INTRODUÇÃO
A hanseníase, ou mal de Hansen, é uma doença crônica granulomatosa causada pelo Mycobacterium leprae, bacilo álcool-ácido resistente, intracelular, que afeta nervos periféricos; apresenta grande capacidade de infecção (alta infectividade), porém poucos indivíduos desenvolvem a doença (baixa patogenicidade)1. A hanseníase é uma questão de saúde pública de grande relevância, pelo seu poder de causar incapacidades, atingindo todas as idades, especialmente a população economicamente ativa, entre os 15 e 40 anos de idade, com casos em todo o território brasileiro1,2. Apesar de ter sido declarada a busca pela eliminação em escala mundial como um problema de saúde pública até o ano de 20003, o Brasil ainda não alcançou a meta de reduzir a carga de hanseníase para menos de 1 caso/10.000 habitantes.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)4, foram notificados, em 2010, 37.610 casos no Brasil, ficando atrás apenas da Índia, que registrou 133.717 casos. Dos 40.474 casos novos nas Américas, 93% foram notificados no Brasil3. Segundo o Ministério da Saúde, em 2014, foram detectados 31.064 casos novos no Brasil, correspondente a um coeficiente de detecção geral de 15,32/100.000 habitantes, considerado muito alto. As Regiões Norte e Centro-Oeste apresentaram os maiores coeficientes de detecção geral de casos novos de hanseníase, com mais de 30 casos novos/100.000 habitantes5. Segundo Barreto et al.6, mais de 80.000 casos de hanseníase foram diagnosticados no período de 1995 a 2015 no Pará, e, até o momento deste estudo, a doença permanecia como um grave problema de saúde pública no Estado.
A OMS toma como modelo dois indicadores para avaliação do controle da infecção, sendo o primeiro o diagnóstico de novos casos em indivíduos na faixa etária abaixo de 15 anos, e o segundo, as notificações com grau 2 de incapacidade física7.
A partir da implantação do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) pelo Ministério da Saúde, tornaram-se viáveis explorações detalhadas de dados das mais variadas doenças em escalas geográficas, entre elas a hanseníase8. De acordo com a OMS9, a meta mundial era diminuir em 35% a taxa de detecção de novos casos com grau 2 de incapacidade a cada 100.000 habitantes, até o final de 2015, em comparação com os números de 2010. E a nova Estratégia Global para Hanseníase 2016-2020 tem o propósito de promover a detecção precoce da hanseníase e o tratamento imediato, para evitar a incapacidade e reduzir a transmissão da infecção na comunidade3.
O conhecimento da epidemiologia local é importante para aumentar a detecção precoce de casos novos, sendo necessária sua utilização pelos municípios do Pará, para que o Estado possa finalmente alcançar as metas de controle da hanseníase. Entretanto, não foram encontrados, na literatura científica, levantamentos epidemiológicos da hanseníase na Microrregião de Tucuruí, o que, juntamente com os dados já encontrados na literatura sobre a situação do Pará em relação à hanseníase, especialmente a ausência de diagnóstico da doença10, pode justificar o presente estudo.
Diante do exposto, este estudo objetivou analisar o perfil epidemiológico da hanseníase na Microrregião de Tucuruí, estado do Pará, Brasil, no período de 2010 a 2014.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo quantitativo epidemiológico, descritivo, de corte transversal, que teve como área de pesquisa a Microrregião de Tucuruí, cuja coleta de dados foi realizada em 2015.
Segundo o plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Lago de Tucuruí11, essa Microrregião é formada pelas cidades de Breu Branco, Itupiranga, Jacundá, Nova Ipixuna, Novo Repartimento e Tucuruí, sendo esse último o polo da Microrregião, com uma distância aproximada de 400 km de Belém, a capital do Estado. Tucuruí é um dos 144 municípios do Pará e possuía a maior população da região, de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizado em 201012, com 105.451 habitantes; enquanto os outros município possuíam: Novo Repartimento, 69.267; Breu Branco, 59.651; Jacundá, 55.204; Itupiranga, 51.743; e Nova Ipixuna, 15.632 habitantes. Entretanto, em extensão territorial, se sobressai o município de Novo Repartimento, que possui 15.368,63 km², o que representa 38,5% do total da Microrregião. Os menores são Tucuruí e Nova Ipixuna, com 1.600,32 e 2.086,17 km², respectivamente11.
Em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), apenas dois municípios superam a média regional, Tucuruí e Jacundá, que possuem os maiores IDH da região, 0,66 e 0,62, respectivamente. Contudo, apenas Tucuruí se enquadra na zona de médio desenvolvimento humano, enquanto os demais são de médio-baixo desenvolvimento. Novo Repartimento (0,53) e Itupiranga (0,58) têm os menores IDH da região12.
Todos os dados foram extraídos do Sinan13, tendo sido incluídos os casos de hanseníase de indivíduos infectados nas mais diversas localidades, porém, notificados nosmunicípios da Microrregião de Tucuruí, nos anos de 2010 a 2014. Os dados populacionais, paracálculo da taxa anual de detecção, foram obtidos a partir do IBGE12.
Foram destacadas as variáveis sexo, idade, escolaridade, raça/cor, forma clínica, classificação operacional, avaliação do grau de incapacidade durante o diagnóstico e esquema terapêutico para o tratamento14.
Para a análise estatística, os dados coletados foram organizados, filtrados e tabelados em planilhas no programa Microsoft Excel 2010. Foi feita a estatística descritiva utilizando-se o programa BioEstat v5.3. Para analisar as diferenças entre as frequências de algumas variáveis, foram usados o teste G (aderência e independência) e o teste do qui-quadrado, assumindo-se o nível de significância de 5% (p < 0,05).
O trabalho respeitou os preceitos da Resolução no da pesquisa 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisa com seres humanos, sendo que os dados foram obtidos em bancos de dados fidedignos e de livre acesso, justificando-se, assim, a ausência do parecer de um Comitê de Ética em Pesquisa.
RESULTADOS
Entre 2010 e 2014, houve 1.786 casos notificados de hanseníase na Microrregião de Tucuruí, resultando em uma média de aproximadamente 358 casos por ano (Tabela 1).
Município de notificação | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | Total |
---|---|---|---|---|---|---|
Breu Branco | 38 | 38 | 48 | 39 | 24 | 187 |
Itupiranga | 40 | 32 | 77 | 64 | 58 | 271 |
Jacundá | 85 | 149 | 117 | 52 | 72 | 475 |
Nova Ipixuna | 9 | 18 | 15 | 9 | 8 | 59 |
Novo Repartimento | 68 | 66 | 83 | 80 | 87 | 384 |
Tucuruí | 101 | 72 | 100 | 92 | 45 | 410 |
Total | 341 | 375 | 440 | 336 | 294 | 1.786 |
Fonte: Sinan, 2015
O valor de P para todos os municípios foi p > 0,05.
Comparando-se os anos de 2010 e 2014, houve uma diminuição na taxa de detecção da hanseníase, tanto na Microrregião, como no Pará e no Brasil. No entanto, essa diminuição não foi significativa (p < 0,05). Apesar do declínio, o número ainda é alarmante quando comparado com as taxas do Pará e do Brasil, conforme mostra a figura 1.
Na Microrregião, o número de casos em menores de 15 anos de idade correspondeu a 12,0% do total no período. A faixa etária predominante foi a de 15 a 39 anos (45,0%), tendo sido observada pouca alteração entre os municípios, principalmente quanto aos menores de 15 anos (desvio padrão - DP = 1,33 e coeficiente de variação - CV = 11,4%). A raça/cor parda foi a mais notificada (61,1%), seguindo-se a preta (21,1%) e a branca (16,8%) (Tabela 2).
Variáveis de perfil | Nova Ipixuna | Itupiranga | Jacundá | Nova Ipixuna | Novo Repartimento | Tucuruí | Total | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
Idade (anos) | ||||||||||||||
< 15 | 20 | 10,7 | 34 | 12,6 | 51 | 10,8 | 6 | 10,2 | 52 | 13,5 | 51 | 12,4 | 214 | 12,0 |
15-39 | 89 | 47,6 | 109 | 40,2 | 211 | 44,4 | 24 | 40,7 | 171 | 44,5 | 199 | 48,5 | 803 | 45,0 |
40-59 | 54 | 28,9 | 80 | 29,5 | 153 | 32,2 | 21 | 35,6 | 117 | 30,5 | 111 | 27,1 | 536 | 30,0 |
≥ 60 | 24 | 12,8 | 48 | 17,7 | 60 | 12,6 | 8 | 13,5 | 44 | 11,5 | 49 | 12,0 | 233 | 13,0 |
Subtotal | 187 | 100,0 | 271 | 100,0 | 475 | 100,0 | 59 | 100,0 | 384 | 100,0 | 410 | 100,0 | 1.786 | 100,0 |
p-valor | < 0,0001 | < 0,0001 | < 0,0001 | 0,0008 | < 0,0001 | < 0,0001 | < 0,0001 | |||||||
Sexo | ||||||||||||||
Masculino | 110 | 58,8 | 164 | 60,5 | 278 | 58,5 | 40 | 67,8 | 255 | 66,4 | 251 | 61,2 | 1.098 | 61,5 |
Feminino | 77 | 41,2 | 107 | 39,5 | 197 | 41,5 | 19 | 32,2 | 129 | 33,6 | 159 | 38,8 | 688 | 38,5 |
Subtotal | 187 | 100,0 | 271 | 100,0 | 475 | 100,0 | 59 | 100,0 | 384 | 100,0 | 410 | 100,0 | 1.786 | 100,0 |
p-valor | 0,0193 | 0,0007 | 0,0002 | 0,0092 | < 0,0001 | < 0,0001 | < 0,0001 | |||||||
Raça/cor | ||||||||||||||
Branca | 36 | 19,2 | 40 | 14,8 | 73 | 15,4 | 11 | 18,7 | 66 | 17,2 | 74 | 18,1 | 300 | 16,8 |
Preta | 40 | 21,4 | 50 | 18,4 | 105 | 22,1 | 17 | 28,8 | 75 | 19,5 | 89 | 21,7 | 376 | 21,1 |
Amarela | 1 | 0,5 | - | - | 1 | 0,2 | - | - | 5 | 1,3 | 3 | 0,7 | 10 | 0,6 |
Parda | 108 | 57,8 | 181 | 66,8 | 293 | 61,7 | 31 | 52,5 | 237 | 61,7 | 242 | 59,0 | 1.092 | 61,1 |
Indígena | - | - | - | - | 2 | 0,4 | - | - | - | - | 2 | 0,5 | 4 | 0,2 |
Ignorado/ branco | 2 | 1,1 | - | - | 1 | 0,2 | - | - | 1 | 0,3 | - | - | 4 | 0,2 |
Subtotal | 187 | 100,0 | 271 | 100,0 | 475 | 100,0 | 59 | 100,0 | 384 | 100,0 | 410 | 100,0 | 1.786 | 100,0 |
p-valor | < 0,0001 | < 0,0001 | < 0,0001 | < 0,0001 | < 0,0001 | < 0,0001 | < 0,0001 | |||||||
Escolaridade | ||||||||||||||
Analfabeto | 27 | 14,4 | 51 | 18,8 | 75 | 15,8 | 12 | 20,3 | 54 | 14,1 | 35 | 8,5 | 254 | 14,2 |
Fundamental | 126 | 67,4 | 182 | 67,2 | 363 | 76,4 | 28 | 47,5 | 206 | 53,6 | 282 | 68,8 | 1.187 | 66,5 |
Médio | 29 | 15,5 | 26 | 9,6 | 29 | 6,1 | 3 | 5,1 | 25 | 6,5 | 57 | 14,0 | 169 | 9,4 |
Superior | 1 | 0,5 | 2 | 0,7 | 2 | 0,4 | 1 | 1,7 | 3 | 0,8 | 3 | 0,7 | 12 | 0,7 |
Ignorado/ | ||||||||||||||
branco/não | 4 | 2,2 | 10 | 3,7 | 6 | 1,3 | 15 | 25,4 | 96 | 25,0 | 33 | 8,0 | 164 | 9,2 |
se aplica | ||||||||||||||
Subtotal | 187 | 100,0 | 271 | 100,0 | 475 | 100,0 | 59 | 100,0 | 384 | 100,0 | 410 | 100,0 | 1.786 | 100,0 |
p-valor | < 0,0001 | < 0,0001 | < 0,0001 | < 0,0001 | < 0,0001 | < 0,0001 | < 0,0001 |
Fonte: Sinan, 2015.
Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Na análise das medidas de tendência central e dispersão, observou-se que a proporção média de indivíduos do sexo masculino foi de 61,5% dos casos (Tabela 2). Houve pouca variação entre os municípios (DP = 3,94 e CV = 6,34%), com a proporção de homens maior que a de mulheres em todos os anos.
A escolaridade predominante das pessoas afetadas em todos os municípios da Microrregião foi o ensino fundamental (66,5%), vindo em seguida os analfabetos (14,2%), com diferença p < 0,0001. O grau de escolaridade de 9,2% dos casos encontrava-se em ignorado/branco/não se aplica (Tabela 2).
A forma clínica predominante na área do estudo foi a dimorfa (53,5%; 955/1.786), com mais de cinco lesões, multibacilar (68,1%). A indeterminada, que se constitui na forma inicial da doença, foi a segunda em prevalência (20,7%; 369/1.786) (Figura 2).
Quanto ao grau de incapacidades, aproximadamente um terço (30,1%) da população estudada apresentou algum grau de incapacidade no momento do diagnóstico, tendo sido a maior parte de grau 1 (426 casos), o que é mostrado na tabela 3.
Município de notificação | Ignorado/ branco | Grau de incapacidade classificado (NÚMERO de casos) | Total | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Grau 0 | Grau 1 | Grau 2 | Não avaliado | |||||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
Breu Branco | 2 | 1,1 | 90 | 48,1 | 58 | 31,0 | 36 | 19,3 | 1 | 0,5 | 187 | 100,0 |
Itupiranga | 2 | 0,7 | 197 | 72,7 | 68 | 25,1 | 3 | 1,1 | 1 | 0,4 | 271 | 100,0 |
Jacundá | - | - | 380 | 80,0 | 81 | 17,1 | 12 | 2,5 | 2 | 0,4 | 475 | 100,0 |
Nova Ipixuna | 3 | 5,1 | 31 | 52,5 | 16 | 27,1 | 7 | 11,9 | 2 | 3,4 | 59 | 100,0 |
Novo Repartimento | 9 | 2,3 | 247 | 64,3 | 102 | 26,6 | 19 | 5,0 | 7 | 1,8 | 384 | 100,0 |
Tucuruí | 2 | 0,5 | 263 | 64,2 | 101 | 24,6 | 35 | 8,5 | 9 | 2,2 | 410 | 100,0 |
Total | 18 | 1,0 | 1.208 | 67,7 | 426 | 23,8 | 112 | 6,3 | 22 | 1,2 | 1.786 | 100,0 |
Fonte: Sinan, 2015.
Média anual de grau 0 = 242; Média anual de grau 1 = 85; Média anual de grau 2 = 22. O valor de p para todos os municípios, em relação ao grau de incapacidade, foi p < 0,0001.
Na análise sociodemográfica, 31,7% dos pacientes com 35 anos ou mais apresentaram algum grau de incapacidade, e 21,7% dos pacientes abaixo de 35 anos apresentaram algum grau de incapacidade, sendo os mesmos com baixo nível de escolaridade, havendo a mesma proporção entre homens e mulheres.
No entanto, na avaliação do grau de incapacidade de cura (pós-poliquimioterapia), aproximadamente metade dos casos (47,0%) foram preenchidos como ignorado/branco, não permitindo assim uma análise precisa de uma tendência ao longo do período estudado. O esquema terapêutico PQT/MB 12 doses foi o mais aplicado (67,4%). A cura foi alcançada em 933 casos (52,2%), e houve 57 (3,1%) abandonos de tratamento; porém, 681 (38,1%) fichas foram enviadas para a base do Sinan sem o preenchimento da evolução dos casos.
DISCUSSÃO
Na Microrregião estudada, a taxa de detecção de hanseníase foi maior do que no estado do Pará e no país, alcançando 7,95 no ano de 2014. De acordo com o padrão do Ministério da Saúde14, essa taxa é considerada hiperendêmica, por apresentar, em todos os anos do estudo (2010 a 2014), coeficientes de detecção maiores que 4 casos novos/10.000 habitantes. Esse fato é ainda mais grave, pois Barreto et al.6 mostraram haver uma alta taxa de prevalência oculta de hanseníase e de infecção subclínica pelo M. leprae no Pará. De acordo com Blok et al.15, até 2020 haverá uma tendência decrescente; todavia, em lugares de alta endemicidade, como no Pará, a meta de eliminação para menos de 1 caso/10.000 habitantes ainda não será alcançada. Adicionalmente, modelos matemáticos mais recentes preveem que, mantidas as condições atuais, as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil não deverão alcançar a eliminação da hanseníase como problema de saúde pública em menos de 44 a 45 anos16.
O número de novos casos de hanseníase encontrados em uma área pode sofrer influência de ações de educação e saúde, de controle da doença, bem como da competência dos profissionais de saúde para o diagnóstico exato e precoce9,17. Municípios com poucos habitantes e um número de casos novos baixos resultam em altos coeficientes, o que pode mascarar a realidade epidemiológica do município18,19. Essa é a realidade do município de Nova Ipixuna, cuja população pequena apresentou coeficiente de detecção de 12,11/10.000 habitantes em 2011, tornando-o assim homogêneo em relação aos demais municípios da Microrregião. Apesar da diferença de notificações entre os municípios, todos permaneneceram no parâmetro de hiperendemicidade nos anos do estudo, sinalizando a necessidade de medidas de controle na região. Além disso, a hanseníase indeterminada foi a segunda mais prevalente (20,7%) neste estudo; ela se constitui na forma inicial da doença e pode evoluir para cura espontânea ou para formas polarizadas20, merecendo atenção quanto ao seu controle.
Com relação aos dados de perfil nos municípios da Microrregião, a faixa etária entre 15 e 59 anos foi a prevalente, o que permite pressupor que a faixa economicamente ativa é a mais afetada pela infecção por M. leprae. Miranzi et al.21 afirmaram que pode haver prejuízos para a economia dessa área, uma vez que essa classe pode desenvolver múltiplas incapacidades físicas, como lesões, reações hansênicas e, por fim, a exclusão do mercado de trabalho, sendo isso um grande prejuízo social. Outros estudos corroboram esses achados, como os realizados em Divinópolis, estado de Minas Gerais17 e no estado da Paraíba22.
Em 2010 e 2011, os casos em menores de 15 anos de idade corresponderam a 7,1% do total de casos novos no Brasil2,23. Na Microrregião de Tucuruí, a média de casos em menores de 15 anos foi de 214 casos, representando 12,0% do total de casos notificados no período estudado, sendo observado um coeficiente de variação de 15,3% entre os anos; ressalta-se que houve aumento de casos entre o primeiro e o último ano da pesquisa. Segundo informações do Sinan24, em 2010, a quantidade de casos de hanseníase, no Brasil, foi de 34.894 casos novos, sendo 2.461 (7,1%) em menores de 15 anos, e o coeficiente geral de detecção era de 18,2 para cada 100.000 habitantes. A existência de casos em menores de 15 anos indica que há circuitos de transmissão ativos, o que sugere um contágio nos primeiros anos de vida - uma das características de regiões com intensa transmissão da doença - e significa que medidas precisam ser tomadas22.
Dessa forma, é necessário manter a vigilância sobre a população mais jovem, porque o aumento dos casos e a situação de adoecimento na faixa etária infantojuvenil mostraram que há transmissão recente e ativa que precisa ser controlada, sendo o aumento de casos em menores de 15 anos um indicador de aumento de portadores bacilíferos. Esses, sem tratamento, poderão aumentar o índice de infecção, pois, de outra forma, se há diminuição da transmissão da doença, o número de crianças afetadas também diminuirá2,9; essa diminuição não está ocorrendo na Microrregião pesquisada. Com isso, espera-se que a vigilância epidemiológica possa promover a busca ativa em menores de 15 anos de idade, no sentido de detectar a doença precocemente, para diminuir os riscos de se contrair hanseníase25.
Para Brito et al.22, a variável raça/cor é pouco considerada, e, em estudos onde é avaliada, essa variável está mais relacionada com a região de estudo do que com a doença propriamente dita, uma vez que, no Brasil, existe muita miscigenação, e a maioria da população é de cor parda. Assim, na Microrregião de Tucuruí, foi encontrada a maior prevalência de doentes de raça/cor parda (61,1%), devido à grande miscigenação.
Quanto ao gênero, observou-se a predominância de hanseníase no sexo masculino, com média de 220 casos/ano (61,5%; p < 0,0001), corroborando outros achados17,22. De acordo com a OMS26, embora a hanseníase comprometa tanto homens quanto mulheres, na maior parte do mundo, o sexo masculino é o mais afetado, com proporção de 2:1. Deve ser salientado que, particularmente na África, há ocorrência igual de hanseníase em ambos os sexos, e algumas vezes prevalece no sexo feminino22.
Os achados sobre a escolaridade neste estudo apenas ratificam o que já se encontra na literatura, em que se observa uma predominância de hanseníase em indivíduos com baixos níveis de escolaridade22,27, reforçando a tese de que fatores sociais têm forte relação com a ocorrência dessa doença no Brasil28. Dessa forma, Amaral e Lana25 sugeriram que, no momento do planejamento das atividades de educação e saúde, as instituições levassemem consideração o nível de conhecimento da população, com o objetivo de garantirem o entendimento.
Em relação à forma clínica e ao grau de incapacidades, a Microrregião de Tucuruí indica que houve uma possível falha no diagnóstico precoce da hanseníase, pois 68,1% dos casos apresentavam mais de cinco lesões (multibacilar), com mais da metade do total classificada como dimorfa; além disso, a cada três casos, pelo menos um apresentava algum grau de incapacidade. Segundo Costa e Patrus29, a presença de incapacidades no momento do diagnóstico pode indicar atraso, tendo em vista que tardiamente a hanseníase causa grandes incapacidades nos pacientes, sinalizando a necessidade de um melhor controle.
Amaral e Lana25 ressaltaram que as incapacidades físicas e deformidades são os principais problemas da hanseníase, pois, como já mencionado anteriormente, essa doença atinge principalmente a faixa economicamente ativa, logo as incapacidades podem afetar as atividades dos pacientes, tornando-os incapazes de fazerem parte do setor econômico, o que leva ao desenvolvimento de problemas sociais e psicológicos, diminuindo drasticamente a qualidade de vida30. Diante disso, Pimentel et al.31 explicaram que, durante o diagnóstico, é imprescindível a realização do exame dermatoneurológico, para verificação do grau de incapacidade.
O percentual de incapacidades na Microrregião é superior ao encontrado por Ribeiro Júnior et al.32, em um estudo realizado no norte de Minas Gerais, porém, inferior ao encontrado por Sobrinho et al.33, em uma região do estado do Paraná. Vale ressaltar que é perceptível uma discrepância em relação ao grau de incapacidade de cura entre os municípios da mesma Microrregião, o que pode gerar hipótese de falhas na busca ativa da hanseníase em determinados municípios.
De acordo com Lana et al.34, as consequências negativas da hanseníase na vida do indivíduo podem ser agravadas se a doença ocorrer na infância, e isso torna preocupante o quadro encontrado na Microrregião quanto à incapacidade em menores de 15 anos de idade.
A literatura aponta uma relação entre o atraso do diagnóstico da hanseníase por mais de um ano e a classificação da doença como multibacilar, com presença de incapacidade física35. O objetivo maior das ações de controle da doença é o diagnóstico precoce, sendo esperado um predomínio da forma clínica indeterminada, pois, segundo Gomes et al.36, em algumas áreas onde a hanseníase foi considerada eliminada, houve aumento no grau de incapacidades. Dessa forma, é indispensável realizar atividades de controle e pesquisa sobre a hanseníase, ainda que sejam em áreas nas quais a doença foi oficialmente erradicada20,36.
Além disso, a avaliação e a prevenção das incapacidades físicas devem acontecer em conjunto com a poliquimioterapia, iniciada precocemente para interromper a cadeia de transmissão do M. leprae, pois isso, juntamente com outras intervenções específicas, aumenta a possibilidade de controle da hanseníase25,33.
Entre os trabalhos primordiais do Ministério da Saúde, está o Programa Nacional de Controle da Hanseníase. Atualmente, a política nacional de controle da doença trabalha para que a hanseníase deixe de ser um problema de saúde pública no Brasil, e, para isso, anseia-se diminuir a prevalência para 1 ou menos de 1 caso/10.000 habitantes25. Entretanto, em um estudo sobre a capacitação da equipe de enfermagem33, foi ressaltado que é imprescindível que o diagnóstico precoce seja efetivo, observando-se principalmente o diagnóstico de casos em menores de 15 anos de idade, para diminuição das incapacidades físicas. Mas, para isso, é necessária a capacitação dos profissionais de saúde.
Entre outras atribuições da equipe de enfermagem, está o preenchimento das fichas de notificação. Neste estudo, houve um grande problema, tendo em vista que 38,1% das fichas não foram preenchidas em relação à evolução dos casos, figurando apenas como ignorado ou em branco, o que dificultou traçar um perfil de cura. Para Brito et al.22, o preenchimento inadequado pelos profissionais ou a perda de dados durante a alimentação do sistema é uma das arestas enfrentadas em se trabalhar com sistemas de informações. Os autores do referido estudo evidenciaram a necessidade de treinamento profissional.
Diante disso, Sobrinho et al.33 afirmaram que se faz necessário um trabalho de educação permanente junto aos municípios, promovendo-se discussões, com a colaboração de profissionais capacitados para diagnosticar, avaliar e classificar o grau de incapacidade física dos pacientes, como atividades de rotina.
CONCLUSÃO
No presente estudo, as notificações de casos de hanseníase, ocorridas nos anos de 2010 a 2014, não tiveram mudanças significativas, e a Microrregião pesquisada permanece no parâmetro de hiperendemicidade. A hanseníase afeta, principalmente, pessoas na faixa etária economicamente ativa, de baixa escolaridade, tendo sido a forma multibacilar a mais encontrada. Também se evidenciaram altos índices de casos em menores de 15 anos de idade, e muitos casos com algum grau de incapacidade, o que indica o descontrole da doença na região. Assim, a hanseníase ainda é um problema de saúde pública na Microrregião de Tucuruí.
Os dados revelaram a importância das ações de vigilância em saúde de cada município para a diminuição e o controle dessa doença - até mesmo em Nova Ipixuna, onde houve o menor número de casos relatados - bem como medidas de capacitação dos profissionais quanto ao diagnóstico, a busca ativa e a notificação da doença.
Medidas de busca ativa precisam ser realizadas na região, visando ao diagnóstico precoce e à diminuição das incapacidades provocadas pela doença.