INTRODUÇÃO
A infecção causada pelo Toxoplasma gondii, a toxoplasmose, é uma das principais zoonoses em todo o mundo devido as suas consequências para a saúde humana e animal1. Em humanos, a soroprevalência da infecção varia de acordo com as características socioeconômicas e ambientais em cada região investigada, sendo mais prevalente em regiões tropicais, como o Brasil, onde a severidade da doença tende a ser mais evidente2,3.
Apesar de sua ampla distribuição, em geral, a toxoplasmose caracteriza-se clinicamente pela ausência de sintomas. Em imunocompetentes, apesar de registros sobre a ocorrência de formas severas relacionadas à infecção por cepas altamente virulentas do parasito em áreas de floresta amazônica na Guiana Francesa, normalmente sintomas como linfadenopatia, cefaleia e febre persistente, quando presentes, são considerados inespecíficos, visto que podem ser comuns a outras doenças infecciosas4,5,6. Contudo, em indivíduos imunocomprometidos, entre os quais pacientes transplantados ou portadores de HIV/aids, a infecção pode evoluir com quadro grave de encefalite, miocardite, retinocoroidite, entre outros7,8. Outra forma grave da infecção pelo T. gondii é a congênita, resultado da primoinfecção materna ou, menos frequentemente, pela reativação da infecção crônica em situação de imunossupressão ou reinfecção com cepas atípicas do parasito durante o período gestacional, com a consequente infecção do concepto. Essa forma pode ocasionar morte fetal, abortamento, sequelas oculares, desordens neurológicas ou psicomotoras, as quais podem se manifestar ao nascimento ou ao longo da vida do indivíduo9,10,11.
A principal via de transmissão da toxoplasmose é a oral, pela ingestão de carne crua ou mal cozida, contendo cistos teciduais, ou de água ou alimentos contaminados com oocistos esporulados do parasito12,13.
Os felídeos são os únicos hospedeiros que excretam oocistos do parasito nas suas fezes, como resultado da fase sexuada do parasito que ocorre no epitélio intestinal desses animais14. Condições adequadas de temperatura e umidade são fundamentais para a esporulação desses oocistos, tornando-os resistentes e viáveis por até 18 meses no meio ambiente15,16.
Na rotina laboratorial, o diagnóstico da toxoplasmose se baseia na pesquisa de anticorpos séricos IgG e IgM anti-T. gondii por diferentes métodos sorológicos, o que permite a determinação do perfil sorológico dos indivíduos em relação à infecção: perfil de infecção pregressa, determinado pela presença somente de anticorpos IgG; perfil de possível infecção aguda, pela presença somente de IgM; e perfil de possível infecção aguda/recente caracterizado pela presença de ambas as imunoglobulinas. Devido à possibilidade da persistência de IgM residual por mais de 12 meses após a infecção aguda, para confirmação desse último perfil, principalmente em mulheres gestantes, normalmente é necessária a determinação da avidez de IgG, que é baixa nos casos de infecção recente (até três meses) e alta quando a infecção ocorreu há mais de seis meses17,18.
No Estado do Pará, as principais informações epidemiológicas a respeito da toxoplasmose estão restritas à área urbana da Região Metropolitana de Belém, capital do Estado, onde a soroprevalência alcança índices acima de 70% na população19,20. Em relação a informações referentes a outras áreas do Estado, em 2004, foi registrado um surto de toxoplasmose no distrito de Monte Dourado, Município de Almeirim, onde 40 casos da doença aguda foram confirmados, inclusive com indícios de reinfecção por diferentes cepas do parasito21. Assim, devido à severidade da doença, quando causada por cepas virulentas até então limitadas ao ambiente silvestre, aos fatores ambientais da Região Amazônica, que favorecem o desenvolvimento do parasito, e pela ação antrópica, que altera o ambiente geográfico da região e, consequentemente, a ecoepidemiologia dos hospedeiros e a diversidade genética do parasito6,22, é fundamental a realização de investigações em outras áreas, principalmente naquelas caracterizadas por possuírem projetos hidrelétricos, agropecuários e de extrativismo mineral ou vegetal. Dessa forma, o estudo em questão foi realizado com o objetivo de estimar a soroprevalência da infecção em um município de características rurais do Estado do Pará.
MATERIAIS E MÉTODOS
TIPO DE ESTUDO
O estudo proposto é uma avaliação epidemiológica do tipo transversal e descritiva, realizada em uma amostra humana procedente do Município de Novo Repartimento, Estado do Pará.
ÁREA DO ESTUDO
Novo Repartimento é um município de característica tipicamente rural, localizado na mesorregião sudeste do Pará, microrregião de Tucuruí, encontrando-se distante cerca de 560 km da capital do Estado, Belém (Latitude: 04º 19' 50" S; Longitude: 49º 47' 47" O) (Figura 1). Sua população estimada é de 62.050 habitantes23 e as principais atividades econômicas do município estão relacionadas à agropecuária e ao extrativismo vegetal, principalmente de madeira24.
AMOSTRA
No período de julho de 2010 a março de 2012, foram incluídos no estudo 427 indivíduos de ambos os sexos (114 do sexo masculino e 313 do feminino), com idade variando de 2 a 72 anos (média 29,13 ± 15,79), todos residentes em Novo Repartimento. Esses indivíduos foram selecionados aleatoriamente na demanda do Laboratório BIOLAB, o qual é responsável pela maioria dos exames solicitados pela rede pública e privada de saúde do município. Foram excluídos da investigação os menores de 2 anos de idade, bem como os menores de 18 anos desacompanhados de seus pais ou responsáveis. A partir da consulta ao banco de dados do estudo no momento da seleção, os indivíduos que já haviam sido incluídos previamente, mas que estavam em novo atendimento no laboratório, foram identificados e descartados, a fim de se evitar que os mesmos fossem selecionados e incluídos mais de uma vez no estudo.
Os participantes foram orientados sobre os objetivos, riscos e benefícios do estudo. Aqueles que concordaram em participar foram convidados a assinar um termo de consentimento livre e esclarecido e forneceram dados sociodemográficos, clínicos e epidemiológicos para um questionário padronizado, devidamente preenchido por membros da equipe técnica do Laboratório, os quais foram previamente capacitados para tal atividade.
De cada paciente, foram coletados 5 mL de sangue total por punção venosa, os quais foram centrifugados e separados em alíquotas de, no mínimo, 200 µL de soro em tubos plásticos devidamente identificados com o nome do paciente e data da coleta. Essas alíquotas foram armazenadas sob congelamento em freezer (-20 ºC). Posteriormente, as fichas e os soros foram encaminhados ao Laboratório de Toxoplasmose (LabToxo) do Instituto Evandro Chagas (IEC), para as análises necessárias.
ASPECTOS ÉTICOS
O presente estudo está inserido no projeto "Características soroepidemiológicas e moleculares da infecção pelo Toxoplasma gondii em humanos, suínos e galináceos no Estado do Pará", o qual foi submetido, avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Humanos do IEC (Protocolo: 0017/06; CAAE: 0022.0.072.000-06). Todos os procedimentos de amostragem, coleta e demais procedimentos laboratoriais seguiram as recomendações e normas do referido Comitê.
MÉTODO LABORATORIAL
As amostras de soro foram submetidas à reação de imunofluorescência indireta (RIFI) para a detecção de anticorpos IgG e IgM anti-T. gondii. Nesse método foram utilizados conjugados comerciais anti-IgG e anti-IgM humanos marcados com fluoresceína (Fluoline G/Fluoline M - BioMérieux S/A - Brasil) e o antígeno foi produzido a partir de taquizoítos da cepa RH de T. gondii, mantida in vivo no LabToxo/IEC.
A RIFI foi realizada de acordo com a descrição e padronização proposta por Camargo25 e seguindo o protocolo desenvolvido e aplicado na rotina do LabToxo/IEC. Inicialmente os soros foram diluídos seriadamente em PBS (1:10 a 1:10.240) e, em seguida, após a identificação das lâminas sensibilizadas com antígeno de T. gondii, foram distribuídos nos respectivos poços das lâminas, as quais foram incubadas por 30 min a 37 ºC. Após esse período, as lâminas foram lavadas com PBS e água destilada e, em seguida, foram adicionados os respectivos conjugados diluídos em solução de azul de Evans (1:100). Após novo período de incubação e lavagem, as lâminas foram secas e receberam uma fina camada de glicerina tamponada, sendo recobertas por lamínulas e submetidas à leitura do microscópio de fluorescência (Zeiss Scope. A1), em objetiva de 40X, para a verificação de ausência ou presença de parasito. O ponto de corte definido para IgG e IgM foi o título de 40. A cada teste, foram inclusos controles negativos e positivos para parâmetros de comparação.
VARIÁVEIS INVESTIGADAS
Com base nas informações obtidas na ficha individual dos investigados, foram avaliadas as seguintes variáveis: a) idade; b) gênero; c) relato de consumo de água de poço; d) contato com animais no intra e peridomicílio; e) contato com gatos em casa; f) contato com gatos na vizinhança; g) consumo eventual de carne crua ou mal cozida; h) consumo de carne de caça mal cozida; i) ingestão de vegetais sem lavagem prévia; e j) contato com o solo.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
A frequência de anticorpos séricos foi contrastada com os resultados do levantamento dos dados inseridos nas fichas, para verificar os fatores de risco associados à infecção toxoplásmica, sendo utilizada a análise univariada das informações obtidas. A análise da associação entre soropositividade e a variável idade foi feita pelo teste de qui-quadrado de tendência. Para as demais variáveis, foram calculados o qui-quadrado com a correção de Yates e o teste exato de Fischer quando necessário, além do cálculo da razão de chances (Odds ratio - OR). Para significância estatística, adotou-se p < 0,05. Todos os cálculos foram realizados nos programas Epi Info v3.5.1 e BioEstat v5.0.
RESULTADOS
A análise sorológica demonstrou que a soroprevalência total de toxoplasmose foi de 81,96% (IC 95%: 78,3-85,6); desses, 81,26% (347/427) apresentavam perfil de infecção pregressa, e 0,70% (3/427) apresentavam perfil sugestivo de infecção recente. A taxa de suscetibilidade foi de 18,04% (Tabela 1).
Perfil sorológico | N | % | IC 95% |
---|---|---|---|
Soropositividade | |||
IgG+ / IgM+ | 3 | 0,70 | - |
IgG+ / IgM- | 347 | 81,26 | 77,6-85,0 |
Total | 350 | 81,96 | 78,3-85,6 |
Suscetibilidade | |||
IgG- / IgM- | 77 | 18,04 | 14,4-21,7 |
Fonte: LabToxo/IEC/SVS/MS.
N: Frequência absoluta; +: Positivo; -: Negativo; IC: Intervalo de confiança.
De acordo com a idade relatada, os pacientes foram distribuídos em oito faixas etárias. Dentre essas, a frequência de soropositivos foi maior na faixa de 41-50 anos (95,34%) e menor na de 2-10 anos (Tabela 2). A análise pelo teste de qui-quadrado para tendência linear demonstrou que a soroprevalência para IgG aumentou significativamente com a idade (p < 0,001). Cinco indivíduos foram descartados da análise por não terem informado suas idades.
Faixa etária | Total | Soropositivos | Soronegativos | OR | ||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | |||
2-10 | 37 | 15 | 40,54 | 22 | 59,46 | 1,00 |
11-20 | 77 | 64 | 83,12 | 13 | 16,88 | 7,22 |
21-30 | 148 | 125 | 84,46 | 23 | 15,54 | 7,97 |
31-40 | 71 | 61 | 85,92 | 10 | 14,09 | 8,95 |
41-50 | 43 | 41 | 95,35 | 2 | 4,65 | 30,07 |
51-60 | 24 | 20 | 83,33 | 4 | 16,67 | 7,33 |
61-70 | 16 | 15 | 93,75 | 1 | 6,25 | 22,00 |
71-72 | 6 | 5 | 83,33 | 1 | 16,67 | 7,33 |
Fonte: LabToxo/IEC/SVS/MS.
p = 0,00001; X²: 18,591; A: 52,97 > 0 (tendência crescente);
N: Frequência absoluta; OR: Odds ratio; X: Qui-quadrado.
Em relação ao gênero dos indivíduos investigados, observou-se maior frequência de soropositividade entre os homens (86,84%), porém essa diferença não foi estatisticamente significante (p = 0,150) (Tabela 3).
Variáveis | Total | Positivo | Negativo | OR (IC 95%) | p | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | ||||
Sexo | |||||||
Masculino | 114 | 99 | 86,84 | 15 | 13,16 | 1,63 (0,85-3,15) | 0,150 |
Feminino | 313 | 251 | 80,19 | 62 | 19,81 | ||
Consumo de água de poço | |||||||
Sim | 27 | 21 | 77,78 | 6 | 22,22 | 0,59 (0,21-1,72) | 0,267 |
Não | 340 | 291 | 85,59 | 49 | 14,41 | ||
Contato com animais | |||||||
Sim | 224 | 192 | 85,71 | 32 | 14,29 | 1,32 (0,61-2,82) | 0,558 |
Não | 72 | 59 | 81,94 | 13 | 18,06 | ||
Contato com gatos (domicílio) | |||||||
Sim | 180 | 151 | 83,89 | 29 | 16,11 | 2,08 (0,89-4,84) | 0,090 |
Não | 42 | 30 | 71,43 | 12 | 28,57 | ||
Contato com gatos (vizinhança) | |||||||
Sim | 220 | 190 | 86,36 | 30 | 13,64 | 1,83 (1,06-3,17) | 0,030 |
Não | 187 | 145 | 77,54 | 42 | 22,46 | ||
Consumo de carne crua/mal cozida | |||||||
Sim | 119 | 97 | 81,51 | 22 | 18,49 | 0,98 (0,55-1,75) | 0,956 |
Não | 298 | 244 | 81,88 | 54 | 18,12 | ||
Consumo de carne de caça mal cozida | |||||||
Sim | 273 | 237 | 86,81 | 36 | 13,19 | 2,42 (1,42-4,12) | 0,0008 |
Não | 149 | 109 | 73,15 | 40 | 26,85 | ||
Lavagem dos vegetais antes de comer | |||||||
Sim | 414 | 337 | 81,40 | 77 | 18,60 | 0,00 (0,00-2,12) | 0,227 |
Não | 11 | 11 | 100,00 | − | − | ||
Contato com solo | |||||||
Sim | 186 | 149 | 80,11 | 37 | 19,89 | 0,79 (0,47-1,34) | 0,432 |
Não | 237 | 198 | 83,54 | 39 | 16,46 |
Fonte: LabToxo/IEC/SVS/MS.
N: Frequência absoluta; OR: Odds ratio.
Dentre as variáveis epidemiológicas investigadas e analisadas, observou-se que, na amostra estudada, apenas duas apresentavam associação positiva com a soropositividade para a infecção por T. gondii: contato com gatos na vizinhança (p = 0,03) e consumo de carne de caça (p = 0,0008). Quanto ao contato com gatos na vizinhança, observou-se que a frequência de soropositividade foi maior entre os indivíduos que relataram esse contato (86,36%), ou seja, em Novo Repartimento, pessoas expostas a esse fator estão mais propensas a adquirirem a infecção (OR: 1,83). Da mesma forma, em relação ao consumo de carne de caça, observou-se que a maioria dos indivíduos soropositivos (86,81%) relataram consumir esse tipo de carne, ou seja, nesse município há um risco considerável de infecção pela ingestão da carne de animais (mamíferos ou aves) silvestres (OR: 2,42) (Tabela 3).
Em relação às demais variáveis investigadas, não houve associação estatisticamente significante com a soropositividade observada na amostra estudada (p > 0,05) (Tabela 3). Ressalta-se que, para algumas variáveis investigadas, devido à ausência de respostas, não foi possível analisar as informações de todos os 427 participantes do estudo.
DISCUSSÃO
A elevada soroprevalência da infecção por T. gondii observada em Novo Repartimento (81,96%) está bem próxima às taxas encontradas em outros estudos também realizados no Estado do Pará. Na área urbana da Região Metropolitana de Belém, por exemplo, avaliações soroepidemiológicas, realizadas entre 1996 e 2010, demonstraram que a taxa de soroprevalência da infecção é de aproximadamente 78%19,20. Já em relação à soroprevalência obtida em investigações realizadas em localidades de outros estados amazônicos com características semelhantes, constata-se que a taxa encontrada em Novo Repartimento é bem mais elevada, ressaltando-se, no entanto, que algumas dessas investigações empregaram outros testes sorológicos, o que pode levar a variações nesses índices de soropositividade, devido a possíveis diferenças de sensibilidade e especificidade, entre eles: Amazonas (ELISA: 49,6-73,5%)26,27,28, Acre (ELISA: 65,8%)29 e Rondônia (RIFI/Aglutinação: 73,3%)30. Os dados aqui obtidos são mais uma evidência da endemicidade da infecção no Brasil, em especial na Região Amazônica, onde fatores sociais, climáticos e epidemiológicos característicos acabam permitindo o melhor desenvolvimento do parasito, consequentemente facilitando a transmissão a diferentes grupos populacionais da região, seja em suas áreas urbanas ou rurais21,28. Quanto ao perfil de possível infecção aguda/recente, não foi possível a confirmação pelo teste de avidez de IgG. No entanto, a baixa frequência de indivíduos com esse perfil sorológico, os quais estavam assintomáticos no momento da investigação, é indicativa de que o IgM detectado seria residual de uma infecção pregressa. Em estudo semelhante, em uma localidade ribeirinha do Estado do Amazonas, a taxa de soropositividade para IgM, apesar de baixa (10,7%)28, ainda foi maior que a obtida no grupo investigado em Novo Repartimento.
O Município de Novo Repartimento, por ser um importante polo de agropecuária e extrativismo vegetal, apresenta características tipicamente rurais, além de ainda dispor de áreas de floresta nativa. Diante desse fato, observa-se claramente que a interface entre área urbana, rural e floresta nesse município é bem próxima. Essa situação acaba facilitando a infecção pelo T. gondii, devido ao contato, cada vez mais comum, entre o homem e animais domésticos com ambientes possivelmente contaminados com oocistos do parasito excretados por felinos presentes nessas diferentes áreas21,31,32,33. Como agravante, há ainda a possibilidade de circulação de cepas virulentas, até então restritas ao ambiente silvestre, mas que, com essa proximidade, em especial entre felinos, podem se adaptar ou sofrer recombinações genéticas com aquelas já em circulação nos ambientes urbano e rural, aumentando o risco de emergência de cepas mais virulentas e, consequentemente, a ocorrência de formas severas da doença6,22.
No presente estudo, foi investigada também a associação entre algumas variáveis obtidas no grupo populacional estudado, como idade, gênero e hábitos comportamentais e alimentares, que poderiam estar relacionadas com a soroprevalência observada.
Em relação à idade, observou-se que houve diferença significativa entre as faixas etárias trabalhadas; além disso, ficou bem evidente a tendência de maior soroprevalência da infecção à medida que os indivíduos envelhecem, ou seja, por se tratar de uma área de intensa transmissão, as pessoas se infectam e soroconvertem bem cedo, na infância e na adolescência, chegando na fase adulta já com o perfil de infecção pregressa. Esse fato também foi observado em outros estudos no mundo e no Brasil, inclusive na Região Amazônica21,29,34.
Quanto ao gênero, apesar da maior soroprevalência ter sido nos homens do que nas mulheres, essa diferença não foi significativa, demonstrando assim que pessoas de ambos os sexos, nessa área, estão sob o mesmo risco de adquirirem a infecção. Observações semelhantes foram feitas em outras áreas rurais da Região Amazônica28,29,30.
Já quanto as outras variáveis avaliadas, verificou-se que o contato com gatos no extradomicílio e o consumo de carne mal cozida de animais de caça foram os principais fatores de risco para a infecção pelo T. gondii na amostra estudada. O contato direto com os gatos, por si só, não representa risco direto para a aquisição da infecção; todavia, a circulação de felídeos, no ambiente ocupado pelo homem, principalmente os animais que vivem ou que têm frequente acesso à rua, aumenta consideravelmente o risco de excreção de oocistos do parasito e consequentemente o risco de infecção humana, o que parece não ser relevante em relação ao contato com gatos com hábito de permanecer quase sempre no intradomicílio, fato observado em Novo Repartimento e em uma área rural do Estado do Acre29. Já em relação ao consumo de carne de animais silvestres, esse é um hábito comum das populações que vivem na Região Amazônica35,36, podendo, dessa forma, ser uma via de infecção pelo T. gondii, caso ela venha a ser consumida após cozimento inadequado, o que já foi evidenciado por outros autores em áreas de floresta tropical da Amazônia, inclusive com o eminente risco de infecção com cepas atípicas, adaptadas ao ambiente silvestre, e que podem ocasionar formas graves de toxoplasmose37,38.
As outras variáveis investigadas não foram estatisticamente associadas com a soropositividade, não sendo assim consideradas, na amostra estudada, fatores de risco importantes. Contudo, essa observação deve ser interpretada de forma cuidadosa, visto que, em uma área de alta transmissão do T. gondii, como é o caso de Novo Repartimento, as pessoas normalmente estão igualmente expostas a diferentes fontes de infecção pelo parasito.
CONCLUSÃO
A alta soroprevalência da infecção pelo T. gondii em Novo Repartimento é reflexo da intensa transmissão do parasito nessa localidade. Assim, como observado em outras áreas da Região Amazônica, é provável que diferentes fatores estejam contribuindo para essa transmissão no Município. No entanto, é preciso atentar para o contato com gatos no extradomicílio e o consumo de carne de animais silvestres que, na amostra estudada, foram importantes fatores de risco ligados à infecção.
Diante da situação observada no Município, é de fundamental importância a implantação de medidas de vigilância para esse agravo na área estudada, contemplando estratégias de prevenção primária e secundária, visando minimizar o risco de ocorrência de formas graves ou mesmo surtos de toxoplasmose na região.