INTRODUÇÃO
A micose fungoide (MF), juntamente com a síndrome de Sezary, é classificada como o tipo mais comum de linfoma cutâneo de células T (LCCT), por representar de 44 a 54% dos casos. A doença acomete principalmente adultos, com idade média entre 55 e 60 anos, mas também pode ser encontrada em crianças e adolescentes. Ocorre na proporção de 1,6-2,0 homens para 1,0 mulher1,2.
A causa da MF ainda não está totalmente esclarecida, mas evidências sugerem que ocorra devido à estimulação antigênica crônica que pode gerar proliferação e acúmulo de células T na pele. Esse estímulo sofre grande influência do microambiente cutâneo, incluindo células dendríticas e células T reativas citotóxicas ou regulatórias3. Os linfócitos T envolvidos na etiopatogenia da MF são as células T CD4+ que apresentam moléculas de adesão, como CCR4 e CLA. Antígenos como CD7, ou eventualmente CD5 ou CD2, estão reduzidos ou ausentes nas células patogênicas4.
Clinicamente, os pacientes com MF apresentam, no início, lesões discretas que se assemelham ao eczema ou eritema difuso, podendo evoluir para o estágio tumoral, no qual decorre maior infiltração das lesões e, normalmente, ulceração. Essas lesões muitas vezes ocorrem em áreas que não são normalmente expostas ao sol, como o tronco, e podem se manifestar com hipocromia ou hipercromia5. Vale ressaltar que o diagnóstico da presente patologia é realizado considerando tanto critérios clínicos quanto histopatológicos6.
O tratamento é feito de acordo com o estadiamento da doença, de modo que, em estágio inicial (IA até IIA), são utilizadas terapias direcionadas à pele (TDP), como corticosteroides tópicos, radioterapia e fototerapia, e, em estágio avançado (IIB até IVB), é aplicada a terapia sistêmica com retinoides, interferons ou imunobiológicos, aliada às TDP7,8.
DESCRIÇÃO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 56 anos de idade, do lar, natural e procedente de Belém, estado do Pará, procurou o serviço de dermatologia da Universidade do Estado do Pará (UEPA), em novembro de 2017, devido ao aparecimento de mancha escura de crescimento progressivo em membro inferior esquerdo (MIE), que se iniciara em maio de 2011. A paciente também relatou episódios de "inchaço" e dor local, além do aparecimento de duas novas manchas no abdômen e "íngua" na região inguinal esquerda. Informou ter sido submetida a vários exames e tratamentos, porém sem melhora e sem conclusão diagnóstica. Nesse contexto, a paciente foi atendida por três médicos generalistas, um oncologista e dois dermatologistas, sendo o primeiro atendimento um mês após o início da sintomatologia, porém sem conclusão diagnóstica até ser encaminhada ao serviço de dermatologia em 16/11/2017 e chegar ao diagnóstico final em 18/12/2017, depois de seis anos e sete meses de evolução. O exame dermatológico constatou duas placas eritemato-hipercrômicas infiltradas no abdômen, uma placa eritemato-hipercrômica descamativa com infiltração no MIE e um linfonodo palpável na região inguinal esquerda sob pele eritematosa (Figuras 1 e 2). Desde o início do quadro, foram realizados quatro exames histopatológicos e um imuno-histoquímico da lesão, evidenciando, por fim, infiltrado linfoide dérmico atípico com epidermotropismo, imunofenótipo T CD4 predominante, e com perda de expressão de CD7, sugerindo o diagnóstico de MF. Foram realizados tomografias computadorizadas de tórax e abdômen, que não apresentaram alterações significativas, e acompanhamento concomitante com a hematologia. Além do linfonodo clinicamente palpável, foi verificada linfonodomegalia na região inguinal direita, após ultrassonografia de partes moles, com múltiplos linfonodos acometidos, tendo o maior deles 3,2 x 1 cm, além de espessamento de pele e densificação de gordura. Após avaliação, o estadiamento foi estabelecido como T2NxM0B0. Com isso, o tratamento proposto foi de metotrexato 15 mg e ácido fólico 5 mg, em dose única semanal, e fototerapia com PUVA, iniciado em 22/02/2018. A paciente apresentou melhora significativa das lesões após o tratamento instituído, com regressão da infiltração, do eritema, da descamação e do gânglio, porém, com extensa área de atrofia (Figura 3) e infecções secundárias, apresentando dois episódios de erisipela e um de impetigo no membro afetado, com intervalos de quatro a seis meses entre eles. Os quadros de erisipela foram tratados com cefalexina 500 mg, via oral, de 6 em 6 h, por 14 dias, e o de impetigo, com ácido fusídico tópico, duas vezes ao dia, com melhora completa após a administração da antibioticoterapia.
DISCUSSÃO
A incidência anual de LCCT é extremamente rara, sendo de 0,77/100.000 indivíduos, e a MF, o tipo mais comum desse linfoma, possui incidência aproximada de 0,41/100.000 indivíduos2.
A MF pode apresentar semelhança considerável com diversas dermatoses inflamatórias benignas, como eczema, psoríase e pitiríase liquenoide crônica, e suas características histológicas clássicas podem estar ausentes mesmo em múltiplas biópsias de pele, principalmente em seus estágios iniciais, como foi observado neste caso. Por conseguinte, o diagnóstico tardio pode resultar na evolução e agravamento do quadro do paciente, incluindo a piora em sua qualidade de vida, a necessidade de tratamentos mais agressivos, a ocorrência de sequelas e uma possível iatrogenia decorrente de exames e tratamentos anteriores3,4,5,8. Tal questão foi observada no presente relato, pois, em seis anos, a paciente consultou-se com seis médicos de diferentes especialidades até ser encaminhada ao serviço de dermatologia da UEPA e receber o diagnóstico definitivo. Essa demora resultou no agravamento do quadro e maior dificuldade terapêutica, além de grande despendimento de tempo e dinheiro. O atraso diagnóstico observado foi ainda maior do que o encontrado em estudos realizados por Skov e Gniadecki9 e Scarisbrick et al.10, em que o tempo médio do diagnóstico foi de dois anos e três meses e de três anos, respectivamente. Esses pontos reforçam o entendimento da MF como um problema de saúde pública, e a importância do profissional médico treinado para rastrear os casos antes de gerar maiores complicações.
O estadiamento foi definido como T2NxM0B0 pelo método tumor-node-metastasis (TNM) staging system, adaptado aos parâmetros específicos dos LCCT11. Assim, foi instituído o tratamento com metotrexato 15 mg e ácido fólico 5 mg, em dose única por semana, associados à fototerapia com PUVA, não tendo sido observados efeitos adversos. O tratamento com fototerapia PUVA possui amplo benefício na remissão da MF, penetrando de forma profunda na derme e podendo ser utilizado em conjunto com agentes sistêmicos em casos mais graves7,12,13. O metotrexato, um análogo do ácido fólico que faz parte do grupo de drogas antimetabólicas, apresenta benefícios comprovados mesmo em baixas doses; porém, estudos comprovando sua utilização em ampla escala ainda são escassos14,15. Ademais, a associação do metorexato com a fototerapia apresentou resultados promissores no presente caso, reforçando a possibilidade de sua utilização como escolha terapêutica e objeto de estudos futuros.
CONCLUSÃO
A MF é uma doença linfoproliferativa cutânea de difícil diagnóstico, principalmente em estágios iniciais. O presente relato ressalta os impactos do atraso no diagnóstico e da dificuldade de profissionais médicos, de diferentes especialidades, em estabelecer esse diagnóstico, fatores que impactam na progressão do quadro, pioram o prognóstico, e podem gerar sequelas após o tratamento. Adicionalmente, mostra o dispêndio de tempo e recursos financeiros do paciente, o que afeta sua qualidade de vida. Diante do exposto, a MF é um grande desafio para a saúde pública, principalmente em relação à formação e capacitação de profissionais médicos.
ASPECTOS ÉTICOS
O presente relato de caso foi realizado durante a execução do projeto "Fototerapia em doenças linfoproliferativas e inflamatórias associadas ao HTLV", o qual foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará, com parecer nº 1.582.819, em 9 de junho de 2016, e está em consonância com os preceitos da Declaração de Helsinque e do Código de Nuremberg, respeitando as normas de pesquisa envolvendo seres humanos, conforme a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.