INTRODUÇÃO
A esquistossomose mansônica é uma parasitose de veiculação hídrica, causada pelo trematódeo Schistosoma mansoni, que tem no seu ciclo biológico o envolvimento de caramujos do gênero Biomphalaria, sendo esses os únicos hospedeiros intermediários, e tem o homem como hospedeiro definitivo. Essa doença é conhecida popularmente como "doença do caramujo" e/ou "barriga d'água", que cursa com um quadro agudo ou crônico, muitas vezes com poucos sintomas ou assintomático, mas pode também se manifestar com formas mais graves, com desfecho do óbito do hospedeiro1.
A esquistossomose é uma doença de caráter endêmico, associada à pobreza e ao baixo desenvolvimento econômico, encontrada em 54 países da África, Ásia e América do Sul. Nas Américas, o Brasil é o País com maior número de casos, estimando-se que mais de 200 milhões de pessoas estejam infectadas e que outras 779 milhões correm o risco de infecção pelo S. mansoni em todo o mundo2. É uma doença de grande importância em saúde pública que chega a causar cerca de 200 mil mortes por ano no mundo. Assim, é considerada a segunda infecção parasitária mais importante, ficando atrás apenas da malária3.
No Brasil, de acordo com o manual de vigilância da esquistossomose do Ministério da Saúde (MS), entre 2010 e 2012 ocorreram 941 internações por 100 mil habitantes e 1.464 óbitos por esquistossomose no mesmo período de tempo. Essa doença atinge o maior índice endêmico nos seguintes Estados: Pernambuco, Bahia, Alagoas e Sergipe, e que atualmente são considerados, ainda, as principais Unidades da Federação com maior prevalência e incidência da esquistossomose mansônica4.
A transmissão da esquistossomose ocorre devido ao contato com águas contaminadas por cercárias, forma larvar do parasito5. Rotineiramente nos locais endêmicos, as pessoas utilizam rios habitados por caramujos infectados pelo S. mansoni para banhos, pescas, lavagem de roupa e louças, tornando-se suscetíveis à doença6.
A esquistossomose pode ser confundida com outras doenças devido às variadas manifestações clínicas que ocorrem, sendo a forma aguda comumente observada em pessoas que não vivem em áreas endêmicas. O exame parasitológico de fezes para diagnóstico dessa parasitose é realizado principalmente por meio dos métodos de sedimentação espontânea, entretanto Kato-Katz é o método padrão ouro preconizado pelo MS em regiões endêmicas6,7.
Dados publicados pelo MS mostraram que, em Alagoas, a esquistossomose estaria com uma taxa de positividade de 8,54%. Chama-se a atenção principalmente para os Municípios de Capela e Santana do Mundaú que se destacaram epidemiologicamente com uma prevalência de 22,8% e 10,1%, respectivamente, no ano de 20088. Outro estudo publicado mostrou que Santana do Mundaú apresentou uma prevalência de 27,7%9.
A realização desse estudo teve como objetivo contribuir com informações epidemiológicas para alertar as autoridades sanitárias, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento de programas socioambientais para eliminação dos focos de transmissão por S. mansoni, sobretudo nas áreas geograficamente mais afetadas em Alagoas. Assim, a pesquisa avaliou o perfil epidemiológico relacionado aos casos positivos de infecção por S. mansoni em municípios de Alagoas entre os anos de 2010 e 2014.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa de caráter descritivo retrospectivo, de abordagem quantitativa, realizada a partir dos dados secundários do Sistema de Informação do Programa de Controle da Esquistossomose (PCE) − SISPCE, obtidos junto à Secretaria de Estado da Saúde Alagoas. No instrumento de coleta de dados constavam variáveis independentes como gênero, faixa etária, casos positivos, número de pessoas tratadas, informações malacológicas, hospitalares e de mortalidade, coletadas no período de 2010 a 2014.
Os dados foram obtidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do Sistema Único de Saúde (SUS), sem a identificação nominal dos pacientes, respeitando-se assim aspectos éticos da Resolução N° 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Posteriormente, foram plotados em planilha eletrônica do programa Microsoft Office Excel(r), analisados de forma descritiva e expressos em percentual.
RESULTADOS
A figura 1 mostra a frequência da esquistossomose mansônica no Estado de Alagoas, de acordo com o percentual de positividade obtido por meio de exames parasitológicos pelo PCE, no período de 2010 a 2014. Observou-se pouca variação (7,40-7,27%), exceto nos anos de 2012 e 2014 com pequeno decréscimo (6,22-6,83%).
Entre os 102 municípios de Alagoas, que totalizam 3.120.122 habitantes, foram notificados casos de esquistossomose em 70, estando a prevalência superior a 15% em sete destes Municípios: Atalaia, Cajueiro, Capela, Feira Grande, Igreja Nova, Pindoba e Rio Largo. Na figura 2 observa-se uma tendência na redução dos casos positivos de esquistossomose nesses Municípios, entre 2010 e 2014, sobretudo em Rio Largo.
Foi observado que a maior proporção dos indivíduos infectados é do gênero masculino, com um percentual de 57,05%.
A partir dos achados referentes à faixa etária, a tabela 1 mostra que a maior proporção de indivíduos parasitados (58,63%) apresenta idade entre 15 e 49 anos, seguido da faixa etária entre 5 e 14 anos, com 28,95% dos infectados.
Quanto ao tratamento específico, conforme mostra a figura 3, a maior porcentagem de indivíduos tratados foi em 2010 e 2013 (69,42-69,44%), com importante redução em 2012 (59,62%).
De acordo com os dados de notificações de formas graves, internações e óbitos por esquistossomose em Alagoas entre 2010 e 2014, verificou-se importante redução de notificação de formas graves e de internamento de pacientes. Entretanto, o número de óbitos aumentou consideravelmente, passando de 29 em 2010 para 51 em 2014 (Tabela 2).
Entre os caramujos capturados em alguns municípios do Estado no período de 2010 a 2014, um (1,19%) foi da espécie B. straminea e 153 (57,92%) da espécie B. glabrata, confirmando esta última espécie como principal vetor do S. mansoni.
DISCUSSÃO
No Brasil, a esquistossomose é uma doença endêmica de grande importância na saúde pública, com cerca de 43 milhões de pessoas vivendo em áreas de risco de infecção e 7 milhões infectadas. As Regiões de maior destaque são Nordeste e Sudeste, onde existem áreas com prevalência superior a 15%, como nos Estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Minas Gerais, encontrando ainda formas graves levando a óbitos8,10.
O MS classifica as áreas com esquistossomose de acordo com a prevalência observada, considerando: áreas de baixa endemicidade, aquelas com prevalência abaixo de 5%; de média endemicidade, onde está maior que 5% e menor que 15%; e de alta endemicidade, aquelas cuja prevalência é superior a 15%.
A esquistossomose é considerada endêmica em 69% dos 102 municípios de Alagoas, com estimativas de que aproximadamente 2,5 milhões de pessoas vivam sob o risco da doença nestas áreas endêmicas9, uma situação próxima da realidade do Estado de Sergipe, conforme mostrado em uma publicação baseada nos dados do PCE de 2005 a 2008 identificando taxas de prevalência de 13,6%, 11,2%, 11,8% e 10,6%, respectivamente11.
Neste mesmo contexto, outros estudos apontaram para Alagoas uma taxa de prevalência geral de 8,54%, mas superior a 15% em alguns municípios, a exemplo de Capela, que alcançou taxa de 22,8%, demonstrando assim a importância epidemiológica desses municípios no ciclo de transmissão da esquistossomose no Estado9. Foi observado também que, nas zonas de transição rural-urbana, a média de prevalência da esquistossomose, entre os anos de 2003 a 2008, foi de 13,98%, sendo consideradas áreas de média endemicidade12.
Recomenda-se que, em locais endêmicos onde existe um percentual de positividade inferior a 15%, deve-se utilizar, como estratégia de controle, o tratamento dos indivíduos com exame parasitológico de fezes positivo para evitar a dispersão da endemia4.
Com relação à presença de hospedeiros intermediários, a quantidade de caramujos capturados foi elevada nas duas maiores cidades do Estado: Arapiraca, com 3.530; e a capital Maceió, com 548. Estes resultados são semelhantes ao de um estudo feito em duas mesorregiões do Estado de Alagoas, onde ficou evidenciada a importância epidemiológica do B. glabrata como o principal hospedeiro intermediário de S. mansoni nas zonas endêmicas do Estado6. Essa característica é diferente de outras localidades brasileiras como, por exemplo, em Belém, capital do Estado do Pará, onde foi demonstrada a presença do planorbídeo, vetor da esquistossomose, em 35 dos 70 bairros visitados, e em 20 já havia a transmissão ativa da doença, com predominância do B. straminea13.
Do mesmo modo que este estudo, resultados de outros autores mostraram que, entre os infectados pelo S. mansoni, houve predominância de indivíduos do gênero masculino, como observado em uma comunidade periférica do Município de Jequié, no Estado da Bahia, onde os homens foram a maioria (74,6%) dos acometidos com esta infecção14. Essa predisposição é justificada por variáveis culturais e comportamentais, visto que estes indivíduos realizam atividades de lazer como pesca, banho e práticas esportivas no ambiente peridomiciliar e tornam-se mais suscetíveis a adquirir a infecção15.
Com relação à faixa etária, observou-se relação semelhante na maioria das publicações. Em Mogi Guaçu, Estado de São Paulo, predominaram os sujeitos na faixa etária entre 10 e 19 anos (32,8%)16. Esse fato corrobora a literatura específica, na qual os estudos apontam que a média de idade de pessoas do gênero masculino é entre 10 e 29 anos17,18. Um estudo realizado em Pindamonhangaba, também em São Paulo, mostrou um percentual de infecção de 31,6% na faixa etária até 20 anos, ratificando os resultados desse estudo19.
Em Alagoas, o tratamento farmacológico da esquistossomose baseia-se no uso do praziquantel (PZQ), conforme recomendações do MS. A oxaminiquina, que já foi usada no Brasil, também é empregada no tratamento dessa parasitose em outros países das Américas e da África20. Resultados exitosos têm sido mostrados por vários autores brasileiros com tratamento utilizando dose única de PZQ, como em um estudo realizado por Cardim et al21, no Município de Lauro de Freitas, Estado da Bahia, quando 92% dos pacientes receberam dose única desse medicamento, demonstrando a importância do tratamento no controle da morbidade do agravo ao reduzir as possibilidades de evolução para formas graves da doença.
A esquistossomose é uma infecção helmíntica que está associada a diversos fatores, como: más condições de tratamento da água, falta de educação em saúde, disseminação dos hospedeiros intermediários e longevidade da doença22. Com isso, continua a se configurar como uma das doenças parasitárias de maior importância em saúde pública no Brasil.
CONCLUSÃO
A análise dos casos de esquistossomose no Estado de Alagoas notificados nos anos de 2010 a 2014 mostrou maior número de casos em 2013; e que neste período predominaram as notificações do gênero masculino, sobretudo na faixa etária entre 15 e 49 anos. Em todo o Estado, o hospedeiro intermediário de destaque é o B. glabrata. Desse modo, mostra-se a importância da adoção de medidas profiláticas e melhoria nas condições de saneamento básico, assim como educação da população.