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Revista Paraense de Medicina

Print version ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. vol.20 no.3 Belém Sept. 2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil epidemiológico de portadores de hipotireoidismo congênito1

 

Epidemiologic profile of congenital hypothyroidism patients

 

 

Alex Mota BenevidesI; Carlos Henrique Vasconcelos LimaI; Cláudia Araújo da RochaI; Ângela Regina Rosa CorrêaI; Antonette Souto El HusnyII; Milena Coelho Fernandes-CaldatoIII

IMédicos graduados pela Universidade Federal do Pará
IIGraduanda do Curso de Medicina da Universidade do Estado do Pará
IIIMédica endocrinologista. Doutora em Medicina. Professora da Universidade do Estado do Pará

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: determinar o perfil epidemiológico de crianças portadoras de hipotireoidismo congênito (HC).
MÉTODO: analisados os prontuários de 131 pacientes com diagnóstico de HC acompanhados na Unidade de Referência Especializada Materno Infantil e Adolescente (URE-MIA) do Estado do Pará, segundo variáveis como idade, sexo, procedência, realização do teste do pezinho e tempo do diagnóstico.
RESULTADOS: observou-se que 55% dos casos estudados eram provenientes da Grande Belém; a prevalência segundo o sexo demonstrou predomínio do feminino com 58%; aproximadamente 48% das crianças realizaram o teste do pezinho antes dos 30 dias de vida e o tratamento foi instituído até os 90 dias em 57,3% dos pacientes; os principais sinais observados, no momento da admissão, foram: hérnia umbilical (59,5%), macroglossia (42,7%), atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (39,7%), obstipação intestinal (36,6%) e hipoatividade (34,4%).
CONCLUSÃO: predomínio de crianças do sexo feminino e provenientes da Grande Belém. A procedência das crianças foi fator determinante no tempo de intervenção diagnóstica e terapêutica, apontando lacunas no Programa de Triagem Neonatal do Estado do Pará.

Descritores: hipotireoidismo congênito, triagem neonatal.


SUMMARY

OBJECTIVE: to determine the epidemiologic profile of congenital hypothyroidism (CH).
METHOD: information about age, sex, hometown, neonatal screening test and age of diagnosis was collected from 131 CH patients assisted in the reference service of the State of Pará.
RESULTS: it was shown that 55% of the cases were from Belém region. The prevalence according to sex showed a female predominance (58%). Roughly 48% of the children have been tested before 30 days of age and the treatment have begun until 90 days in 57,3% of patients. The main signs observed at the admission act were: umbilical hernia (59,5%), macroglossia (42,7%), neurological development delay (39,7%), intestinal obstruction (36,6%) and lack of activity (34,4%).
CONCLUSION: predominance of female children. Most of them were from the capital region. The origin of the children was a relevant factor about the diagnosis and treatment time, pointing out to faults in the Neonatal Screening Program of the state of Pará.

Key words: congenital hypothyroidism, neonatal screening.


 

 

INTRODUÇÃO

O hipotireoidismo congênito (HC) é a causa mais comum de retardo mental passível de prevenção.1,.2 Resulta da deficiência dos hormônios tireoidianos, fundamentais na organogênese do sistema nervoso central até os dois anos de vida, quando estimulam o crescimento dos dendritos e axônios, além de contribuírem para a formação do córtex cerebral anterior, hipocampo, córtex auditivo e cerebelo.3

Cerca de 85% dos casos de HC decorrem de disgenesias tireoidianas, sejam elas ectopias, hipogenesias ou agenesias4,5, no entanto, deve-se notar, também, as causas secundárias e terciárias de hipotireoidismo congênito, estas decorrentes de alterações hipofisárias e hipotalâmicas, respectivamente.6

A prevalência da doença varia entre 1:3000 e 1:40002,7 e por apresentar possibilidade de diagnóstico pré-sintomático e tratamento efetivo e de bom prognóstico, se efetuado antes do surgimento dos sintomas, preenche os critérios necessários para o rastreamento a partir da triagem neonatal.8 Soma-se, ainda, uma sensibilidade favorável com poucos falso-negativos e a relação custo-benefício altamente favorável à triagem e ao tratamento.9

O diagnóstico clínico de HC no recém-nascido é muito difícil, uma vez que, a grande maioria dos pacientes parece normal ao nascimento, com sintomatologia evidente somente por volta dos três meses de idade, quando os danos neurológicos já podem ter se estabelecido.10

Nesse contexto, enquadra-se o principal objetivo dos programas de triagem neonatal para o hipotireoidismo congênito, isto é, estabelecer o diagnóstico e iniciar o tratamento de forma precoce para que as seqüelas sejam evitadas.7

No Brasil, a triagem neonatal já é realizada há três décadas, entretanto, apenas em 2001, foi estabelecido o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) pelo Ministério da Saúde, organizando o serviço prestado pelo Sistema Único de Saúde e oferecendo, gratuitamente, a realização do exame, assim como, o acompanhamento e tratamento das doenças investigadas.11

No Pará, o programa atinge 71 municípios e apresenta 170 postos de coleta, com uma cobertura de aproximadamente 50% do estado.12 Sendo a Unidade de Referência Materno Infantil e Adolescente (URE-MIA), o serviço de referência para confirmação diagnóstica, acompanhamento e tratamento das doenças triadas, entre as quais, o hipotireoidismo congênito.

 

OBJETIVO

Determinar o perfil epidemiológico das crianças portadoras de Hipotireoidismo Congênito (HC), matriculadas no Programa de Triagem Neonatal do Estado do Pará.

 

MÉTODO

Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário João de Barros Barreto.

O estudo tem caráter epidemiológico e transversal. Pesquisados os prontuários de 131 pacientes com diagnóstico clínico e/ou laboratorial de hipotireoidismo congênito, matriculados no Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) da Unidade de Referência Materno Infantil e Adolescente (URE-MIA) do Estado do Pará. Também utilizados os arquivos do Laboratório de Pesquisa em Apoio Diagnóstico (LAPAD) da Universidade do Estado do Pará, onde as análises do teste do pezinho são realizadas a partir do segundo semestre de 1996.

Os pacientes incluídos na pesquisa são aqueles provenientes de vários municípios do estado, assim como, da capital, que receberam acompanhamento na URE-MIA, período de janeiro de 1995 a abril de 2004.

As variáveis empregadas compreendem idade, sexo, procedência, realização do teste do pezinho, tempo do diagnóstico, sinais e sintomas presentes ao diagnóstico, data de início do tratamento, presença de retardo mental, malformações associadas e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.

Os dados foram submetidos à análise estatística com auxílio do programa BioEstat 2.0.

 

RESULTADOS

Entre os 131 prontuários estudados, 58% eram do sexo feminino (p=0,0806) e apenas 3 (2,3%) não haviam sido submetidos ao teste do pezinho. Quanto à procedência, observou-se que 72 pacientes, 55% dos casos, eram provenientes da Grande Belém, incluindo os municípios de Belém, Ananindeua e Marituba. O restante, portanto, se originou de outras Mesorregiões do estado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na ocasião da admissão dos pacientes na URE-MIA, os principais sinais e sintomas observados foram: hérnia umbilical (59,5%); macroglossia (42,7%); atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (39,7%); obstipação intestinal (36,6%) e hipoatividade (34,4%).

Em 7,6% das crianças, observou-se malformação congênita associada ao quadro de hipotireoidismo congênito. Destas, 50% apresentavam Síndrome de Down. Estrabismo, cardiopatia congênita e pé torto congênito foram encontrados em 20%, 20% e 10% dos casos, respectivamente.

 

DISCUSSÃO

Por representar uma causa prevenível de retardo mental, o hipotireoidismo congênito deve ser diagnosticado de forma precoce, como objetivam os programas de rastreamento neonatal.

Neste estudo, apenas três crianças foram encaminhadas à URE-MIA, exclusivamente, por sinais e sintomas evidentes, sem a realização do teste no período neonatal. Isso aponta o fato do estudo ter sido fundamentado no serviço de referência responsável pelo atendimento das crianças com HC triadas pelo PNTN. No entanto, reforça a idéia de difícil diagnóstico precoce apenas por sinais clínicos.

Apesar da relação entre HC e o sexo já ter sido descrita na literatura com a predominância de 2:1 no sexo feminino 1,2, o percentual de 58% de pacientes deste sexo não se mostrou, estatisticamente, significante neste estudo.

No que se refere à procedência, a predominância de pacientes provenientes da Grande Belém, sugere o melhor esclarecimento da comunidade desta área quanto à importância da realização do teste do pezinho, e, ainda, a maior abrangência do programa nesta região. Pode-se afirmar que a proximidade da capital, possibilita um maior número de casos triados e acompanhados, também, pela facilidade de locomoção para consultas subseqüentes e tratamento. A procedência do nordeste paraense identificada em cerca de um terço dos pacientes ratifica a hipótese.

Assim como, a existência de apenas uma criança procedente do Baixo Amazonas reflete a dificuldade de acesso à Unidade de Referência, pode sugerir a cobertura irregular do PNTN.

A realização do teste do pezinho em crianças com idade superior a 30 dias, encontrada aproximadamente 52% da casuística, revela o comprometimento do tratamento que, por consegüinte, é iniciado tardiamente.

Embora a maioria dos pacientes tenha iniciado o tratamento em até 90 dias de vida, deve-se considerar a colocação de outros autores que já consideram o período como tardio para a instituição do tratamento,7,10 principalmente, em casos mais graves de HC em que algum grau de seqüela neurológica não poderá ser evitado, a menos que o tratamento inicie até a segunda semana de vida do paciente.7

Entre os sinais apresentados, a hérnia umbilical apresentou forte significância estatística sobre os demais. O bócio tireoidiano não foi encontrado na casuística, concordando com os relatos de raridade deste sintoma no quadro de HC presentes na literatura.10 A presença de Síndrome de Down em metade dos pacientes portadores de nosologias congênitas associadas mostrou-se concordante com as observações de Olivieri et al (2002)1 e Fisher et al (2002)6.

Por fim, vale atentar para a ausência de dados importantes nos prontuários de alguns pacientes, o que traduz uma falha na atuação do programa, quer seja no momento da investigação diagnóstica, quer seja no controle documental do seguimento de seus pacientes.

 

CONCLUSÃO

O perfil dos pacientes matriculados no PNTN com diagnóstico de Hipotireoidismo Congênito revelou o predomínio de crianças do sexo feminino e provenientes da Grande Belém.

A procedência das crianças foi fator determinante no tempo de intervenção diagnóstica e terapêutica, apontando lacunas no Programa de Triagem Neonatal do estado.

Dessa forma, torna-se importante o aprofundamento do tema exposto, a avaliação do programa de triagem vigente no Estado do Pará, no que se refere à metodologia e abrangência, bem como a expansão da triagem neonatal a todas as cidades paraenses.

 

REFERÊNCIAS

01. OLIVIERI A. A population-based study on the frequency of additional congenital malformations in the infants with Congenital Hypothyroidism: Data from the Italian registry for congenital Hypothyroidism (1991-1998). J Clin Endocrinol Metab 2002; 87(2):557-61.

02. ORDOOKHANI A, MIRMIRAN P, HAJIPOUR P, HEDAYATI M e AZIZI F. Screening for congenital hypothyroidism in the Islamic Republic of Iran: strategies, obstacles and future perspectives. Eastern Mediterranean Health Journ l 2002; 8(4).

03. KUBA VM et al. Avaliação custo-efetividade dos testes de rastreamento de Hipotireoidismo Congênito em Campos-Rio de Janeiro. Arq Brás Endocrinol Metab 1997; 41(1):1-5.

04. CARVALHO DP. Hipotireoidismo: diagnóstico e princípios terapêuticos. Thyroid Update 2003: 6-25.

05. LEGER J et al. Thyroid developmental anomalies in first degree relatives of children with congenital hypothyroidism. J Clin Endocrinol Metab 2002; 87(2): 575-80.

06. FISHER DA. Hipotireoidismo Congênito. Thyroid Innternational.2002; 6(3): 1-12.

07. NASCIMENTO ML, PIRES MM, NASSAR SM, RUHLAND L.Avaliação do programa de rastreamento neonatal para hipotireoidismo congênito da secretaria de estado da saúde de Santa Catarina.Arq BrasEndocrinol Metab 2003; 47(1): 75-80.

08. SOUZA CFM, SCHWARTZ IV, GIUGLIANI R. Triagem neonatal de distúrbios metabólicos. Ciência & Saúde Coletiva 2002; 7(1):129-37.

09. RAMOS AJS. Avaliação do programa de rastreamento de doenças congênitas em Campina Grande PB, Brasil. Arq Brás Endocrinol Metab 2003; 47(3): 280-4.

10. MURAHOVSCHI J. Pediatria: Diagnóstico + Tratamento. 6 ed. São Paulo; Sarvier, 2003: 129-31.

11. Ministério da Saúde. Portaria no. 822, 6 de julho de 2001. Instituição no âmbito do Sistema Único de Saúde do Programa Nacional de Triagem Neonatal, 2001. Disponível em: http://www.saude.gov.br/sas/portarias.htm. Acessado em 13 de fevereiro de 2006.

12. Ministério da Saúde. Portaria no. 422 de 11 de outubro de 2001. Habilitação do estado do Pará na fase I de implantação do Programa Nacional de triagem neonatal, 2001. Disponível em: http://www.saude.gov.br/sas/portarias.htm.. Acessado em 13 de fevereiro de 2006.

13. VELA-AMIEVA M, GAMBOA-CARDIEL S et al. Epidemiología del hipotiroidismo congénito en México. Salud Publica Mex 2004; 46:141-8.

14. Online Mendelian Inheritance in Man (OMIM). Thyroid Dysgenesis. Atualizado em 27 de Janeiro de 2006. Acessado em 15 de fevereiro de 2006. Disponível em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/dispomim.cgi?id=218700.

 

 

Endereço para correspondência
Antonette Souto El Husny
Trav. Castelo Branco, 1564
São Braz - 66063 000 - Belém-PA
Telefone: 91 32494698/ 88012042
e-mail: sh_antonette@ibest.com.br

Recebido em 10.03.2006
Aprovado em 16.08.2006

 

 

1Trabalho realizado na Unidade de Referência Especializada Materno Infantil e Adolescente (URE-MIA) do estado do Pará.