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Revista Paraense de Medicina

versão impressa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.20 n.3 Belém set. 2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Violência sexual intrafamiliar

 

Sexual violence inside family

 

 

Adelma PimentelI; Lucivaldo da Silva AraujoII

'IDra Psicologia Clínica pela PUC/SP. Especialista em Desenvolvimento Infantil. Professora Adjunto III na UFPA, Graduação e Mestrado em Psicologia. Pesquisadora e Editora da Revista do NUFEN – Núcleo de pesquisas fenomenológicas e práticas clínicas
IITerapeuta Ocupacional, especialista em desenvolvimento infantil, mestrando em Psicologia pela UFPA, linha de pesquisa Prevenção e Tratamento Psicológico, pesquisa: Abuso sexual intrafamiliar, sob orientação da Dra Adelma Pimentel

Endereço para Correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: identificar a violência sexual intrafamiliar e sua tipologia contra a criança e o adolescente.
MÉTODO: pesquisa de literatura atualizada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: a incidência da violência sexual intrafamiliar é freqüente, mesmo que a família seja considerada fonte de segurança
.

Descritores: Violência sexual intrafamiliar; crianças e adolescentes; ética.


SUMMARY

OBJECTIVE: To identify the violence sexual inside family and your typology against the child and the adolescent.
METHOD: research of updated literature.
FINAL CONSIDERATIONS: the incidence of the violence sexual inside family is frequent, even if the family are considered source of safety.

Key words: Sexual violence inside family; children and adolescents; ethics of the care.


 

 

INTRODUÇÃO

A violência sexual nas últimas décadas tem se tornado um vasto campo de estudos de diversas ciências. A Organização Mundial da Saúde, no Relatório Mundial sobre Violência e a Saúde define violência como: o uso intencional da força física ou do poder, real ou por ameaça, contra a própria pessoa, outra pessoa, um grupo ou comunidade pode resultar ou tem alta probabilidade em morte, lesão, dano psicológico, problemas de desenvolvimento ou de privação (Eastman, 2002:12).3

No Brasil, o primeiro caso de violência contra uma criança, denunciado à polícia, só ocorreu em 1895. Entre 1906 e 1912 surgiram os primeiros projetos de lei sobre os direitos da criança com intervenção do Estado, mas somente em 1973 um caso foi estudado pela primeira vez (Prado, 2004).4

Takeda (2004:12)5 afirma que, devido à situação de miséria, ocorre a insatisfação pessoal e a frustração dos componentes da família, levando a agressões freqüentes que acabam provocando, não raramente, o desmantelamento das relações familiares.

Embora a pobreza esteja ligada ao aumento de casos de abuso sexual infantil intrafamiliar, a rede de cuidados tem se mostrado atenta para acompanhar crianças e jovens sem família ou cujas mães, chefes de casa, trabalham fora.

 

OBJETIVO E MÉTODO

Identificar a violência sexual intrafamiliar e sua tipologia contra a criança e o adolescente.

Pesquisa da literatura atualizada.

 

VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE

Atualmente, os pesquisadores e profissionais que trabalham com o desenvolvimento, escuta das crianças e os adolescentes, e recebem informações mais oportunas para conhecer como são construídas as bases da relação adulto e criança.

Em meado do século XX, a violência contra crianças e adolescentes deixou de ser considerada apenas um problema interpessoal de caráter privado, adquirindo uma feição que expressa a correlação de forças da sociedade em que acontece. Estudá-la significa trazer, a tona, relações de opressão embutidas na organização da sociedade como "normais e naturais", visando mudanças estruturais. Hazeu (2004).6

A partir dos anos 60, o estado brasileiro iniciou um amplo processo de reconhecimento e identificação das mais variadas formas de práticas culturais, sociais e familiares que atentavam contra os direitos da criança e do adolescente. A revelação dessas práticas tem evidenciado que a violência sobre a criança, muitas vezes, é perpetrada por adultos que são membros diretos de suas famílias, em manifestações que podem ser de ordem física, sexual, negligência, exploração sexual, prostituição e trabalho forçado, etc. Benetti (2002)7

Araújo (2002)8 designa violência intrafamiliar como uma ação que ocorre na família, envolvendo parentes que vivem ou não sob o mesmo teto.

No Pará, Rosa e Silva (2004)9 realizaram uma pesquisa na região metropolitana de Belém, e identificaram que no período 2000 a 2002, a maior incidência de casos de violência sexual contra crianças ocorria na família, espaço considerado seguro para as mesmas.

Esta descoberta é ampliada pelas observações de Azevedo e Guerra (2002)10 , as quais nos informam que morrem 5% de jovens entre 10-14 anos, 66% dos de 12-17, vitimados pela violência intrafamiliar.

Embora um acontecimento grave, a legislação internacional e nacional em favor da criança e do adolescente, como a declaração dos Direitos da Criança (1959), a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989) e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990) têm contribuído para que a sociedade civil organizada combata os tipos de violência, e o Estado elabore políticas públicas voltadas à proteção da criança e do adolescente.

 

TIPOLOGIA DA VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR E SEXUAL

Azevedo e Guerra (2002a), consideram quatro tipos:

a) Negligência: omissão em prover as necessidades físicas e emocionais de uma criança ou adolescente. Configura-se quando os pais ou responsáveis falham em alimentar, vestir, adequadamente, seus filhos etc.

b) Violência física: atos que causam dor física, e não apenas dano. Também encontrada na literatura sob a denominação de síndrome de maus-tratos físicos e abuso físico.

Uma das manifestações mais comuns dessa violência é a Síndrome do Bebê Sacudido (Sharken Baby Syndrome): lesões de gravidade variáveis, que acontecem quando a criança, geralmente lactente, é violentamente sacudida, na maioria das vezes pelos próprios pais, causando hemorragias intracranianas e intraoculares que podem levar à morte ou deixar seqüelas no aprendizado ou comportamento, hemiplegia, tetraplegia, convulsões, etc. Theophilo( 2004).12

c) Violência psicológica: atitudes e condutas perante a criança que ocasionam medo, frustração, experiência de temor quanto à própria integridade física e psicológica, ameaças verbais com conteúdo violento, ou emocional. Inclui a rejeição, o não reconhecimento da criança em sua condição de sujeito; degradação ou subvalorização da criança, expondo-a à humilhação pública e atribuindo apelidos depreciativos, ameaças, surras, reprimendas, castigos, isolamento, exploração.

d) Violência sexual: ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular, sexualmente, essa criança ou adolescente ou utilizá-lo para obter uma estimulação sobre sua pessoa ou de outra pessoa.

d.1) Abuso sexual é um tipo de agressão definido como o envolvimento de crianças e adolescentes dependentes e evolutivamente imaturos em atividades sexuais que eles não compreendem, para os quais não são capazes de dar consentimento informado, e que violam os tabus sexuais dos papéis familiares. Fundamentalmente, estabelece-se uma relação de poder ou controle entre o agressor e a vítima que, não necessariamente, é uma pessoa adulta. Kristensen e col (2001:110)13

Suas formas são:

d.1.1) Incesto- qualquer relação de caráter sexual entre um adulto e uma criança ou adolescente, entre um adolescente e uma criança, ou ainda, entre adolescentes, quando existe um laço familiar, direto ou não, ou mesmo uma mera relação de responsabilidade.

d.1.2) Estupro- do ponto de vista legal, é a situação em que ocorre penetração vaginal com uso de violência ou grave ameaça.

d.1.3) Sedução- situação em que há penetração vaginal sem uso de violência em adolescentes virgens, de 14 a 18 anos incompletos.

d.1.4) Atentado violento ao pudor- circunstância em que há constrangimento de alguém a praticar atos libidinosos, sem penetração vaginal, utilizando violência ou grave ameaça, sendo que, em crianças e adolescentes de até 14 anos, a violência é presumida, como no estupro.

d.1.5) Assédio sexual- propostas de contrato sexual; na maioria das vezes, há posição de poder do agente sobre a vítima, que é chantageada e ameaçada pelo agressor.

d.1.6) Exploração Sexual- é a inserção de crianças e adolescentes no mercado do sexo. Incluí a pornografia infantil e a prostituição.

 

REPERCUSSÕES DA VIOLÊNCIA SEXUAL

Sanderson (2005)14 nos mostra que não há unanimidade entre os autores, quanto aos tipos de efeitos e impactos que a violência sexual causa no psiquismo infanto-juvenil, porém, o que está em discussão é a direção do impacto, positiva ou negativa. O que está claro é que o impacto não é apenas na esfera sexual, e, também, na emocional e social. (p.169).

Sanderson (ibdem) delimita as repercussões que podem estar ligadas aos impactos do abuso sexual: a) a idade da criança/adolescente na época do abuso; b) a duração e freqüência do abuso; c) o(s) tipo(s) de ato(s) sexual(is); d) o uso da força ou violência; e) o relacionamento da criança com o abusador; f) a idade e o sexo do abusador e os efeitos da revelação.

Loeber e Hay, citados por Silva e Hutz (2002),15 consideram que a ocorrência do abuso é, a longo prazo, uma das causas da delinqüência. Isso não significa que toda criança abusada se tornará um delinqüente, mas o fato de ter sido abusada a coloca numa situação de risco, aumentando as chances de que ela venha apresentar esse problema de comportamento.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, a violência sexual pode se apresentar em diferentes formas, ocorrendo em contextos específicos que fazem com que seja necessário diferenciá-la. A abordagem das conseqüências do abuso sexual requer para o seu enfrentamento estratégias conjugadas, quais sejam, políticas públicas para as áreas sociais e deslocamento de recursos para o capital produtivo, a fim de criar emprego e renda; tratamento interdisciplinar dos sistemas familiares ou rede de cuidadores, envolvendo o agente e a vítima da violência.

 

REFERÊNCIAS

03. EASTMAN, A. C. Relatório mundial sobre a violência e a saúde da OMS: Uma resposta ao desafio da violência. Revista da saúde. ano 3, n. 3. dez, 2002. p. 12.

04. PRADO, M. C. C. A (Coord.). O mosaico da violência: a perversão na vida cotidiana. 1.ed. São Paulo: Vetor, 2004

05. TAKEDA, A. E.; SILVA, E. M. Relatório de pesquisa: Intervenção terapêutica ocupacional junto a crianças vítimas de maus-tratos. Disponível em: http://geocities.com.br/terapeutas2002. Acesso em: 02 maio de 2004.

06. HAZEU, M. Direitos sexuais da criança e adolescente: uma visão interdisciplinar para o enfretamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Movimento República de Emaús, Belém: Sagrada família, 2004. 141p.

07. BENETTI, S. P. C. Maus-tratos da criança: Abordagem preventiva. In: HUTZ, C. S. Situações de risco e vulnerabilidade da infância e na adolescência: aspectos teóricos e estratégias de intervenção. São Paulo: Casa do psicólogo, 2002. p. 132-50.

08. ARAÚJO, M. F. Violência e abuso sexual na família. Psicologia em Estudo. v.7, n.2. p.3-11. jul./dez. 2002.

09. ROSA, S.; SILVA, S. M. Proteção versus agressão: Violência doméstica como a grande contradição familiar. In: Movimento República de Emaús. Violência contra crianças e adolescentes em Abaetetuba, Belém, Cametá e Paragominas. Belém: Centro de defesa da criança e do adolescente, 2004. p. 20-4.

10. AZEVEDO, M. A; GUERRA, U. N. A. (a) Infância e Violência doméstica. v.1. São Paulo: LACRI USP, 2002

11. THEOPHILO, R. Violência Psicofísica na criança e no adolescente. Disponível em: http://www.psicologia.org.br/internacional/ ap26.htm. Acesso em: 15 maio de 2004.

12. KRISTENSEN, C. H.; FLORES, R. Z.; GOMES, W. B. Revelar ou não revelar: uma abordagem fenomenológica do abuso sexual em meninos. In: BUINS, M. A. T; HOLANDA, A. F. Psicologia e Pesquisa Fenomenológica. São Paulo: Ômega, 2001.

13. SANDERSON, C. Abuso sexual em crianças: fortalecendo pais e professores para proteger crianças de abusos sexuais. São Paulo: M.Books, 2005.

14. LOEBER E HAY citados por Silva e Hutz, 200 . Abuso infantil e comportamento delinquente na adolescência:prevenção e intervenção. In:HUTZ, CS. (org.) Situações de risco e vulnerabilidade da infância e na adolescência: aspectos teóricos e estratégias de intervenção. São Paulo:Casa do psicólogo, 2002.p.151-18

 

 

Endereço para Correspondência
Adelma Pimentel
Tv. Mariz e Barros, 2765, ap. 401- 66.085-170 -
Marco Belém/PA - Fone/fax: (91) 3254-8292
E-mail: adelmapi@ufpa.br
Site: www.cultura.ufpa.br/adelmapi

Recebido em 06.06.2006
Aprovado em 20.09.2006