INTRODUÇÃO
A hanseníase é uma das doenças mais antigas da humanidade e, apesar da cura por meio da poliquimioterapia, ela ainda constitui um importante problema de saúde pública no Brasil1,2.
A despeito dos esforços empregados, tanto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em países endêmicos como pelo Programa Nacional de Controle da Hanseníase, o número de casos novos vem declinando modestamente em algumas regiões do Brasil e crescendo em outras. Segundo a OMS, em 2014, 213.899 novos casos de hanseníase foram relatados no mundo, e 94% desses estão concentrados em 13 países endêmicos que são alvos dos programas de combate à doença. A Índia foi o destaque, com 125.785 casos diagnosticados, e o Brasil, com 31.064 casos, foi o segundo país em número de diagnósticos3.
Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, no ano de 2015, o estado do Pará foi o quarto em número de pessoas com hanseníase, com taxa de detecção geral de casos novos de 35,2 casos/100.000 habitantes. Com taxas acima desse valor, encontram-se os estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão4.
As diferentes formas clínicas da hanseníase dependem da resposta imunológica do hospedeiro frente à presença do bacilo. Tais expressões clínicas vão desde uma resposta imunológica competente a uma menos efetiva, ou seja, de uma forma clínica localizada e não contagiosa a uma forma difusa e contagiosa; entre esses extremos, encontram-se as formas intermediárias, que denotam os diferentes graus de resposta do hospedeiro ao bacilo5.
O diagnóstico é estabelecido pela classificação operacional dos casos. A mesma toma por base o número das lesões na pele, até cinco ou mais de cinco lesões, classificando, respectivamente, o caso em paucibacilar (PB) e multibacilar (MB). Quando realizada a baciloscopia com resultado positivo, o caso é classificado como MB independentemente do número de lesões. A negatividade do exame não exclui o diagnóstico de hanseníase e nem classifica o caso como PB. A classificação operacional direciona o esquema do tratamento poliquimioterápico a ser estabelecido para o paciente6.
A adolescência tem como característica ser uma fase de mudanças e de adaptações físicas e psicológicas. Devido a isso, a hanseníase pode afetar a construção da vida de um adolescente, com alterações que podem ir desde a evasão escolar até a depreciação da autoimagem7.
O presente trabalho visou analisar a tendência da taxa de detecção da hanseníase em jovens nas Regiões de Integração do Estado do Pará, no período de 2005 a 2014.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foi realizado um estudo ecológico exploratório, com base em dados coletados das fichas do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), o qual é gerenciado pelo Departamento de Epidemiologia da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (SESPA), iniciado após aprovação, em 28 de maio de 2015, do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro Universitário do Estado do Pará, sob o processo de nº 1.108.320.
Os dados coletados foram referentes aos casos novos de hanseníase em jovens8 registrados no SINAN e ocorridos no estado do Pará, no período de 2005 a 2014. Foram excluídos os registros de jovens não residentes no estado do Pará, aqueles com idade e/ou município de residência ignorados, os registros de pacientes fora da faixa etária do estudo, assim como os registros com mais de 50% das variáveis eleitas para o estudo sem preenchimento.
Para a descrição do perfil sociodemográfico do jovem com hanseníase (pacientes com idade entre 10 e 19 anos), foram analisadas as seguintes variáveis constantes na ficha do SINAN: sexo, raça/cor, idade, escolaridade, gravidez e município de residência. Os aspectos clínico e epidemiológico tiveram como variáveis de análise o ano do diagnóstico da doença, a forma clínica e a classificação operacional.
O estudo foi realizado utilizando-se a divisão regional estabelecida pelo estado do Pará9, a qual agrupa os 144 municípios constituintes em 12 Regiões de Integração, a saber: Araguaia (15), Baixo Amazonas (13), Rio Caeté (15), Rio Capim (16), Carajás (12), Guamá (18), Lago Tucuruí (sete), Marajó (16), Metropolitana (cinco), Tapajós (seis), Tocantins (11) e Xingu (10).
Os dados foram ajustados por idade, tanto entre as regiões como intrarregionalmente, e não foram encontradas diferenças significantes na distribuição proporcional das diferentes populações de cada município e das regiões ao longo da série histórica analisada. Após o ajuste, os dados foram apresentados sob a forma de tabelas e gráficos e analisados com o auxílio do programa BioEstat v5.310, utilizando-se a estatística descritiva e o teste qui-quadrado de aderência. Foram consideradas como diferenças estatisticamente significantes aquelas com p < 0,05.
RESULTADOS
No período de 2005 a 2014, foram notificados, no estado do Pará, 48.651 casos novos de hanseníase. Do total analisado, 7.608 (15,64%) ocorreram em jovens na faixa etária de 10 a 19 anos, com uma média anual de 760,8 casos novos. Fizeram parte deste estudo 7.606 notificações, pois, em duas dessas, o município teve registro ignorado.
As regiões Carajás (14,2%) e Metropolitana (14,1%) foram as que apresentaram as maiores proporções de casos novos de hanseníase em jovens no estado do Pará durante o período do estudo (Tabela 1). No entanto, o maior risco para a ocorrência de novos casos foi observado nas regiões Metropolitana (389,0/100.000), Lago Tucuruí (259,2/100.000) e Carajás (196,7/100.000).
Regiões de Integração | Casos novos | % | População* | Taxa de detecção† |
---|---|---|---|---|
Carajás | 1.082 | 14,2 | 550.118 | 196,7 |
Metropolitana | 1.070 | 14,1 | 275.069 | 389,0 |
Lago Tucuruí | 914 | 12,0 | 352.560 | 259,2 |
Rio Capim | 872 | 11,5 | 586.795 | 148,6 |
Tocantins | 868 | 11,4 | 720.474 | 120,5 |
Araguaia | 820 | 10,8 | 454.580 | 180,4 |
Xingu | 544 | 7,1 | 338.139 | 160,9 |
Marajó | 429 | 5,6 | 477.492 | 89,8 |
Guamá | 341 | 4,5 | 544.192 | 62,7 |
Tapajós | 248 | 3,3 | 236.758 | 104,7 |
Rio Caeté | 226 | 3,0 | 461.610 | 49,0 |
Baixo Amazonas | 192 | 2,5 | 669.129 | 28,7 |
Total do Estado | 7.606 | 100,0 | 5.666.916 | 134,2 |
Fonte: SINAN-SESPA.
* População (10 a 19 anos de idade) média para o período; † Por 100.000 pessoas na faixa etária de 10 a 19 anos.
Na tabela 2, observa-se que a maior redução no número de casos novos ocorreu na região Araguaia (69,5%), seguida de Lago Tucuruí (67,9%) e Baixo Amazonas (65,6%). Abaixo do valor de redução observado para o estado do Pará (54,7%), encontram-se as regiões Tocantins, Rio Capim, Carajás, Rio Caeté e Marajó, sendo essa última a região com a menor redução na taxa de detecção (16,5%).
Regiões de Integração | 2005 | 2014 | Redução | ||
---|---|---|---|---|---|
2014-2005 | % | ||||
Araguaia | 39,0 | 11,9 | 27,1 | 69,5 | |
Lago Tucuruí | 47,3 | 15,2 | 32,1 | 67,9 | |
Baixo Amazonas | 4,5 | 1,6 | 2,9 | 65,6 | |
Tapajós | 21,7 | 7,8 | 13,9 | 64,1 | |
Metropolitana | 8,6 | 3,1 | 5,5 | 63,9 | |
Guamá | 13,0 | 4,8 | 8,2 | 63,1 | |
Xingu | 30,1 | 13,5 | 16,6 | 55,1 | |
Tocantins | 15,8 | 7,8 | 8,0 | 50,6 | |
Rio Capim | 20,6 | 10,6 | 10,0 | 48,5 | |
Carajás | 28,4 | 15,6 | 12,8 | 45,1 | |
Rio Caeté | 5,5 | 4,0 | 1,5 | 27,3 | |
Marajó | 10,3 | 8,6 | 1,7 | 16,5 | |
Total do Estado | 16,1 | 7,3 | 8,8 | 54,7 |
Fonte: SINAN-SESPA.
* Por 100.000 pessoas na faixa etária de 10 a 19 anos.
O comportamento da taxa de detecção anual nas Regiões, com redução da taxa de detecção acima da redução observada para o Estado, é visualizado na figura 1A. Na figura 1B, encontram-se as Regiões com valores de redução da taxa de detecção de hanseníase na população estudada abaixo da taxa do Estado (54,7%).
Fonte: SINAN-SESPA.
* Por 100.000 pessoas na faixa etária de 10 a 19 anos; † Regiões de Integração com valores de redução da taxa de detecção de hanseníase acima do valor de redução para o estado do Pará (54,78%).
Tanto para o Estado quanto para as Regiões de Integração, o perfil demográfico dos casos (Tabela 3) consistiu em predomínio do gênero masculino (53,2%) e da faixa etária entre 15 e 19 anos (53,1%), sem diferença estatisticamente significante. No Estado, a média de idade foi de 14,7 (± 2,8); a média inferior foi observada nas regiões Araguaia (14,5 ± 2,7) e Marajó (14,4 ± 2,7); e a média superior, nas regiões Carajás (14,6 ± 2,8), Metropolitana (15,1 ± 2,9), Tocantins (14,8 ± 2,9), Rio Capim (14,8 ± 2,8) e Rio Caeté (14,8 ± 2,9).
Características | Casos novos | % | p |
---|---|---|---|
Gênero | |||
Masculino | 4.046 | 53,2 | 0,5222 |
Feminino | 3.560 | 46,8 | |
Faixa etária | |||
10 a 14 anos | 3.570 | 46,9 | 0,6087 |
15 a 19 anos | 4.036 | 53,1 | |
Raça/Cor | |||
Parda | 5.305 | 69,7 | <0,0001 |
Branca | 1.039 | 13,7 | |
Amarela | 108 | 1,4 | |
Preta | 949 | 12,5 | |
Indígena | 46 | 0,6 | |
Ignorado | 159 | 2,1 | |
Escolaridade | |||
Analfabeto | 79 | 1,0 | <0,0001 |
Fundamental incompleto | 5.218 | 68,6 | |
Fundamental completo | 333 | 4,4 | |
Médio incompleto | 951 | 12,5 | |
Médio completo | 158 | 2,1 | |
Superior incompleto | 23 | 0,3 | |
Ignorado | 772 | 10,1 | |
Gravidez | |||
1° trimestre | 16 | 0,4 | <0,0001 |
2° trimestre | 30 | 0,8 | |
3° trimestre | 15 | 0,4 | |
Ignorado | 16 | 0,4 | |
Não grávida | 3.483 | 97,8 |
Fonte: SINAN-SESPA.
A variável raça/cor parda, em relação às demais, apresentou diferença significante (p < 0,0001) em todas as Regiões e no Estado. As regiões Rio Capim (65,4%), Tapajós (68,2%), Lago Tucuruí (67,2%), Carajás (67,7%) e Araguaia (63,4%) apresentaram proporções inferiores a do Estado (69,7%).
No Pará, houve predominância significante das proporções de jovens com hanseníase com ensino fundamental incompleto. Proporções superiores à média do Estado (69,5%) foram observadas nas regiões Rio Capim (70,7%), Tapajós (70,9%), Marajó (77,8%), Lago Tucuruí (75,6%) e Carajás (74,6%). Observou-se para o Estado a proporção de 2,1% de casos com ensino médio completo; nas regiões Carajás, Metropolitana e Rio Caeté, essas proporções foram respectivamente de 2,5%, 3,5% e 3,2%. A região Rio Capim apresentou proporção semelhante à do Estado.
A maior proporção observada, em todo o Estado e suas regiões, foi de não grávidas (97,8%); no entanto, foram encontrados registros de jovens grávidas em diferentes trimestres de gravidez, assim como com idade gestacional ignorada. Entre as que possuíam trimestre gestacional definido, predominou, no Estado (0,8%), o segundo trimestre gestacional. Nas regiões Rio Caeté (1,1%), Xingu (3,3%), Carajás (0,93%), Baixo Amazonas (1,1%) e Araguaia (1,1%), foram encontrados índices de jovens no segundo trimestre gestacional superiores aos do Estado.
A forma clínica indeterminada foi a mais prevalente (Tabela 4), com diferença estatisticamente significante em relação às demais formas em cada Região de Integração (p < 0,05), sendo que, em algumas regiões, os números foram superiores aos do Estado (35,9%). São elas: Araguaia (41,6%), Baixo Amazonas (38,0%), Lago Tucuruí (47,4%), Rio Capim (41,9%) e Xingu (43,4%). A forma clínica dimorfa foi a segunda mais prevalente, com as regiões Carajás (34,4%), Guamá (34,6%), Marajó (35,7%), Metropolitana (37,8%) e Tapajós (37,5%) apresentando percentuais superiores aos do Estado (31,0%). Houve predominância da forma clínica dimorfa em quatro (Carajás, Marajó, Metropolitana e Tapajós) das 12 Regiões do Estado.
Regiões de Integração | Forma clínica | Classificação operacional | Total | % | p | |
---|---|---|---|---|---|---|
PB | MB | |||||
Araguaia | Indeterminada | 341 | - | 341 | 41,6 | 0,0004 |
Tuberculoide | 107 | - | 107 | 13,0 | ||
Dimorfa | - | 198 | 198 | 24,2 | ||
Virchowiana | - | 60 | 60 | 7,3 | ||
Não classificada | 49 | 65 | 114 | 13,9 | ||
Total | 497 | 323 | 820 | 100,0 | 0,0434 | |
% | 60,6 | 39,4 | ||||
Baixo Amazonas | Indeterminada | 73 | - | 73 | 38,0 | 0,0157 |
Tuberculoide | 34 | - | 34 | 17,7 | ||
Dimorfa | - | 45 | 45 | 23,5 | ||
Virchowiana | - | 25 | 25 | 13,0 | ||
Não classificada | 7 | 8 | 15 | 7,8 | ||
Total | 114 | 78 | 192 | 100,0 | 0,0751 | |
% | 59,4 | 40,6 | ||||
Carajás | Indeterminada | 362 | - | 362 | 33,5 | 0,0069 |
Tuberculoide | 149 | - | 149 | 13,8 | ||
Dimorfa | - | 372 | 372 | 34,4 | ||
Virchowiana | - | 60 | 60 | 5,5 | ||
Não classificada | 50 | 89 | 139 | 12,8 | ||
Total | 561 | 521 | 1.082 | 100,0 | 0,7949 | |
% | 51,8 | 48,2 | ||||
Guamá | Indeterminada | 123 | - | 123 | 36,1 | 0,0002 |
Tuberculoide | 32 | - | 32 | 9,4 | ||
Dimorfa | - | 118 | 118 | 34,6 | ||
Virchowiana | - | 28 | 28 | 8,2 | ||
Não classificada | 12 | 28 | 40 | 11,7 | ||
Total | 167 | 174 | 341 | 100,0 | 0,9203 | |
% | 49,0 | 51,0 | ||||
Lago Tucuruí | Indeterminada | 433 | - | 433 | 47,4 | <0,0001 |
Tuberculoide | 123 | - | 123 | 13,5 | ||
Dimorfa | - | 263 | 263 | 28,8 | ||
Virchowiana | - | 37 | 37 | 4,0 | ||
Não classificada | 26 | 32 | 58 | 6,3 | ||
Total | 582 | 332 | 914 | 100,0 | 0,0083 | |
% | 63,7 | 36,3 | ||||
Marajó | Indeterminada | 123 | - | 123 | 28,7 | |
Tuberculoide | 65 | - | 65 | 15,1 | ||
Dimorfa | - | 153 | 153 | 35,7 | <0,0001 | |
Virchowiana | - | 63 | 63 | 14,7 | ||
Não classificada | 9 | 16 | 25 | 5,8 | ||
Total | 197 | 232 | 429 | 100,0 | 0,4715 | |
% | 45,9 | 54,1 | ||||
Metropolitana | Indeterminada | 234 | - | 234 | 21,9 | 0,0708 |
Tuberculoide | 260 | - | 260 | 24,3 | ||
Dimorfa | - | 405 | 405 | 37,8 | ||
Virchowiana | - | 153 | 153 | 14,3 | ||
Não classificada | 10 | 8 | 18 | 1,7 | ||
Total | 504 | 566 | 1.070 | 100,0 | 0,6312 | |
% | 47,1 | 52,9 | ||||
Rio Caeté | Indeterminada | 70 | - | 70 | 31,0 | 0,0234 |
Tuberculoide | 21 | - | 21 | 9,3 | ||
Dimorfa | - | 65 | 65 | 28,7 | ||
Virchowiana | - | 39 | 39 | 17,3 | ||
Não classificada | 13 | 18 | 31 | 13,7 | ||
Total | 104 | 122 | 226 | 100,0 | 0,4839 | |
% | 46,0 | 54,0 | ||||
Rio Capim | Indeterminada | 365 | - | 365 | 41,9 | 0,0087 |
Tuberculoide | 165 | - | 165 | 18,9 | ||
Dimorfa | - | 228 | 228 | 26,1 | ||
Virchowiana | - | 67 | 67 | 7,7 | ||
Não classificada | 17 | 30 | 47 | 5,4 | ||
Total | 547 | 325 | 872 | 100,0 | 0,0147 | |
% | 62,7 | 37,3 | ||||
Tapajós | Indeterminada | 76 | - | 76 | 30,6 | 0,0016 |
Tuberculoide | 30 | - | 30 | 12,1 | ||
Dimorfa | - | 93 | 93 | 37,5 | ||
Virchowiana | - | 22 | 22 | 8,9 | ||
Não classificada | 17 | 10 | 27 | 10,9 | ||
Total | 123 | 125 | 248 | 100,0 | 0,9840 | |
% | 49,6 | 50,4 | ||||
Tocantins | Indeterminada | 296 | - | 296 | 34,1 | 0,0403 |
Tuberculoide | 140 | - | 140 | 16,1 | ||
Dimorfa | - | 245 | 245 | 28,2 | ||
Virchowiana | - | 71 | 71 | 8,2 | ||
Não classificada | 62 | 54 | 116 | 13,4 | ||
Total | 498 | 370 | 868 | 100,0 | 0,1676 | |
% | 57,4 | 42,6 | ||||
Xingu | Indeterminada | 236 | - | 236 | 43,4 | 0,0001 |
Tuberculoide | 62 | - | 62 | 11,4 | ||
Dimorfa | - | 169 | 169 | 31,1 | ||
Virchowiana | - | 32 | 32 | 5,9 | ||
Não classificada | 37 | 8 | 45 | 8,2 | ||
Total | 335 | 209 | 544 | 100,0 | 0,0264 | |
% | 61,6 | 38,4 | ||||
Estado do Pará | Indeterminada | 2.732 | - | 2.732 | 35,9 | 0,0170 |
Tuberculoide | 1.188 | - | 1.188 | 15,6 | ||
Dimorfa | - | 2.354 | 2.354 | 31,0 | ||
Virchowiana | - | 657 | 657 | 8,6 | ||
Não classificada | 309 | 366 | 675 | 8,9 | ||
Total | 4.229 | 3.377 | 7.606 | 100,0 | 0,3077 | |
% | 55,6 | 44,4 |
Fonte: SINAN-SESPA.
Quanto à classificação operacional (Tabela 4), a forma PB foi a mais prevalente no Estado (55,6%), sem diferença estatisticamente significante em relação à forma MB. Apenas a região Carajás (51,8%) apresentou índice inferior ao do Estado, enquanto que as regiões Araguaia (60,6%), Baixo Amazonas (59,45), Lago Tucuruí (63,7%), Rio Capim (62,7%), Tocantins (57,4%) e Xingu (61,6%) mostraram valores superiores. Em cinco Regiões (Guamá, Marajó, Metropolitana, Rio Caeté e Tapajós), predominou a forma MB.
Do total de casos novos de hanseníase na população de jovens de 10 a 19 anos de idade, 39,6% foram notificados nas formas clínicas dimorfa e virchowiana (Tabela 4).
Comparando-se os percentuais da forma indeterminada, dentre as PB (2.732/4.229), com os da forma dimorfa, dentre as MB (2.354/3.377), essa detém 69,7%, enquanto a indeterminada detém 64,6% (Tabela 4).
DISCUSSÃO
O Brasil apresenta as maiores taxas de detecção de casos novos de hanseníase dentre os países do continente americano e, no mundo, fica atrás apenas da Índia. Em 2014, foram notificados 31.064 casos novos no Brasil3. No ano de 2015, a maior concentração desses casos deu-se nas Regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte do Brasil11.
A análise dos casos novos de hanseníase no estado do Pará mostrou que as regiões Carajás e Metropolitana foram as que contribuíram com as maiores proporções da doença em jovens. Esse achado condiz com um estudo realizado no período de 2004 a 2006, também no Pará, o qual demonstrou que o maior número de casos novos ocorreu nos municípios de Belém e Ananindeua (região Metropolitana), além dos municípios de Marabá e Parauapebas (região Carajás)12.
Foram observadas, nas regiões Metropolitana, Lago Tucuruí e Carajás, as maiores taxas de detecção de hanseníase. Segundo o Ministério da Saúde, dos 253 municípios brasileiros com casos novos diagnosticados em 2010, o Pará apresentou 42 (16,6%) municípios, o que representa 29,2% do total de municípios paraenses. Esses municípios estão distribuídos nas Regiões de Integração, com exceção da região Rio Caeté. Embora tais municípios constituam áreas geográficas de risco no Pará, os que possuem maiores taxas de detecção no plano integrado de ações estratégicas do Ministério da Saúde, no período de 2001 a 2010, foram Jacareacanga (região Tapajós), Mãe do Rio (região Rio Capim) e Jacundá (região Lago Tucuruí)13. Embora o Ministério da Saúde não ressalte a faixa etária aqui trabalhada, deve ser enfatizado que as estratégias para alcançar as metas de eliminação precisam ser desenvolvidas em todas as faixas etárias, principalmente nas idades menores, face às sequelas psicológicas.
O Pará é classificado, segundo os parâmetros da OMS, como de alta endemicidade para hanseníase. Por isso, 42 municípios paraenses são considerados prioritários para monitoramento das ações de controle da doença, estando inseridos nas seguintes Regiões de Integração: Araguaia (quatro), Baixo Amazonas (um), Carajás (três), Guamá (um), Lago Tucuruí (cinco), Marajó (dois), Metropolitana (três), Rio Capim (oito), Tapajós (três), Tocantins (nove) e Xingu (três)13.
A prevalência da hanseníase vem caindo ano após ano no Brasil, talvez como resultado da maior adesão ao esquema de tratamento poliquimioterápico e seu consequente sucesso. O Pará, no entanto, assim como os outros estados da Região Norte, tem tido anualmente acréscimos de registros da incidência da enfermidade, o que pode representar os resultados do investimento realizado, a partir de 2001, na capacitação de profissionais de saúde da atenção primária para a detecção da doença12.
Na descrição do perfil epidemiológico nas Regiões de Integração do Pará, foram observados alguns padrões, tais como: o predomínio do sexo masculino, a raça/cor parda e a baixa escolaridade. O achado quanto ao sexo, na faixa etária de 10 a 19 anos, foi semelhante ao observado em um estudo realizado em Fortaleza, estado do Ceará14, e em outro no estado do Maranhão15, em que ambos abordaram a faixa etária de 10 a 19 anos; além de outra pesquisa realizada no estado do Piauí16, que avaliou as taxas de detecção e prevalência na população geral e em menores de 15 anos de idade. Em geral, os coeficientes de detecção de casos de hanseníase são maiores entre os homens, por ser um grupo com maior risco de exposição; entretanto, em uma pesquisa feita na cidade de Sobral, no Ceará7, em que foi utilizada a mesma faixa etária, identificou-se maior ocorrência no sexo feminino.
A raça/cor parda foi predominante em todo o Pará e suas regiões. Esses dados convergiram com um estudo descritivo realizado em Ananindeua, Pará17, com estudantes do Ensino Fundamental e também com um estudo realizado em Jaguaré, estado do Espírito Santo18, que estudou as idades de 6 a 84 anos. Esse achado talvez reproduza o processo histórico de colonização, miscigenação, movimentos migratórios, dinâmica de ocupação territorial e organização espacial19.
A baixa escolaridade observada nesta pesquisa também foi relatada em um estudo ecológico realizado entre 2003 e 2013, em Igarapé-Açu, Pará20, o qual abordou a faixa etária de menores de 15 anos; assim como em uma pesquisa feita em Sobral, no Ceará7. Esses achados denotam que as condições de vida da população e o nível de escolaridade influenciam a prevalência de doenças endêmicas como a hanseníase21.
Um estudo retrospectivo feito na região Carajás22 constatou que o número de mulheres grávidas afetadas pela hanseníase é muito menor do que na população em geral, corroborando o encontrado, que foi de aproximadamente 2,2% de adolescentes grávidas, haja vista que o Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC) registrou 406.516 nascimentos nessa faixa etária no período estudado, o que pode expressar 25,8% de gravidez nessa população residente no Estado23.
No entanto, um estudo realizado em Fortaleza, em 201124, constatou que a maioria dos sinais de hanseníase entre grávidas e/ou lactantes ocorreu durante o último trimestre de gravidez e nos três meses após o parto, divergindo dos achados deste estudo. Embora tenha sido associada a graves consequências clínicas, a relação entre hanseníase e gravidez ainda é mal compreendida, visto que, no Brasil, os dados sobre a hanseníase durante a gravidez só se tornaram confiáveis e disponíveis a partir de 2007 no SINAN, o que reduz e limita a análise desses dados22.
A classificação operacional predominante nas Regiões de Integração do estado do Pará foi a PB. Resultado semelhante foi também encontrado em uma pesquisa no Piauí, entre 2003 e 200815, e outra no Pará, que avaliou casos novos de hanseníase notificados no período de 2003 a 2013, em menores de 15 anos, em uma área de antiga colônia de portadores da doença20. Entretanto, foram encontrados na literatura resultados discordantes, como o observado no estudo feito em Maricá, estado do Rio de Janeiro25, que abordou essa variável distribuindo os casos em maiores e menores de 15 anos; bem como em um estudo realizado em Fortaleza14, no qual a forma MB prevaleceu entre os jovens de 10 a 19 anos de idade.
Embora o achado da maioria de casos novos, na forma clínica intederminada dentre os PB, possa sugerir que o diagnóstico precoce esteja ocorrendo em todo o Estado, observou-se a ocorrência de 44,4% de casos novos MB, o que se considera uma proporção elevada e não esperada para essa faixa etária. Isso se justificaria pelo atraso no diagnóstico da doença, o que influencia a manutenção da cadeia epidemiológica, visto que os casos MB refletem o caráter endêmico da região estudada, fazendo com que esses pacientes representem uma fonte de infecção26.
A forma clínica indeterminada, seguida da dimorfa, foram os registros mais encontrados. A forma indeterminada, que pode evoluir para as formas polarizadas ou para cura, também se mostrou prevalente em uma pesquisa realizada no Piauí16. Divergindo desse resultado, estudos realizados em jovens, no Distrito Federal27 e em Fortaleza14, tiveram como achados, respectivamente, a predominância da forma tuberculoide e da forma dimorfa.
O predomínio da forma clínica dimorfa dentre os casos MB, em proporção superior à indeterminada dentre os casos PB, assim como o registro de casos com forma clínica ignorada, requer maior atenção dos serviços de saúde, uma vez que deve ser priorizada a prevenção contra as sequelas determinadas pela doença quando ocorrer o diagnóstico tardio, além de controlar a endemia6.
A relevância epidemiológica e clínica dessa constatação é que a forma dimorfa tem um grande poder de transmissibilidade e um alto índice de incapacidade residual. Por isso, esses dados devem ser discutidos entre os profissionais de saúde, como estratégia de sensibilização para diagnóstico e abordagem precoce da doença19.
Mesmo que o presente estudo possua vieses de análise comparativa com a literatura, devido à exiguidade de estudos que abordem a faixa etária de jovens, a fragilidade no diagnóstico demonstrado pelos registros ignorados suscita mais efetividade do programa de controle da hanseníase. Ainda se fazem necessárias estratégias educativas de saúde para informar a população quanto aos sinais e sintomas, consequências clínicas e tratamento da hanseníase.
CONCLUSÃO
Embora em sete Regiões se tenha observado a redução da incidência, há uma estabilidade no Estado nos últimos cinco anos, o que denota a permanência de elevada endemicidade e a carência de ações efetivas de educação em saúde para a população e de comprometimento de recursos humanos em saúde com a meta de redução da hanseníase no Brasil.
Observou-se que houve uma distribuição heterogênea da doença no Estado ao se identificar que duas das Regiões de Integração, Carajás e Metropolitana, detiveram a maior proporção de casos novos e quatro tiveram predomínio da forma clínica dimorfa. Por isso, considera-se que o estado do Pará ainda se encontra distante de uma evolução favorável no controle da hanseníase.