INTRODUÇÃO
As hepatites virais A, B e C constituem importantes desafios à saúde pública mundial, com ampla distribuição, altas taxas de virulência e morbimortalidade e grande impacto na qualidade de vida dos portadores. São causadas pelos vírus da hepatite A (VHA), da hepatite B (VHB) e da hepatite C (VHC), os quais pertencem às famílias Picornaviridae, Hepadnaviridae e Flaviviridae, respectivamente. A infecção por esses vírus, que possuem em comum o tropismo pelo tecido hepático, pode ser transmitida pelas vias horizontal, vertical e sexual1.
A história natural das hepatites é variável, com grande diversidade de sinais, sintomas e evoluções, apresentando desde casos assintomáticos e autolimitados até quadros fulminantes2. Além disso, podem ser classificadas como agudas ou crônicas, sendo as últimas definidas pela persistência do infiltrado necroinflamatório hepático por período superior a seis meses, podendo cursar com o aumento dos níveis das transaminases hepáticas, hipoalbuminemia, prolongamento do tempo de ativação de protrombina, sinais clínicos de cirrose e insuficiência hepática3.
A hepatite A é transmitida pela via fecal-oral, por meio de água e alimentos contaminados. As condições precárias de saneamento básico e de higiene pessoal são fatores ligados à sua ampla disseminação, bem como a grande quantidade de vírus eliminada nas fezes dos infectados4. A infecção tem distribuição mundial, afeta predominantemente crianças em regiões de baixo nível socioeconômico e geralmente cursa com quadro oligossintomático e autolimitado. No Brasil, a hepatite A pode ser prevenida por meio de vacina, disponível no calendário de imunizações da infância5,6. Desde a implantação da vacinação, em 2014, e com as melhorias sanitárias nas últimas décadas, a incidência dessa infecção foi reduzida em mais de 75% em todo o país7.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a hepatite B acomete cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo, com 350 milhões de portadores crônicos e mais de 1 milhão de mortes por ano8. O VHB pode ser transmitido por via percutânea, sexual, parenteral e vertical4, e sua infecção pode ser detectada por meio dos antígenos HBsAg e HBeAg e dos anticorpos anti-HBs, anti-HBc e anti-HBe9. Verifica-se, desde o início da vacinação contra esse agente, em 1992, tendência de queda da incidência dessa infecção em todo o país10.
O VHC, de transmissão semelhante ao VHB, infecta aproximadamente 71 milhões de pessoas no mundo, com cerca de 400 mil mortes por ano11. Na maioria das vezes, a hepatite C evolui para a forma crônica, ficando assintomática por longo período, podendo posteriormente desenvolver cirrose/insuficiência hepática ou carcinoma hepatocelular2. A prevenção de sua transmissão ocorre por meio da prática de sexo seguro, testagem de hemoderivados, contenção de danos em usuários de drogas endovenosas e diagnóstico e tratamento de indivíduos infectados11.
Em razão da possibilidade de transmissão dessas doenças pela via sexual, bem como de suas patogenicidades isoladas e possível agravamento quando combinadas, a vigilância epidemiológica e sorológica é fundamental para o combate e o controle da transmissão. Diante desse cenário, no estado do Pará, a Unidade de Referência Especializada em Doenças Infecciosas e Parasitárias Especiais (UREDIPE) tem papel fundamental na vigilância e manejo de tais enfermidades.
Nesse sentido, os objetivos deste estudo foram analisar a soroprevalência das infecções pelos vírus das hepatites A, B e C e avaliar a situação vacinal para o VHB de pacientes atendidos pelo Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) da UREDIPE em Belém, Pará, entre agosto de 2019 e fevereiro de 2020.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo e quantitativo, de corte transversal, que foi realizado no CTA/UREDIPE em Belém, no período de agosto de 2019 a fevereiro de 2020. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto Evandro Chagas (IEC), conforme a Resolução CNS nº 466/2012, sob CAAE nº 13193119.5.0000.0019 e parecer nº 3.358.192, em 30 de maio de 2019.
Durante o atendimento inicial dos frequentadores da UREDIPE, houve o convite para a participação do estudo, onde foi explanado, em linguagem simples, o objetivo e a relevância da pesquisa. Foram incluídos indivíduos atendidos na UREDIPE, por demanda espontânea, de ambos os sexos e faixa etária a partir de 15 anos, presentes no período da coleta de dados e amostras, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e/ou do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, para os menores de 18 anos de idade.
A coleta de dados e amostras de sangue ocorreu entre agosto de 2019 e fevereiro de 2020, duas vezes por semana, no período da tarde. Foi aplicado a cada participante da pesquisa o questionário semiestruturado "Ficha Individual de Inquérito", para a coleta de dados epidemiológicos e dados relacionados a fatores de risco para contágio das hepatites virais.
Foram coletados cerca de 8,0 mL de sangue, por meio de punção venosa, utilizando-se agulhas e tubos do tipo Vacutainer® sem anticoagulante, com gel separador, realizada por profissionais capacitados. As amostras permaneceram em repouso de 1 a 3 h, em temperatura ambiente, para retração do coágulo e foram centrifugadas a 3.000 rotações por minuto por 12 min para obtenção do soro. As amostras de soro foram armazenadas à temperatura de 2 ºC a 8 ºC na Seção de Hepatologia (SAHEP) do IEC e, posteriormente, congeladas a -20 ºC até a realização dos exames laboratoriais.
Os testes sorológicos foram executados por meio da técnica imunoenzimática (ELISA), sendo aplicados os testes anti-VHA total e anti-VHA IgM utilizando kits comerciais do laboratório Biolisa®; HBsAg e anti-HBc total, do laboratório Biokit®; anti-HBs, do laboratório Murex; e anti-VHC, do laboratório Biolisa®. Em todos os testes, foram obedecidas às recomendações do fabricante, e os resultados foram considerados duvidosos quando a densidade óptica ficou 20% acima ou abaixo do limite de cut-off.
Nas amostras anti-VHC reagente ou inconclusivas, foram efetuados testes para a detecção do VHC-RNA por PCR via transcriptase reversa (reverse transcriptase polymerase chain reaction− RT-PCR), pelo método semiautomatizado COBAS® Amplicor HCV.
Os resultados foram armazenados em uma base de dados no programa Epi Info™ 2007, v7.1.0.6. Os dados foram documentados no Microsoft Word 2010 e tabulados em planilhas no Microsoft Excel 2010, para posterior análise estatística no software BioEstat v5.0, com nível de confiança de 95%.
O excedente das amostras foi armazenado em freezers da SAHEP/IEC, a -70 ºC, integrando o biorrepositório do presente estudo. Ao término da pesquisa, essas amostras foram depositadas e mantidas, por tempo indeterminado, em freezers do biobanco do IEC, conforme declarado no TCLE obtido dos participantes do estudo e obedecendo às regras que regem o biobanco da Instituição.
Todos os laudos contendo os resultados dos exames foram entregues aos participantes da pesquisa. Os pacientes com resultados reagentes para infecção pelos vírus das hepatites B e C foram atendidos e encaminhados para tratamento. Os participantes da pesquisa suscetíveis ao VHB foram orientados e encaminhados para vacinação.
RESULTADOS
A amostra foi composta por 299 participantes atendidos entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020, sendo identificada uma proporção estatisticamente maior (p = 0,0006) de indivíduos do sexo masculino (59,9%). As idades variaram entre 15 e 82 anos, com média aritmética de 60,5 anos. A maioria tinha entre 20 e 29 anos (41,5%), estado civil solteiro (67,2%) e possuía ensino médio completo (46,2%), conforme tabela 1.
Variáveis | N | % | p-valor |
---|---|---|---|
Sexo | 0,0006† | ||
Feminino | 120 | 40,1 | |
Masculino* | 179 | 59,9 | |
Idade (anos) | < 0,0001† | ||
< 20 | 22 | 7,3 | |
20 a 29* | 124 | 41,5 | |
30 a 39 | 78 | 26,1 | |
40 a 49 | 43 | 14,4 | |
50 a 59 | 20 | 6,7 | |
≥ 60 | 12 | 4,0 | |
Mín. / Média ± DP / Máx. = 15 / 60,5 ± 14,0 / 82 | |||
Estado civil | < 0,0001* | ||
Solteiro* | 201 | 67,2 | |
União estável | 45 | 15,1 | |
Casado | 42 | 14,0 | |
Divorciado | 7 | 2,3 | |
Viúvo | 2 | 0,7 | |
Sem informação | 2 | 0,7 | |
Escolaridade | < 0,0001† | ||
Ensino fundamental | 55 | 18,4 | |
Ensino médio* | 138 | 46,2 | |
Ensino superior | 106 | 35,4 |
N: Número de participantes; %: Frequência; DP: Desvio padrão; * Teste qui-quadrado de aderência; † Teste G de aderência.
Quando perguntados sobre sua orientação sexual, predominaram (p < 0,0001) os que se declararam heterossexuais (72,6%), seguidos dos homossexuais (20,7%). Foram identificados indivíduos sem atividade sexual no último ano (3,0%); entretanto, a maioria (p < 0,0001) teve de um a dois parceiros nesse período (56,5%), sendo a média aritmética de 2,2 parceiros. A maioria declarou ter tido relação sexual sem o uso de preservativos no último ano (80,3%) e ter consumido bebida alcoólica (62,9%) (p < 0,0001). Apenas 23,1% informaram ter usado drogas ilícitas e 39,5% ter realizado viagens nos últimos três meses (p > 0,05), como mostrado na tabela 2.
Variáveis | N | % | p-valor |
---|---|---|---|
Orientação sexual | < 0,0001* | ||
Heterossexual* | 217 | 72,6 | |
Homossexual | 62 | 20,7 | |
Bissexual | 19 | 6,4 | |
Pansexual | 1 | 0,3 | |
Nº de parceiros no último ano | < 0,0001† | ||
Nenhum | 9 | 3,0 | |
Um a dois* | 169 | 56,5 | |
Três ou mais | 121 | 40,5 | |
Relação sem preservativo no último ano* | 240 | 80,3 | < 0,0001† |
Uso de drogas ilícitas | 69 | 23,1 | > 0,05 |
Consumo de álcool* | 188 | 62,9 | < 0,0001† |
Viagens nos últimos três meses | 118 | 39,5 | > 0,05 |
N: Número de participantes; %: Frequência; * Teste qui-quadrado de aderência; † Teste G de aderência.
Observou-se que os indivíduos que apresentavam fatores de risco eram os mais afetados pelas hepatites (83,3%, p < 0,0001). O fator de risco mais mencionado foi cirurgia prévia (63,9%), sendo estatisticamente significante em relação aos demais (p < 0,0001). A maioria dos participantes afirmou não ter tido hepatite prévia (56,9%, p < 0,0001); e 35,4% não forneceram informação sobre esse aspecto. Em relação à vacinação contra a hepatite B, 56,5% (p = 0,0280) declararam não ter sido imunizados (Tabela 3).
Variáveis | N | % | p-valor |
---|---|---|---|
Apresenta fator de risco | < 0,0001* | ||
Sim* | 249 | 83,3 | |
Não | 50 | 16,7 | |
Fator de risco | < 0,0001† | ||
Cirurgia prévia* | 159 | 63,9 | |
Piercing e/ou tatuagem | 121 | 48,6 | |
Acidente perfurocortante | 114 | 45,8 | |
Transfusão sanguínea | 20 | 8,0 | |
Hepatite prévia | < 0,0001† | ||
Sim | 23 | 7,7 | |
Não* | 170 | 56,9 | |
Sem informação | 106 | 35,4 | |
Vacinação contra a hepatite B | 0,0280 | ||
Sim | 130 | 43,5 | |
Não† | 169 | 56,5 |
N: Número de participantes; %: Frequência; * Teste qui-quadrado de aderência; † Teste G de aderência.
Quanto a aspectos de saneamento básico e acesso à água potável da população estudada, a maioria dos participantes (p < 0,0001) possuía banheiro dentro da casa (88,0%), comprava água para seu consumo (57,9%) e tinha entre duas a três torneiras na residência (32,8%). O esgoto foi a forma de eliminação da água mais prevalente (68,6%, p < 0,0001). Sobre o destino do lixo, 91,3% contavam com o sistema de coleta pública (Tabela 4).
Variáveis | N | % | p-valor |
---|---|---|---|
Banheiro da casa | < 0,0001* | ||
Dentro* | 263 | 88,0 | |
Fora | 14 | 4,7 | |
Sem informação | 22 | 7,3 | |
Água de consumo | < 0,0001* | ||
Comprada* | 173 | 57,9 | |
Rede pública | 79 | 26,4 | |
Poço | 26 | 8,7 | |
Sem informação | 21 | 7,0 | |
Número de torneiras | < 0,0001* | ||
0 a 1 | 10 | 3,3 | |
2 a 3* | 98 | 32,8 | |
4 a 5 | 85 | 28,4 | |
6 ou mais | 43 | 14,4 | |
Sem informação | 63 | 21,1 | |
Eliminação da água | < 0,0001* | ||
Esgoto* | 205 | 68,6 | |
Céu aberto | 70 | 23,4 | |
Sem informação | 24 | 8,0 | |
Destino do lixo | < 0,0001† | ||
Coleta pública† | 273 | 91,3 | |
Outros | 4 | 1,3 | |
Sem informação | 22 | 7,4 |
N: Número de participantes; %: Frequência; * Teste qui-quadrado de aderência; † Teste G de aderência.
Em relação à hepatite A, 64,9% (194/299) das amostras anti-VHA total foram reagentes, sendo 42,8% (83/194) do sexo feminino e 57,2% (111/194) do masculino. Dentre essas, as maiores prevalências encontravam-se nas faixas etárias a partir de 30 anos (Figura 1). Não foi detectada amostra anti-VHA IgM reagente.
Na população estudada, foram reagentes 1,7% (5/299) para HBsAg, 5,0% (15/299) para anti-HBs/anti-HBc, 2,0% (6/299) para anti-HBc isolado e 32,4% (97/299) para anti-HBs isolado, esse último relacionado à imunidade conferida pela vacinação. A análise dos testes sorológicos para o VHC detectou que 0,7% 2/299) das amostras apresentaram resultados reagentes e 1,0% (3/299) teve resultado inconclusivo. Todas as amostras foram submetidas à RT-PCR, com resultados indetectáveis, configurando ausência de infecções ativas pelo VHC.
DISCUSSÃO
O VHA afeta a população mundialmente, e estima-se que cerca de 1,5 milhão de pessoas sejam infectadas anualmente por esse vírus. Tal quantitativo provavelmente é subestimado, haja vista o grande número de infecções assintomáticas, que ocorrem principalmente nos primeiros anos de vida12. A transmissão é mais frequente por via fecal-oral, ou seja, pelo consumo de água e alimentos contaminados12,13. Nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil, até 2015, a transmissão do VHA entre homens de 20 a 39 anos de idade ocorria principalmente por meio de água e alimentos contaminados. Entretanto, a partir de 2016, houve redução na transmissão por via alimentar e aumento de casos pela via fecal-oral associada à prática sexual e por via de transmissão ignorada14.
A endemicidade do VHA é classificada baseando-se na soropositividade do anti-VHA IgG, podendo ser baixa, intermediária ou alta12. Neste estudo, foi encontrada soroprevalência de 64,9%, configurando alta prevalência de hepatite A na população estudada. Essa classificação é condizente com a literatura, a qual relaciona altas prevalências em países em desenvolvimento. Esse achado pode estar associado às condições precárias de saneamento básico encontradas no Pará, devido ao destino inadequado dos dejetos e do lixo produzido pela população, e ao baixo nível socioeconômico de boa parte da população do Estado4,15. Os fatores citados foram descritos pela literatura como riscos para a infecção por esse vírus16.
É importante destacar ainda que a maior parte das amostras de indivíduos maiores de 30 anos foi reagente para o VHA, enquanto que, entre os menores que tal idade, a maioria foi não reagente. Isso pode ser explicado pelas melhorias, embora insatisfatórias, nas condições de saneamento básico obtidas nas últimas décadas, o que pôde ser constatado pelo fato de que a maioria dos entrevistados alegou possuir atualmente água filtrada, coleta pública de lixo, rede de esgoto e banheiro dentro de casa, além da introdução da vacinação7.
Quanto à hepatite B, classicamente, são descritos três padrões soroepidemiológicos de distribuição, de alta, moderada e baixa endemicidade12. O estudo apontou baixa endemicidade, menos de 2% para HBsAg e menos de 10% para anti-HBc total, entre os usuários do serviço pesquisado. Esse padrão foi encontrado em outros inquéritos na Região Amazônica e em outras localidades no Brasil e na América Latina, sendo significativamente menor que índices encontrados em países de maior prevalência, como no Peru e na África do Sul4,17,18,19,20,21,22.
A baixa taxa de infecção detectada pode ser explicada por medidas eficientes de controle, como campanhas de conscientização sobre prevenção do contágio, triagem rigorosa nos hemocentros, testagem regular, tratamento de infectados e maior acesso à educação básica, pois a prevenção desse agravo envolve medidas relativamente simples. É necessário ressaltar que, apesar da soroprevalência para VHB ter sido baixa neste estudo, esse resultado foi consideravelmente maior que o encontrado em alguns inquéritos realizados no Brasil8,19. Isso provavelmente se deve à procura espontânea de indivíduos em situação de vulnerabilidade para as hepatites por centros de referência em testagem para infecções sexualmente transmissíveis, fazendo com que a prevalência seja maior do que em achados esporádicos.
Outro aspecto importante a ser citado a respeito da hepatite B é a vacinação. O Programa Nacional de Imunizações do Brasil a recomenda, em três doses, para pessoas suscetíveis em qualquer faixa etária, desde recém-nascidos até idosos. A vacina induz resposta protetora em mais de 90% dos receptores sadios e representa importante elemento na prevenção combinada da infecção pelo VHB23.
A identificação de 58,9% de suscetíveis e apenas 32,4% de imunizados pela vacinação pode não refletir, de forma fidedigna, o cenário da cobertura vacinal contra o VHB na população, devido ao fato de o Norte ter sido a primeira Região do país a ser vacinada contra a hepatite B24, e os títulos de anticorpos tendem a cair com o passar do tempo. Tal hipótese pode explicar, em parte, a discrepância entre o número de indivíduos que afirmaram ter sido vacinados e a quantidade de amostras efetivamente com padrão sorológico de vacinação prévia. Porém, ainda assim, tal achado indica a necessidade de reavaliar e ampliar o programa de imunização, para garantir a oferta do principal meio de proteção contra o vírus e evitar um aumento da transmissão da doença na população.
A hepatite C, por sua vez, afeta cerca de 3% da população mundial, e, no Brasil, a prevalência varia entre 2,5% e 4,9%25. O VHC apresenta altas taxas de morbidade e mortalidade, estando relacionado a complicações, como cirrose e carcinoma hepatocelular, e sua principal forma de transmissão ocorre pelo uso de drogas intravenosas25. O presente estudo identificou uma prevalência de infecção pelo VHC, com 0,7% de resultados anti-VHC reagente, havendo a ocorrência de 1% de resultados inconclusivos, os quais foram submetidos ao exame de RT-PCR, com resultados indetectáveis configurando ausência de infecção ativa pelo VHC. Outros estudos no Brasil tiveram resultados semelhantes, como o de Pinto et al.26, em 2015, cuja prevalência foi de 0,4%. Um dos motivos prováveis para a baixa prevalência é a faixa etária dos participantes, com a maioria abaixo dos 50 anos, haja vista que as infecções por VHC comumente são descobertas tardiamente, em pacientes acima de 50 anos, que eventualmente foram submetidos à transfusão sanguínea décadas antes, quando havia menor rigor na triagem sorológica27,28.
Quanto aos fatores de risco para a hepatite C, os principais são compartilhamento de agulhas e seringas, presença de tatuagens e/ou piercings, transfusão sanguínea antes de 1992 e hemodiálise28. Este estudo detectou que um indivíduo que apresentou sorologia reagente para o VHC tinha história de acidente com material perfurocortante. Porém, de uma forma geral, houve baixa ocorrência de marcadores de infecção por VHC no estudo, apesar da prevalência de fatores de risco classicamente ligados a esse vírus encontrada nos indivíduos entrevistados ter sido relativamente alta.
Por se tratar de estudo transversal, o presente trabalho avaliou exposição e desfecho simultaneamente, não sendo possível afirmar o que ocorreu primeiro, configurando o viés de causalidade. Outra limitação é o viés de memória, pois as informações colhidas nas entrevistas dependeram de relatos fornecidos pelos participantes. Fatores como a queda de resposta vacinal com os anos, o tempo decorrido entre a coleta do sangue dos participantes e seu adequado condicionamento e limitações de valores preditivos dos testes realizados também podem ter afetado o resultado do estudo.
CONCLUSÃO
O estudo realizado no CTA/UREDIPE detectou elevada soroprevalência para anti-VHA total, identificando a presença de indivíduos suscetíveis ao VHA. Diante disso, é importante que haja intensificação nas campanhas de vacinação contra esse vírus e nas campanhas de conscientização e promoção à saúde com ênfase em bons hábitos de higiene pessoal e alimentar. Quanto aos fatores de disseminação encontrados no estudo, destacam-se as condições precárias de saneamento e o destino inadequado do lixo e demais dejetos no estado do Pará. Melhorias nas condições de saneamento básico devem ser implementadas, o que impactará positivamente não apenas na ocorrência de casos de hepatite A, mas também de diversas outras enfermidades relacionadas às más condições de higiene e saneamento.
A baixa soroprevalência de hepatite B e a alta porcentagem de pacientes susceptíveis à infecção contrastam com o fato de existir vacina para o vírus, disponível gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, indicando a necessidade de implementar medidas para ampliar a cobertura vacinal e o status de imunidade a essa doença.
Quanto ao VHC, foi encontrada uma baixa soroprevalência e nenhuma infecção ativa. Em contraste, verificou-se alta taxa de indivíduos com fatores de risco para adquirir a doença. Esse fato demonstra a necessidade de se ampliar as medidas de orientação sobre as formas de contágio e prevenção das hepatites de transmissão parenteral/sexual.