INTRODUÇÃO
Segundo a Organização Mundial da Saúde, as leishmanioses compreendem um grupo de doenças que estão entre as seis endemias mundiais, afetando cerca de 2 milhões de pessoas a cada ano1. Estima-se que a prevalência das leishmanioses chegue a 12 milhões de casos, e que cerca de 360 milhões de pessoas vivam em área de risco, sendo uma das doenças emergentes mais relevantes no mundo. A leishmaniose visceral (LV) é uma zoonose que atinge populações dos cinco continentes, sendo conhecida, na América Latina, como leishmaniose visceral americana (LVA) ou "kala-azar neotropical"2.
A LVA é doença infecciosa, não contagiosa, determinada por parasito protozoário da ordem Kinetoplastida, família Trypanosomatidae, gênero Leishmania Ross 1903, espécie Leishmania (Leishmania) infantum chagasi Lainson & Shaw 2005 (= Leishmania chagasi Cunha & Chagas 1937)3,4. Desenvolve-se, principalmente, em crianças na faixa de 1-10 anos de idade, porém, pode manifestar-se também nos adultos, sendo o sexo masculino o mais envolvido.
A doença apresenta quadro clínico súbito ou gradual, representado por febre diária, com duração de até dois meses, além de fraqueza, indisposição, perda do apetite, emagrecimento, palidez cutâneo-mucosa, diarreia e distensão abdominal. Essa última por aumento progressivo do fígado e baço, causando hepatoesplenomegalia devido à hiperplasia e hipertrofia do sistema fagocítico mononuclear no parênquima dessas vísceras (Figura 1). Na falta de diagnóstico e tratamento adequados, esse quadro pode evoluir a óbito, o que ocorre em até 98% dos casos. Do ponto de vista imunopatológico, sobressaem a pancitopenia - anemia, leucopenia e plaquetopenia - e a supressão da resposta imune de células T, principalmente do subtipo CD4+/Th1, sendo a última, a causa principal de infecções intercorrentes, broncopulmonares e intestinais, principalmente, que, juntamente com as hemorragias decorrentes das alterações da coagulação, respondem pelos óbitos nas fases avançadas da doença5.
No tocante aos aspectos ecoepidemiológicos, é considerada uma zoonose primária do canídeo silvestre ou raposa do campo (Cerdocyon thous), enquanto que, no ambiente peridoméstico, o cão doméstico (Canis familiaris) representa a principal fonte da infecção para o flebotomíneo vetor, Lutzomyia longipalpis (Psychodidae: Phlebotominae)6 (Figura 2). Atualmente, a LVA representa um dos principais problemas de saúde pública no Brasil, cujo controle tem sido preconizado por meio de três atividades: a) diagnóstico e tratamento precoces dos doentes; b) combate ao flebotomíneo vetor; e c) diagnóstico laboratorial e eliminação do reservatório doméstico da infecção, o cão doméstico7.
A transmissão da LVA se realiza durante o ato hematofágico das fêmeas de Lu. longipalpis, a principal espécie de flebotomíneo vetor no Brasil (Figura 3), inseto de origem silvestre, apelidado pelos indígenas de "tatuquira", mas com capacidade de se estabelecer e procriar no ambiente peridoméstico, onde se alimenta do sangue de animais, principalmente do cão doméstico, que acaba envolvido no ciclo de transmissão, tornando-se a principal fonte de disseminação da doença8,9.
HISTÓRICO
Nas Américas, a primeira suspeição da ocorrência da LVA se deu no Paraguai, onde Migone10, em 1913, detectou a presença de estruturas similares às formas de leishmânias em esfregaço de sangue periférico de indivíduo doente, apresentando quadro febril, o qual havia participado da construção de estrada ferroviária que ligava São Paulo (Estado de São Paulo) a Corumbá (Estado do Matogrosso do Sul), Brasil, situação esta que só teve confirmação post mortem. Após 13 anos dessa ocorrência, a autoctonia da LVA foi confirmada por Mazza e Cornejo11, que obtiveram êxito na realização do diagnóstico parasitológico da doença em duas crianças oriundas da Argentina.
Em território brasileiro, foi Penna12 quem constatou, pela primeira vez, a ocorrência da LVA, de maneira quase acidental, quando investigava a presença da febre amarela no Brasil em fragmentos de fígado provenientes de viscerotomia, principalmente das Regiões Norte e Nordeste. Desse modo, Penna diagnosticou, acidentalemente, 41 casos de LVA, sendo a maioria em crianças da Região Nordeste, com predomínio do Estado do Ceará, e apenas três casos da Região Norte, em sua totalidade do Estado do Pará, procedentes dos Municípios de Moju e Abaetetuba. Com base nessa descrição, foi constituída a primeira comitiva para investigar a real situação da LVA no Brasil, presidida pelo dr. Evandro Chagas, originário do Instituto de Manguinhos no Rio de Janeiro. Assim, na busca de apoio logístico para desenvolver suas atividades de pesquisa sobre a LVA, Evandro Chagas só conseguiu apoio do governo do Estado do Pará, tendo à frente o então governador José da Gama Malcher. Dessa forma, em 1936, foi fundado em Belém, Estado do Pará, o Instituto de Pathologia Experimental do Norte (Ipen) (Figura 4), que serviu de base para Evandro Chagas e seus colaboradores desenvolverem suas pesquisas sobre a LVA (Figura 5).
Na Amazônia brasileira, Chagas e colaboradores13 publicaram um relatório contendo os resultados das primeiras pesquisas sobre a LVA, dos quais, merecem destaque os seguintes: i) a LVA apresentava-se de forma esporádica, sendo confirmada em apenas oito oportunidades durante dois anos de investigação; ii) o inseto transmissor deveria ser uma espécie de flebotomíneo, que apresentava alta prevalência no peridomicílio humano, denominado Phlebotomus longipalpis; e iii) a origem da infecção no homem seria uma fonte animal silvestre, associada a um ciclo enzoótico do parasito, a L. chagasi, do inseto transmissor, P. longipalpis, e do hospedeiro primitivo, um animal silvestre, até então, não identificado.
Além desses achados, Cunha e Chagas14 descreveram também a espécie do parasito responsável pelo desenvolvimento da LVA, denominada L. chagasi, a qual, segundo revisão taxonômica do gênero, hoje recebe a denominação subespecífica de L. (L.) infantum chagasi6. Mais tarde, em 1940, a fatalidade veio, infelizmente, ceifar a vida de um médico sanitarista muito próspero e com olhar futurista, de grande vocação para a pesquisa científica, que, certamente, muito tinha a contribuir com a ciência médica e a saúde pública, não apenas na Amazônia, mas também no restante do Brasil e em outros países da América Latina. Em consequência de sua morte, provocada por um acidente aéreo na Cidade do Rio de Janeiro, o Ipen passou a designar-se Instituto Evandro Chagas (IEC). Hoje, 76 anos após sua morte, o sentimento unânime que paira na instituição que leva seu nome é o de que Evandro Chagas deixou não só uma lição de vida, mas também de coragem e pioneirismo nas pesquisas científicas de campo, as quais, até os dias atuais, norteiam a linha mestra das pesquisas científicas do IEC.
TRAJETÓRIA DA LVA NA AMAZÔNIA PÓS EVANDRO CHAGAS
A situação epidemiológica da LVA na Amazônia não mudou muito nas quatro décadas seguintes, de 1940 a 1970, período em que a doença era considerada estritamente rural, típica de ambientes silvestres. Até 1980, apenas 32 casos haviam sido diagnosticados, todos no Estado do Pará, não só na região nordeste do Estado, onde estão localizados os Municípios de Abaetetuba e Moju, como também, na região norte, na ilha de Marajó, nos Municípios de Soure, Salvaterra e Ponta de Pedras, e na região oeste, Baixo Amazonas, envolvendo o Município de Santarém15.
Entretanto, a partir do início da década de 1980, notou-se que a doença assumiu um perfil epidemiológico novo, deixando de ser uma endemia esporádica para reaparecer com maior frequência, não só nos focos rurais antigos, como também em zonas suburbanas e urbanas de cidades de médio porte, como em Santarém. A exemplo, cabe mencionar a ocorrência de um surto epidêmico ocorrido no ano de 1984, em alguns bairros da periferia da Cidade de Santarém, quando, somente naquele ano, foram diagnosticados 94 casos novos de LVA16. Atualmente, embora a situação epidemiológica em Santarém encontre-se, aparentemente, sob controle, vê-se, com certa aflição, a doença alargar suas fronteiras na Região Amazônica, inserindo-se em áreas quase primitivas de difícil acesso, tais como, os Municípios de Bonfim, Normandia e Boa Vista, no Estado de Roraima, atingindo, principalmente, a população indígena Yanomami, fato observado a partir do início dos anos 1990.
As razões para o aumento progressivo na casuística da LVA na Amazônia brasileira nos últimos 30 anos não são completamente conhecidas, porém, alguns fatores parecem desempenhar papel essencial no desenvolvimento desse fenômeno, tais como: i) o desequilíbrio ambiental provocado pelo intenso desflorestamento, resultando na invasão do ambiente peridoméstico pelo flebotomíneo vetor, Lu. longipalpis; ii) o processo socioeconômico advindo da intensa imigração de indivíduos não imunes de outras regiões em busca de melhores condições de sobrevivência; iii) a urbanização desordenada na periferia das cidades com precárias condições sanitárias; iv) a presença de grandes populações do cão doméstico, animal altamente suscetível à infecção pelo parasito, a L. (L.) infantum chagasi, disseminando a infecção para o homem; v) o aprimoramento dos métodos de diagnóstico laboratorial; e vi) a melhora da performance no diagnóstico clínico da doença3,5,8,15.
Esse processo se acentuou durante os anos 1990, assim como na primeira década deste século, de modo que, atualmente, a LVA encontra-se instalada de forma endêmica e/ou epidêmica em dezenas de municípios do norte (Soure, Salvaterra e Ponta de Pedras, na ilha de Marajó), nordeste (Barcarena, Bujaru, Moju, Acará, Oeiras do Pará, Igarapé-Miri, dentre mais de 20 envolvidos), oeste (Santarém, Juruti e Belterra), sudeste (Marabá e Parauapebas) e sul (Conceição do Araguaia e Redenção) do Estado do Pará. No período de 2009 a 2013, foram notificados 3.592 casos de LVA no Estado, correspondendo a 598 casos/ano, destacando-se os Municípios de Cametá, Conceição do Araguaia e Redenção entre os mais acometidos17.
Faz-se importante registrar ainda que a dispersão da LVA para regiões consideradas indenes pode ser atribuída à introdução de cães infectados em determinadas áreas, oferecendo a infecção de sua região original para insetos transmissores de novas áreas desmatadas e/ou periurbanas, fato recentemente observado na região sul do Estado do Pará, mais precisamente na zona periurbana das Cidades de Conceição do Araguaia e Redenção, onde uma situação, totalmente nova, veio surgir com a confirmação dos primeiros casos de LVA no final da década passada (2009). Nesta situação, a razão mais provável para explicar o surgimento da LVA nesses municípios foi a introdução de cães infectados trazidos de áreas endêmicas do Estado vizinho, Tocantins, face ao intenso fluxo de migrantes entre as populações residentes nos Municípios de Araguaína e Palmas, no Tocantins, e Conceição do Araguaia e Redenção, no Pará.
Mais recentemente, outra descoberta veio agravar ainda mais a situação epidemiológica da LVA no Estado do Pará, face à confirmação, em outubro de 2015, do primeiro caso humano da doença, assim como do primeiro caso canino na Região Metropolitana de Belém, capital do Estado, mais precisamente na ilha de Cotijuba, sendo a doença canina confirmada pelo Laboratório de Leishmanioses "Prof. Dr. Ralph Lainson", da Seção de Parasitologia do IEC. A partir desse achado, a Secretaria de Estado de Saúde Pública (SESPA) e a Secretaria Municipal de Saúde de Belém (SESMA), juntamente com o Laboratório de Leishmanioses "Prof. Dr. Ralph Lainson", realizaram inquérito epidemiológico com vistas à vigilância da infecção canina por L. (L.) infantum chagasi, cujos resultados apontaram elevada prevalência (60%) na referida ilha, evidenciando uma situação bastante preocupante do ponto de vista epidemiológico, uma vez que a infecção canina já se encontra estabelecida na Região Metropolitana da Capital, requerendo medidas urgentes para conter sua expansão para a população humana18.
CONTRIBUIÇÕES DO LABORATÓRIO DE LEISHMANIOSES "PROF. DR. RALPH LAINSON" RELATIVAS ÀS DESCOBERTAS SOBRE A LVA NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
Conforme referido antes, Chagas et al13 publicaram os principais achados das suas pesquisas de campo sobre a origem da LVA em área rural do Município de Abaetetuba, Pará, dos quais, faz-se importante destacar os seguintes: i) o vetor provável da doença era a espécie flebotomínica P. longipalpis, representada por alta prevalência no peridomicílio humano; e ii) a infecção humana teria sua origem em uma fonte animal silvestre, associada ao ciclo enzoótico do parasito entre a L. chagasi, o vetor P. longipalpis e o hospedeiro primitivo, um animal silvestre até então não identificado.
No tocante ao "vetor provável da LVA ser a espécie flebotomínica Phlebotomus longipalpis"13, a confirmação da participação dessa espécie só foi possível 45 anos mais tarde, quando Ryan et al19 demonstraram a infecção natural de Lu. longipalpis (= P. longipalpis) por L. (L.) infantum chagasi, proveniente de um foco de LVA no Município de Salvaterra, ilha de Marajó, no norte do Pará. Em seguida, Lainson et al20 observaram, durante um surto de LVA na periferia da Cidade de Santarém, que Lu. longipalpis foi a única espécie consistentemente presente no interior e no peridomicílio das residências dos pacientes, além de apresentar-se em grande quantidade. Nessa ocasião, o exame microscópico do tubo digestivo de 491 fêmeas possibilitou a confirmação de 35 (7,1%) portando a infecção natural por L. (L.) infantum chagasi, não deixando quaisquer dúvidas quanto ao papel vetorial de Lu. longipalpis na transmissão da LVA na Amazônia brasileira, conforme sugerido antes por Chagas et al13.
Por outro lado, com relação à afirmativa de que "a fonte da doença humana deveria estar em algum animal silvestre"13, passaram-se três décadas para que Lainson et al21 identificassem, pela primeira vez, na Amazônia brasileira, o reservatório silvestre da L. chagasi, a raposa do campo, Cerdocyon thous, capturada em área de periferia da capital do Pará, Belém, mais precisamente no Parque Ambiental do Utinga, sem que os animais exibissem, entretanto, nenhum sinal clínico que evidenciasse algum sofrimento relacionado à infecção natural pelo parasito. O estado absolutamente saudável dos três espécimes portadores da infecção refletia um convívio equilibrado, não hostil, e, certamente, de longa data, entre o parasito, L. chagasi, e seu hospedeiro primitivo, a raposa Cerdocyon thous, o que autorizou os autores incriminarem o canídeo silvestre como responsável pela manutenção do parasito na natureza. Em termos da relação de especificidade entre um parasito e seu hospedeiro natural, é provável que o tempo requerido para que essa relação alcance um estágio harmônico entre ambos ultrapasse 1.000 anos. Mais tarde, Silveira et al22 confirmaram esse achado em um animal jovem, com menos de 1 ano de idade, capturado em um foco de LVA no Município de Salvaterra, ilha de Marajó, norte do Pará, mais uma vez apresentando aspecto saudável, em perfeitas condições de saúde. Nessa ocasião, a demonstração da infecção no canídeo silvestre foi feita pelo isolamento do parasito em laboratório, tanto por inoculação em "hamster" (Mesocricetus auratus), como também, em meio de cultura NNN modificado (Difco B45), o que possibilitou a sua identificação específica por meio da eletroforese de isoenzimas. Por último, Lainson et al23 também demonstraram pela reação sorológica de imunofluorescência indireta (RIFI-IgG) alta prevalência (60%) de reatividade de anticorpos específicos contra a L. chagasi em 16 animais capturados no foco de LVA em Salvaterra, reforçando, mais uma vez, o pressuposto por Chagas et al13.
Além dos aspectos ecoepidemiológicos comentados anteriormente, cabe ainda mencionar uma nova abordagem diagnóstica da infecção humana pelo agente causal da LVA, estabelecida pelo uso combinado da reação intradérmica de Montenegro (imunidade celular) e da reação de RIFI-IgG (imunidade humoral) associadas ao exame clínico dos indivíduos infectados, a qual tem proporcionado investigar não só a dinâmica da transmissão da infecção em área endêmica de LVA, incluindo as taxas de prevalência e incidência da infecção15, como também o leque espectral de perfis clínico-imunológicos da infecção (Figura 6), três deles já conhecidos da literatura - infecção assintomática (IA), infecção sintomática (IS = LVA) e infecção subclínica oligossintomática (ISO) - e dois absolutamente novos - infecção inicial indetermianada (III) e infecção subclínica resistente (ISR)24,25,26 - permitindo estudar também a dinâmica da evolução clínico-imunológica da infecção a partir dos casos mais precoces da infecção (perfil III), com a possibilidade de se realizar o diagnóstico pré-clínico da LVA27. Completando essa abordagem diagnóstica, foi estudado também o papel das citocinas séricas, inflamatórias (TNF-α e IL-6) e anti-inflamatórias (IL-4 e IL-10), no espectro clínico-imunológico da infecção humana por L. (L.) infantum chagasi, revelando um importante efeito patogênico da IL-6 e IL-10 no desenvolvimento da LVA28. Por último, realizou-se a confirmação dessa abordagem clínico-imunológica da infecção humana por L. (L.) infantum chagasi por meio da reação em cadeia da polimerase quantitativa (qPCR) na urina dos indivíduos residentes em área endêmica de LVA no Estado do Pará (Conceição do Araguaia), evidenciando alta prevalência (66%) de reatividade na urina dos indivíduos do perfil III, confirmando que, desde as fases mais precoces, os indivíduos portadores da infecção inicial indeterminada (perfil III) - aqueles que podem evoluir para o polo de resistência (IA), ou para o polo de susceptibilidade (IS = LVA) - eliminam fragmentos de DNA do parasito pela urina, evidenciados pela qPCR29.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente, o cenário da LVA na Amazônia brasileira não parece diferente do restante do País, onde a doença é registrada em 21 dos 27 Estados brasileiros, com aproximadamente 1.600 municípios apresentando transmissão autóctone. A título de exemplo, no início dos anos 1990, a urbanização da LVA gerou novos surtos em cidades de médio e grande porte, como Belo Horizonte (Estado de Minas Gerais), Feira de Santana (Estado da Bahia), Várzea Grande (Estado de Minas Gerais), Araçatuba (Estado de São Paulo), Natal (Estado do Rio Grande do Norte), entre outras. A partir de 2000, outras cidades foram acometidas, tais como Palmas (Estado do Tocantins), Campo Grande (Estado do Mato Grosso do Sul) e Baurú (Estado de São Paulo).
Como se percebe, a expansão territorial da LVA não se trata de fenômeno apenas amazônico, mas algo de magnitude bem maior e complexa, comprometendo 77,7% dos Estados brasileiros, devido não somente aos fatores antes elencados, como: i) o desequilíbrio ambiental provocado pelo intenso desflorestamento; ii) o processo socioeconômico advindo da intensa imigração de indivíduos não imunes de outras regiões; iii) a urbanização desordenada na periferia das cidades com precárias condições sanitárias; iv) a presença de grandes populações do cão doméstico, animal altamente suscetível à infecção pelo parasito; v) o aperfeiçoamento dos métodos de diagnóstico laboratorial; e vi) a melhora da performance no diagnóstico clínico da doença, mas, principalmente, a falta de políticas públicas nas esferas da saúde, educação, habitação e saneamento básico, para atender as demandas das populações que habitam a Amazônia e as outras regiões brasileiras.
Nesse contexto, é factível dizer que, mesmo que já estivesse disponível uma vacina para proteger o homem contra a LVA, não seria possível assegurar o controle efetivo da doença, uma vez que, para esse fim, há necessidade de um conjunto de ações públicas nos diferentes níveis, federal, estadual e municipal, as quais, juntamente com uma vacina eficaz, poderiam exercer um controle seguro da LVA. Em verdade, se esse conjunto de ações fosse realmente implementado, o resultado esperado teria, sem dúvida, um impacto positivo no controle não só da LVA, mas também de outros agravos de natureza infecciosa, tais como hanseníase, tuberculose, malária, doença de Chagas, esquistossomose mansônica e, mais recentemente, dengue, febre de Chikungunya e infecção pelo vírus Zika. É isso que a sociedade brasileira clama, para ter um padrão de saúde menos penoso.