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Revista Paraense de Medicina

Print version ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. vol.20 no.3 Belém Sept. 2006

 

RELATO DE CASO

 

Tumor de células de Leydig em criança – relato de caso1

 

Leydig cell tumor in child - case report

 

 

Maurício Figueiredo Massulo AguiarI; Júlio Guilherme Balieiro BernardesII; Roberto Cepêda FonsecaIII; Sweny de Souza MarinhoIV; Taís de Almeida RochaIV; Michelle Pimentel MagalhãesIV

IUrologista-FADESP do Hospital Universitário João de Barros Barreto; Titular da Sociedade Brasileira de Urologia SBU e da Sociedade Brasileira de Vídeo-Cirurgia SOBRACIL
IIProfessor assistente de Urologia do CCS da UFPA; Titular pela SBU
IIIProfessor adjunto de Urologia da UFPA; Doutor em Urologia pela USP; Titular pela SBU
IVGraduandas do CCS da Universidade Federal do Pará UFPA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: relatar um caso em criança de sete anos, apresentando puberdade precoce e submetida à orquiectomia total esquerda por via inguinal, devido dificuldade no diagnóstico preciso do tumor de células de Leydig, durante o ato cirúrgico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: as manifestações endócrinas devem ser levadas em consideração para o diagnóstico diferencial, fazendo com que crianças possam, efetivamente, se beneficiar de cirurgias menos radicais. Após um ano de seguimento não houve recidiva clínica ou hormonal do tumor.

Descritores: tumor de células de Leydig; neoplasias; testículo.


SUMMARY

CASE REPORT: the authors report a case of a seven-year-old child, with isosexual precocity, in who had performed a left radical inguinal orchiectomy, due to difficulties in precise diagnosis during surgery.
FINAL CONSIDERATIONS: manifestations of endocrine imbalance could help in diagnosis, permitting further children benefit least radical procedures. No clinical or endocrine relapse after 1 year follow-up.

Key-Words: Leydig cell tumor, testicular neoplasms, testis


 

 

INTRODUÇÃO

O tumor de células de Leydig representa entre 1-3% do total dos tumores de testículo1,2. A idade de apresentação mais freqüente está entre 20 e 60 anos, e, aproximadamente, um quarto são descritos em pacientes pré-púberes.

No passado a orquiectomia era considerado o tratamento de escolha, mas em consideração ao fato de que os tumores de células de Leydig em crianças, invariavelmente, mostram um comportamento benigno, alguns autores têm sugerido condutas mais conservadoras como a enucleação do tumor3,4. O que nem sempre é possível por dificuldades para o diagnóstico preciso do tumor durante o ato cirúrgico.

 

OBJETIVO

Relatar um caso clínico de uma criança de sete anos apresentando puberdade precoce, submetida à orquiectomia total via inguinal, sem necessidade de tratamento adjuvante ou linfadenectomia retroperitoneal. Após um ano de seguimento não apresentava recidiva clínica ou laboratorial do tumor.

 

RELATO DO CASO

Anamnese

P. F. S. sexo masculino, sete anos, apresentando sinais compatíveis com puberdade precoce: acne e pêlos pubianos.

Exame físico

Nódulo no pólo inferior do testículo esquerdo, com tamanho duas vezes maior que o direito; pênis com diâmetro e comprimento aumentados.

Exames subsidiários

Testosterona: 1.240 nmol/L (150 a 450) IGF-1; Somatomedina: 484 U/L (43 a 373); Hormônio do crescimento: 0,6 U/L ( < 4,5 ) 31/03/04, T4 Livre: 1,54 nmol/L (0,75 a 1,8); TSH: 1,73 nmol/L (0,3 a 5); FSH: 0,3 nmol/L ( menor que 3); Hormônio do crescimento: 7,2 nmol/L (< 4,5) 17/03/04; FSH: 0,95 U/L; LH: 0,31 U/L (< 0,15); 17 hidro-progesterona: 1,18 nmol/L (0,20 a 3,2); SDHEA: 1,04 nmol/L (0,2 a 1,6); Androstenediona: 159 nmol/L (< 0,5). ß-HCG não reagente.

Ultra-som

Testículo esquerdo com aproximadamente 2,5 × 2 cm, móvel, consistência elástica, firme, indolor e com nódulo pequeno. Testículo direito com aproximadamente 1,8 × 1,2 cm, firme, elástico, móvel, indolor e sem nódulos.

Conduta

Paciente submetido à orquiectomia total esquerda, por via inguinal, após biópsia por congelamento em trans-operatório com laudo imediato de neoplasia (supostamente seminoma). Não foi submetido à linfadenectomia retroperitoneal.

Histopatologia

Nódulo de 1,8 cm de diâmetro mal delimitado, formado pela proliferação de células uniformes, com amplos citoplasmas acidófilos, levemente, granulosos, por vezes, contendo pigmento castanho de lipofucsina, com núcleos, moderadamente, aumentados de tamanho e com pequenos nucléolos basofílicos evidentes. Sem figuras mitóticas atípicas. Neoplasia restrita ao testículo, não ultrapassando a túnica albugínea e nem comprometendo vasos e ductos do cordão espermático. Conclusão: Tumor de células de Leydig restrito ao testículo.

Prognóstico

No seguimento após seis meses, o menor já apresentava FSH: 2 U/L (1 a 10,5); LH: 2,2 U/L (1 a 8,4) e testosterona: 6,8 nmol/L. Após um ano de seguimento, não apresentava mais sinais de puberdade precoce ou recidivas tumorais.

 

DISCUSSÃO

De etiologia desconhecida, os tumores de células de Leydig são bem delimitados, circunscritos ao parênquima testicular e com um tamanho menor de cinco cm em 85% dos casos, raramente exibindo hemorragia ou necrose. Geralmente são unilaterais, no entanto, 6 a 9% podem ser bilaterais5.

Histologicamente, os tumores consistem em grupos celulares agrupados poliédricos e uniformes que apresentam núcleo redondo, ligeiramente, excêntrico e citoplasma eosinofílico com vacúolos lipídicos, pigmentação acastanhada e, ocasionalmente, inclusões características conhecidas como cristais de Reinke6.

Apenas 10% dos tumores de células de leydig são malignos, sendo o único critério absoluto de malignidade a presença de metástases, apresentando-se por ordem de freqüência: gânglios linfáticos retroperitoneais e inguinais (68%), pulmão (45%), fígado (45%) e osso (27%)1,2,3.

Cheville et al7. concluem em seu estudo sobre 30 tumores de Leydig (23 benignos e 7 malignos), que os tumores que metastatizaram, eram, significantemente, maiores que tumores que não metastatizaram (média 4.7 versus 2.6 cm, respectivamente; p = 0.008), e tiveram índice mitótico significativamente maior, 13.9 versus 1.9, respectivamente; p < 0.0001). Tumores metastáticos tiveram uma expressão de MIB-1 de 18.6% (variação, 5.8-33.6) comparado com 1.2% (variação, 0.04-8.2) em tumores não metastáticos (p = 0.001); tumores que metastatizaram estavam associados com figuras mitóticas atípicas (p < 0.0001), variação nuclear (p = 0.0025), necrose (p < 0.0001), invasão angiolinfática (p = 0.009), margens comprometidas (p < 0.0001), alto grau (p = 0.0004), e invasão para rete testis, epidídimo, ou túnica (p = 0.001) quando comparados aos tumores que não apresentaram metástase. Não houve diferença estatística entre o tipo celular, conteúdo lipocrômico, presença de cristais de Reinke ou inclusões nucleares.

O comportamento maligno só ocorre em pacientes de maior idade (quinta e sexta década de vida e com tamanho maior que cinco cm, quando a sobrevida média para esses pacientes é de 2 a 3 anos).

Todos estes dados reforçam o caráter benigno da lesão do caso apresentado, nódulo de 1,8 cm de diâmetro, unilateral, em testículo de criança de 7 anos, sem figuras mitóticas atípicas e sem comprometimento de vasos e ductos do cordão espermático, não tendo sido descrita a expressão de MIB-1.

A forma de apresentação mais freqüente é a massa testicular palpável. Devido às suas manifestações endócrinas, este tumor deve ser levado em conta para o diagnóstico diferencial de muitas disfunções endócrinas, tanto para criança quanto para o adulto. Tais manifestações variam segundo a idade: pré-púberes apresentam sinais de pseudopuberdade precoce isosexual, incluindo aumento do tamanho peniano, crescimento dos pelos pubianos, mudança de voz e em 10% dos casos se acompanha de ginecomastia8. Os efeitos virilizantes destes tumores se devem a um excesso de secreção androgênica, principalmente de testosterona e, ocasionalmente, androstenediona e de hidroepiandrosterona; enquanto que a produção de 17- cetoesteróides pode estar elevada ou não. No adulto pode-se observar a clínica endócrina em 20-40% dos pacientes consistindo essa em sinais de feminilização, sendo a ginecomastia, a mais freqüente (15% dos casos), caracterizando-se por ser tipicamente bilateral, sincrônica e indolor. O tempo de duração da ginecomastia varia entre 6 meses a 10 anos, sendo a média de 3 anos, podendo preceder à detecção da massa testicular. Outros sintomas de feminilização compreendem perda de libido, impotência e infertilidade.

A feminilização ocorre de diferentes maneiras: as células tumorais produziriam estrógenos diretamente (como demonstrou com a medição de estradiol plasmático em veia espermática destes pacientes), ou então, secretariam hormônios esteróides com capacidade de converter-se em estrógenos. Outra teoria postula que o principal determinante do efeito hormonal seria o desequilíbrio entre estrógenos e andrógenos circulantes. No adulto podemos encontrar aumento do estradiol e/ ou diminuição da testosterona sérica, com incremento na excreção urinária de 17- cetoesteróides. Em relação aos hormônios hipofisários o FSH e LH plasmáticos podem estar diminuídos, ainda que existam casos em que se encontram aumentadas ou normais. No paciente com ginecomastia se encontram elevadas a prolactina e o estradiol, sendo a testosterona, o FSH e o LH normais1,6.

O método diagnóstico mais utilizado é a ultrasonografia9, sendo o padrão ecográfico inespecífico, predominando o de u'a massa bem delimitada, hipoecogênica ou heterogênea. Ocasionalmente, a ressonância magnética é capaz de visualizar tumores de Leydig não detectados com estudo ultrasonográfico, apresentando-se nos estudos de ressonância magnética como uma lesão bem circunscrita, homogênea, isohipointensa em T1, e, marcadamente, hipointensa em T2. O método é muito sensível, porém pouco específico. Assim sendo, não foi utilizada neste caso.

Na idade adulta se justifica o tratamento com a orquiectomia radical, dado à dificuldade de distinguir, clinicamente, ou por imagem se, se trata de um tumor de linhagem germinativa (no qual 5% destes apresentam ginecomastia), assim como, a impossibilidade de predizer o comportamento futuro do mesmo. Condutas mais conservadoras como a enucleação do tumor3,4 são empregadas para o tratamento desses tumores em crianças dado ao caráter benigno das lesões. O que nem sempre é possível, por dificuldades para o diagnóstico preciso do tumor durante o ato cirúrgico.

Já foi descrito aparecimento de metástases após oito anos de seguimento, fazendo com que este seguimento seja por longo período1. Nos casos de doença disseminada o prognóstico é sombrio, pois se trata de um tumor que apresenta resposta pobre, tanto à radioterapia, como à quimioterapia. A radioterapia pode ter sua utilidade em aliviar os sintomas derivados das metástases ósseas. Os agentes quimioterápicos mais utilizados, são a vincristina, actinomicina, ciclofosfamida e adriamicina, assim como o mitotane. A linfadenectomia retroperitoneal primária não teve efeito profilático nos casos publicados, existindo controvérsia a respeito, devido, fundamentalmente, aos pacientes que, com enfermidade disseminada, morrem nos três primeiros anos do diagnóstico do tumor, independentemente do tratamento4.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As manifestações endócrinas devem ser levadas em consideração para o diagnóstico diferencial, fazendo com que crianças possam, efetivamente, se beneficiar de cirurgias menos radicais. Após um ano de seguimento não houve recidiva clínica ou hormonal do tumor.

 

REFERÊNCIAS

1. CRUCEYRA BG; TEJIDO SA; DUARTE OJM; GARCIA DE LA TORRE JP, DE LA MORENA GJM; SILVA, VM et al. - Leydig cell tumor: report of 8 cases and review of the literature. Actas Urol Esp. 2002; 26(1):36-40.

2. VILLAPLANA GH; ROSINO EH; CUBILLANA PL; EGEA LA; PASTOR GS; GÓMEZ GG. Leydig cell tumor. Comments on 5 cases, Actas Urol Esp. 1994; 18(9):880-4.

3. MERLINI E; SEYMANDI PL; BETTA PG; BUSSI G. Testis sparing enucleation of a Leydig-cell tumour in a boy. Pediatr Med Chir. 2003; 25(1):63-5.

4. RUSHTON HG; BELMAN AB. Testis-sparing surgery for benign lesions of the prepubertal testis. Urol Clin North Am. 1993; 20(1):27-37.

5. VELÁZQUEZ MA; DEL VALLE JIS; GARCÍA BM; RODRÍGUES RH; MARTÍN JAP; GÓMEZ MAC et al. - Leydig cell tumor. Report of 2 cases and review of the literature. Actas Urol Esp. 2001; 25(5):371-6

6. KLINISN JY; SAVERT PM. Leydig cell tumors of the testis—clinical and morphologic aspects. Urologe A. 1996; 35(6):468-71.

7. CHEVILLE JC; SEBO TJ; LARGER DJ; BOSTWICK DG; FARROW GM. Leydig cell tumor of the testis: a clinicopathologic, DNA content, and MIB-1 comparison of nonmetastasizing and metastasizing tumors. Am J Surg Pathol. 1998 ;22(11):1361-7.

8. GUILLÉN LS; ROMÁN JS; CALVO MTM; PÉREZ JM; DE PRADA I; OLIVER J. Gynecomastia secondary to Leydig cell tumor. An Pediatr (Barc.) 2003; 58(1):67-70.

9. CARMIGNANI L; GADDA F; GAZZANO G; NERVA F; MANCINI M; FERRUTI M et al.. High incidence of benign testicular neoplasms diagnosed by ultrasound. J Urol. 2003; 170(5):1783-6.

 

 

Endereço para correspondência
Maurício Figueiredo Massulo Aguiar
Rua Caripunas, 1360, apto 801, CEP 66033-230
Belém-Pará. E-mail: mauriciomassulo@hotmail.com
Fones: 32729690/32728515/81723008

Recebido em 03.04.2006
Aprovado em 16.08.2006

 

 

1Trabalho realizado pela Disciplina de Urologia da Universidade Federal do Pará UFPA.