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Revista Paraense de Medicina

versão impressa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.20 n.3 Belém set. 2006

 

RELATO DE CASO

 

Neurofibroma de plexo braquial - relato de caso1

 

Neurofibroma of brachial plexus - case report1

 

 

Edmundo Luís Rodrigues PereiraI; Thaís Sousa MendesII; Erica Aranha de SousaIII

IMédico Neurocirurgião da Fundação Hospital Santa Casa de Misericórida do Pará - FSCMPA
IIGraduanda de Medicina da Universidade Federal do Pará - UFPA
IIIResidente de Pediatria da Fundação Hospital Santa Casa de Misericórida do Pará - FSCMPA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: relatar um caso de uma paciente de 6 anos, portadora de neurofibromatose (NF), tipo 1, com presença de neurofibroma em plexo braquial direito.
MÉTODO: descrição e análise dos dados clínico-cirúrgicos da paciente com neurofibromatose atendida na Fundação Hospital Santa Casa de Misericórdia do Pará, em abril de 2005.
RELATO DE CASO: J.L.A. do sexo feminino, 6 anos, com queixa de aumento de volume e dor na região axilar direita, referindo parestesia no membro superior, correspondente (MSD), há 1 ano e 3 meses. O exame clínico revelou a presença de volumosa nodulação localizada na região axilar direita, com extensão em trajeto dos nervos mediano e cubital até o 1/3 distal do MSD. Exame de ressonância magnética da região axilar comprovou a existência de massa tumoral de características neoplásicas na região axilar D e braço D. Submetida a tratamento microcirúrgico com ressecção completa da tumoração. Exame histopatológico confirmou o diagnóstico de neurofibroma, sem sinais de malignidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: a possibilidade de transformação maligna dos neurofibromas em pacientes com NF é motivo de constante preocupação. Alterações no quadro clínico, crescimento acelerado ou surgimento de sintomatologia neural, justificam intervenção cirúrgica precoce, e, muitas das vezes, tal conduta possibilita uma cura local do processo.

Descritores: neurofibromatose, tumores do plexo braquial, facomatoses, microcirurgia.


SUMMARY

Neurofibromatosis is an dominant autosomic disease with skin abnormalities and nervous system neoplasms - Café-au-lait spots and fibrous peripheral neoplasms (neurofibromas) are the main features. There is also a high incidence of central nervous system, cranial nerves and spinal cord primary neoplasms, with tendency to malignization.
OBJECTIVE: A six years-old female patient with type 1 neurofibromatosis, harboring a huge right braquial plexus neurofibroma.
METHODS: Description and analysis of main clinical-pathological features of a young female harboring a huge mass in the brachial plexus treated at the Santa Casa Hospital.
CASE REPORT: Patient J.L.A., female, six years-old, with complaints of pain and a tumor in the right axilar region, with extension to right median and cubital nerves. MR examination revealed a large mass at the brachial plexus. A microsurgery was performed in a two-staged fashion, with complete removal of lesion. Histology revealed a typic neurofibroma, with no signs of malignancy.
CONCLUSIONS: Malignancy of a neurofibroma is always a concerning. Thus, early interventions and complete removal of such lesions are the goal of the treatment.

Key-words: neurofibromatosis, brachial plexus tumor, phakomatoses, microsurgery.


 

 

INTRODUÇÃO

A neurofibromatose (Doença de Von Recklinghausen) é enfermidade de transmissão genética, fazendo parte do grupo das facomatoses (phakos=lentilha). Estas são desordens neurológicas hereditárias que acometem, simultaneamente, o sistema nervoso, o tegumento e o olho. Fazem parte também desse grupo a esclerose tuberosa (Doença de Burneville) e a encefalopatia trigeminal (Doença de Von Hippel-Lindau). Representam desordens graves, cujo reconhecimento é essencial para investigar, preventivamente, a presença das neoplasias do sistema nervoso. 1,2,3.

De todas as facomatoses, a neurofibromatose é a mais comum, sendo, também, a mais freqüente desordem genética autossômica dominante que afeta o sistema nervoso. Há duas formas distintas da doença: tipo I (NFI) e tipo II (NFII).

Em ambas, a manifestação clínica predominante ocorre sob a forma de disfunção do sistema nervoso em decorrência da presença de tumores de vias neurais, nervos cranianos, nervos espinhais ou de nervos periféricos.1,4.

 

MÉTODO

Descrição e análise de dados clínicos e cirúrgicos de paciente de seis anos, do sexo feminino, portadora de neurofibromatose de plexo nervoso (braquial), tratada no Hospital da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, em abril de 2005.

 

RELATO DE CASO

Paciente J.L.A., sexo feminino, seis anos, procedente de Oriximiná-PA, admitida na Fundação Hospital Santa Casa de Misericóridia do Pará, devido aumento progressivo de volume e dor na região axilar direita, com queixa de parestesia no membro superior correspondente (MSD), há um ano e três meses. Antecedentes pessoais e familiares: parto cesáreo, mãe com história de pré-eclâmpsia. Ao nascer, não chorou, apresentou cianose, manchas café c/ leite no tegumento, ficando em observação por seis horas, pesando 3800g. Aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade. Vacinação atualizada para idade. Desenvolvimento neuropsicomotor: andou aos 12 meses, falou aos 24 meses, apresenta dificuldade de aprendizado sem atraso escolar. Nega antecedentes de neurofibromatose e/ou doenças neurológicas.

Ao exame: presença de volumosa nodulação localizada na região axilar direita, em topografia de plexo braquial e acompanhando o trajeto dos nervos mediano e cubital, até o 1/3 distal do MSD. Massa dolorosa à palpação superficial, sem sinais flogísticos, sem aderência aos planos profundos, com sinal de Tinnel positivo. Deficiência motora parcial em território de nervo ulnar direito (IV e V quirodáctilos). A inspeção do tegumento revelou múltiplas manchas pigmentadas tipo "café-com-leite" (n >6) em tórax, abdômen, membros superiores e inferiores (Figura 4).

 

 

O Rx de tórax evidenciou aumento de partes moles na região axilar direita (Figura 1). Realizou exame de angioressonância dos vasos subclávios e região axilar D, que confirmou a presença de massa tumoral em região axilar e braço D (Figura 2), com sinais de estase venosa em território de veia braquial. Na RNM do crânio, observou-se alteração de sinal na região parahipocampal (Figura 3).

 

 

 

 

 

 

 

 

A paciente foi submetida a tratamento microcirúrgico, em 23/04/05, com ressecção completa da tumoração e preservação anatômica total dos fascículos e nervos envolvidos pela massa (Figura 4). Evolução do pós-operatório com melhora do quadro doloroso e recuperação funcional satisfatória. No acompanhamento ambulatorial de retorno, não apresentou mais queixa de parestesia e houve melhora do quadro motor em IV e V quirodáctilos. A histopatológia confirmou a suspeita de neurofibroma, não tendo sido encontrado sinais de malignidade.

 

DISCUSSÃO

A neurofibromatose (NF) foi descrita em 1882 pelo Dr. Friedrich von Recklinghausen. Trata-se de anomalia genética com transmissão autossômica dominante, caracterizada por alterações simultâneas do tegumento e dos sistemas nervosos central e periférico.

Possui duas formas distintas de apresentação: neurofibromatose tipo 1 (NF1, ou NF periférica), caracterizada pelo aparecimento de múltiplas manchas café-com-leite e neurofibromas (cutâneos ou subcutâneos), além de nódulos na íris (nódulos de Lisch), displasia de ossos longos e tumores neurais. Os tumores neurais podem surgir no cérebro, nervos cranianos, medula espinhal, raízes espinhais e nervos periféricos. A neurofibromatose tipo 2 (NF2 ou central), é mais rara e se caracteriza pela ocorrência de neuromas (Schwannomas) bilaterais dos nervos acústicos (VIII nervo craniano), além de múltiplos tumores intracranianos (gliomas, meningiomas) e dos nervos espinhais (neurilemomas). Há um risco aumentado de 5 % para anaplasias e malignização dos tumores encontrados em pacientes com neurofibromatose 5,10

As duas formas apresentam distinção clínica e genética: a mutação dos gens ocorre em dois cromossomas diferentes. O gen patológico para NF1 está localizado no braço longo do cromossoma 17 e o gene patológico para NF2 se localiza no braço longo do cromossoma 22. Existe alta incidência de tumores cerebrais, em nervos cranianos e medula espinhal, com risco aumentado para malignização.4,5

A incidência de NF1 é de 1 para 3.000 nascimentos e se apresenta em cerca de 30 pessoas para cada 10.000 de uma população.5 É transmitida de forma autossômica dominante, ainda que, aproximadamente, 50 por cento dos casos ocorram em decorrência de novas mutações.4,5.

O diagnóstico é, essencialmente, clínico (Quadro I), devido ao padrão característico de acometimento cutâneo. Exames complementares, como ressonância magnética, corroboram o diagnóstico. A intervenção cirúrgica permite biópsia e histopatologia das tumorações, confirmando ou excluindo a presença de malignização.1-5.

 

 

Não há cura sistêmica para a NF, entretanto, busca-se controle da sintomatologia, à medida que surgem manifestações clínicas. Com o aumento progressivo dos neurofibromas, surgem parestesias muito dolorosas, que geram grave desconforto para os pacientes.Por serem tumores da bainha neural, são passíveis de extirpação completa, com preservação anatômica e funcional do tronco principal do nervo periférico envolvido no processo tumoral.6

O prognóstico depende da localização, tamanho e número dos tumores. De acordo com o exposto acima, tumores de nervos periféricos têm prognóstico favorável, a menos que sofram degenerações malignas. No caso de tumores cerebrais primários e intramedulares (gliomas), o prognóstico é reservado, pela impossibilidade de ressecar completamente a neoplasia, sendo, portanto, considerados incuráveis. Tumores do nervo acústico (schwannomas) podem ser removidos, com mínimo risco de mortalidade, apesar da alta morbidade relacionada à função auditiva e do nervo facial. Tumores intra-raqueanos extramedulares, que se originam nas raízes nervosas raquídeas (neurilemomas), juntamente com os tumores de nervos periféricos (neurofibromas) também são, da mesma forma, passíveis de remoção completa e cura.6,7,8.

Transformação sarcomatosa referida na literatura10. Normalmente, os tumores relacionados NF so considerados benignos, de crescimento muito lento ao longo dos anos, e usualmente assintomáticos. A modificação dessas características deve sempre alertar o médico para a possibilidade de anaplasia e transformação sarcomatosa. (fibrossarcomas).9,10.

A paciente estudada experimentou modificação rapidamente progressiva do quadro clínico, com surgimento de sintomas dolorosos e aumento de volume ao longo de poucos meses, fato que justificou a pronta intervenção cirúrgica. Houve evolução satisfatória no pós-operatório e a histopatologia de material colhido no ato cirúrgico, afastou transformação maligna do neurofibroma.9,10,11.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A NF 1 é uma doença, cujas manifestações clínicas características são de fácil diagnóstico. A possibilidade de malignização dos neurofibromas em pacientes com NF é motivo de constante preocupação. A modificação de forma ou volume dos tumores neurais, freqüentemente, solicita intervenções terapêuticas precoces, prevenindo malignização.

 

REFERÊNCIAS

01. OLIVEIRA, RS e col. Neurofibromatose tipo 1 . Revista Diagnóstico & Tratamento 2002; 7(2):25-8.

02. WARD, BA; GUTMANN, DH. Neurofibromatosis 1: from lab bench to clinic. Pediatr Neurol. 2005 Apr;32(4):221-8.

03. VAZQUEZ VL; LOPES A. Neurofibromatoses. In: Lopes A, editor. Sarcomas de partes moles. Rio de Janeiro: Medsi; 1999. p. 497-501.

04. TROVO AB, GOLONI-BERTOLLLO EM, TAJARA EH. Neurofibromatose Tipo 1: Uma revisão. HB Científica/ VOL 9 n2/ Maio-Agosto , 2002.

05. MUNIZ, MP et al. Prevalence of radiological findings in neurofibromatosis type 1: a study of 82 patients. Radiol Bras, Mar. 2002, vol.35, no.2, p.65-70.

06. BARBOSA, MDO e col. Tumor maligno de bainha de nervo periférico em paciente com neurofibromatose tipo 1: relato de caso. HCANC, 2002, p1-3.

07. FIERRO, N et al. Neurinoma of the brachial plexus: 2 case reports. G Chir. 2002 May;23(5):209-11.

08. GOSK, J et al .Brachial plexus tumours—own experience in diagnostics and surgical treatment. Folia Neuropathol. 2004;42(3):171- 5.

09. KORF, BR. Malignancy in Neurofibromatosis type 1. Oncologist 2000; 5:477-85.

10. SILVA, FM e col. Neurofibromatose múltipla. Unimep. vol. 13 no 1 jan./jun. 2001.

11. LEAL FILHO, MB et al. Schwannoma of brachial plexus: report of two cases. Folia Neuropathol. 2004;42(3):171-5.

 

 

Endereço para correspondência
Edmundo Luís Rodrigues Pereira
edmundoluis@yahoo.com.br
Rua dos Pariquis, 1838 apto.802
Batista Campos - Belém-Pará
CEP 66033-590

 

Recebido em 05.06.2006
Aprovado em 27.09.2006

 

 

1Fundação Hospital Santa Casa de Misericórida do Pará - FSCMPA