INTRODUÇÃO
A presença de vetores do protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, em área urbana de diferentes estados do Brasil, vem sendo assinalada por vários autores1,2,3,4. Na Bahia, exemplares do Triatoma tibiamaculata têm sido encontrados invadindo moradias; em Minas Gerais, Rhodnius neglectus foi descrito na área urbana de Belo Horizonte habitando palmeiras; e, no Distrito Federal, há registros de Panstrongylus megistus infestando casas1,2,5,6.
No estado de São Paulo, as espécies Triatoma sordida, R. neglectus, P. megistus e T. tibiamaculata têm sido as mais coletadas nas pesquisas entomológicas realizadas pela vigilância dos vetores7. P. megistus tem colonizado áreas urbanas de municípios da Região Metropolitana de São Paulo, e R. neglectus tem sido encontrado em palmeiras situadas em área urbana de diferentes municípios de São Paulo, tendo aves como fonte alimentícia, porém sem constatação de infecção por tripanosomatídeos8. A invasão de R. neglectus, em ambientes artificiais do estado, foi relatada pela primeira vez em 1953, quando exemplares foram coletados em pombais no município de Tapiratiba8.
Em 2004, nos municípios de Araçatuba e Birigui, situados a noroeste do estado de São Paulo, houve notificação pela população da presença da espécie R. neglectus em área urbana dentro de apartamentos e domicílios térreos. Em pesquisa nos arredores dos locais de notificação, foram coletados exemplares principalmente dentro dos prédios. Todos os insetos testaram negativo para infecção por T. cruzi9.
Já foram descritas 154 espécies de triatomíneos, sendo 65 no Brasil, todas potenciais vetores do T. cruzi, que apresentam grande variação morfológica e diferentes capacidades vetoriais10,11. A maioria delas mantém hábitos estritamente silvestres, enquanto outras se adaptaram a viver em ambientes antrópicos12.
Evidências demonstram que os triatomíneos têm capacidade de ocupar novos espaços, inclusive com infecção por T. cruzi, trazendo risco ao homem13. Para o estado de São Paulo, esse movimento não é diferente. Ano a ano, em novos municípios, constata-se a presença de R. neglectus em área urbana, ampliando sua distribuição e densidade. Nesse sentido, entender os fatores relacionados à ocupação desses novos espaços é importante para que as ações de vigilância entomológica sejam aprimoradas. Assim, os objetivos deste estudo são relatar a infestação por R. neglectus em palmeiras da área urbana de quatro municípios paulistas e verificar fatores associados a essa infestação.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo ecológico descritivo, com base nas pesquisas entomológicas de triatomíneos realizadas nos municípios de Araçatuba, Birigui, Guararapes e Piacatu, todos pertencentes à região noroeste do estado de São Paulo. As pesquisas foram realizadas de 2018 a 2020 em Piacatu, onde a infestação iniciou apenas em 2018, e de 2014 a 2020 nos outros municípios.
Os municípios pertencem ao Planalto Ocidental Paulista, apresentam temperatura média anual de 27 ºC, clima tropical e bioma predominante de Mata Atlântica14. As áreas urbanas desses municípios são formadas por prédios isolados, residências populares, áreas industriais e habitações de alto padrão, com poucas áreas verdes e de lazer, predominando praças públicas de pequeno porte e campos abertos com gramíneas15,16,17,18. Nessas áreas, são encontradas grandes quantidades de palmeiras, que formam o paisagismo urbano dessas cidades.
Na área urbana do município de Araçatuba, foram avaliadas as palmeiras existentes em cada rua ou avenida. Em seguida, foi programada a limpeza e poda das palmeiras, coleta de insetos suspeitos de serem triatomíneos e controle químico. Para os municípios de Guararapes, Birigui e Piacatu, as palmeiras catalogadas foram provenientes de áreas com notificação de triatomíneos pela população.
Foram buscados dados secundários referentes às pesquisas entomológicas realizadas no período de 2014 a 2019 no banco de dados do Programa de Controle da Doença de Chagas da Superintendência de Controle de Endemias, uma autarquia da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Para o ano de 2020, as informações partiram de buscas in loco pelas equipes municipais de saúde e pesquisadores.
PESQUISA DE PALMEIRAS
Desde as primeiras ocorrências de triatomíneos na área urbana de Araçatuba, foi preconizada a metodologia de limpeza das palmeiras, com poda de folhas secas e retirada de cachos (manejo das palmeiras) e posterior controle químico8,9.
Antes da pesquisa entomológica, as palmeiras foram numeradas e georreferenciadas por rua ou avenida. A partir de notificações feitas por munícipes residentes em áreas urbanas sobre a presença de triatomíneos, essas áreas eram priorizadas para levantamento, pesquisa e manejo das palmeiras. Para o georreferenciamento das palmeiras pesquisadas, foi utilizado o receptor de GPS de alta sensibilidade eTrex Legend® H, Datum SAD 69. Devido à altura das palmeiras, foi utilizado um equipamento elevador acoplado a um caminhão para que o agente municipal pudesse manejar, pesquisar e praticar o controle químico.
A poda das palmeiras e a pesquisa entomológica ocorreram em período que respeita a época reprodutiva das espécies de pássaros que habitam essas árvores19. A aplicação do inseticida seguiu um padrão, sendo borrifado 1 m abaixo do local onde ficam os cachos da palmeira até 1 m de cada folha, para que toda a copa da palmeira recebesse o inseticida.
AVALIAÇÃO DAS PALMEIRAS
Um boletim foi preenchido com informações sobre data da coleta, latitude e longitude do local da palmeira, presença ou ausência de triatomíneos, quantidade de insetos coletados e fase evolutiva. Os dados de latitude e longitude foram obtidos no momento da investigação da palmeira. Para a visualização espacial das coordenadas geográficas e a elaboração de mapas das palmeiras infestadas, por região analisada, foi utilizado o programa ArcGIS®. O período entre 2014 e 2020 foi considerado para a avaliação da dispersão da espécie, e o ano de 2020, para a distribuição espacial.
A partir do shapefile dos municípios, com os pontos de cada palmeira, foram realizadas análises de estatística espacial que permitiram estimar as suas densidades dentro da área de estudo, utilizando, para esse cálculo, a extensão Spatial Analisys do software ArcGIS®. Utilizou-se a análise do estimador de densidade de Kernel, adotando raio de abrangência de 300 m. Essa técnica não paramétrica estima a intensidade da ocorrência de casos na superfície analisada e permite filtrar a variabilidade de um conjunto de dados, ao mesmo tempo em que retém suas principais características locais. A fórmula empregada foi:
Sendo: λ (s) - estimador de intensidade; n - número total de pontos (eventos); i - número de pontos de entrada; k ( ) - função Kernel de ponderação; s - centro da área a ser estimada; si - local do ponto; τ - largura de banda. Os resultados obtidos, por meio da aplicação do estimador Kernel, foram utilizados para a identificação das áreas com maior densidade de pontos de palmeiras positivas nos diferentes municípios.
As palmeiras foram categorizadas como altamente infestadas (> 30 insetos coletados), infestadas (> 10 e < 29 insetos coletados), medianamente infestadas (> 1 e < 9 insetos coletados) e sem infestação. Para essa categorização, foi considerado o maior valor médio de triatomíneos encontrados no período, em qualquer dos municípios analisados, acrescido de um percentual de 25%, sendo os demais cortes de infestação divididos de forma aleatória.
AVALIAÇÃO DOS VETORES
Os insetos coletados foram transportados ao laboratório estadual de referência para identificação. Os exemplares de triatomíneos foram submetidos a exame para detectar infecção por tripanosomatídeos, por compressão abdominal e coleta de conteúdo intestinal para observação direta em microscópio óptico ao aumento de 400 x. Além disso, foram retiradas amostras do conteúdo intestinal de 3% dos triatomíneos coletados em 2020, que foram absorvidas em papel filtro Whatman® nº 3, cobrindo cerca de 0,2 cm desse papel. Após secagem na sombra e armazenagem em geladeira a 2 ºC, as amostras foram examinadas para identificação de hábito alimentar utilizando os antissoros humano, marsupial, roedor, ave, cão e gato, pela técnica de ELISA, conforme descrito por Chow et al.20.
O conteúdo intestinal de 100 triatomíneos foi diluído em 50 μL de solução salina tamponada com fosfato (PBS), pH 7,2 a 0,01 M, e depois em tampão carbonato/bicarbonato a 1:20. Alíquotas de 50 μL foram distribuídas em placa de poliestireno de 96 poços. Cada linha da placa correspondeu a uma amostra. As placas permaneceram em câmara úmida por 2 h, em estufa a 37 ºC. Após, foram lavadas com PBS - Tween® 20 a 0,05%. Os antissoros foram diluídos a 1:2000 em tampão de diluição, e 100 μL de cada foi adicionado, de maneira que todos os antissoros interagissem com todas as amostras. As placas foram novamente incubadas por 30 min, a 37 ºC, e lavadas como na primeira etapa. Em seguida, foram adicionados 100 μL do conjugado diluído em PBS a cada poço. Nova incubação e lavagem nas mesmas condições foram realizadas. Para a revelação do teste, foram adicionados 100 μL de tampão de revelação (25 mL de tampão citrato-fosfato, 10 μL de peróxido de hidrogênio 30 volumes e 10 mg de orthofenile di-amine, Sigma Chemical, EUA) em cada poço. As placas foram submetidas mais uma vez à incubação por 15 min, em temperatura ambiente. Para bloquear a reação, foram utilizados 50 μL de solução de ácido sulfúrico 1 N/poço. As placas foram lidas em leitora de microplacas utilizando filtros de 490 e 630 nm. Foram consideradas positivas as amostras em que os valores de absorbância foram superiores ao cut-off. O ponto de corte foi calculado a partir da média e do desvio padrão (DP), sendo que, para a determinação desses valores, foram considerados os resultados apresentados pelos 100 soros testados, obedecendo a seguinte fórmula:
Onde X = média
Após estabelecido o ponto de corte, todos os soros testados pelo método em questão foram enquadrados em dois grupos: positivos (leitura superior ao ponto de corte) e negativos (a leitura inferior ao ponto de corte).
AVALIAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS DAS PALMEIRAS
Foi selecionado o município de Araçatuba para a avaliação de fatores que pudessem explicar a infestação por triatomíneos nas palmeiras devido ao tempo de infestação em sua área urbana (desde 2004). Na análise do período de 2014 a 2020, foram verificadas somente as palmeiras altamente infestadas quanto ao porte (altura e o diâmetro do caule), espécie de palmeira, condição da copa e proximidade com área de mata natural.
Para medir a altura das palmeiras, foi utilizado o software Clinômetro Florestal v.1.5 (iTech Desenvolvimentos) para aparelhos celulares. O caule foi medido com fita métrica, a 1,30 m do solo, e seu diâmetro calculado à altura do peito - DAP. A copa foi classificada em densa ou esparsa, conforme disposição das folhas21, sendo essa classificação feita pelo mesmo observador em todos os municípios, para evitar viés de interpretação. Para medir a distância das palmeiras em relação à área de mata natural, foram utilizadas ferramentas do Google Maps®. Essa categorização foi comparada com as primeiras palmeiras situadas diretamente à sua volta, numa perspectiva de buscar fatores que pudessem esclarecer sua condição de altamente infestada por triatomíneos em detrimento das dispostas no seu entorno.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Foram realizadas análises descritivas dos dados e calculadas a média e a densidade de triatomíneos por palmeira. Para o cálculo da média, foi considerado o número total dos triatomíneos coletados dividido pelo número de palmeiras positivas. Para o cálculo da densidade, foi utilizado o número de triatomíneos coletados dividido pelo número de palmeiras pesquisadas. Procedeu-se ainda ao cálculo da composição etária dos triatomíneos (índice adulto/ninfa).
Para a comparação das palmeiras altamente infestadas com as situadas diretamente em seu entorno, foram realizados testes do qui-quadrado, por meio do programa Microsoft Excel®, considerando nível de significância de 5%, para averiguar as proporções entre presença de triatomíneos, formato da copa e altura das palmeiras.
O trabalho de pesquisa e manejo das palmeiras foi autorizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), sob protocolo número 64775-1.
RESULTADOS
No período de 2014 a 2020, foram coletados 6.815 triatomíneos em áreas urbanas da região estudada (Tabela 1). Não foram localizados dados sobre 2019 devido à falta de inseticidas para controle no estado de São Paulo, o que causou prejuízo nas pesquisas de triatomíneos nas palmeiras. O município de Araçatuba foi o que apresentou maior incidência de insetos, seguido por Guararapes. Todos os estádios ninfais e adultos (machos e fêmeas) foram encontrados, tendo sido 34,0% dos espécimes adultos. Foram pesquisadas 3.011 palmeiras, com infestação detectada em 743 delas (24,7%). A média de insetos coletados foi maior no município de Birigui (21,6 insetos/palmeira), e a menor densidade (1,4 insetos/palmeira) foi observada em Araçatuba. Em todas as palmeiras infestadas, foram coletados exclusivamente exemplares da espécie R. neglectus, todos negativos para tripanosomatídeos.
Ano | Município | Palmeiras pesquisadas | Espécimes coletados nas palmeiras | Estádios dos exemplares coletados | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Total | Positivas | Total | Média | Densidade | Adulto | Ninfa | |||||
N | N | % | N | N | N | N | % | N | % | ||
2014 | Araçatuba | 623 | 52 | 8,3 | 517 | 9,9 | 0,8 | 195 | 37,7 | 322 | 62,3 |
Birigui | 2 | 2 | 100,0 | 51 | 25,5 | 25,5 | 4 | 7,8 | 47 | 92,2 | |
Guararapes | 91 | 41 | 45,0 | 187 | 4,6 | 2,1 | 40 | 21,4 | 147 | 78,6 | |
Piacatu | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | |
2015 | Araçatuba | 392 | 65 | 16,6 | 576 | 8,9 | 1,5 | 226 | 39,2 | 350 | 60,8 |
Birigui | 7 | 5 | 71,4 | 109 | 21,8 | 15,6 | 7 | 6,4 | 102 | 93,6 | |
Guararapes | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | |
Piacatu | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | |
2016 | Araçatuba | 387 | 38 | 9,8 | 391 | 10,3 | 1,0 | 83 | 21,2 | 308 | 78,3 |
Birigui | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | |
Guararapes | 111 | 44 | 39,6 | 304 | 6,9 | 2,7 | 123 | 40,5 | 181 | 59,5 | |
Piacatu | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | |
2017 | Araçatuba | 255 | 78 | 30,6 | 845 | 10,8 | 3,3 | 236 | 27,9 | 609 | 72,1 |
Birigui | 10 | 1 | 10,0 | 3 | 3,0 | 0,3 | - | - | 3 | 100,0 | |
Guararapes | 111 | 49 | 44,1 | 261 | 5,3 | 2,4 | 107 | 41,0 | 154 | 59,0 | |
Piacatu | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - | |
2018 | Araçatuba | - | - | - | - | - | - | - | - | - | - |
Birigui | 12 | 6 | 50,0 | 75 | 12,5 | 6,3 | 25 | 33,3 | 50 | 66,7 | |
Guararapes | 270 | 113 | 41,8 | 633 | 5,6 | 2,3 | 222 | 35,1 | 411 | 64,9 | |
Piacatu | 16 | 10 | 62,5 | 158 | 15,8 | 9,9 | 71 | 44,9 | 87 | 55,1 | |
2020 | Araçatuba | 407 | 49 | 12,0 | 536 | 10,9 | 1,3 | 143 | 26,7 | 393 | 73,3 |
Birigui | 44 | 31 | 70,4 | 733 | 23,6 | 16,7 | 346 | 47,2 | 387 | 52,8 | |
Guararapes | 224 | 147 | 65,6 | 1.225 | 8,3 | 5,5 | 423 | 34,5 | 802 | 65,5 | |
Piacatu | 49 | 12 | 24,5 | 211 | 17,6 | 4,3 | 66 | 31,3 | 145 | 68,7 | |
Subtotal | Araçatuba | 2.064 | 282 | 13,7 | 2.865 | 10,1 | 1,4 | 883 | 30,8 | 1.982 | 69,2 |
Birigui | 75 | 45 | 60,0 | 971 | 21,6 | 12,9 | 382 | 39,3 | 589 | 60,7 | |
Guararapes | 807 | 394 | 48,8 | 2.610 | 6,6 | 3,2 | 915 | 35,1 | 1.695 | 64,9 | |
Piacatu | 65 | 22 | 33,8 | 369 | 16,7 | 5,7 | 137 | 37,1 | 232 | 62,9 | |
Total | 3.011 | 743 | 24,7 | 6.815 | 9,2 | 2,3 | 2.317 | 34,0 | 4.498 | 66,0 |
Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento. * Dados indisponíveis para o ano de 2019.
A composição etária das populações de R. neglectus demonstrou índice adulto/ninfa igual a 0,51. Os triatomíneos foram coletados nas axilas das folhas e brácteas que envolvem os pendões, locais com presença de ninhos de Pionus maximiliani, popularmente conhecidos como maritacas.
Em 2020, 724 palmeiras foram pesquisadas, das quais 239 (33,0%) encontravam-se infestadas por R. neglectus. Embora tenha sido observada uma distribuição espacial por diferentes pontos do território de cada município, à exceção de Birigui, houve concentração das palmeiras positivas, como pode ser observado pelas "áreas quentes" (áreas com alta intensidade) na figura 1.
Quando avaliado o grau de infestação das palmeiras nos quatro municípios, em 2020, observou-se que 67,0% não apresentaram infestação. A maior proporção de palmeiras sem infestação foi constatada em Araçatuba (88,0%) (Tabela 2). Foram observadas 21 (2,9%) palmeiras classificadas como altamente infestadas; dessas, 33,3% pertenciam ao município de Birigui.
Município | Altamente infestadas | Infestadas | Medianamente infestadas | Sem infestação | Total | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
Araçatuba | 3 | 0,7 | 7 | 1,7 | 39 | 9,6 | 358 | 88,0 | 407 | 100,0 |
Birigui | 7 | 15,9 | 10 | 22,7 | 14 | 31,8 | 13 | 29,6 | 44 | 100,0 |
Guararapes | 8 | 3,5 | 25 | 11,2 | 114 | 50,9 | 77 | 34,4 | 224 | 100,0 |
Piacatu | 3 | 6,1 | 1 | 2,0 | 8 | 16,3 | 37 | 75,6 | 49 | 100,0 |
Total | 21 | 2,9 | 43 | 5,9 | 175 | 24,2 | 485 | 67,0 | 724 | 100,0 |
Todas as palmeiras altamente infestadas de Araçatuba pertenciam à espécie Roystonea oleracea (palmeira-imperial), as quais tinham altura média de 17,5 m, e as do entorno, 18,0 m (Tabela 3). Nesse mesmo município, as palmeiras altamente infestadas de copa densa (42,9%) predominaram quando comparadas às do entorno com o mesmo tipo de copa (21,1%). Em 92,8% das palmeiras altamente infestadas, o diâmetro à altura do peito foi maior (48,7) em relação às palmeiras do entorno (47,1). Foi observada fraca associação entre presença de triatomíneos nas palmeiras e formato da copa (x² = 3,66; p = 0,05), diferentemente do observado para presença de triatomíneos e altura da palmeira (x² = 3,88; p = 0,04). A maior distância observada em relação à palmeira altamente infestada e a borda natural vegetal foi de 1,97 km, e a menor distância, 382 m. A distribuição de palmeiras altamente infestadas está mostrada na figura 2.
Localidade | Palmeiras altamente infestadas | Palmeiras do entorno | |||||||||||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Total | Copa | Altura média (m) | DAP (cm) | Condição infestação | Copa | Altura média (m) | DAP (cm) | ||||||||||||||||
Densa | Esparsa | I | PI | SI | Total | Densa | Esparsa | ||||||||||||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | ||||||
Av. João Arruda Brasil | 12 | 85,8 | 5 | 41,7 | 7 | 58,3 | 17,2 | 48,3 | - | - | 6 | 25,0 | 18 | 75,0 | 24 | 72,7 | 3 | 12,5 | 21 | 87,5 | 18,0 | 47,1 | |
Escola Nilce Maia | 1 | 7,1 | 1 | 100,0 | - | - | 19,3 | 55,7 | 1 | 25,0 | 2 | 50,0 | 1 | 25,0 | 4 | 12,1 | 2 | 50,0 | 2 | 50,0 | 19,4 | 46,8 | |
Av. Alcides Chagas | 1 | 7,1 | - | - | 1 | 100,0 | 19,1 | 47,4 | - | - | 2 | 40,0 | 3 | 60,0 | 5 | 15,2 | 2 | 40,0 | 3 | 60,0 | 16,8 | 47,8 | |
Total | 14 | 100,0 | 6 | 42,9 | 8 | 57,1 | 17,5* | 48,7* | 1 | 3,0 | 10 | 30,3 | 22 | 66,7 | 33 | 100,0 | 7 | 21,2 | 26 | 78,8 | 18,0* | 47,1* |
Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento; DAP: Diâmetro à altura do peito; I: Infestada; PI: Pouco infestada; SI: Sem infestação. *: As médias de altura e DAP foram calculadas considerando todas as palmeiras pesquisadas.
O teste para determinação do hábito alimentar dos triatomíneos realizado em 100 amostras resultou em reagente para ave (4,0%), roedor (4,0%), humano (2,0%), cão (1,0%) e gato (1,0%).
DISCUSSÃO
Este estudo permitiu conhecer o cenário da infestação de triatomíneos em área urbana de municípios da região noroeste do estado de São Paulo. Todos os triatomíneos coletados nas palmeiras eram da espécie R. neglectus, o que corrobora resultados de estudos conduzidos em várias áreas do Brasil e que encontraram espécimes do gênero Rhodnius12,22,23. As palmeiras como ecótopos naturais de triatomíneos, principalmente de espécies desse gênero, já foram descritas por diferentes autores22,24,25,26. Essas árvores são utilizadas na feição paisagística das cidades devido ao baixo custo de manutenção.
Registra-se que a análise dos resultados obtidos sofre limitações decorrentes da falta de pesquisas realizadas em alguns anos nos municípios em estudo. Com exceção de Piacatu, cuja infestação iniciou no ano de 2018, os demais apresentaram certa regularidade de pesquisa e manejo de palmeiras situadas em área urbana. Ainda assim, a média de triatomíneos coletados a cada ano se manteve, sinalizando não haver interferência em relação à pesquisa realizada em ano posterior, não sendo constatada piora no grau de infestação. A densidade de triatomíneos por palmeiras nos quatro municípios analisados foi de 2,3. Em estudos envolvendo palmeiras da espécie Mauritia flexuosa, a densidade de triatomíneos variou de 3,3 a 10,5, números superiores ao encontrado neste estudo22,27.
Um fator que pode determinar o tamanho das colônias de triatomíneos é a disponibilidade de alimento para os insetos. A presença de ninhos de aves e de mamíferos nesse ecótopo poderia explicar a detecção de palmeiras altamente infestadas. O formato da copa demonstrou fraca relação com a infestação, mas a altura da palmeira foi considerada relevante, o que poderia explicar o fato de serem as mais infestadas. Segundo o estudo realizado por Abad-Franch et al.28, as palmeiras com copas densas, como Attalea butyracea e Acrocomia aculeata, são frequentemente infestadas e, em palmeiras com pequena copa, os triatomíneos se associam a ninhos de vertebrados. Em outro estudo29, ficou evidenciado que a presença abundante de matéria vegetal em decomposição e de plantas epífitas aderidas às copas e caules das palmeiras aumentaram a probabilidade de infestação.
Nesse estudo, houve predomínio de ninfas (66,0%), estando de acordo com o observado em populações de Rhodnius em palmeiras, com índice adulto/ninfa inferior a 1, variando entre 0,36 e 0,902927.
As áreas que apresentaram maior concentração de palmeiras com infestação estão restritas nos diferentes municípios e são importantes para o entendimento da distribuição espacial e da concentração de triatomíneos nesses ambientes. A densidade, analisada por meio dos locais de concentração do vetor nos aglomerados da área urbana, sinaliza as áreas de risco. A análise dos mapas de densidade de Kernel evidenciou maior área de risco no município de Araçatuba, seguida de Guararapes, Piacatu e Birigui.
Em Araçatuba, que conta com 17 anos de recorrentes infestações nas palmeiras, verificou-se que a Av. João Arruda Brasil apresentou as maiores infestações para triatomíneos. A análise da infestação nas palmeiras situadas no entorno daquelas classificadas como altamente infestadas nessa avenida demonstrou que a maioria foi considerada sem infestação ou com baixa infestação. Esse dado sugere que as palmeiras do entorno se infestaram a partir das palmeiras altamente infestadas em um processo ativo das aves, pois as espécies da tribo Rhodniini apresentam, como característica biológica, o depósito de ovos aderidos que podem ter sido transportados de uma palmeira a outra pelas maritacas30.
O processo ativo de deslocamento e ocupação das maritacas nas palmeiras situadas nessa avenida pode ter minimizado a infestação das palmeiras em áreas posteriores a ela. É possível que a Av. João Arruda Brasil tenha funcionado como um corredor de deslocamento das aves e, consequentemente, dos triatomíneos. Esse fato é reforçado quando verificadas a Escola Nilce Maia e a Av. Alcides Chagas, que apresentaram palmeiras altamente infestadas e estão diretamente ligadas à Av. João Arruda Brasil, onde a primeira está localizada no final dessa avenida e a segunda localiza-se próxima ao seu início (Figura 2). Em ruas, praças e outras avenidas posteriores à Av. João Arruda Brasil, com distância máxima de 1,5 km, foram detectadas palmeiras classificadas como pouco infestadas, demonstrando o papel ativo das aves nesse processo de infestação.
As palmeiras altamente infestadas situadas na Av. João Arruda Brasil foram as mais baixas em relação à altura. A quantidade de palmeiras altamente infestadas de copa densa dessa avenida foi maior do que a do entorno. A copa densa pode significar melhores condições de abrigo e alimento para aves e, com isso, possibilitar o encontro de triatomíneos. Estatisticamente, foi observada fraca associação entre essas características.
A Av. João Arruda Brasil tem seu início na área periurbana/rural, junto à borda vegetal natural, o que poderia explicar a infestação nas palmeiras situadas em toda a sua extensão. Provavelmente essas funcionaram como um corredor ecológico para as aves e triatomíneos que, a partir daí, puderam migrar para outras áreas do município, promovendo a dispersão de R. neglectus para novas áreas. Não se pode desconsiderar a dispersão natural da espécie, que pode ocorrer em um raio de 400 m31.
Vale ressaltar que o processo de desmatamento nessas áreas acabou por eliminar a faixa de transição entre as zonas rural e urbana, conhecida como área periurbana, que serviria de anteparo minimizando a presença de vetores no ambiente urbano. Para o estado de São Paulo, tem-se observado que a ausência dessa área de transição está permitindo a aproximação de vetores do T. cruzi para os centros urbanos32.
A maioria dos testes de hábito alimentar apresentou resultados não reagentes, o que pode ser explicado pela possível ausência da fonte alimentar dos triatomíneos na bateria testada. O teste para determinar a fonte animal da ingesta dos triatomíneos apontou sangue de ave, roedor, humano, cão e gato, sendo os dois primeiros de maior percentual. Esperava-se um percentual maior de ingesta de sangue de aves, o que não ocorreu. Em relação ao sangue de roedor, é comum, na pesquisa e manejo das palmeiras, verificar a presença desse animal na copa das mesmas, demonstrando o potencial desse ecótopo para a instalação do T. cruzi como um elo entre o parasita e o vetor. Nesse sentido, propõe-se a ampliação de estudos que verifiquem a infecção nesses animais, tendo a detecção de positividade por T. cruzi nos vetores para nortear essa avaliação.
Os resultados também indicam a possibilidade da pesquisa e do manejo de palmeiras ocorrerem de forma bienal, uma vez que o grau de infestação não piorou e há uma concentração dessa infestação em áreas específicas, permitindo direcionar as ações para essas áreas. Vale ressaltar que a remoção de folhas mortas e outros detritos orgânicos poderia reduzir as taxas de infestação de palmeiras e a densidade de colônias de insetos. Em alguns casos, palmeiras de alto risco podem ser tratadas com inseticidas. Essa constatação também foi verificada em um estudo realizado no Equador com populações de Rhodnius29.
A presença de triatomíneos em área urbana é um fato novo e deve servir de alerta para a vigilância em saúde na proposição de ações voltadas à população dessas áreas. A implementação de trabalhos de educação em saúde passa a ser primordial para o monitoramento da situação, bem como para manter as pessoas informadas sobre a problemática e, com isso, atuarem como agentes da vigilância de vetores em seus territórios33. Recomenda-se um estudo entomológico de maior abrangência em municípios com presença de palmeiras em área urbana de diferentes regiões do estado para investigar a infestação das mesmas, uma vez que os dados deste estudo reforçam a ideia de que a presença de palmeiras e aves configuram situações de risco a nível local.
CONCLUSÃO
Foram evidenciadas a infestação e a colonização de triatomíneos em palmeiras situadas em área urbana dos municípios pesquisados. Estatisticamente, houve associações entre altura das palmeiras e infestação; no entanto, o formato da copa não representou importância para essa infestação. A exclusão da faixa de transição entre as áreas rural e urbana (área periurbana) pode ter permitido a aproximação dos animais silvestres, representados pelas maritacas nos centros urbanos e, com isso, também dos triatomíneos.