INTRODUÇÃO
A transição da estrutura etária que ocorre no Brasil está associada às mudanças no estilo de vida, ocasionadas pelo constante crescimento socioeconômico e pelos avanços de medidas de saúde pública ocorridos nas últimas décadas1. Essa condição gerou uma mudança importante no perfil de morbimortalidade do Brasil, provocando diminuição do número de casos de doenças infectocontagiosas e dando lugar ao aumento de ocorrência de doenças crônico-degenerativas2.
A incidência de novos casos de câncer é superior em indivíduos com mais de 65 anos, que estão entre as maiores vítimas fatais da doença, representando cerca de 70% dos casos de mortes por neoplasias malignas3. A senescência acarreta diversas mudanças fisiológicas, aumentando a vulnerabilidade dos tecidos à toxicidade dos antineoplásicos e alterações farmacocinéticas, em que há diminuição da excreção renal dos metabólitos tóxicos presentes nos fármacos administrados, diminuição do volume de distribuição de agentes hidrossolúveis e diminuição da absorção intestinal. Outro fator a ser destacado é que, com o envelhecimento, a biologia tumoral sofre alteração, podendo apresentar diminuição da sensibilidade ao tratamento4.
Tanto o câncer quanto seu tratamento por quimioterapia acarretam diversas alterações na vida social, interferências na atividade física e alterações nas relações no âmbito familiar5.
Oliveira et al.6 ressaltaram a importância de se realizar o delineamento do perfil do idoso com câncer. Esse desenho permite estimar a sobrevida dos pacientes, analisando as características clínicas e socioeconômicas que influenciam na capacidade de tolerar o tratamento antineoplásico, pois o idoso frágil com câncer geralmente tem uma baixa expectativa de vida, seja por apresentar maior toxicidade a esse grupo de medicamentos ou por fatores intrínsecos à fase da vida experienciada, tais como maior nível de dependência, maior risco de quedas, hospitalizações e reinternações, além do próprio perfil clínico-epidemiológico do paciente.
O presente estudo teve como objetivo descrever o perfil clínico-epidemiológico de idosos submetidos a tratamento quimioterápico antineoplásico atendidos em um ambulatório de um hospital de referência do estado do Pará.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal realizado de abril a outubro de 2015, no Centro de Alta Complexidade em Oncologia Hospital Ophir Loyola (HOL), a principal referência em tratamento oncológico da rede pública do Pará, que oferece assistência ambulatorial e hospitalar a pacientes com câncer.
A população do estudo foi composta por idosos de ambos os sexos e que não possuíssem algum deficit cognitivo ou distúrbio mental, o que dificultaria o fornecimento de informações. A identificação de deficit cognitivo ou de distúrbio mental foi realizada pelos autores da pesquisa no momento do recrutamento ou por meio de informações do prontuário. O corte de idade definido neste estudo baseou-se no Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/2003, que define como idoso a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos7. O tamanho amostral do estudo foi definido com base no quantitativo efetivo de pacientes submetidos à quimioterapia no ano de 2010 - dados mais recentes disponíveis no período da pesquisa. Nesse ano, 3.021 pacientes iniciaram tratamento no ambulatório de quimioterapia do HOL; desse montante, 370 possuíam idade igual ou superior a 60 anos. Sendo a população do estudo finita e o valor preditivo para o erro amostral de 5%, o cálculo para população finita foi realizado conforme descrito por Miot8. O cálculo revelou um tamanho amostral de 157 idosos.
A amostra foi composta por 200 idosos que concordaram em participar da pesquisa. O recrutamento dos pacientes foi feito diariamente, no ambulatório de quimioterapia, a fim de identificar aqueles que atendiam aos critérios de elegibilidade: idade superior a 60 anos, em tratamento quimioterápico antineoplásico, sem deficit cognitivo ou distúrbio mental.
Foi aplicado questionário sobre os aspectos socioeconômicos (idade, sexo, estado civil, procedência, raça, escolaridade, ocupação, renda familiar, contribuição para a renda, número de pessoas com quem reside e religião) e aspectos clínicos (tempo de tratamento, outros tratamentos, comorbidades, tipo de câncer e protocolo quimioterápico). Os dados socioeconômicos foram obtidos durante a entrevista com o participante, enquanto que os dados clínicos e o protocolo quimioterápico foram obtidos por meio de consulta aos prontuários.
Para a análise dos dados, foi utilizado o teste de qui-quadrado para os dados socioeconômicos e clínicos, a fim de avaliar a homogeneidade dos dados, por meio do software SPSS 20. Foram consideradas variáveis estatisticamente significantes aquelas com valor de p ≤ 0,05.
O estudo foi aprovado, em 10 de abril de 2015, pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HOL, sob o parecer nº 260.422, e cumpriu os princípios éticos contidos na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
RESULTADOS
Dos 200 pacientes entrevistados, houve homogeneidade entre os sexos feminino 56,0% (112) e masculino 44,0% (88), com p-valor igual a 0,090. Quanto à distribuição por idade, predominou a faixa etária de 61 a 80 anos, representando 83,5% (167) da amostra. A escolaridade apresentou-se baixa: 82,5% (165) dos participantes possuíam até o nível fundamental completo. Quanto ao estado civil, 57,0% (114) eram casados ou estavam em uma união estável. Em relação ao local de moradia, observou-se que 51,5% (103) eram provenientes da capital do Estado (Tabela 1).
Variáveis sociodemográficas | N | % | Média ± DP | p-valor* |
---|---|---|---|---|
Sexo | 0,090 | |||
Masculino | 88 | 44,0 | ||
Feminino | 112 | 56,0 | ||
Faixa etária (anos) | 69,22 ± 7,46 | < 0,001 | ||
= 60 | 17 | 8,5 | ||
61-70 | 102 | 51,0 | ||
71-80 | 65 | 32,5 | ||
81-90 | 14 | 7,0 | ||
91-100 | 1 | 0,5 | ||
101 ± | 1 | 0,5 | ||
Escolaridade | < 0,001 | |||
Analfabeto | 24 | 12,0 | ||
Fundamental incompleto | 117 | 58,5 | ||
Fundamental completo | 24 | 12,0 | ||
Médio incompleto | 4 | 2,0 | ||
Médio completo | 24 | 12,0 | ||
Superior incompleto | 2 | 1,0 | ||
Superior completo | 5 | 2,5 | ||
Estado civil | < 0,001 | |||
Solteiro | 22 | 11,0 | ||
Casado | 93 | 46,5 | ||
União estável | 21 | 10,5 | ||
Viúvo | 42 | 21,0 | ||
Separado | 22 | 11,0 | ||
Procedência | < 0,001 | |||
Capital | 103 | 51,5 | ||
Interior | 92 | 46,0 | ||
Outro estado | 5 | 2,5 | ||
Renda familiar (salário mínimo)† | 2,92 ± 1,27 | < 0,001 | ||
< 1 | 12 | 6,0 | ||
1 | 70 | 35,0 | ||
2 | 77 | 38,5 | ||
3 | 25 | 12,5 | ||
4 | 4 | 2,0 | ||
5 | 4 | 2,0 | ||
> 5 | 8 | 4,0 | ||
Participação na renda familiar | < 0,001 | |||
Sim | 175 | 87,5 | ||
Não | 25 | 12,5 | ||
Ocupação | < 0,001 | |||
Atividade urbana | 15 | 7,5 | ||
Atividade rural | 6 | 3,0 | ||
Sem ocupação | 164 | 82,0 | ||
Não respondeu | 15 | 7,5 | ||
Número de pessoas com quem mora | 2,88 ± 1,61 | < 0,001 | ||
1 | 54 | 27,0 | ||
2 | 41 | 20,5 | ||
3 | 36 | 18,0 | ||
4 | 28 | 14,0 | ||
> 4 | 26 | 13,0 | ||
Mora só | 15 | 7,5 |
*Qui-quadrado de homogeneidade; † O salário mínimo da época do estudo era de R$ 788,00; DP: Desvio padrão.
A renda familiar média foi de 2,92±1,27 salários mínimos, sendo que 79,5% (159) dos participantes possuíam renda familiar inferior a três salários mínimos. Quanto à participação financeira na dinâmica familiar, 87,5% (175) dos idosos afirmaram contribuir com a renda familiar. Em relação à ocupação, 82,0% (164) dos participantes não exerciam atividade remunerada (Tabela 1).
Quanto ao número de pessoas com quem o idoso morava, houve predominância (27,0%; 54) de idosos que afirmaram residir com apenas uma pessoa (Tabela 1).
Entre os idosos participantes, houve predominância de casos de câncer de mama (26,5%; 53), seguido por câncer de próstata (17,0%; 34) e de estômago (12,0%; 24), conforme descrito na tabela 2.
Tipos de câncer | Feminino | Masculino | Total | p-valor* | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | ||
CA mama | 52 | 46,4 | 1 | 1,1 | 53 | 26,5 | |
CA próstata | - | - | 34 | 38,6 | 34 | 17,0 | |
CA estômago | 7 | 6,2 | 17 | 19,3 | 24 | 12,0 | |
CA colo do útero | 14 | 12,5 | - | - | 14 | 7,0 | |
CA intestino | 5 | 4,5 | 7 | 8,0 | 12 | 6,0 | |
CA pulmão | 9 | 8,0 | 3 | 3,4 | 12 | 6,0 | |
CA ovário | 11 | 9,8 | - | - | 11 | 5,5 | |
CA bexiga | 2 | 1,8 | 5 | 5,7 | 7 | 3,5 | < 0,001 |
Linfoma | 2 | 1,8 | 5 | 5,7 | 7 | 3,5 | |
Leucemia | 3 | 2,7 | 2 | 2,3 | 5 | 2,5 | |
CA esôfago | - | - | 3 | 3,4 | 3 | 1,5 | |
CA medula óssea | - | - | 3 | 3,4 | 3 | 1,5 | |
CA garganta | - | - | 2 | 2,3 | 2 | 1,0 | |
Tumor de face | - | - | 2 | 2,3 | 2 | 1,0 | |
CA fígado | 2 | 1,8 | - | - | 2 | 1,0 | |
Outros† | 5 | 4,5 | 4 | 4,5 | 9 | 4,5 |
*Qui-quadrado de homogeneidade; † Os diagnósticos CA de baço, CA de laringe, CA de pele, CA de pênis, CA de vagina, CA de vesícula, mieloma múltiplo, sarcoma de partes moles e tumor em base de língua foram identificados em um indivíduo cada. Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Quanto aos aspectos clínicos, a média do tempo de tratamento quimioterápico foi de 3,63±2,61 meses, sendo que 61,0% (122) dos entrevistados haviam iniciado a quimioterapia há menos de 12 meses (Tabela 3).
Variáveis clínicas | N | % | Média ± DP | p-valor* |
---|---|---|---|---|
Tempo de tratamento (meses) | 3,63 ± 2,61 | |||
≤ 1 | 42 | 21,0 | < 0,001 | |
1-6 | 57 | 28,5 | ||
6-11 | 23 | 11,5 | ||
11-16 | 21 | 10,5 | ||
16-21 | 6 | 3,0 | ||
21-26 | 19 | 9,5 | ||
26-31 | 4 | 2,0 | ||
31-36 | 7 | 3,5 | ||
36 > | 21 | 10,5 | ||
Outros tipos de tratamento | ||||
Cirurgia | 77 | 38,5 | < 0,001 | |
Radioterapia | 32 | 16,0 | ||
Cirurgia e radioterapia | 34 | 17,0 | ||
Presença de comorbidades | ||||
Sim | 122 | 61,0 | < 0,001 | |
Não | 78 | 39,0 | ||
Comorbidades | ||||
Hipertensão | 63 | 31,5 | < 0,001 | |
Diabetes | 8 | 4,0 | ||
Hipertensão e diabetes | 19 | 9,5 | ||
Patologia respiratória | 14 | 7,0 | ||
Patologia ortopédica | 4 | 2,0 | ||
Outros | 10 | 5,0 | ||
Hipertensão, diabetes e patologia ortopédica | 2 | 1,0 | ||
Hipertensão e patologia ortopédica | 1 | 0,5 | ||
Diabetes e patologia ortopédica | 1 | 0,5 |
*Qui-quadrado de homogeneidade; DP: Desvio padrão.
Sobre a realização de outras formas de tratamento, 71,5% (143) dos pacientes declararam ter realizado cirurgia e/ou radioterapia; em relação à presença de outras doenças, 61,0% (122) afirmaram possuir outras comorbidades, e dessas, a hipertensão representou 42,5% dos casos (85) (Tabela 3).
Quando investigado o tratamento utilizado, revelou-se que a classe bisfosfonato foi a mais recorrente entre os participantes em uso de apenas uma classe de medicamentos (18,0%; 36), enquanto 41% (82) faziam uso de antineoplásico agente alquilante, isoladamente ou em associação com outras classes de agentes antineoplásicos (Tabela 4).
Protocolo | N | % |
---|---|---|
Agonista do hormônio liberador de gonadotrofina | 1 | 0,5 |
Antineoplásico agente alquilante | 21 | 10,5 |
Antineoplásico alcaloide da vinca | 1 | 0,5 |
Antineoplásico anticorpo monoclonal | 9 | 4,5 |
Antineoplásico antimetabólico | 32 | 16,0 |
Antineoplásico antimicrotubular | 15 | 7,5 |
Antineoplásico antracíclico | 2 | 1,0 |
Antineoplásico inibidor dos proteasomas | 1 | 0,5 |
Bisfosfonato | 36 | 18,0 |
Imunoterapia | 8 | 4,0 |
Agonista do hormônio liberador de gonadotrofina + bisfosfonato | 4 | 2,0 |
Antineoplásico agente alquilante + antineoplásico anticorpo monoclonal | 1 | 0,5 |
Antineoplásico agente alquilante + antineoplásico antimetabólico | 9 | 4,5 |
Antineoplásico agente alquilante + antineoplásico antimicrotubular | 22 | 11,0 |
Antineoplásico agente alquilante + antineoplásico antracíclico | 18 | 9,0 |
Antineoplásico agente alquilante + antineoplásico derivado da podofilotoxina | 2 | 1,0 |
Antineoplásico anticorpo monoclonal + antineoplásico antimetabólico | 1 | 0,5 |
Antineoplásico antimicrotubular + antineoplásico antracíclico | 1 | 0,5 |
Antineoplásico antimicrotubular + bisfosfonato | 2 | 1,0 |
Antineoplásico antracíclico + antineoplásico anticorpo monoclonal | 1 | 0,5 |
Antineoplásico camptotecina + antineoplásico agente alquilante | 1 | 0,5 |
Antineoplásico antracíclico + antineoplásico antimetabólico | 2 | 1,0 |
Antineoplásico derivado da podofilotoxina + antineoplásico antimetabólico | 2 | 1,0 |
Antineoplásico agente alquilante + antineoplásico anticorpo monoclonal + antineoplásico alcaloide da vinca | 2 | 1,0 |
Antídoto + antineoplásico agente alquilante + antineoplásico antracíclico | 1 | 0,5 |
Antibiótico antineoplásico + antineoplásico agente alquilante + antineoplásico antimetabólico | 1 | 0,5 |
Antineoplásico antracíclico + antineoplásico agente alquilante + antineoplásico antimetabólico | 1 | 0,5 |
Antineoplásico agente alquilante + antineoplásico anticorpo monoclonal + antineoplásico antracíclico ± antineoplásico alcaloide da vinca | 1 | 0,5 |
Antineoplásico alcaloide da vinca + antineoplásico antracíclico + antibiótico antineoplásico + antineoplásico agente alquilante | 1 | 0,5 |
Antineoplásico agente alquilante + antineoplásico anticorpo monoclonal + antineoplásico antracíclico + antineoplásico alcaloide da vinca + antineoplásico inibidor dos proteasomas | 1 | 0,5 |
Qui-quadrado de homogeneidade: p < 0,001.
Entre os entrevistados, 37,0% (74) faziam uso de protocolo quimioterápico com combinação de classes de agentes antineoplásicos. A combinação das classes de antineoplásicos agente alquilante e antineoplásico antimicrotubular foi a mais frequente, encontrada em 11% (22) dos participantes (Tabela 4).
DISCUSSÃO
O câncer é uma das patologias mais graves que acometem o idoso, devido à exposição aos fatores de risco, ao longo dos anos9. Para o ano de 2014, obteve-se a estimativa de 576.000 novos casos da doença no Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca)10. Oliveira et al.6 e Fabrício11 afirmaram que cerca de 75% das neoplasias ocorrem em indivíduos com mais de 60 anos de idade, constituindo a segunda maior causa de morte nesse grupo etário.
Pacientes idosos representam uma parcela da população com características heterogêneas, que agrega uma série de comorbidades que afetam direta e indiretamente o tratamento e o prognóstico de doenças neoplásicas3.
Rodrigues e Ferreira12 afirmaram que, em países desenvolvidos, o câncer incide de forma similar em ambos os sexos, mas, quando se remete a países em desenvolvimento - entre os quais se inclui o Brasil - observa-se maior prevalência em indivíduos do sexo feminino. Entretanto, não foi identificada diferença estatisticamente significante entre homens e mulheres na amostra estudada, resultado semelhante ao encontrado por outros autores3,12,13,14.
Por meio deste estudo, foi possível identificar a predominância de indivíduos entre 60 e 80 anos de idade, com baixa escolaridade, casados ou em união estável, e com baixa renda familiar. Kolankiewicz et al.15 afirmaram que as doenças crônico-degenerativas possuem pior prognóstico quando associadas à baixa escolaridade e a desigualdades socioeconômicas.
O diagnóstico de câncer gera consequências negativas nos âmbitos social, econômico e pessoal, pois o paciente se vê diante de uma condição limitante, causada pelos efeitos da doença e do tratamento, que podem impedi-lo de manter-se ativo no mercado de trabalho, na dinâmica familiar e nos papéis sociais16. Segundo Toneti et al.17, embora a aposentadoria proporcione autonomia financeira, os gastos relacionados ao tratamento oncológico podem exceder a renda do idoso, gerando uma situação de dependência financeira de familiares. Entretanto, neste estudo, apesar de 82,0% (164) dos idosos não estivessem exercendo atividade remunerada, observou-se que 87,5% (175) contribuíam com a renda familiar, exercendo, dessa forma, papel de destaque para manutenção do equilíbrio financeiro de suas famílias.
O tipo de câncer mais frequente identificado neste estudo foi o câncer de mama, com prevalência de 26,5% (53) entre os participantes, dos quais, 98,1% (52) ocorreram em mulheres, havendo apenas um caso de câncer de mama em indivíduo do sexo masculino. Segundo Alves et al.18, o câncer de mama é o que mais acomete as mulheres em todo o mundo, sendo a faixa etária elevada a mais atingida. Ferreira et al.13 encontraram resultados semelhantes, enquanto Miranda et al.19 identificaram maior prevalência de indivíduos com câncer de colo do útero, seguido de câncer de mama, com 18,3% e 13,6%, respectivamente. Antunes et al.3 obtiveram maiores taxas de prevalência para câncer de próstata e coloretal, com 22,0% e 21,0%, respectivamente, ficando o câncer de mama na terceira posição, com 19,0% das ocorrências.
A mortalidade por câncer de mama tem se mostrado uma tendência crescente no Brasil, com maior ênfase nas regiões Nordeste e Centro-Oeste20. Um estudo da evolução temporal da mortalidade por câncer de mama no Nordeste do Brasil mostrou que há uma forte tendência ascendente, com projeção de aumento das taxas até 2030, tornando essencial a estruturação da vigilância, cuidados e promoção da saúde para essa doença nessa região21. Girianelli et al.22 afirmaram que maiores acesso à mamografia e a serviços especializados de tratamento podem beneficiar as mulheres diagnosticadas nos primeiros estágios da doença, estando associados com a redução nas taxas de mortalidade por câncer de mama no Sudeste e no Sul do Brasil.
Santos et al.14, ao caracterizarem o perfil de idosos submetidos a tratamento oncológico, identificaram o câncer de próstata como o mais prevalente entre os participantes, seguido do câncer de mama, com 27,0% e 22,9%, respectivamente.
Neste estudo, o câncer de próstata foi o segundo mais prevalente, com 17,0% (34) de acometimento dos participantes. O câncer de próstata é o segundo tipo de câncer que mais acomete o homem, estando atrás apenas dos tumores de pele não melanoma, tendo sua incidência em 70,42/100.000 homens no Brasil e 30,16/100.000 no Norte, no ano de 2014. Acredita-se que no Brasil a incidência tenha aumentado em função da disseminação do rastreamento por meio do toque retal e pelo teste do antígeno prostático específico10.
Entre os fatores de risco relacionados ao câncer de próstata, destaca-se a idade avançada23. Todavia, o diagnóstico precoce contribui para a redução das taxas de mortalidade. A diretriz mais recente para o rastreamento do câncer de próstata recomenda a investigação em homens a partir de 50 anos de idade. Quando houver fatores de risco relacionados à classificação de alto risco e muito alto risco, o rastreamento é indicado a partir dos 45 e 40 anos de idade, respectivamente23,24. A American Cancer Society24 define como indivíduos de alto risco, afrodescendentes e homens com histórico familiar de câncer de próstata precoce (diagnóstico antes de 65 anos) em parente de primeiro grau (pai, irmão ou filho); e de muito alto risco, aqueles com mais de um parente com histórico de câncer de próstata precoce.
O Inca25 estima que, para o biênio 2016-2017, os tipos mais frequentes de câncer em homens - excetuando o de pele não melanoma - serão de próstata (28,6%), pulmão (8,1%) e intestino (7,8%); enquanto que nas mulheres os de mama (28,1%), intestino (8,6%) e colo do útero (7,9%) estarão entre os mais prevalentes.
Menos prevalente, entretanto ainda relevante para os resultados encontrados, o câncer de estômago esteve presente em 12,0% (24) dos participantes. No Norte, esse câncer é a segunda neoplasia mais comum em homens (11,62/100.000) e a quarta mais comuns em mulheres (5,82/100.000). Os achados deste estudo estão em consonância com a estimativa para a região Norte, onde a prevalência entre os homens foi de 19,3%, e de 6,2% entre as mulheres. Apesar de ser a segunda causa de morte para ambos os sexos em escala global, as taxas de incidência têm decaído, em parte, devido ao aumento do consumo de alimentos saudáveis, como frutas e hortaliças25.
Quanto ao tratamento utilizado, neste estudo, a maioria dos indivíduos, em uso de apenas uma classe de medicamentos, utilizava bisfosfonatos. Essa classe de medicamentos não se classifica como antineoplásico, porque não atua diretamente na eliminação de células cancerígenas, porém é utilizada como tratamento adjuvante. Estudos referem sua utilização em oncologia no tratamento de hipercalcemia tumoral26, na prevenção e no tratamento de eventos esqueléticos associados à metástase óssea e na prevenção da osteoporose associada ao câncer de mama27.
Nunes et al.28 relacionaram esses medicamentos principalmente para o tratamento e manejo de eventos esqueléticos associados com metástases ósseas de tumores sólidos, como câncer de mama, próstata, pulmão e mieloma múltiplo. Apesar de não haver comprovação do aumento da taxa de sobrevivência em indivíduos em uso de bisfosfonatos, esses possuem um significante efeito positivo em relação à qualidade de vida de tais pacientes29.
A classe de antineoplásicos agentes alquilantes foi a mais frequente entre os entrevistados, isoladamente ou em associação com outras classes. Esses são os antineoplásicos mais estudados e considerados os agentes antitumorais mais usados na atualidade. Sua ampla utilização deve-se ao seu mecanismo de ação ciclocelular não específico, o que o torna capaz de eliminar células tumorais independentemente de estarem no ciclo celular ou estarem em repouso causando seus efeitos30. Contudo, possuem alto potencial para apresentar reações adversas, já que não atuam exclusivamente em células tumorais, podendo repercutir em tecidos e órgãos sãos, como medula óssea, pelos e a mucosa do tubo digestivo, ocasionando mielossupressão, aplasia medular, náuseas e vômitos, entre outros31,32.
Apesar de algumas classes de antineoplásicos se destacarem, neste estudo, observou-se uma grande heterogeneidade em relação ao tratamento utilizado. A maior dificuldade em se propor o tratamento quimioterápico, para o paciente oncológico idoso, encontra-se nas características intrínsecas desse grupo etário, em que cerca de 85,0% dos pacientes possuem algum tipo de comorbidade, com risco de eventos vasculares, cardíacos e pulmonares33.
Wildiers et al.34 afirmaram que existe uma grande heterogeneidade no processo de envelhecimento, o que contribui para a complexidade das decisões terapêuticas para esse grupo etário. Entretanto, como alternativa para minimizar riscos e direcionar os profissionais da área da saúde, quanto ao tratamento e ao plano de cuidados mais adequados, diversos autores sugerem a utilização de uma avaliação geriátrica abrangente, para que sejam preenchidas lacunas de conhecimento34,35,36. A avaliação geriátrica abrangente é definida como um processo de diagnóstico multidimensional e interdisciplinar com foco na determinação das capacidades clínicas, psicossociais e funcionais de idosos, a fim de se desenvolver um plano coordenado e integrado de tratamento seguido a longo prazo.
Ficou demonstrado por Wildiers et al.34 que a avaliação geriátrica detecta problemas gerais de saúde em pacientes idosos com câncer que rotineiramente são sub-reconhecidos durante os cuidados oncológicos clínicos. Nessa mesma linha de estudo, Ghosn et al.37 identificaram que a avaliação geriátrica é capaz de prever a mortalidade de pacientes idosos com câncer, denotando a relevância da aplicabilidade dessa ferramenta na oncogeriatria.
Entretanto, não se deve ignorar a relevância da prevenção a nível primário. Vineis e Wild38 reforçaram a prevenção primária como uma forma particularmente eficaz de combate ao câncer, sendo que entre 30,0% e 50,0% dos cânceres podem ser prevenidos com base no conhecimento atual dos fatores de risco. Parkin et al.39 obtiveram conclusões semelhantes ao reportarem que 45,0% dos cânceres em homens e 40,0% em mulheres poderiam ter sido prevenidos se os fatores de risco tivessem sido reduzidos aos níveis ótimos ou eliminados.
Vineis e Wild38 afirmaram que a proporção de cânceres que podem ser evitados difere de acordo com a região geográfica e o índice de desenvolvimento da população, dependendo da prevalência de diferentes fatores de risco. Portanto, existe necessidade de se estabelecerem prioridades de prevenção nos níveis local e regional40.
Ressalta-se que a grande quantidade de variáveis atuantes no processo de adoecimento pelo câncer (tipo de câncer, estadiamento da doença, tipo e tempo de tratamento, resposta imunológica à doença e aos medicamentos), associadas às alterações específicas da senescência (doenças crônico-degenerativas, redução das capacidades renal, circulatória e respiratória e maior risco de toxicidade a medicamentos), caracterizam o idoso como um indivíduo com particularidades que alteram a sensibilidade ao tratamento e à morbimortalidade.
Neste estudo, foi possível identificar o perfil de idosos em tratamento antineoplásico atendidos em uma unidade de referência oncológica do Norte do Brasil, fornecendo dados relevantes para o estabelecimento do perfil dessa população e permitindo o direcionamento de ações e estudos voltados para a assistência durante o tratamento quimioterápico de idosos.
CONCLUSÃO
O perfil clínico-epidemiológico traçado demonstrou uma prevalência de indivíduos de 60 a 80 anos de idade, sem predominância de sexo, com baixa escolaridade e baixa renda familiar, em sua maioria casados ou em união estável, sem exercerem atividade remunerada, entretanto com participação ativa na renda familiar, seja por aposentadoria ou auxílio-doença. Houve uma predominância de indivíduos com outras comorbidades além da neoplasia, o que eleva os riscos de complicações e reações adversas. A associação de classes de antineoplásicos prevaleceu em relação ao protocolo quimioterápico utilizado, entretanto com maior ocorrência de bisfosfonato e agentes alquilantes.
Por meio do perfil traçado, ressalta-se a necessidade de estudos futuros que visem investigar a qualidade de vida e o nível de dependência desses indivíduos em relação aos diversos protocolos quimioterápicos utilizados, dado que a ampla gama de variáveis atuantes no processo saúde-doença interfere diretamente no prognóstico e no bem-estar do idoso acometido por neoplasias em tratamento quimioterápico.