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Revista Paraense de Medicina

versão impressa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.20 n.3 Belém set. 2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Clínica e epidemiologia de pacientes submetidos ao transplante de medula óssea1

 

Clinic-epidemiology of the patients suffering bone marrow transplantation1

 

 

Ana Cristina Simões BeltrãoI; Gesiane Fernandes TavaresII; Jéssica de Souza SoaresII

IMédica hematologista do Hospital Ofir Loyola
IIGraduandas do Curso de Medicina da Universidade do Estado do Pará

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: analisar os aspectos clínicos e epidemiológicos dos pacientes do Estado do Pará, submetidos ao transplante de medula óssea TMO.
MÉTODO
: estudo transversdal de prevalência de pacientes do Estado Pará, submetidos ao transplante de medula óssea, de janeiro de 2001 a julho de 2005, diagnosticados e acompanhados no Centro de Hematologia e Hemoterapia do Estado do Pará (HEMOPA) e no Hospital Ofir Loyola (HOL) em Belém-PA.
RESULTADOS: a maioria dos pacientes transplantados é proveniente da zona metropolitana de Belém; a média de idade é de 27,57 anos; a aplasia medular (28,57%) é a doença de base mais freqüente; a maioria dos TMOs foi realizada no Estado de São Paulo (60%) e a doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) foi a principal complicação encontrada (46,42%).
CONCLUSÃO: os transplantados de medula óssea estudados, apresentam sobrevida e complicações semelhantes às encontradas em regiões mais desenvolvidas.

Descritores: transplante de medula óssea, epidemiologia.


SUMMARY

OBJECTIVE: to analyse the clinic-epidemiology aspects of the patients from Pará suffering bone marrow transplatation (BMT)
METHOD: transversal study of pacients prevalency from Pará, that suffering bone marrow transplatation since january of 2001 to july of 2005, that were diagnosticked and accompanied in the HEMOPA and in the HOL, in Belém city.
RESULTS: the most part of the transplanted patients is originating from towns near to Belem; the medium of age 27,57 years, the bone marrow aplasia (28,57%)is the illness more presenting. The majority was submitted to the transplant in São Paulo state and the graft-versus-host disease (GVHD) was to main complication found (46,42%).
CONCLUSION: the transplanted of bone marrow are present survival and similar complications to centers more developed.

Key words: bone marrow transplantation, epidemiology


 

 

INTRODUÇÃO

Os primeiros relatos de transplante de medula óssea (TMO) em humanos foram feitos em 1957, por Thomas, Lochte, Guing Lu e Ferrebee (1957)1 . Entretanto, essas experiências só tiveram sucesso no final da década de 60, com a descoberta de Dausset, em 1964, que descreveu o principal sistema de histocompatibilidade humana, composto de antígeno leucocitário humano, o HLA (human leukocyte antigens) 2.

Os TMO podem ser divididos, basicamente, em 2 tipos: o alogênico, onde o doador apresenta compatibilidade com o receptor em termos de HLA, e o transplante autólogo, onde não existe doador, e as células utilizadas são provenientes do próprio paciente. Quando realizado entre irmãos gêmeos, o transplante alogênico é denominado singênico. Há, ainda, os transplantes alogênicos entre pessoas não aparentadas, onde a célula pode vir de um "banco" de medula óssea ou, ainda, como já citado, de cordão umbilical3,4 .

Há 17 centros transplantadores credenciados pelo Sistema Único de saúde (SUS), e, nas regiões Norte e Nordeste, só, recentemente, iniciaram suas atividades em Salvador e Recife5,6,7

Por não haver centro de TMO credenciado pelo SUS, os pacientes que necessitam desse transplante, no Estado Pará, são enviados para tratamento fora de domicílio8.

 

OBJETIVO

Analisar os aspectos clínicos e epidemilógicos dos pacientes do Estado do Pará, submetidos a transplante de medula óssea, janeiro de 2001 a julho de 2005.

 

MÉTODO

Estudo transversal de prevalência de pacientes, residentes no Estado do Pará, submetidos a transplante de medula óssea, janeiro de 2001 a julho de 2005, diagnosticados e acompanhados no Centro de Hematologia e Hemoterapia do Estado do Pará (HEMOPA) e no Hospital Ofir Loyola (HOL) em Belém-PA.

A coleta dos dados foi realizada nos Departamentos de Arquivos Médicos e de Enfermagem (DAME) dessas instituições, utilizando um protocolo de pesquisa, incluindo informações referentes a: ano do transplante, procedência, idade do paciente, doença de base, estado em que foi realizado, complicações no pós-transplante, quadro clínico atual e óbitos. Excluídos apenas 3 pacientes que não tiveram os prontuários localizados, totalizando 35 pacientes que foram submetidos a 39 transplantes, uma vez que, quatro pacientes foram retransplantados, sendo avaliados somente os primeiros transplantes.

Para a avaliação das complicações e do quadro clínico atual, foram excluídos os pacientes que ainda se encontravam no centro de transplantes ao término da coleta dos dados.

O quadro clínico atual foi definido pelo médico hematologista responsável pelo acompanhamento ambulatorial dos pacientes nas referidas instituições, seguindo critérios estabelecidos:

• curados - pacientes com mais de cinco anos de transplante, sem evidência da doença de base;

• melhorados - pacientes que apresentaram ou não doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH), após o transplante e que se encontram, atualmente, assintomáticos ou sem a doença de base;

• DECH atual- aqueles que apresentam esta doença em atividade;

• inalterados- pacientes que apresentam recidiva, recaída da doença de base ou ainda aqueles que mantiveram os parâmetros hematológicos inalterados após o transplante.

Os resultados são mostrados na forma de figuras e tabelas.

 

RESULTADOS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O Registro Brasileiro de Transplantes (RBT) evidencia um crescimento anual do transplante de medula óssea9, com média atual de 1000 por ano7. Souza (2005) adverte que esse crescimento ainda não supre as reais necessidades do país, uma vez que, cálculos baseados em dados populacionais e na freqüência das doenças que mais se beneficiam do procedimento, mostram que deveriam ser realizados cerca de 7000 a 8000 transplantes por ano7.

Dentro desse contexto, foi observado que o Estado do Pará, também, está registrando um crescimento anual bastante relevante do número de pacientes submetidos ao TMO, mesmo não havendo nenhuma unidade de TMO no Norte do Brasil5,6,7, motivo pelo qual estes pacientes são encaminhados para outros estados.

Evidenciou-se que, de todos os transplantados analisados, a maioria procediam de municípios da região metropolitana de Belém (18 pacientes) e do nordeste paraense (11 pacientes), demonstrando que a maior parte dos pacientes que conseguem o tratamento definitivo (82,86%) provêm de áreas mais próximas aos centros de referência em hematologia do Estado (HEMOPA e HOL).

Quanto à faixa etária, observou-se que os pacientes de 11 a 20 e 21 a 30 anos foram os mais submetidos ao TMO, com média de 27,57 anos, concordando com os achados de Zétola e col (1998)14, que evidenciara média de idade de 28,58 anos14. Devido à grande morbidade e mortalidade relacionada a este procedimento, Morán, Balea, Fagundo e Uría (2003), advertem que o TMO tem sua utilização limitada a pacientes jovens2, como foi evidenciado nesta pesquisa.

Neste estudo, observou-se que a maioria dos pacientes transplantados tinha como doença de base a aplasia medular, com 10 casos (28,57%), e, dentre as nosologias malignas, as mais freqüentes foram a LMC e mieloma múltiplo, com 22,86% e 17,14% respectivamente, resultados que contrastam com os encontrados por Ruiz e col (2004) que analisaram a evolução dos TMO no Hospital de Base de São José do Rio Preto (SP-Brasil), verificando a predominância de LMC em relação à aplasia medular, com respectivos 18 e 2 casos, de uma casuística de 67 TMO12.

Quanto ao local do transplante, se observou que 60% dos 35 pacientes foram transplantados no Estado de São Paulo (Hospital Santa Marcelina e Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e 34,28% em Pernambuco (Real Hospital Português da Beneficência de Pernambuco e HEMOPE). Isto confirma a estatística do RBT que apontou o Estado de São Paulo como o Estado brasileiro que mais realiza o TMO 9, bem como demonstra a importância da existência de centros de transplante na região Nordeste, visto que, apesar do recente funcionamento11, são responsáveis pelo atendimento de aproximadamente um terço dos pacientes do Pará.

Segundo Silva, Bouzas e Figueira (2005)1, a DECH é uma reação imunológica entre linfócitos transplantados e tecidos do hospedeiro, ocorrendo no TMO alogênico1,13, representando a complicação mais séria relacionada ao TMO, que afeta de 50% a 70% dos pacientes transplantados14, sendo causa comum de mortalidade15.

Dessa forma, como complicação relevante, foi verificado que 13 pacientes submetidos ao TMO alogênico e transplante de células tronco-hematopoiéticas (TCTH) de cordão umbilical apresentaram DECH, representando 46,42% dos que foram submetidos a estes tipos de transplante, resultado inferior ao encontrado por Ruiz e col, que observaram a presença de DECH em 79% dos procedimentos alogênicos de sua casuística12 .

Quanto ao quadro clínico atual, oi verificou-se que, dos pacientes avaliados, a maioria encontra-se melhorada, refletindo a eficácia do TMO no tratamento de doenças hematológicas benignas e malignas.

A mortalidade verificada na casuística foi de 22,86%, encontrando-se no limite inferior ao apresentado Morán et al, que consideraram a mortalidade relacionada ao transplante entre 20 e 50%2. Esse número é fundamental, uma vez que Nucci e Maiolino (2000) referem que essa mortalidade tem reduzido nos últimos anos15.

 

CONCLUSÃO

A média de idade dos pacientes transplantados é de 27,57 anos, sendo a maioria realizada no Estado de São Paulo (60%). A doença de base mais freqüente foi a aplasia medular.

Como complicação relevante, 46,42% dos pacientes submetidos ao TMO alogênico e TCTH de cordão umbilical apresentaram Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro. A mortalidade encontrada foi de 22,86%, não havendo diferença estatística entre a mortalidade por tipo de transplante e por doença de base.

Atualmente, 48,57% desses pacientes encontram-se melhorados clinicamente, concluindo que, apesar de todas as dificuldades e limitações no Estado do Pará, os transplantados de medula óssea estão apresentando resultados de sobrevida e complicações semelhantes às regiões mais desenvolvidas.

 

REFERÊNCIAS

01. SILVA MM, BOUZAS LFS, FILGUEIRA AL. Manifestações tegumentares da doença do enxerto contra hospedeiro em pacientes transplantados de medula óssea. An. Brás. Dermatol. 2005; 80 (1): 69-80.

02. MORÁN VP, BALEA ED, FAGUNDO JCJ, URÍA JC. Transplante no mieloablativo de células hematopoyéticas. Rev. Cuba. Hematol. Imunol. Hemoter. 2003; 19 (2-3): 0-0.

03. AZEVEDO W, RIBEIRO MCC. Fontes de células-tronco hematopoéticas para transplantes. Medicina (Ribeirão Preto). 2000; 33: 381-389.

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05. ANDERS JC, LIMA RAG. Crescer como transplantado de medula óssea: repercussões na qualidade de vida de crianças e adolescentes. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2004; 12 (6): 866-74.

06. TABAK DG. Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea: falando alto e em bom tom. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2000; 22 (1): 1-2.

07. SOUZA CA. O Transplante de Medula Óssea- uma arma terapêutica poderosa e pouco acessível à comunidade brasileira. Prat. Hospit. 2005; 7 (37): 93-5.

08. ROJAS, V. Hemopa amplia atendimento de doadores de medula óssea, 2005. Disponível em: http://www.pa.gov.br/agenciapara/exibenoticia.asp/acessado em 13 de setembro 2005.

09. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS. RBT. 2003; Ano IX (2): 5-17.

10. CASTRO JR. CG, GREGIANIN LJ, BRUNETTO AL. Análise clínica e epidemiológica do transplante de medula óssea em um serviço de oncologia pediátrica. J. pediatr. 2003; 79 (5): 413-22.

11. ZÉTOLA VHF, SCOLA RH, PASQUINI R, WERNECK LC. Investigação de neuropatia periférica durante o período recente do transplante de medula óssea. Arq. Neuro-psiquiatr. 1998; 56 (2): 267-273.

12. RUIZ MA, PIRON-RUIZ L, ZOLA PA, FARIA CMM, MELO E, SOUZA JÚNIOR AS e col. Transplante de medula óssea: a evolução e os resultados do Hospital de base de São José do Rio Preto- São Paulo- Brasil. J. Bras. Transpl. 2004; 7: 34-39.

13. PATON EJA, COUTINHO MA, VOLTARELLI JC. Diagnóstico e tratamento de complicações agudas do transplante de células progenitoras hematopoéticas. Medicina (Ribeirão Preto). 2000; 33 (3): 264- 277.

14. BONAB MM, ALIMOGHADDAM K, VATANDOUST S, FOROUZIA F, JAHANI M, GHAVAMZADEH A. Are HLA Antigens a Risk Factor for Acute GVHD in Thalassemic Patients Receiving HLA-Identical Stem Cell Transplantation? Transplantation Proceedings. 2004; 36: 3190-3.

15. NUCCI M, MAIOLINO A. Infecções em transplante de medula óssea. Medicina (Ribeirão Preto). 2000; 33 (3): 278-93.

 

 

Endereço para correspondência
Gesiane Fernandes Tavares
Coj. Médici II rua Chaves no 35
Marambaia - Belém-PA
CEP 66620-060
Tel: (091) 3243-1806

Recebido em 03.06.2006
Aprovado em 20.09.2006

 

 

1Trabalho realizado no Hospital Ofir Loyola (HOL) e no Centro de Hematologia e Hemoterapia do Estado do Pará (HEMOPA).