INTRODUÇÃO
Prognosticar é a arte do intensivismo1. Apesar da poesia e do conceito filosófico da frase, a realização dessa tarefa é extremamente árdua no dia a dia da terapia intensiva pediátrica, ressaltando que, tão difícil quanto diagnosticar, é prognosticar, exigindo do intensivista o uso extenso de sua capacidade técnico-científica e vivência clínica.
A partir da generalização, do aumento da complexidade dos casos e do número de indivíduos que necessitam de cuidados intensivos, seja por terapêuticas mais modernas ou novas morbidades, surgiu a necessidade de estratificar esses usuários2. Então, foram desenvolvidos os primeiros sistemas de escores prognósticos, na década de 1970, para determinar e avaliar que tipo de paciente necessitava desses cuidados, a taxa de mortalidade e o tratamento, na tentativa de solucionar perguntas inerentes à prática diária nas unidades de terapia intensiva: Qual a gravidade desse doente? Qual o risco de morte? De fato, isso exerce um papel essencial na determinação e na decisão de condutas médicas.
Os sistemas de escores prognósticos são ferramentas que fornecem a probabilidade de desfechos, baseados em variáveis compostas com caráter preditivo e ranqueadas pela importância na determinação desse desfecho3. As duas causas básicas principais da dificuldade em aplicar escores prognósticos são: a diferença nas condições clínicas individuais; e a diferença nas condições de trabalho e infraestrutura de cada unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP)4.
O Pediatric Risk of Mortality (PRISM)5 foi desenvolvido a partir do Physiological Stability Index (PSI)6. Por meio de técnicas estatísticas, as 34 variáveis do PSI, consideradas na admissão, foram simplificadas, resultando em 14 variáveis medidas rotineiramente em UTIP nas primeiras 24 h de internação.
De todos os escores desenvolvidos para uso em UTIP, o PRISM7,8 é o mais utilizado; porém, sua versão mais nova, o PRISM IV8, ainda necessita de melhores avaliações de desempenho em outras populações e está ainda sob domínio privado, o que reduz seu uso de forma mais ampla nas UTI. Sua versão III7, atualmente disponível em domínio público, está sendo utilizada e validada.
O Pediatric Index of Mortality (PIM)9 surge como uma alternativa ao PRISM, objetivando praticidade e acessibilidade. Slater et al.10, em 2003, revisaram os dados utilizados na elaboração do PIM e criaram o PIM2, com a justificativa de mudanças no perfil de pacientes e de tratamento.
O PIM210 utiliza a análise de 10 variáveis no momento da admissão do paciente na UTIP, enquanto, no PRISM, a coleta dos dados é efetuada nas primeiras 24 h de internação na UTIP. Atualmente existe uma versão atualizada, o PIM311, ainda em processo de validação externa em todo o mundo.
A utilização de sistemas de escores prognósticos, que reflitam a gravidade dos pacientes cuidados em UTIP de forma adequada e padronizada, é extremamente útil e de grande importância na orientação de condutas médicas e planos terapêuticos12, seja para a alocação correta de recursos técnico e humano, para melhorar a qualidade da assistência ao paciente e para a identificação de fragilidade do serviço diante de situações específicas, ou para comparação entre unidades distintas e sua futura adequação.
Logo, o presente trabalho visa avaliar o desempenho do PRISM e PIM2 na UTIP Terciária da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMPA), em Belém, estado do Pará, Brasil.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foi realizado um estudo de coorte retrospectivo, com dados obtidos dos prontuários de todos os pacientes admitidos na UTIP da FSCMPA, hospital referência em saúde maternoinfantil da Região Amazônica do Brasil, entre setembro de 2015 a julho de 2017. Para a realização deste estudo, utilizou-se o livro de admissões e alta da Unidade.
A UTIP da FSCMPA tem 10 leitos e atende a crianças com doenças de alta complexidade, oriundas da emergência de hospitais do Sistema Único de Saúde, de enfermarias e de setores cirúrgicos do hospital.
Foram critérios de inclusão: pacientes internados no período e com permanência na UTIP por mais de 8 h; e, em caso de óbito, um período de internação igual ou superior a 4 h. Considerou-se como critérios de exclusão: pacientes com permanência inferior a 8 h; pacientes admitidos em parada cardiorrespiratória que não atingiram estabilidade de sinais vitais em 12 h; e aqueles em cuidados paliativos ou ordem de não reanimar e em morte encefálica.
As variáveis estudadas constituíram três grupos: variáveis para caracterização clínico-epidemiológica; variáveis para o cálculo dos sistemas de escores; e variáveis de desfecho. Variáveis demográficas e clínicas foram incluídas para a estratificação da amostra.
Foi construído um banco de dados, a partir dos dados organizados em planilhas no software Microsoft Excel® 2010 (Washington, EUA). Para a calibração dos modelos estatísticos, utilizou-se o teste de Hosmer-Lemeshow13. A análise foi feita dividindo os pacientes em 10 níveis de risco de mortalidade, para comparar a mortalidade observada e a mortalidade esperada. Para a discriminação dos sobreviventes e dos óbitos, foi calculada a área sob a curva Receiver Operating Characteristic (ROC)14.
Para quantificar a qualidade dos cuidados prestados na UTIP através do escore de mortalidade, utilizou-se o Standardized Mortality Rate (SMR)15, que compara a estimativa de mortes com a mortalidade observada. A comparação entre os grupos foi realizada por meio do teste U de Mann-Whitney.
No presente estudo, foram adotados os preceitos da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, tendo o projeto sido aprovado, em 8 de julho de 2017, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FSCMPA, baseado no parecer consultivo 22012001, CAAE: 69404417.6.0000.
RESULTADOS
No período do estudo, houve 458 internações, das quais 429 foram incluídas, correspondendo a 93,7% do universo da pesquisa.
Dos 429 pacientes selecionados, 284 (66,2%) eram procedentes da Enfermaria. A maioria era do sexo masculino 232 (54,1%) e apresentava mediana de 24 meses de idade, variando de 1 mês a 18 anos. A faixa etária mais frequente para internação foi de crianças até 2 anos, perfazendo 226 (52,7%) (Tabela 1).
Observou-se que a maioria das crianças era proveniente de internação clínica (364; 84,8%). As doenças infecciosas não sépticas foram as mais frequentes (118; 27,5%), seguidas de problemas respiratórios (87; 20,3%) e desordens neurológicas (72; 16,8%). A sepse isoladamente apresentou uma proporção de 58,0% (249), sendo que, desses, 47,8% (119) apresentaram sepse com choque séptico e/ou disfunção de múltiplos órgãos (DMO) (Tabela 2).
Em relação ao tempo de ventilação mecânica invasiva (VMI), foi encontrada mediana de seis dias e intervalo interquartílico de três a 15 dias, variando de menor que um a 2.190 dias; 87,3% dos pacientes foram submetidos à VMI nas primeiras 72 h de internação. Entre os pacientes que foram submetidos à VMI, 55,9% (240) foram ventilados até sete dias, 15,4% (66) de sete a 14 dias e acima de 14 dias a taxa percentual foi de 28,7% (123) (Tabela 1). O tempo médio de VMI, entre os pacientes que evoluíram a óbito, foi de 13,46 (DP = 15,2) e a mediana de nove dias e intervalo interquartílico de quatro a 18 dias, variando a amplitude de um a 90 dias.
Variáveis | Admissão | Óbito | ||
---|---|---|---|---|
N | % | N | % | |
Sexo | ||||
Masculino | 232 | 54,1 | 37 | 49,3 |
Feminino | 197 | 45,9 | 38 | 50,7 |
Idade (anos) | ||||
< 2 | 226 | 52,7 | 48 | 64,0 |
2-5 | 100 | 23,3 | 11 | 14,7 |
6-12 | 79 | 18,4 | 12 | 16,0 |
> 12 | 24 | 5,6 | 4 | 5,3 |
Procedência | ||||
Enfermaria | 284 | 66,2 | 36 | 48,0 |
Ambulatório | 7 | 1,6 | 1 | 1,3 |
Externo | 138 | 32,2 | 38 | 50,7 |
Uso de droga vasoativa | ||||
Sim | 232 | 54,1 | 70 | 93,3 |
Não | 197 | 45,9 | 5 | 6,7 |
Uso de ventilação mecânica invasiva | ||||
Sim | 375 | 87,4 | 75 | 100,0 |
Não | 54 | 12,6 | - | - |
Tempo de ventilação mecânica invasiva (dias) | ||||
0-3 | 108 | 25,2 | 13 | 17,3 |
3-7 | 132 | 30,7 | 18 | 24,0 |
7-10 | 39 | 9,1 | 8 | 10,7 |
10-14 | 27 | 6,3 | 11 | 14,7 |
> 14 | 123 | 28,7 | 25 | 33,3 |
Uso de nutrição parenteral | ||||
Sim | 41 | 9,6 | 12 | 16,0 |
Não | 388 | 90,4 | 63 | 84,0 |
Uso de cateter venoso central | ||||
Sim | 370 | 86,2 | 73 | 97,3 |
Não | 59 | 13,8 | 2 | 2,7 |
Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Variáveis | Admissão | Óbito | ||
---|---|---|---|---|
N | % | N | % | |
Grupos de doenças primárias | ||||
Infecciosas* | 118 | 27,5 | 47 | 62,7 |
Respiratórias | 87 | 20,3 | 15 | 20,0 |
Neurológicas | 72 | 16,8 | 4 | 5,3 |
Pós-operatório | 65 | 15,1 | 7 | 9,4 |
Metabólica/Imunológica | 27 | 6,3 | - | - |
Cardiológicas | 11 | 2,6 | - | - |
Onco-hematológicas | 11 | 2,6 | 1 | 1,3 |
Renais | 11 | 2,6 | 1 | 1,3 |
Prematuridade | 8 | 1,8 | - | - |
Desnutrição energético-proteica/Trato gastrointestinal | 7 | 1,6 | - | - |
Monitorização | 12 | 2,8 | - | - |
Doença crônica complexa | ||||
Sim | 230 | 53,6 | 25 | 33,3 |
Não | 199 | 46,4 | 50 | 66,7 |
Classificação de morbidade | ||||
Respiratório | 91 | 21,2 | 9 | 12,0 |
Neuromuscular | 50 | 11,6 | 6 | 8,0 |
Gastrointestinal/Hepático | 20 | 4,7 | 2 | 2,7 |
Endócrino-metabólico | 20 | 4,7 | 1 | 1,3 |
Cardiovascular | 14 | 3,3 | 1 | 1,3 |
Renal | 10 | 2,3 | 2 | 2,7 |
Defeitos congênitos/genéticos | 10 | 2,3 | 2 | 2,7 |
Prematuridade | 9 | 2,1 | 1 | 1,3 |
Outros | 6 | 1,4 | 1 | 1,3 |
Sem morbidades | 199 | 46,4 | 50 | 66,7 |
Sepsis continuum † | ||||
Sepse | 130 | 52,2 | 26 | 36,6 |
Choque séptico/Disfunção múltipla de órgãos | 119 | 47,8 | 45 | 63,4 |
Tempo de permanência hospitalar (dias) | ||||
< 5 | 140 | 32,6 | 22 | 29,3 |
6-10 | 100 | 23,3 | 15 | 20,0 |
11-15 | 53 | 12,4 | 15 | 20,0 |
16-20 | 34 | 7,9 | 5 | 6,6 |
21-25 | 32 | 7,5 | 11 | 14,7 |
26-30 | 13 | 3,0 | 3 | 4,0 |
31-35 | 10 | 2,3 | 2 | 2,7 |
> 35 | 47 | 11,0 | 2 | 2,7 |
* Excluindo-se sepse; † Admissão = 249 e óbito = 71; Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
A média de permanência hospitalar foi de 13,2 dias (DP = 24,1) e mediana de oito dias e intervalo interquartílico entre cinco e 20 dias. A taxa de ocupação da UTIP foi de 84,4%, e a média de dias de pacientes foi de 8,17 pacientes/dia. Entre os pacientes que tiveram óbito como desfecho, foi obtido um tempo médio de permanência de 37 dias, com mediana de nove dias e intervalo interquartílico entre quatro e 19 dias, variando de um a 90 dias, enquanto naqueles que sobreviveram o tempo médio foi de 19,7 dias, com mediana de oito dias e intervalo interquartílico entre cinco e 20 dias, variando de um a 90 dias.
A taxa de mortalidade geral foi de 17,5%, sendo que, entre os menores de 2 anos de idade, ocorreram 48 óbitos (64,0%). Em relação à mortalidade e VMI,
observou-se maior frequência de óbitos nas crianças submetidas à VMI por um período superior a 14 dias (25; 33,3%). A comorbidade atingiu 230 crianças (53,6%), com óbito correspondente a 33,3%.
Considerando-se os diagnósticos de grupos de doenças primárias, 47 (62,7%) pacientes com doenças infecciosas tiveram óbito como desfecho, seguidos por 15 (20,0%) no grupo de desordens respiratórias e sete (9,4%) nos casos cirúrgicos. Nos pacientes que apresentaram choque séptico e/ou DMO, a taxa de mortalidade foi de 63,4% (45) (Tabela 2).
A média geral da probabilidade de mortalidade do PRISM foi 9,85% (DP = 8,24), com mediana de oito (intervalo interquartílico de quatro a 14), e a média geral do PIM2 foi de 14,2% (DP = 24,7%), com mediana de 3,7% (intervalo interquartílico de 0,8 a 12,7%).
A mortalidade estimada pelo PRISM foi de 55,14 e pelo PIM2, 61 pacientes. Isso corresponde a um SMR (IC = 95%) de 1,35 (1,26-1,72) para o PRISM e de 1,23 (1,13-1,58) para o PIM2. A mediana do PIM2 e do PRISM, para sobreviventes e não sobreviventes, foi de 2,3% (0,6-7,8%) e 13,4% (6,5-62%) e de 2,8% (1,4-9,1%) e 18,7% (6,2-55,9%) respectivamente; porém, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p > 0,05) pelo teste U de Mann-Whitney.
O modelo PIM2 final, estimado a partir de toda a amostra do escore original, também foi bem discriminado e calibrado (ROC 0,90 [0,89-0,91]; teste de ajuste de Hosmer-Lemeshow χ2 = 11,56, df = 8, p = 0,17), assim como a amostra aqui estudada (ROC 0,87 [0,83-0,91]; teste de ajuste de Hosmer-Lemeshow χ2 = 0,48, df = 8, p = 0,99).
A tabela 3 mostra as semelhanças nas mortalidades observada e esperada em 10 intervalos de risco de mortalidade, por meio do teste de ajuste de Hosmer-Lemeshow, para o PRISM e para o PIM2. Obteve-se uma área sob a curva ROC de 0,89 (IC 95% 0,81-0,91) para o PRISM e 0,87 (IC 95% 0,83-0,91) para o PIM2 (Figura 1). Os resultados encontrados mostraram que os testes têm bom poder de discriminação entre sobreviventes e não sobreviventes.
Risco % | Admissão | Sobrevida observada | Sobrevida esperada | Mortalidade observada | Mortalidade esperada |
---|---|---|---|---|---|
PRISM %* | |||||
0,0-1,0 | 54 | 53 | 53,7 | 1 | 0,33 |
1,0-1,5 | 52 | 50 | 51,3 | 2 | 0,66 |
1,5-2,5 | 56 | 53 | 54,9 | 3 | 1,14 |
2,5-5,0 | 78 | 69 | 75,3 | 9 | 2,71 |
5,0-10,0 | 53 | 43 | 49,3 | 10 | 3,72 |
10,0-20,0 | 62 | 48 | 53,4 | 14 | 8,60 |
20,0-30,0 | 23 | 15 | 17,3 | 8 | 5,74 |
30,0-40,0 | 8 | 5 | 5,2 | 3 | 2,80 |
40,0-50,0 | 8 | 3 | 4,3 | 5 | 3,68 |
> 50,0 | 35 | 15 | 9,2 | 20 | 25,76 |
Total | 429 | 354 | 373,9 | 75 | 55,14 |
PIM2 %* | |||||
0,0-1,0 | 121 | 114 | 120,5 | 7 | 0,50 |
1,0-1,5 | 42 | 41 | 41,5 | 1 | 0,49 |
1,5-2,5 | 29 | 28 | 28,4 | 1 | 0,57 |
2,5-5,0 | 49 | 44 | 47,2 | 5 | 1,79 |
5,0-10,0 | 65 | 50 | 60,3 | 15 | 4,72 |
10,0-20,0 | 42 | 30 | 36,2 | 12 | 5,80 |
20,0-30,0 | 18 | 12 | 13,4 | 6 | 4,61 |
30,0-40,0 | 10 | 8 | 6,5 | 2 | 3,46 |
40,0-50,0 | 12 | 7 | 6,5 | 5 | 5,53 |
> 50,0 | 41 | 20 | 7,4 | 21 | 33,57 |
Total | 429 | 354 | 367,9 | 75 | 61,04 |
* Os resultados encontrados foram semelhantes para o PRISM (χ2 = 0,205; p = 0,999) e o PIM2 (χ2 = 0,479; p = 0,999).
DISCUSSÃO
Modelos de previsão de mortalidade não foram validados em UTIP da Região Amazônica, portanto existe a necessidade de validação externa numa população tão peculiar do ponto de vista étnico, cultural e geográfico. Logo, a aplicação e a validação externa de sistemas de escores de prognóstico, em populações diferentes, são essenciais para determinar a funcionalidade desses sistemas nessas populações.
A população estudada apresentou distribuição por faixa etária semelhante às demais séries16,17,18,19,20,21. Em relação ao diagnóstico admissional, foram observadas divergências nos achados em relação a outros estudos17,22,23,24,25,26; nesses, os principais diagnósticos foram doenças respiratórias e neurológicas, enquanto que, neste estudo, as principais doenças foram infecciosas, seguidas de doenças respiratórias e neurológicas. Isso pode ocorrer devido ao perfil da unidade estudada, que é referência no Pará, e à dificuldade de acesso ao serviço em outras localidades, pelas distâncias geográficas de um Estado continental.
Na avaliação do poder de calibração dos escores, por meio do teste de ajuste de Hosmer-Lemeshow, observou-se que os resultados, tanto do PIM2 como do PRISM, têm uma boa calibração em determinar a relação entre a mortalidade observada e a esperada pelos escores. Ao utilizar a área sob a curva ROC para avaliar o poder discriminatório dos escores de mortalidade, evidenciou-se que ambos os escores mostraram bom poder de discriminação.
Quando comparados os resultados obtidos, em relação a dados clínicos e demográficos, observa-se que a população deste estudo e a original do PRISM5 apresentam grande similaridade. A população base do escore teve uma variação de amplitude de idade entre 15 e 36 meses, motivo clínico de admissão de 39 a 81%, procedência do setor de emergência de 53 a 93%, tempo médio de permanência entre dois (+/- 0,1) e 7,3 (+/- 1,4) dias, presença de doença crônica entre 18 e 48% e taxa de mortalidade de 3 a 17,6%.
Muitos autores relataram que o escore PRISM superestima3,16,17,18 a mortalidade e que não apresenta boa calibração e discriminação em populações específicas19,20,21. No presente estudo, o PRISM apresentou boa capacidade de calibração e discriminação, apesar de ter subestimado a mortalidade, corroborando com outros estudos19,20,21,27,28,29,30.
Em relação ao PIM2, os dados obtidos neste estudo assemelham-se aos da população original
de desenvolvimento do escore10, onde: a mediana de idade foi de 19 meses; 42% eram crianças com até 12 meses de idade; os pacientes com problemas respiratórios constituíram 21,5%; e a porcentagem de pacientes ventilados na primeira hora, após a admissão, esteve entre 23 e 93%. Na presente casuística, a mediana de idade foi de 24 meses, sendo que 38,2% tinham idade de até 12 meses, e os pacientes com problemas respiratórios contabilizaram 20,3%; porém, a taxa de mortalidade foi de 17,5%, e o principal diagnóstico de admissão foi no grupo de problemas infecciosos (27,5%), enquanto que, na população original, a mortalidade foi de 5,3%, e os pacientes com problemas cardiovasculares constituíram o principal grupo (25,5%).
O PIM2 foi calibrado corretamente e teve uma boa discriminação no presente estudo, apesar de haver uma variação discreta entre os óbitos observados e os previstos. Esses resultados são condizentes com calibração e discriminação satisfatória, conforme descrito anteriormente. Em outros estudos, a discriminação do PIM2 foi adequada e sua calibração foi variável, dependendo da localização geográfica da UTIP e do subgrupo de comparação18,22,24. Em vários estudos, divergências são destacadas, quando utilizados os subgrupos idade e presença de doenças crônicas. Poucos estudos utilizaram subgrupos de permanência hospitalar e tempo de ventilação mecânica. Os resultados aqui encontrados foram semelhantes a outros descritos na literatura31,32,33,34,35,36; em todos os casos, a mortalidade observada foi maior que a prevista.
Essa variação na calibração está associada a múltiplas justificativas, como a inadequada infraestrutura do serviço assistencial, particularmente se a mortalidade observada for maior do que a esperada. Isso é mais importante nos países em desenvolvimento, onde os recursos são mais limitados. Outros fatores incluem diferentes combinações de casos, padrão de doenças e falha na equação do sistema de pontuação para modelar a situação real com precisão35,36,37,38,39,40.
Entre as limitações do presente estudo, estão: o fato do mesmo basear-se em revisões retrospectivas de prontuários, ocasionando viés de coleta e interpretação; ser um estudo unicêntrico; e o número amostral reduzido. Os estudos prospectivos, apesar de também serem expostos a vieses, sobretudo relacionados às possibilidades de respostas durante a coleta, são essenciais para endossar os dados descritos em estudos retrospectivos.
CONCLUSÃO
Na UTIP Terciária da FSCMPA, tanto o PRISM quanto o PIM2 tiveram boa discriminação e calibração no cenário da Amazônia. Ambos os modelos preditivos foram validados para a Região e a população.
Considerando a qualidade de cuidados, o SMR foi superior a um; portanto, os escores empregados subestimaram a mortalidade real com a prevista, sugerindo inadequação tecnológica da unidade e/ou de recursos humanos. Vale ressaltar que tal resultado não está relacionado com a escassez de recursos humanos e tecnológicos, uma vez que a Instituição preenche os critérios vigentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, mas pode ser devido ao número pequeno da amostra e à alta morbidade presente nos pacientes admitidos em nossa unidade.