazenados em base de dados da SAHEP/IEC (Hepatoware), os resultados dos exames, a análise da situação vacinal dos participantes e as orientações para o acompanhamento dos casos foram enviadas à Secretaria Municipal de Saúde de Juruti, para disponibilizá-los aos participantes, de acordo com as orientações do Sistema de Vigilância e o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, da SVS/MS.
Em atendimento à Resolução n° 196/1996, atualmente n° 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do IEC (CAAE 0013.0.072.000-6) 14,15. As amostras excedentes foram armazenadas em freezers a -70° C, na SAHEP/IEC, os quais integram o Biorrepositório do referido estudo. Ao término da pesquisa, essas amostras foram depositadas e mantidas por tempo indeterminado, em freezers do Biobanco do IEC, conforme TCLE obtido com os participantes do estudo e obedecendo as regras que regem o Biobanco da instituição.
RESULTADOS
Entre fevereiro de 2007 e novembro de 2010, foram coletadas amostras de sangue de 4.003 indivíduos do Município de Juruti, sendo 75,1% (3.007/4.003) no Hospital Municipal Francisco Barros, na sede do Município; 5,8% (232/4.003) na comunidade Café Torrado; 1,1% (42/4.003) na localidade Jauari; 2,8% (113/4.003) na comunidade Nova Galiléia; 7,7% (308/4.003) em Vila Muirapinima; e 7,5% (301/4.003) na invasão às margens do lago Jará. Entre os participantes da pesquisa observou-se uma frequência de 62,5% (2.502/4.003) para indivíduos do gênero feminino.
A média de idade da população foi de 27,6 ± 18,7 anos (variação de 5 meses a 89 anos de idade) e a mediana de 25 anos de idade. A maior concentração de participantes 75,1% (3.007/4.003) estava na sede do Município. A maior e a menor frequências de indivíduos foram encontradas nas faixas etárias de 20 a 29 anos, com 20,8% (833/4.003), e entre os menores de 1 ano de idade, com 0,3% (10/4.003), respectivamente (Tabela 1).
Faixa etária (anos) | Juruti | Café Torrado | Jauari | Nova Galiléia | Vila Muirapinima | Lago Jará | Total | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
?λτ; 1 | 8 | 80,0 | 1 | 10,0 | − | − | − | − | − | − | 1 | 10,0 | 10 | 0,3 |
1 - 4 | 194 | 61,2 | 44 | 13,9 | 6 | 1,9 | 7 | 2,2 | 31 | 9,8 | 35 | 11,0 | 317 | 7,9 |
5 - 9 | 304 | 62,2 | 57 | 11,7 | 7 | 1,4 | 24 | 4,9 | 51 | 10,4 | 46 | 9,4 | 489 | 12,2 |
10 - 19 | 505 | 69,4 | 48 | 6,6 | 12 | 1,6 | 30 | 4,1 | 58 | 8,0 | 75 | 10,3 | 728 | 18,2 |
20 - 29 | 683 | 82,0 | 29 | 3,5 | 4 | 0,5 | 12 | 1,4 | 58 | 7,0 | 47 | 5,6 | 833 | 20,8 |
30 - 39 | 506 | 81,5 | 17 | 2,7 | 3 | 0,5 | 18 | 2,9 | 31 | 5,0 | 46 | 7,4 | 621 | 15,5 |
40 - 49 | 332 | 84,0 | 15 | 3,8 | 3 | 0,8 | 10 | 2,5 | 18 | 4,6 | 17 | 4,3 | 395 | 9,9 |
50 - 59 | 267 | 79,9 | 11 | 3,3 | 1 | 0,3 | 5 | 1,5 | 34 | 10,2 | 16 | 4,8 | 334 | 8,3 |
?γτ; 60 | 208 | 75,4 | 10 | 3,6 | 6 | 2,2 | 7 | 2,5 | 27 | 9,8 | 18 | 6,5 | 276 | 6,9 |
Total | 3.007 | 75,1 | 232 | 5,8 | 42 | 1,1 | 113 | 2,8 | 308 | 7,7 | 301 | 7,5 | 4.003 | 100,0 |
Fonte: Pesquisa de campo, 2007-2010.
N: população examinada; %: frequência;
Sinal convencional utilizado: − dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Foi detectada prevalência global de 86,2% (3.452/4.003) para anti-VHA total positivo, com 13,8% (551/4.003) suscetíveis ao VHA, entre esses, 39% (215/551) eram menores de 4 anos de idade. No decorrer da coleta de amostras, 34 indivíduos apresentaram sintomas e sinais de fase aguda de hepatite, com anti-VHA IgM positivo, mostrando uma prevalência de 0,8% para hepatite aguda A (Tabela 2).
Faixa etária (anos) | N | Anti-VHA+ | |||
---|---|---|---|---|---|
Anti-VHA total+ | % | Anti-VHA IgM+ | % | ||
?λτ; 1 | 10 | 4 | 40,0 | ? | ? |
1 - 4 | 317 | 108 | 34,1 | 3 | 0,9 |
5 - 9 | 489 | 347 | 71,0 | 13 | 2,7 |
10 - 19 | 728 | 623 | 85,6 | 15 | 2,1 |
20 - 29 | 833 | 787 | 94,5 | 3 | 0,7 |
30 - 39 | 621 | 610 | 98,2 | ? | ? |
40 - 49 | 395 | 385 | 97,5 | ? | ? |
50 - 59 | 334 | 323 | 96,7 | ? | ? |
?γτ; 60 | 276 | 265 | 96,9 | ? | ? |
Total | 4.003 | 3.452 | 86,2 | 34 | 0,8 |
Fonte: Pesquisa de campo, 2007-2010.
N: população examinada; Sinal convencional utilizado: − dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Conforme demonstrado na tabela 3, detectou-se prevalência total de 44,1% (1.762/4.003) para os marcadores sorológicos do VHB, com 55,9% (2.241/4.003) suscetíveis ao vírus. Entre as amostras examinadas, 0,6% (24/4.003) apresentaram HBsAg+; 8,3% (332/4.003) anti-HBc total+/anti-HBs+, 1,7% (67/4.003) anti-HBc+ isolado, 33,4% (1.339/4.003) anti-HBs+ isolado e até 10 anos de idade. O perfil sorológico vacinal mostrou-se em 57,8% (472/816). Entre os HBsAg+, 8,3% (2/24) apresentavam HBeAg+, 70,8% (17/24) anti-HBe+ e 62,5% (15/24) com VHB-DNA+ (Tabela 4). A pesquisa do marcador sorológico anti-HD mostrou-se negativa.
Faixa etária (anos) | Total examinado | HBsAg+ | Anti-HBc+/anti-HBs+ | Anti-HBc+ isolado | Anti-HBs+ isolado | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | ||
?λτ; 1 | 10 | ? | ? | 1 | 10,0 | ? | ? | 4 | 40,0 |
1 - 4 | 317 | ? | ? | 2 | 0,6 | ? | ? | 197 | 62,1 |
5 - 9 | 489 | ? | ? | 2 | 0,4 | 2 | 0,4 | 271 | 55,4 |
10 - 19 | 728 | 2 | 0,6 | 7 | 1,0 | 4 | 0,5 | 418 | 57,4 |
20 - 29 | 833 | 4 | 0,1 | 34 | 4,1 | 5 | 0,6 | 245 | 29,4 |
30 - 39 | 621 | 5 | 0,1 | 69 | 11,1 | 11 | 1,8 | 103 | 16,6 |
40 - 49 | 395 | 5 | 1,3 | 60 | 15,2 | 9 | 2,8 | 37 | 9,4 |
50 - 59 | 334 | 4 | 0,1 | 74 | 22,2 | 13 | 3,9 | 32 | 9,6 |
?γτ; 60 | 276 | 4 | 0,1 | 83 | 30,1 | 23 | 8,3 | 32 | 11,6 |
Total | 4.003 | 24 | 0,6 | 332 | 8,3 | 67 | 1,7 | 1.339 | 33,4 |
Fonte: Pesquisa de campo, 2007-2010.
N: população examinada; HBsAg+: portador do VHB; Anti-HBc+/anti-HBs+: perfil de infecção pregressa pelo VHB; Anti-HBs+ isolado: perfil compatível com proteção vacinal; Anti-HBc+ isolado: perfil compatível com infecção pregressa ou atual pelo VHB; Sinal convencional utilizado: − dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Faixa etária (anos) | HBsAg+ | VHB-DNA+ | % | HBeAg+ | % | Anti-HBe+ | % |
---|---|---|---|---|---|---|---|
?λτ; 1 | − | − | − | − | − | − | − |
1 - 4 | − | − | − | − | − | − | − |
5 - 9 | − | − | − | − | − | − | − |
10 - 19 | 2 | 1 | 50,0 | − | − | 2 | 100,0 |
20 - 29 | 4 | 3 | 75,0 | − | − | 4 | 100,0 |
30 - 39 | 5 | 3 | 60,0 | − | − | 3 | 60,0 |
40 - 49 | 5 | 4 | 80,0 | − | − | 3 | 60,0 |
50 - 59 | 4 | 2 | 50,0 | − | − | 4 | 100,0 |
?γτ; 60 | 4 | 2 | 50,0 | 2 | 50,0 | 1 | 25,0 |
Total | 24 | 15 | 62,5 | 2 | 8,3 | 17 | 70,8 |
Fonte: Pesquisa de campo, 2007-2010.
Sinal convencional utilizado: − dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Foi encontrada prevalência de 0,1% (6/4.003) para anti-VHC+. Entre esses foram confirmados, por RT-PCR como portadores do VHC, um indivíduo do gênero masculino com 80 anos de idade e outro do gênero feminino com 33 anos.
A análise de 463 amostras coletadas em três comunidades rurais de Juruti detectou soroprevalência total para anti-VHE+ de 1,9% (9/463), com 0,2% (1/463), 0,4% (2/463) e 1,9% (6/463) para Jauari, Nova Galiléia e Vila Muirapinima, respectivamente. Foi detectado também, entre essas amostras, 0,4% (2/463) para anti-VHE IgM+ (Tabela 5).
Faixa etária (anos) | N | Anti-VHE total+ | Anti-VHE IgM+ | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Jauari | % | Nova Galiléia | % | Vila Muirapinima | % | Total | % | N | % | ||
?λτ; 1 | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? |
1 - 4 | 44 | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? |
5 - 9 | 82 | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? |
10 - 19 | 100 | ? | ? | ? | ? | 1 | 1,0 | 1 | 1,0 | ? | ? |
20 - 29 | 74 | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? | ? | |
30 - 39 | 52 | ? | ? | 1 | 1,9 | ? | ? | 1 | 1,9 | ? | ? |
40 - 49 | 31 | ? | ? | ? | ? | 2 | 6,5 | 2 | 6,5 | ? | ? |
50 - 59 | 40 | ? | ? | ? | ? | 3 | 7,5 | 3 | 7,5 | ? | ? |
?γτ; 60 | 40 | 1 | 2,5 | 1 | 2,5 | ? | ? | 2 | 5,0 | 2 | 5,0 |
Total | 463 | 1 | 0,2 | 2 | 0,4 | 6 | 1,3 | 9 | 1,9 | 2 | 0,4 |
Fonte: Pesquisa de campo, 2007-2010.
N: população examinada; Sinal convencional utilizado: − dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento
DISCUSSÃO
A hepatite A é uma doença de distribuição mundial, de fácil propagação e, por ser uma doença de transmissão fecal-oral, tem prevalência relacionada à situação socioeconômica da população, apresentando, segundo Hadler e Margolis16, cinco padrões epidemiológicos de infecção com regiões geográficas de muito alta, alta, intermediária, baixa e muito baixa endemicidade, baseados na soroprevalência do anti-VHA.
O estudo realizado por Clemens et al4 para determinar a soroprevalência das hepatites A, B e C em quatro centros do Brasil apontou que a Região Norte era área de alta endemicidade para o VHA, com soroprevalência de 92,8%, maior que a média nacional que era de 64,7%. O estudo de prevalência de base populacional das infecções por VHA, VHB e VHC, realizado entre 2004 e 2009, nas 26 capitais e no Distrito Federal, mostrou que para a hepatite A, a prevalência nas capitais da Região Norte era de 58,3%, entre 5 e 19 anos de idade, mostrando endemicidade intermediária17, indicando que a Região Norte apresenta endemicidade variável dessa infecção.
A soroprevalência de 86,2% para hepatite A encontrada no Município de Juruti, o classificou como de alta endemicidade para o VHA, compatível com condições sanitárias e de higiene desfavoráveis encontradas no Município, sobressaindo a necessidade de dar destino adequado aos dejetos, utilizando fossas sépticas corretamente construídas e localizadas. Disponibilizar água potável em quantidade suficiente nos domicílios mostrou-se crítico também, pois durante o período do estudo apenas 33,5% da população urbana do Município tinha acesso ao abastecimento de água1. Além dessas medidas, existe a necessidade de se desenvolver trabalhos educativos para valorizar as iniciativas de saneamento e esclarecer a comunidade sobre as hepatites virais, forma de transmissão, tratamento, prevenção e ampliação das atividades da vigilância epidemiológica, com o objetivo de melhorar as ações de notificação, investigação de casos/surtos e encerramento de casos.
Para o Município de Juruti, a vacinação contra a hepatite A para menores de 2 anos de idade deverá ser implantada face ao número elevado de crianças suscetíveis à doença. A partir de 2014, o MS disponibilizou, por meio do Programa Nacional de Imunização (PNI), a Vacina Adsorvida Hepatite A (inativada) purificada, de uso injetável, em dose única, para todas as crianças a partir de 12 meses até menores de 2 anos de idade18. A Vacina Hepatite A também está disponível a partir de um 1 de idade nos Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE) 19.
A prevalência de 0,6% de HBsAg na população pesquisada indicou padrão de baixa endemicidade, de acordo com o padrão epidemiológico de prevalência da infecção crônica pelo VHB por meio dos marcadores sorológicos HBsAg, anti-HBc e anti-HBs de uma região5,6,20.
A detecção de 0,6% portadores do VHB revelou que medidas de controle da infecção vêm sendo desenvolvidas, entretanto a presença de 55,9% suscetíveis ao vírus e o perfil imunológico vacinal de 33,4% indicaram a necessidade de reavaliar e ampliar o programa de imunização contra a hepatite B no Município, principalmente devido à intensa migração de trabalhadores para a área de mineração, o que poderá proporcionar um aumento da ocorrência de infectados pelo VHB.
A vacinação contra o VHB é a medida de controle e prevenção mais segura, eficaz e de maior impacto contra o vírus. A vacina utilizada pelo PNI é produzida por engenharia genética e indicada no esquema completo de três doses, aplicadas por via intramuscular, devendo ser iniciada de preferência nas primeiras 12 h de vida até 49 anos de idade, induzindo a títulos protetores (≥ 10 mUI/mL) em mais de 90% dos receptores adultos sadios e em mais de 95% dos lactentes, crianças e adolescentes21,22. A vacina contra a hepatite B está disponível nas salas de vacinação do SUS para a população em geral e nos CRIE, conforme nota informativa n° 149/CGPNI/DEVIT/SVS/MS, de 201523.
A detecção de portadores do VHC, confirmados por meio de prova de biologia molecular, reforçou a necessidade de desenvolver esforços no sentido de ampliar as medidas de vigilância epidemiológica para controlar os casos da infecção pelo VHC na população examinada. Como não existe vacina ou imunoglobulina disponível para a prevenção da infecção pelo VHC, o meio mais seguro de proteção envolve atividades de prevenção primária como triagem e análise de sangue e derivados, de órgãos, tecidos e sêmen; inativação do vírus em produtos derivados do plasma; esterilização adequada de materiais reutilizáveis; aconselhamento para redução de risco e danos; ampliação e manutenção de práticas de controle de infecção. E, ainda, atividades de prevenção secundária que incluam identificação, aconselhamento e testagem de indivíduos em situação de risco; tratamento dos infectados; atividades educativas; desenvolvimento de pesquisas para monitorar as tendências da doença e a eficácia das atividades de prevenção; aprimorar as medidas de prevenção da propagação da infecção até que terapias eficazes e de baixo custo se tornem disponíveis24.
A ausência de portadores do VHD, na amostra examinada, revelou que por se tratar de um vírus incompleto necessita da presença do VHB para ser infectante. A Vacina Hepatite B constitui-se na maneira mais importante para reduzir a prevalência e incidência da infecção por esses vírus quando se tratar de casos de coinfecção VHB e VHD3. Em Juruti, desde o início das atividades de mineração, pela necessidade de abertura de novas estradas, construção da ferrovia e do porto para retirada do minério de ferro, ocorreu um intenso fluxo migratório de pessoas de áreas endêmicas de hepatite D que poderiam proporcionar transmissão mais intensa do VHD a portadores crônicos assintomáticos do VHB, disseminando o vírus na população.
A hepatite E, de epidemiologia e curso clínico semelhantes à hepatite A, em homens e mulheres não grávidas, é normalmente autolimitada e tem uma taxa de mortalidade < 0,1%. Em mulheres grávidas, de certas áreas geográficas na índia, a infecção pelo VHE é mais severa, levando frequentemente à falência hepática fulminante e morte de um número significante de pacientes. O maior dano ao fígado pelo VHE durante a gravidez pode estar relacionado a fatores imunes e hormonais que acontecem durante a gestação e a fatores genéticos e ambientais de certos países em desenvolvimento25.
Surtos e casos esporádicos de hepatite E ocorrem em todo o mundo com maior frequência em países com recursos financeiros limitados, acesso limitado a serviços essenciais de água, saneamento, higiene e saúde. As maiores taxas de soroprevalência são observadas em regiões com baixos padrões de saneamento, mais de 60% das infecções pelo VHE e 65% de todas as mortes da hepatite E ocorrem no leste e no sul da Ásia. No Egito, a metade da população com idade acima de 5 anos apresenta sorologia positiva para o VHE e estima-se que na índia ocorram anualmente mais de 2 milhões de casos de hepatite E26. Apesar das condições inadequadas de saúde e do meio ambiente no Brasil, ainda não foram descritos casos de epidemias relacionadas ao VHE3.
A detecção dos marcadores sorológicos anti-VHE total e anti-VHE IgM, em indivíduos residentes em áreas rurais do Município, comprovou pela primeira vez a presença de infecção pelo VHE nessa população.
Semelhante ao que ocorre com o VHA, a prevenção da infecção pelo VHE está diretamente relacionada às boas práticas de higiene e de manipulação de alimentos; medidas de saneamento básico, descarte adequado de resíduos sanitários; desenvolvimento de trabalhos educativos para valorizar as medidas de saneamento e esclarecimentos à população sobre a doença, transmissão, o tratamento e prevenção.
A primeira vacina contra hepatite E (Hecolin®) foi produzida na China, licenciada em 2011 e comercializada desde 2012, tem proporcionado bons resultados de proteção contra o VHE, embora não esteja disponível globalmente, poderia potencialmente se tornar acessível para países endêmicos para a doença27.
Ainda não existe um consenso sobre a vacinação contra o VHE para minimizar um curso clínico desfavorável, a vacina futuramente poderia ser indicada para mulheres grávidas e pacientes imunossuprimidos de regiões endêmicas, tais como transplantados e infectados pelo vírus da imunodeficiência adquirida, uma vez o que o VHE pode causar hepatite crônica entre eles28.
CONCLUSÃO
O Município de Juruti, de acordo com o estudo realizado ao longo de quatro anos, caracterizou-se laboratorialmente como de elevada prevalência para o VHA; de baixa prevalência para o VHB, com detecção de portadores do vírus e de um elevado número de suscetíveis, mesmo existindo uma vacina eficaz para a sua prevenção, disponível por meio do SUS, desde o nascimento até os 49 anos de idade, possibilitado pelo seu uso a médio prazo, redução do número de infectados pelo VHB. O estudo também detectou baixa prevalência para VHC no Município, embora fosse confirmada a presença de infecção. Foi observada a ausência de portadores do VHD entre as amostras HBsAg+ e baixa endemicidade para o VHE e comprovada, pela primeira vez, a presença de infecção pelo VHE na população rural estudada.