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Revista Paraense de Medicina

versión impresa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.20 n.3 Belém sep. 2006

 

ATUALIZAÇÃO/REVISÃO

 

Deficiência da capacidade mastigatória e sua influência sobre memória e aprendizagem– revisão de literatura

 

Deficits of the masticatory capacity and the influence on the memory and the learning's review literature

 

 

Ana Cássia Reis da CostaI; Márcia Cristina dos Santos Guerra RodriguesII ; Rafael Rodrigues LimaIII

ICirurgiã-Dentista pela UFPA;Mestre em Odontologia pela UFPA
IICirurgiã-Dentista pela UFPA; Licenciada Plena em Biologia pelo CEFET-PA
IIICirurgião-Dentista pela UFPA; Mestre em Neurociências e Biologia Celular pela UFPA; Doutorando em Neurociências e Biologia Celular pela UFPA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: correlacionar a influência da diminuição da capacidade mastigatória sobre a memória e a aprendizagem.
MÉTODO: revisão bibliográfica das publicações mais relevantes sobre o assunto nas bases de dados internacionais Medline, LILACS e na base de dados nacional BBO, investigando as informações descritas na literatura sobre epidemiologia da saúde oral do idoso, alterações na cavidade oral e a influência da mastigação sobre o sistema nervoso central em condições normais e deficitárias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: há relação entre deficiências mastigatória e cognitiva senis em roedores, levantando a questão da importância deste tema ser estudado de forma multidisciplinar dentro das ciências biomédicas, servindo como hipótese para futuras pesquisas em seres humanos portadores de deficiência mastigatória.

Descritores: Saúde oral, déficits cognitivos, disfunção oral.


SUMMARY

OBJECTIVE: to correlate to the influence of the reduction of the masticatory capacity on the memory and the learning.
METHOD: bibliographical review of publications most excellent on the subject in the international LILACS and databases Medline and in the database national BBO was carried through, investigating the described information in literature on epidemiology of the oral health of the aged one, alterations in the oral cavity and the influence of the chew on the central nervous system in normal and deficit conditions FINAL CONSIDERATIONS: it has relation between masticatory deficit and senile cognitive deficit in rodents, lifting the subject the importance of this theme to be treated in a multidisciplinary form inside of biomedical sciences, serving as hypothesis for future research in carrying human beings of masticatory deficiency.

Key words: oral health, cognitive deficits and oral dysfunction.


 

 

INTRODUÇÃO

Problemas de saúde oral decorrentes do elevado número de perdas dentárias e conseqüente diminuição da capacidade mastigatória podem estar relacionados com déficits senis de aprendizagem e memória. A revisão dos aspectos relacionados à capacidade mastigatória e a relação com déficits cognitivos na senilidade justifica a atual preocupação das investigações referentes a este questionamento em modelos animais.

 

OBJETIVO

Correlacionar a influência da diminuição da capacidade mastigatória sobre a memória e a aprendizagem.

 

MÉTODO

Revisão de literatura atual em periódicos, relatórios, livros e censo demográfico.

 

REVISÃO DA LITERATURA

Em função do grande aumento da expectativa de vida da população e das estimativas de aproximadamente 25 milhões de idosos para 2025 no Brasil, alguns aspectos sobre as condições de saúde decorrentes do próprio envelhecimento, bem como dos serviços de saúde oferecidos à população idosa, como o acesso ao serviço odontológico especializado, devem ser considerados1.

Os indivíduos enquadrados no grupo etário de 60 anos são o foco das mudanças na distribuição etária em muitos países, inclusive Brasil, tornando-se parte importante das agendas dos sistemas de saúde2. Os dados da Organização Mundial de Saúde mostram que a população idosa no Brasil duplicará nos próximos vinte anos e, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a proporção de idosos vem aumentando no Brasil em taxa cinco vezes maior do que a população como um todo3.

Dessa forma, entender o que é envelhecimento, assume uma importância ímpar em nossos dias.

Envelhecimento refere-se ao processo de pós-maturação que leva a uma diminuição na homeostasia e um acréscimo na vulnerabilidade orgânica, diminuindo as reservas na maioria dos sistemas fisiológicos e levando a um exponencial aumento na vulnerabilidade para mais doenças e para a morte. Sendo assim, o atendimento do paciente idoso requer cuidados e exigências próprias, que envolvam aspectos psicológicos, biológicos, econômicos e sociais que intervenham nas contas da saúde, interferindo diretamente no atendimento. A tendência é a descentralização, focalizando o atendimento domiciliar em programas de saúde pública, como o Programa Saúde da Família (PSF), que tendem proporcionar ao idoso muito da atenção especial que necessitam em virtude de suas limitações1.

A perda dentária vem sendo relacionada como um fator de risco para a demência senil4, 5, 6, 7, 8. Na Doença de Alzheimer, por exemplo, devido à redução da habilidade mastigatória, e conseqüente diminuição de movimentos coordenados e rítmicos dos músculos envolvidos nesse processo, há diminuição da intensidade de estimulação de mecanorreceptores da região orofacial, influenciadores do desenvolvimento e da excitabilidade de áreas específicas no Sistema Nervoso Central (SNC)9. Portanto, uma diminuição da atividade destes receptores pode levar a alterações quantitativas dos impulsos aferentes dos receptores sensoriais para o SNC, podendo produzir modificações neuroanatômicas nas vias de informação da região orofacial. Dessa forma, a redução da atividade mastigatória pode implicar em alterações no trabalho neural do encéfalo9.

Alguns estudos em modelos experimentais têm demonstrado que a perda dentária é um fator de risco para a demência e que a diminuição da atividade mastigatória está relacionada com a disfunção de aprendizado e memória 4, 5, 6, 7, 8, 9.

A perda dentária em ratos ou camundongos pode diminuir a habilidade de aquisição de aprendizado espacial em testes comportamentais, indicado pelo aumento do número de erros durante as tentativas diárias, quando comparado com grupos controle. Pesquisas sugerem que o sistema neuronal colinérgico possa desempenhar um papel importante no aprendizado e memória, por isso relacionou estes resultados com a concentração extracelular de acetilcolina, obtendo maior concentração após estimulação em grupos de animais sem perda dentária. Sendo assim, a deficiência no aprendizado e memória está relacionada com a perda seletiva ou com a degeneração da transmissão colinérgica4.

Entretanto, outras pesquisas observaram que a redução da mastigação, independente da causa, pode levar à disfunção no sistema colinérgico e que a diminuição da informação sensorial oral causa uma redução no número de neurônios imunopositivos para acetilcolinatransferase (colinérgicos) nos núcleos de banda diagonal e septal medial, envolvidos na aprendizagem e/ou memória. Com esta diminuição quantitativa de neurônios colinérgicos, os quais projetam para o hipocampo e córtex cerebral, há um declínio na concentração de acetilcolina nessas regiões cerebrais6.

O hipocampo, o mais afetado com essa disfunção colinérgica, é constituído pelos campos CA, giro denteado e complexo subicular, sendo uma região do lobo temporal medial, responsável pela recepção de projeções convergentes das estruturas corticais adjacentes, sendo o responsável pela memória declarativa, ou seja, memória concisa de fatos e eventos. Com as perdas dentárias ao avançar da idade, é a primeira região cerebral a apresentar alterações morfológicas e fisiológicas10.

As mudanças morfológicas relacionadas ao envelhecimento e perdas dentárias foram relatadas através de alterações quantitativas de neurônios hipocampais, com perda de células piramidais em CA1, região, anatomicamente, essencial para a função do hipocampo e para a memória humana, dados evidenciados em animais que tiveram removidas as coroas de seus molares, sugerindo que a perda dentária reduz os inputs (vias de informação neuronal enviadas para processamento cortical) dos receptores ligados à mastigação e aos movimentos de mandíbula e da face para o córtex somatosensorial, o qual está envolvido na circuitaria hipocampal5.

Outra alteração morfológica em decorrência do processo de envelhecimento é o aumento de densidade de astrócitos, identificados pela imunohistoquímica para um de seus componentes do citoesqueleto, a proteína ácida fibrilar glial (GFAP). O aumento da densidade e hipertrofia das células GFAP-positiva na região de CA1 do hipocampo foi evidenciada em animais velhos e com a condição de perda dentária, agravando este efeito pela persistência dessa situação11.

Um trabalho publicado em 2001, buscou avaliar se a diminuição do esforço mastigatório, na presença de dentes e receptores sensoriais, também alterava de alguma maneira a cognição. Para isso, alteraram a consistência da dieta alimentar em camundongos, estabelecendo duas apresentações de alimentos: o soft (alimento em consistência de pó) e pellet (alimento em forma de cubos). A alteração soft tinha por objetivo simular a diminuição do esforço mastigatório, visto que os animais lambiam o alimento colocado em vasilhames, não exercitando a atividade da mastigação. O efeito dessa alteração e a idade foram avaliados pelo conteúdo de sinaptofisina no córtex cerebral, no hipocampo e na região do neocórtex parietal II. A sinaptofisina, uma glicoproteína localizada na membrana de vesículas pré-sinápticas é normalmente utilizada para quantificar a distribuição sináptica no encéfalo. Assim, os resultados mostraram que os animais submetidos à dieta soft apresentavam redução na contagem de sinaptofisina no córtex cerebral, no hipocampo e no neocórtex parietal II, evidenciando um impedimento cognitivo relacionado à diminuição do esforço mastigatório e agravado com o avançar da idade. Este estudo trouxe informações significativas, mostrando que apenas a diminuição do esforço mastigatório já é suficientemente capaz de levar a alterações neurais relacionados com memória e aprendizado em ratos9.

Em humanos, a função mastigatória foi avaliada entre mulheres de 65 anos com e sem demência. Para tal, foram relacionados o número de dentes presentes, a máxima força de mordida e a habilidade mastigatória através do exame oral, do sistema Prescale® - filme sensível à pressão com variação de cor em scores para avaliar a força mastigatória - e do HDS-R, uma escala japonesa de proporção de demência, a qual mensura todas as funções cognitivas, incluindo orientação verbal e memória. Os resultados evidenciaram a existência de uma relação entre a função mastigatória e o status cognitivo, reforçando estudos prévios que afirmam ser a mastigação projetora de impulsos para o encéfalo, sendo portanto um fator em potencial para a demência, quando tem diminuída sua intensidade ou freqüência7.

Entre os estudos mais recentes, há um publicado em 2004, no qual os autores investigaram a atividade do cérebro humano durante a mastigação, através de imagem de ressonância magnética funcional e observaram que diferentes áreas do cérebro, como córtex sensoriomotor primário, lobo parietal superior e córtex frontal inferior são ativadas durante essa atividade e que existe uma relação de trabalho fronto-parietal para a mastigação que pode contribuir para altos processamentos de informação cognitiva8.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As alterações da mastigação podem contribuir com alterações sistêmicas, incluindo aquelas relacionadas ao sistema nervoso central. A revisão dos aspectos relacionados à influência da mastigação nos resultados dos testes comportamentais revela os possíveis sistemas neurais envolvidos no processo, bem como a dimensão do problema a ser enfrentado. A possível transposição desses dados para seres humanos deve ser cautelosa, porém não descartada, sendo necessários mais estudos para se chegar a afirmar, definitivamente, a relação entre déficits cognitivos e mastigatórios em humanos.

 

REFERÊNCIAS

01. SEQUEIRA, E.; NEVES, DM.; BRUNETTI, RF.; LUZ, DT.; BRUNETTI, FL. Odontogeriatria: a especialidade do futuro. Rev ABO Nac 2001; 9(2) 72-78.

02. PROJETO SB Brasil 2003 – Condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003. Ministério da Saúde, 2004.

03. CENSO DEMOGRÁFICO 2000 - Características gerais da população - Resultados da amostra. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Rio de Janeiro, 2000.

04. KATO T; USAMI T; NODA Y; HASEGAWA M; UEDA M., NABESHIMA, T. The effect of the loss of molar teeth on spatial memory and acetylcholine release from the parietal cortex in aged rats. Behavioural Brain Research 83 (1997) 239-242.

05. ONOZUKA, M; WATANABE, K; MIRBOD, SM; OZONO, S; NISHIYAMA, K; KARASAWA. N; NAGATSU, I. Reduced mastication stimulates impairment of spatial memory and degeneration of hippocampal neurons in aged SAMP8 mice. Brain Research 826 (1999) 148-153.

06. TERESAWA, H; HIRAI, T; NINOMIYA, T; IKEDA, Y; ISHIJIMA, T; YAJIMA, T; HAMAUE, N; NAGASE, Y; KANG, Y; MINAMI, M. Influence of tooth-loss and concomitant masticatory alterations on cholinergic neurons in rats: immunohistochemical and biochemical studies. Neuroscience Research 43 (2002) 373-379.

07. MIURA H; YAMASAKI, K; KARIYASU, M; MIURA, K; SUMI, Y. Relationship between cognitive function and mastication in elderly females. Journal of Oral Rehabilitation 30 (2003) 808-811.

08. TAKADA, T; MIYAMOTO, T. A fronto-parietal network for chewing of gum: a study on human subjects with functional magnetic resonance imaging. Neuroscience Letters 360 (2004) 137-140.

09. YAMAMOTO, T; HIRAYAMA, A. Effects of soft-diet feeding on synaptic density in the hippocampus and parietal cortex of senescence-accelerated mice. Brain Research 902 (2001) 255-263.

10. SQUIRE, LR.; Stark, CE.; CLARK, RE. The medial temporal lobe. Annual Review Neuroscience 27 (2004) 279-306.

11. ONOZUKA, M; WATANABE, K; NAGASAKI, S., JIANG, Y; OZONO, S; NISHIYAMA, K; KAWASE, T; KARASAWA, N., NAGATSU, I. Impairment of spatial memory and changes in astroglial responsiveness following loss of molar teeth in aged SAMP8 mice. Behavioural Brain Research 108 (2000) 145-155

 

 

Endereço para correspondência:
Rafael Rodrigues Lima
Conjunto Panorama XXI, Quadra 31 - Casa 17, Nova Marambaia
CEP: 66625-010
Belém – Pará – Brasil
Tel: (91) 8137-0833
e-mail: rafalima@ufpa.br

Recebido em 28.05.2006
Aprovado em 20.09.2006