INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB) é uma doença milenar e até a atualidade ainda é responsável por altos índices de mortalidade por falta de prevenção e cuidados, representando um grave problema de saúde pública. A Organização Mundial da Saúde (OMS)1 destacou que os índices de TB estão decrescendo desde o ano de 2002, entretanto o Ministério da Saúde (MS)2 retrata que 1/3 da população mundial, ainda hoje, apresenta a infecção pelo Mycobacterium tuberculosis.
Em 1993, a TB foi considerada como situação de emergência sanitária, uma vez que 8 milhões de pessoas adoecem por ano e a doença ainda ocasiona óbito em 2,9 milhões destas. Vale ressaltar que os países em desenvolvimento e em condições de pobreza são frequentemente mais afetados, registrando em 95% dos casos uma taxa bruta de 8 milhões de casos anuais, incluindo o Brasil1,2.
Considera-se que a TB possui relação com as condições de saneamento básico e também com a classe social. Pessoas em maior situação de miséria estão mais expostas à manifestação do bacilo. No Brasil, os casos da doença são notificados principalmente nas regiões de periferia ou em áreas de aglomeração (favelas). Destaca-se que além da situação de moradia, a alimentação se torna um fator determinante para infecção, associada também com a ingestão de álcool, tabaco e outras drogas3.
Tal doença caracteriza-se por uma infecção ocasionada pelo M. tuberculosis ocorrente por transmissão de via aérea, a partir de um indivíduo doente para o sadio4. Quando acontece a transmissão da TB, o bacilo pode se instalar no organismo em diversos órgãos, quer seja durante a primoinfecção, que corresponde aos casos de imunidade específica ainda não desenvolvida, ou mesmo em casos de diminuição na capacidade do hospedeiro em manter o bacilo em seus sítios de implantação, ou seja, nos casos em que o sistema imunológico do hospedeiro não consegue eliminar o bacilo, tornando-se suscetível à ação da doença. Vale ressaltar, ainda, que uma vez o indivíduo sendo infectado, a manifestação da TB pode ocorrer em qualquer momento da vida3,5.
Classifica-se a TB primária em caráter lento e insidioso que correspondem ao tipo ganglionar e de tipo de afecção dos gânglios e pulmão. As manifestações extrapulmonares são os tipos mais ocorrentes, apresentam-se em regiões de maior suprimento sanguíneo e oxigenado, sendo pleural, linfática, osteoarticular, geniturinária e intestinal6.
Trata-se de uma doença de fácil diagnóstico, curável e passível de ser evitada. Apesar desses indicadores, anualmente ainda ocorrem cerca de 4.500 óbitos por TB. No ano de 2008, a TB foi responsável pela quarta causa de morte por doenças do tipo infecciosas, subindo de posição nos casos de portadores da aids7.
Diante das informações expostas, este trabalho teve como objetivo identificar o perfil clínico-epidemiológico dos pacientes portadores de TB atendidos em uma unidade municipal de saúde em Belém, no Estado do Pará.
MATERIAIS E MÉTODOS
A presente pesquisa respeitou as normas do Conselho Nacional de Saúde envolvendo seres humanos (Res. CNS 466/12). Teve início após assinatura da declaração de aceite da instituição - Secretária Municipal de Saúde, posterior à submissão e aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário do Estado do Pará, sob parecer nº 153.110, aprovado em dezembro de 2012.
O estudo realizado é do tipo observacional e quantitativo, seguindo o delineamento descritivo, analítico e transversal. Foi realizado em uma unidade municipal de saúde no Município de Belém, uma das referências em diagnóstico e tratamento da TB. Foram adotados como critérios de inclusão: prontuários de pacientes com diagnóstico clínico-laboratorial de TB confirmado e cadastrados no Programa Nacional de Controle da Tuberculose da unidade de estudo, no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2012.
O tamanho da amostra estimado era de 200 pacientes, porém a partir do número de prontuários encontrados no registro geral dos frequentadores do local, foi alcançada a amostra total de 102 prontuários. Estes foram lidos e analisados por um instrumento de coleta de dados de autoria própria, contendo variáveis como sexo, idade, raça, procedência, escolaridade, profissão/ocupação, estado civil, hábitos de tabagismo e perda de peso recente, assim como dados sobre a forma clínica da TB, baciloscopia, sorologia para HIV e motivo de alta.
As variáveis encontradas foram tabuladas em uso do Microsoft Excel 2010 para descrição de médias, desvio padrão e valores de porcentagem, assim como para elaboração de gráficos e tabelas.
RESULTADOS
Foram analisados 102 prontuários com ano de base 2011/2012, sendo que a maioria dos indivíduos pesquisados pertencia ao sexo masculino, com idade média de 35,39 ± 14,39 anos. A tabela 1 sintetiza os dados encontrados referentes ao perfil sociodemográfico dos sujeitos do estudo.
Destaca-se que dentre os prontuários analisados, a procedência da maioria, 99 pacientes (97,06%), era urbana, apenas de um paciente (0,98%) era rural e dois prontuários (1,96%) não relatavam a procedência dos pacientes.
A pesquisa analisou variáveis clínicas da TB, dentre elas a quantidade de pessoas com hábitos tabagistas, 26 pacientes (25,50%) eram fumantes, enquanto que um número elevado de 71 pacientes (69,60%) não possuía tal prática; os demais pacientes - cinco (4,90%) - não possuíam o relato em seus prontuários. Foram observados também os aspectos associados à doença, como a perda de peso recente, qual a classificação clínica da TB, além dos registros do exame Pesquisa de BAAR (baciloscopia), como descrito na tabela 2.
Verificou-se entre os pacientes com TB que a maioria não tinha a coinfecção pelo HIV, 95 pacientes (93,14%) obtiveram resultado negativo no exame de sorologia, seis pacientes (5,88%) possuíam resultado sorológico positivo e apenas um (0,98%) não foi relatado.
Quanto ao motivo de alta do programa, 80 pacientes (78,44%) receberam alta por cura da doença, 11 (10,78%) abandonaram o tratamento, sete (6,86%) foram transferidos, dois (1,96%) não tiveram o motivo de alta relatado, um (0,98%) foi a óbito e um paciente (0,98%) continuava em tratamento.
DISCUSSÃO
O sexo masculino ainda é o mais afetado pela TB, tanto neste estudo como o que se retrata na literatura, dados justificados pelo fato do homem não cuidar adequadamente de sua saúde e ainda estar mais exposto aos fatores de risco para a doença quando comparados às mulheres8. Esta afirmativa foi compatível com o presente estudo, visto que 54,90% da amostra com TB pertenciam ao sexo masculino.
A OMS quantifica essa preferência pelo sexo masculino por meio da relação entre homem/mulher, que varia de 1,5:1 a 2,1:1, respectivamente. Além desta relação, outro fator que se faz marcante são as estatísticas mostrando que os homens são os maiores representantes entre os casos de aids demonstrado no Brasil no ano 20008,9,10, porém esta última relação não pôde ser confirmada pelo estudo, uma vez que somente 5,88% dos pacientes apresentavam coinfecção por HIV.
Segundo Brito et al11, a aids é uma das comorbidades que apresentam maiores fatores de risco para a TB. É sabido que o HIV ocasionou alterações nos mecanismos de defesa do organismo humano contra o agente causal da TB, por conta disso a infecção pelo HIV pode ser dita como o principal fator de risco para a evolução da infecção em latência provocada pelo M. tuberculosis12.
Apesar de ter sido verificado neste estudo que a maioria dos pacientes não eram portadores de HIV, é sempre importante o incentivo para realização do teste sorológico para este vírus, pois é auxiliador no processo de diagnóstico da doença. Trata-se de um exame simples, disponível em diversas unidades de saúde e preconizado para todos os portadores de TB, sendo que pode potencializar a eficácia do tratamento, uma vez que o aumento da prevalência do HIV repercute em graves implicações no controle da TB13,14.
Em relação às informações encontradas referentes à idade, média de 35,39 anos, os valores registrados seguem o padrão nacional, demonstrando um predomínio de acometimento na faixa etária entre 20 e 49 anos, uma das fases mais ativas da vida. O MS6 cita que a importância e eficácia da vacina BCG, vacina preconizada para crianças na intenção de reduzir o risco da infecção pela TB, além das pessoas mais jovens, também visa à proteção dos adultos ativos economicamente e dos idosos, considerados como população vulnerável imunologicamente no País.
Os fatores socioeconômicos também estão diretamente relacionados à exposição dos indivíduos à doença, pois geralmente a TB atinge pessoas com menor escolaridade, com rendas mais desfavorecidas, estando ligada à pobreza e à má distribuição de renda14,15. Neste estudo, apesar da grande diversidade no nível de instrução, foi identificada uma maior frequência de 33,33% de sujeitos que possuíam o ensino fundamental incompleto, mostrando que os resultados encontrados estão de acordo com os registros nacionais e que a TB se faz mais presente em indivíduos de baixa escolaridade.
A baciloscopia é um dos métodos mais utilizados pela saúde pública para o diagnóstico da doença, devido a sua praticidade e eficácia, porém, como outros tipos de exame, tem suas limitações16. Uma das limitações quanto à positividade deste teste ocorre em relação à necessidade de uma quantidade significativa de bacilos álcool-ácido-resistentes, desta forma o teste pode ter interpretações de falsos negativos.
Estudiosos como Lopes et al5 classificaram a infecção segundo seu estado bacteriológico, mas ressaltaram que apesar de ser considerado padrão ouro dentre os exames diagnósticos, deixa a desejar no tempo para resultado, o que pode ocasionar propagação da doença neste meio tempo.
Campos3 descreveu as infecções como bacilíferos (B+) caracterizadas como positivas na baciloscopia do escarro, ou seja, o doente elimina mais de 5.000/mL de escarro. O outro tipo é chamado não bacilíferos, nesse caso o resultado é negativo na baciloscopia do escarro. O autor destacou ainda que a cultura pode ser positiva (C+) ou negativa (C-)5,17.
Segundo a OMS18, o hábito do tabagismo representa um fator de risco importante para ocorrência da infecção da TB, fator não relacionado com a ingestão do álcool, mas a OMS considera o fumo como indicativo de crescimento de morbidades e mortalidade pela doença. Aproximadamente 20% da incidência global da TB está vinculada ao tabagismo, ressaltando a indispensável necessidade do controle da epidemia do tabaco que irá favorecer assim o combate ao surto da doença. De acordo com este estudo, os resultados encontrados foram de 25,50% de portadores de TB que são tabagistas para 69,60% de portadores de TB não tabagistas, dados que corroboram a informação da OMS.
As condições alimentares são um outro fator importante relacionado à TB que não é sempre favorável, vem sendo relacionado como indicativo para à reativação do bacilo em estado de latência19. Sabe-se que a reserva corporal precisa de uma alimentação balanceada e nutritiva, por isso as pessoas com distúrbios alimentares acabam se tornando mais vulneráveis ao surgimento de doenças crônicas, favorecendo a prostração, visto que terão menor massa muscular e resistência sistêmica20.
Os dados encontrados nesta pesquisa confirmam que os distúrbios alimentares são um fator relevante relacionado à TB. Dos pacientes portadores de doença, 78,44% relataram perda de peso recente e sem motivo aparente durante a avaliação na unidade de saúde e apenas 19,60% não referiram a redução de peso como queixa.
Uma pesquisa de 1996 realizada na Região Norte do Brasil investigou pacientes internados por TB em hospitais da região e identificou que em 77,8% dos casos o doente encontrava-se em estado de desnutrição e com índice de massa corporal (IMC) médio de 18,7 kg/m21. No presente estudo não foi possível obter valores de IMC para comparar a outros autores, por ausência de tal informação no prontuário.
Em relação às variáveis clínicas, a forma de TB mais comum nos indivíduos desta pesquisa foi a forma pulmonar (82,35%), ainda que tenham sido registrados alguns casos na forma ganglionar e óssea. Conforme dados da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo22, apesar da doença ter a capacidade de acometer diversos órgãos, a forma pulmonar é de fato a mais frequente e com maior valor epidemiológico em decorrência de sua transmissibilidade. O MS2 estima que 90% dos casos de TB do tipo pulmonar ocorram em indivíduos com mais de 15 anos de idade, informação ratificada neste estudo ao identificar que a doença atinge principalmente na faixa etária produtiva da população.
Segundo Nogueira et al23, no que se refere ao motivo de saída do hospital, verificou-se que as saídas consideradas indesejáveis foram as mais comuns, entre elas a alta por abandono, a de maior prevalência. Achados contrários ao presente estudo, em que a maioria dos pacientes recebeu alta por motivo de cura da doença, assim como no estudo de Severo et al24 que encontrou o mesmo perfil. Porém, vale ressaltar que, segundo Nogueira et al23, o motivo de saída sem ser por cura torna-se um fator extremamente importante, uma vez que pode ocasionar que os doentes continuem sendo fonte propagadora da doença.
Por meio desta pesquisa foi possível conhecer as características clínicas e epidemiológicas dos pacientes portadores de TB atendidos em uma unidade municipal de saúde de Belém nos anos de 2011 e 2012. A doença ainda está sendo registrada frequentemente no sistema básico de saúde, com isso observa-se a necessidade da intensificação de estratégias de prevenção e divulgação das formas de tratamento da doença, objetivando a diminuição da incidência e prevalência de casos a nível local e regional.
CONCLUSÃO
Observa-se que a TB ainda representa uma doença infecciosa atual e, aparentemente, permanece distante de seu período de erradicação.
A pesquisa concluiu que os portadores de TB da unidade pesquisada possuíam o perfil epidemiológico pertencente, em sua maioria, ao sexo masculino (54,90%), com idade média de 35,39 anos e desvio padrão de 14,39, sendo a maioria dos indivíduos de baixa escolaridade (33,35%).
Com relação às variáveis clínicas, foi possível constatar, pelos prontuários investigados, que grande parte dos sujeitos (78,44%) apresentou como queixa a perda de peso recente. Do total examinado, 64,71% registraram exame de escarro positivo, com um número expressivo de 82,35% casos de TB pulmonar.
Os resultados deste trabalho sugerem novos estudos para maior caracterização dos sujeitos infectados, e ainda pesquisas que explorem a necessidade de intensificação de estratégias de prevenção e controle da doença em unidades de saúde e nas comunidades de todo o País, para que, desta maneira, os índices da doença possam adentrar à curva decrescente.