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Revista Paraense de Medicina

Print version ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. vol.20 no.2 Belém June 2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Estudo in vitro da ação letal da hemolinfa de Biomphalaria glabrata sobre os miracídios de Schistosoma mansoni1

 

In vitro study of the letal action of Biomphalaria glabrata hemolimph over the Schistosoma mansoni miracidia

 

 

Marco Antonio Vasconcelos SantosI; Isabel R. de Carvalho RodriguesII

IPesquisador do Instituto Evandro Chagas, SVS/MS. Mestrado em Biologia Celular Parasitária
IIPesquisadora do Instituto Evandro Chagas, SVS/MS. Mestrado em Bioquímica e Imunologia de Parasitos

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: demonstrar, in vitro, a capacidade letal da hemolinfa do caramujo B.glabrata sobre o miracídio do S. mansoni.
MÉTODO: os miracídios de S. mansoni foram colocados, individualmente, em contato com uma gota de hemolinfa sobre uma lâmina e observados através de uma lupa entomológica. Procurou-se determinar qual o tempo de sobrevivência desses miracídios, cronometrando sua mobilidade do início ao fim, após ser colocado em contato com a gota.
RESULTADOS: em cem testes individuais realizados, houve 100% de morte dos miracídios.
CONCLUSÃO: quando o caramujo B.glabrata se mostra sensível à infecção natural ou em condições de laboratório, a hemolinfa desse hospedeiro representa um grande fator de defesa contra a invasão da larva do S. mansoni.

Descritores: Biomphalaria glabrata. hemolinfa. miracídio. hemócito.


SUMMARY

OBJECTIVE: to in vitro, show the lethal capability of hemolimph of the B.glabrata snail over the miracidia of S. mansoni.
METHODO: the miracidia of S. mansoni were individually put in contact with a drop of hemolimph on a slide and observed through an entomologic microscope. Then, it was tried to determine the survival time of these miracidia, calculating its mobility from beginning to end, after being put in contact with the drop.
RESULTS: the results showed that from the 100 individual tests made, there was 100% miracidia death.
CONCLUSION: this makes us conclude that, even when the B.glabrata snail shows it self sensible to natural or in laboratory conditions infection, the hemolimph of this innkeeper represents a great defense factor against the S. mansoni larvae invasion.

Keywords: Biomphalaria glabrata; hemolimph; miracidia; hemocytes.


 

 

INTRODUÇÃO

A defesa interna do molusco Biomphalaria glabrata contra a larva do Schistosoma mansoni tem mostrado que o encapsulamento desse parasito pelos hemócitos e uma provável liberação de substâncias citotóxicas para que ocorra a fagocitose, representaria a resposta imune desenvolvida em caramujos resistentes1 2 3 4. A contribuição dos hemócitos é inegável, mas acreditamos haver um importante papel para a hemolinfa nesse contexto. A ação de substâncias específicas aí presentes, poderiam atuar sobre as larvas e dessa forma fazer parte desse processo de defesa. Diante dessa possibilidade, estudos devem ser desenvolvidos para facilitar um entendimento mais amplo sobre o processo de interação parasito/hospedeiro.

Estudos in vivo realizados com hemolinfa de B. glabrata, relatam que esporocistos de S. mansoni sobreviveram, quando incubados em plasma de caramujos hospedeiros resistentes ao S. mansoni1, e, também, em plasma de espécies não hospedeiras7. Isso sugere que apenas fatores plasmáticos são insuficientes para matar diretamente a forma parasitária.

Entretanto, fatores plasmáticos podem desempenhar um importante papel regulador na atividade citotóxica dos hemócitos. Injeções de plasma, de cepas de B. glabrata resistentes ao S. mansoni em B. glabrata suscetíveis, faz com que essa cepa passe a ser resistente7, e estudos de citotoxidade também in vivo tem demonstrado que a incubação conjunta de hemócitos de caramujos suscetíveis, com plasma de caramujos resistentes, muitas vezes, induzem os hemócitos a produzirem efeitos citotóxicos quando na presença de esporocistos1.

 

OBJETIVO

Demonstrar, in vitro, a capacidade letal da hemolinfa do caramujo B. glabrata sobre o miracídio do S. mansoni, na região Amazônica, em área de transmissão de esquistossomose.

 

MÉTODO

Moluscos utilizados: utilizaram-se 100 caramujos B. glabrata, colonizados e, perfeitamente, adaptados em laboratório, a partir de ovas de caramujos da mesma espécie, coletados na região bragantina, a oeste do estado do Pará, livres de infecção, mas, comprovadamente, sensíveis ao Schistosoma mansoni. Todos os espécimes apresentavam diâmetro de concha que variava entre 1.8 a 2.2 cm, e foram puncionados (retirada da hemolinfa) individualmente em laboratório.

Coleta da hemolinfa: a retirada individual da hemolinfa de cada um dos 100 (cem) caramujos, feita com a introdução de uma agulha, (30 x 8, 21G 1¼), perfurando a concha sobre a região cardíaca. A hemolinfa obtida (50 ìl), depositada sobre uma lâmina de vidro, formou uma gota, com aproximadamente 1 cm de diâmetro. A lâmina com a hemolinfa, colocadas então dentro de uma câmara úmida por 30 minutos para evitar dessecação, e, também, para completa sedimentação e adesão dos hemócitos (células de defesa) na lâmina. Após esse tempo, de outro recipiente, o miracídio colhido com o auxílio de uma pipeta graduada em 10 ìl de um meio líquido (triturado hepático + água desclorada) lavado por três vezes, e colocado sobre a gota de hemolinfa, para que, através de um microscópio entomológico, fosse cronometrado o seu tempo de vida.

Esse tempo, também, importante para que, a partir da aderência dos hemócitos na lâmina, não ocorresse o encapsulamento dos miracídios. Com esse procedimento, objetivou-se a exposição do miracído de Schistosoma mansoni à somente essas possíveis substâncias tóxicas presentes na hemolinfa.

Obtenção dos miracídios: os miracídios obtidos a partir de triturado hepático de camundongos (Mus musculus), após 45 dias de infectados com cepa de Schistosoma mansoni, isolado a partir de paciente da nossa região. Essa suspensão de triturado mais água desclorada recebeu três lavagens para retirada de possíveis substâncias tóxicas alimentares. Terminadas as lavagens, esse meio líquido contendo os ovos de S. mansoni, colocado sob luz por 40 a 60 minutos para eclosão dos ovos e saída dos miracídios, os quais foram capturados com auxílio de micropipetas graduadas em 10 microlitros. Nessas condições, os miracídios têm uma sobrevivência normal de aproximadamente de 6 a 8 horas. A infecção dos camundongos feita em meio líquido (banho), contendo cercárias, as quais, penetraram através da pele do animal. A confirmação de infecção desses animais realizada 45 dias após, com a realização do exame de fezes e comprovação da presença do parasita. Esses miracídios fecais, obtidos pelo método de sedimentação, também usados nos testes de sobrevivência diante da hemolinfa do hospedeiro.

 

RESULTADOS

Os experimentos descritos na metodologia, repetidos 100 vezes, e em 100% dos casos, os miracídios após serem colocados em contato a hemolinfa, no tempo médio de 40 segundos. Os miracídios de procedência fecal tiveram o mesmo tratamento técnico, e, quando submetidos ao teste, morreram no tempo médio de 40 minutos.

 

DISCUSSÃO

Estudos in vivo, sobre enzimas lisossomais presentes na hemolinfa e, também, nos hemócitos foram realizados, procurando sempre relacionar a presença ou ausência destas enzimas em caramujos infectados e não infectados com o S. mansoni. Assim, Richards8 trabalhou com duas cepas distintas de B. glabrata (M-line albino e 10-R2), e verificou que a primeira era suscetível, enquanto a segunda mostravase resistente ao S. mansoni. Trabalhos realizados, por Granath & Yoshino7 , mostraram que esse comportamento de sensibilidade e resistência do B. glabrata a esse trematódeo, poderia estar, diretamente, relacionado com o tipo e o papel de enzimas presentes na hemolinfa, ou nos hemócitos de algumas cepas de B. glabrata. Este trabalho em parte baseado, também, no trabalho de Cheng & Garrabrand9, no qual sugerem que, enzimas lisossomais presentes nos hemócitos, poderiam estar envolvidas na destruição de parasitas invasores.

Granah & Yoshino7 trabalharam com duas cepas (PR-albino e 10-R2), ambas infectadas (com controle), e verificaram que os níveis de fosfatase ácida presentes na hemolinfa da cepa 10-R2, aumentou oito vezes nas primeiras 24 horas pós-exposição, em relação ao seu controle não infectado, enquanto na cepa PR-albino, uma discreta elevação só ocorreu após as 24 horas. Em relação ao número de hemócitos observados nesse mesmo experimento, ocorreu uma inversão nos resultados, ou seja, a cepa PR-albino mostrou um grande pico de elevação nas primeiras 12 horas, decrescendo logo em seguida, enquanto o número de hemócitos da cepa 10-R2, permaneceu quase inalterado. Isso justifica, parcialmente, que, cepas procedentes de diferentes locais, devem ser estudadas sob todos os aspectos, para que possamos entender as conseqüências epidemiológicas.

O que tem sido observado na literatura, é que o B. glabrata, apresenta um sistema de defesa interna, baseado em reações humorais10 e celulares11 12 e que, possíveis substâncias de origem celulares presentes nesse sistema13, poderiam agir de forma decisiva no processo de destruição de agentes invasores. Observamos nos resultados obtidos, que os miracídios de origem fecal apresentaram um pouco mais de resistência, mas mesmo assim todos morreram, justificando, dessa forma, a ação letal presente na hemolinfa.

 

CONCLUSÃO

Mesmo quando o caramujo se mostra sensível à infecção natural ou em condições de laboratório, a ação de substâncias presentes na hemolinfa são bastante efetivas no combate ao parasito in vitro. Esse fato foi observado nos resultados, tanto para miracídios hepáticos como para miracídios fecais. Entretanto, observamos uma diferença no tempo de sobrevivência nas duas situações, ou seja, enquanto os miracídios hepáticos morreram em 40 segundos, os miracídios fecais morreram em 40 minutos. Isso nos leva a supor, que existam barreiras imunológicas no hospedeiro definitivo a nível hepático mais eficientes, do que enquanto os ovos contendo miracídios tomam caminho intestinal. Mais estudos se fazem necessários para identificação dessas substâncias.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao trabalho laboratorial de Rosângela Barros do Nascimento, Nazir Mokdci Andrade, Maria da Paz Menezes

Mesquita e Carlos Sílvio da Silva Faria.

 

REFERÊNCIAS

1. Cheng TC; Rifkin E. Cellular reactions in marine molluscs in response to helmith parasitism. Amer. Fish. Sic. Spec. Publ. 1970. 5, pp 443 – 496.

2. Matricon-Gondran, M.; Letocart, M. Internal Defenses of the Snail Biomphalaria glabrata I. Characterization of Hemocytes and Fixed Phagocytes. J Invertebr Pathol. 1999. v. 74, p. 224–234.

3. Olafsen JA. Invertebrate lectins: Biochemical heterogeneity as a possible key to their biological function. In: Immunit in Invertebrates (Edited by Brehelin, M.) Chap. 8, pp 94 – 111. Springer, Berlin, 1986.

4. Sminia T; van der Knaap W.P.W. and KROESE, F. G. M. Fixed phagocytes in the freshwater snail Lymnaea stagnalis. Cell. Tissue Res. 1979. 196, pp 545 – 548.

5. Bayne CJ; Buckley PM; DeWan PC. - Schistosoma mansoni: Cytotoxicity of hemocytes from susceptible snail host for sporocysts in plasma from resistant Biomphalaria glabrata. Experimental Parasitology. 1980a; 50: 409 – 416.

6. Yoshino TP; Granath WO Jr. - Surface antigens of Biomphalaria glabrata (Gastropoda) hemocytes: functional heterogeneity in cell subpopulations recognized by a monoclonal antibody. Journal of Invertebrate Pathology. 1985. 45: 174 – 186.

7. Granath WO Jr; Yoshino TP. - Lysosomal enzyme activities in susceptible and refractory strains of Biomphalaria glabrata during the course of infection with Schistosoma mansoni. Journal of Parasitology. 1984. 69: 1018 – 1026.

8. Richards CS. - Genetic factors in susceptibility of Biomphalaria glabrata for different strains of Schistosoma mansoni. Parasitology. 1975. 70: 231 – 241.

9. Cheng TC; Garrabrant TA. - Acid phosphatase in granulocytic capsules formed in strains of Biomphalaria glabrata totally and partially resistant to Schistosoma mansoni. International Journal of Parasitolgy 1977. 7: 467 – 472.

10.Yoshino TP; Cheng TC. - Snail host-like antigens associated with the surface membranes of Schistosoma mansoni miracidia. The Journal of Parasitology. 1978. 64: 752 – 754.

11. Bezerra, FSM; Nogueira-Machado JA.; Chaves MM.; Martins RL.; Coelho PM. Quantification of the population and phagocytary activity of hemocytes of resistant and susceptible strains of Biomphalaria glabrata and Biomphalaria tenagophila infected with Schistosoma mansoni. Rev Inst Med Trop Sao Paul. 1997. v. 39, n. 4, p. 197 – 201.

12. Cousteau, C.; Yoshino, T. Surface membrane polypeptides associated with hemocytes from Schistosoma mansoni - susceptible and –resistant strains of Biomphalaria glabrata (Gastropoda). J Invertebr Pathol. 1994. v. 63, p.82-89.

13. Hahn, UK.; Bender, RC.; Bayne, CJ. Killing of Schistosoma mansoni sporocysts by hemocytes from resistant Biomphalaria glabrata: role of reactive oxygen species. J Parasitol. 2001. v. 87, n. 2, p. 292-299.

 

 

Endereço para correspondência
Marco Antônio Vasconcelos Santos
Instituto Evandro Chagas. Av Almirante Barroso, 492
Seção de Parasitologia/SEPAR.
Bairro: Marco. CEP: 66090-000
Belém, Pará.
Fone: 0xx 91 3214 -2150
e-mail: marcoantonio@iec.pa.gov.br

 

Recebido em 10/02/2006
Aprovado em 17/05/2006

 

 

1Trabalho realizado na Seção de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas - Belém, Pa., SVS/MS.