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Revista Paraense de Medicina

versão impressa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.20 n.4 Belém dez. 2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Efeito do leite Humano na cicatrização de feridas abertas em ratos1

 

Human milk result on the healing of wounds produced in rats.

 

 

Mara Lucinda Gomes do AmaralI; Luisa Margareth Araújo CarneiroI; Marcello Ribeiro Monte SantoII; Nara Macedo Botelho BritoIII; Marcus Vinicius Henriques BritoIV; Mariseth Carvalho de AndradeV

INutricionistas, alunas do Curso de Especialização em Pesquisa Aplicada em Ciências da Saúde
IIVeterinário, aluno do Curso de Especialização em Pesquisa Aplicada em Ciências da Saúde
IIIProfessora Adjunta, Doutora e Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão de Medicina da UEPA
IVProfessor Adjunto, Doutor e Coordenador do Laboratório de Cirurgia Experimental da UEPA
VEstaticista, Especialista em Epidemiologia e Professora do Curso de Especialização em Pesquisa Aplicada em Ciências da Saúde

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: verificar o efeito do leite humano cru congelado e cru resfriado na cicatrização de feridas abertas em ratos.
MÉTODO: utilizaram-se 45 ratos, machos, adultos, distribuídos em 3 grupos, com 15 animais cada: o Grupo Controle, tratado com solução salina a 0,9%; o Grupo Cru Resfriado, tratado com Leite Humano Resfriado; o Grupo Cru Congelado, tratado com Leite Humano Cru Congelado. Em cada grupo, foi feito uso tópico de 0,1ml de cada substância correspondente ao grupo em estudo, 3 vezes ao dia, na região dorso-costalis de cada animal. A avaliação da lesão foi realizada no 7o, 14o e 21o dia de pós-operatório, no qual foi determinado o tamanho da lesão, presença ou não de pelos ao redor da ferida operatória, dos respectivos grupos.
RESULTADOS: os grupos tratados com leites nesta amostra obtiveram resultados estatisticamente significantes, quando comparado com o tratado com solução salina a 0,9% no período agudo de cicatrização.
CONCLUSÃO: as feridas cutâneas abertas na região dorso costal de ratos tratadas com leite humano cru congelado e o leite cru resfriado utilizado nesta pesquisa, quando comparado às tratadas com solução salina a 0,9% apresentaram resultados, estatisticamente significativos, comparado ao grupo controle no período agudo de cicatrização.

Descritores: Leite humano, experimental, macroscopia, cicatrização de feridas.


SUMMARY

OBJECTIVE: check out the frozen and the cold human milk effect on the healing of wounds produced in rats.
METHOD: it was used 60 males; adults rats divided in 3 groups, with 15 animals each one.The Control Group, treated with a quantity of 0,9% of sodium chloride; The Cold Raw Group, which Cold Human Milk was used; The Frozen Raw Group, treated with Frozen Raw Human Milk. In each group, it was tested, under the skin, the usage of each corresponding substance to the group studied, 3 times a day, on the dorsocostalis region of each animal. The assessments of the injury was done in the 7th, 14th and 21st post-operatorion day, which the size, presence or not of four around the wound operated of each group was determined.
RESULTS: the Kinds of milk used in this experience reach a meaningful statically result when compared to that one used with sodium chloride at 0,9%.
CONCLUSION: the coetaneous wounds made on the dorsocostalis region of treated rats with cold raw human milk and the frozen raw human milk used in this experiment, when compared to those with saline solution, show statically meaningful results, although it had always presented a higher percentage as compared to the control group.

Key words: human Milk, Experimental, Macroscopic, Injury Healing.


 

 

INTRODUÇÃO

A cicatrização é um fenômeno físico, químico e biológico, que se inicia logo após uma lesão tecidual, quer seja acidental ou operatória, e que tem por finalidade reconstituir o tecido de maneira mais fiel possível. É um fenômeno complexo, de grande importância à sobrevivência e que apresenta dúvidas na sua total compreensão. 1,2

Desde a Antigüidade o homem utiliza de procedimentos empíricos ou intuitivos buscando a cura de moléstias. 3 e pôr princípios que possam levar à reparação tecidual em ferimentos superficiais2.

Dentre esses procedimentos empíricos, encontra-se a utilização, entre outros, de óleos e plantas 4,5. O leite humano, também, é utilizado neste processo; entretanto, não há estudos adequados sobre os seus mecanismos de ação e/ou riscos de contaminação por doenças infectocontagiosas6. A cultura do uso de leite humano nos processos inflamatórios como otite e conjuntivite, e principalmente na cicatrização de fissuras de mamilo são amplamente difundidas na população6. Porém nenhum relato literário científico foi localizado a respeito no período pesquisado.

O leite humano é uma substância de grande complexidade biológica7. Possui uma composição nutricional balanceada e mais de 150 substâncias diferentes, como por exemplo, nutrientes essenciais e condicionalmente essenciais, tais como taurina, glutamina e carnitina8; diferentes fatores bioativos, dentre eles fatores antimicrobianos, como os oligossacarídeos livres e as glicoproteínas 9,10 os agentes antiinflamatórios, entre outros a lactoferrina, a lisozima, a IgA secretória e enzimas antioxidantes, como a catalase, glutation peroxidase, antiproteases como a alfa-1 antitripsina e a alfa-1 antiquimiotripsinase; vários tipos de hormônios entre os quais as citoquinas, prostaglandinas, somatostina e fatores de crescimento tais como o fator epidérmico (EGF), insulina simile um (IGF 1) e os fatores transformadores do crescimento alfa e beta. 7,11

Tendo em vista um possível efeito cicatrizante do leite humano cru resfriado e cru congelado, e a escassa literatura científica, buscando conhecer o efeito do leite humano na cicatrização de feridas cutânea em ratos, escolheu-se tal tema para realização deste trabalho.

 

OBJETIVO

Verificar o efeito do leite humano cru resfriado e cru congelado na cicatrização de feridas abertas em ratos.

 

MÉTODO

Este estudo foi submetido e aprovado em Comitê de Ética de Pesquisa em Animal, conforme protocolo de no. 22/2004. Realizou-se uma pesquisa prospectiva experimental de coorte e com uma amostra randomizada, no Laboratório de Cirurgia Experimental da UEPA.

Amostra

Constituída de ratos (Rattus norvergicus albinus, Rodentia, Mammalia), machos, adultos, da linhagem Wistar, pesando entre 200 a 250 g.

Os animais foram fornecidos pelo Instituto Evandro Chagas e após período de adaptação de 15 dias, em gaiolas individuais, medindo 25 x 15 x 12 cm, com fundo protegido com tela aramado, em ambiente controlado, com ração e água "add libitum", e depois foram distribuídos aleatoriamente, em 3 grupos: Grupo 1: controle (tratado com solução salina a 0,9%), Grupo 2: cru congelado (tratado com leite humano cru armazenado e conservado sob congelamento) e Grupo 3: cru resfriado (tratado com leite humano cru resfriado) - ambos utilizados em estado líquido. Cada grupo tinha 15 animais (n1= 45) e estes foram subdivididos, em três subgrupos de acordo com o período de observação do estudo macroscópico em 7o, 14o e 21o dia.

Procedimentos

O leite humano usado no trabalho foi de uma única doadora, captada no Programa de Aleitamento Materno Exclusivo (PROAME), da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, após assinatura de Termo Consentimento Livre e Esclarecido.

O leite utilizado foi armazenado em vidro estéril e transportado sob refrigeração, conforme legislação do Banco de Leite Humano da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará12.

Os animais foram submetidos à anestesia por inalação de vapores de éter etílico sob campânula utilizando o vaporizador descrito por Brito e col.(1998)13. Em seguida, posicionados em decúbito ventral, sendo realizada depilação por tração manual dos pêlos na regiodorsocostalis em área de aproximadamente nove cm2, localizadas caudalmente em uma linha imaginária que passa na borda inferior das orelhas.

No centro da área depilada foi ressecado fragmento cutâneo com 1,5 cm de diâmetro até exposição da fáscia muscular dorsal, utilizando um "punch" metálico. A hemostasia foi feita por compressão digital com gaze estéril, embebida em solução salina a 0,9%, durante aproximadamente 1 a 2 minutos.

Imediatamente após a hemostasia, foi aplicada na ferida operatória com micropipetador 0,1 ml de solução salina a 0,9% ou leite humano cru resfriado, sendo este denominado de dia zero. Nos dias subseqüentes foi realizado o mesmo procedimento três vezes ao dia.

Ao final do período pré-estabelecido, os animais foram submetido à eutanásia sob vapor de éter etílico, conforme descrição anterior.

Macroscopia

Os aspectos macroscópicos da ferida operatória foram observados através de lupa com 2,5 vezes de aumento, sendo o tamanho da crosta e da lesão medida com paquímetro digital com resolução 0,01 mm no sentido crânio-caudal e látero-lateral em ratos.

Estudo Estatístico

O estudo estatístico foi realizado pelo programa BIOSTAT 3.0 e EXCEL.

Para análise dos resultados foram aplicados os seguintes testes: análise de variância por postos de KRUSKAL-WALLIS complementada pelo Teste de Comparações Múltiplas com finalidade de comparar as medidas do tamanho da crosta, tamanho da lesão, efetuadas nos períodos (7o, 14o e 21o dia de pós-operatório). Esta análise será feita para o grupo Controle e o grupo Leite de cada grupo. Os animais foram fotografados e seus dados anotados em protocolo para posterior comparação. Também foi observada a presença ou não de perda de pêlos e escaras em torno da ferida operatória.

Fixou-se em 0,05 ou 5% (a<0,05) o nível de rejeição da hipótese de nulidade, assinalando-se com um asterisco os valores significantes.

 

RESULTADOS

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O leite materno é produzido a partir do plasma sanguíneo pela ação de hormônios e reflexos (fenômeno neuro-endócrino) 14. É uma substância de grande complexidade biológica, nem sempre tem a mesma composição, 7 podendo apresentar pequenas variações com a alimentação da mãe, todavia essas alterações raramente tem significado14. As substâncias imunológicas e fatores de crescimento presentes no leite materno protegem a mucosa intestinal, suprimem o crescimento de microorganismo patogênico, matam outras, estimulando a maturação epitelial e aumentam a produção de enzimas digestivas. 14

Dentre as substâncias do leite humano têm-se: imunoglobulinas, cujo mecanismo de proteção é a impermeabilização anti-séptica das mucosas (digestiva, respiratória e urinária); mecanismos de proteção: Lisozima – lise das bactérias; lactoferrina – ação bacteriostática; fator bífidus (lactobacilos- ácidos orgânicos)- ação bactericida; oligossacarídeos – inibição da aderência bacteriana às células da mucosa intestinal. ainda componentes celulares; fagócitos mono e polimorfo nucleares. 14

O leite humano é utilizado popularmente em todo o mundo, porém não foram encontrados na literatura pesquisada trabalhos experimentais que validassem suas possíveis ações cicatrizante, sendo o objetivo, neste estudo, o efeito do leite humano na cicatrização de feridas abertas em ratos, contribuindo para o conhecimento científico, abrindo mais uma linha a ser pesquisada.

Neste estudo, os ratos utilizados foram adultos, a fim de evitar diferença no processo cicatricial por ação do fator de crescimento epidérmico. Idealizaram-se três grupos: o controle, o cru congelado e o cru resfriado. Enquanto os grupos Cru Resfriado e Cru Congelado foram tratados com as respectivas substâncias, o grupo controle foi tratado com solução salina a 0,9%, visando diminuir possíveis interferências no processo cicatricial.

Realizada a análise macroscópica da ferida no 3o, 7o, 14o e 21o dia, o estudo obteve resultados estatísticos significante no período agudo da cicatrização (Fig. 1 e 2) sem, no entanto, manter ao longo de todo o processo cicatricial a mesma propriedade nos demais grupos tratados com leite (Fig. 3, 4 e 5).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Como não foram encontrados na literatura outros trabalhos semelhantes, a comparação com outros experimentos não foi possível. Sendo necessários estudos futuros para evidenciar os achados da pesquisa utilizando-se outras metodologias e aprofundando-se nas múltiplas variáveis importantes como: aspectos microscópicos; composição do leite utilizado; momento da ordenha; alimentação da nutriz; números de curativos; exposição à luz da área lesada, dentre outras.

 

CONCLUSÃO

As feridas cutâneas abertas na região dorso costalis de ratos tratadas com leite humano cru congelado e cru resfriado, utilizado nesta pesquisa, mostraram resultados, estatisticamente, significante, quando comparados ao tratado com solução salina a 0,9%, no período agudo de cicatrização que não mostraram resultados idênticos, no período tardio da cicatrização, nem entre os grupos, embora nos grupos tratados com leite, em observação macroscópica, o tamanho da lesão, mostrou melhor recuperação da pelagem; dessa forma mostrando-se superior em comparação ao controle. Porém outros experimentos serão úteis para confirmar estes achados, inclusive utilizando-se outros modelos experimentais.

 

REFERÊNCIAS

01. Sanches Neto R, Barone B, Teves DC, Simões MJ, Novo NF, Juliano Y. Aspectos morfológicos e morfométricos da reparação tecidual de feridas cutâneas em ratos com e sem tratamento com solução de papaína a 2%. Acta cir. Bras; 8: 18-23, 1993.

02. Teves DC, Cabral ACV, Simões MJ, Kulay JR L. Biologia da reparação tecidual. J. Bras. Med; 50: 39-44, 1986.

03. Azulay RD, Azulay DR. Dermatologia. 2a ed., Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 1999.

04. Brito NMB, Simões MJ, Gomes PO, Pessoa AF, Melo MCF. Aspectos microscópicos da cicatrização de feridas abertas tratadas com óleo de copaíba em ratos. Revista Paraense de Medicina 13 (1): 12-7.

05. Brito NMB, Silva PRF, Silva GCF, Casella SFM, Sampaio ARS, Carvalho RA. Avaliação macroscópica de feridas cutâneas abertas em ratos tratadas com óleo de andiroba. Revista Paraense de Medicina 15(2)17-22, 2001.

06. Lacerda EMA, Accioly E, Faria IG, Da Costa VM. Práticas de nutrição pediátrica. São Paulo (SP): Atheneu; 2002.

07. Feferbaum R, Falcão MC. Nutrição do recém-nascido. São Paulo (SP) Atheneu; 2003.

08. Ogra SS, Ogra PL. Immunologic aspects of human colostrum and milk. I – Distribution, characteristics and contrations of immunoglobulins at different times after the onset of lactation. J Pediatr 92:546-9, 1978.

09. Kunz C, Rodriguez-Palmero M, Koletzko B, Jensen R. Nutritional and biochenical properties of human milk, parts I: general aspects, proteins and carbohydrates. Clin Perinatol 26(2): 307-33, 1999.

10. Schanler RJ, Hurst NM, Lau C. The use of human milk and breastfeeding in premature infants. Clint Perinatol 26(2): 379-98, 1999.

11. Aleitamento Materno – noções básicas. Departamento de aleitamento materno da Sociedade Paraense de Pediatria. 1a edição 1998.

12. Ministério da Saúde – Secretaria de Política de Saúde – Instituto Fernandes Figueira. Recomendações técnicas para o funcionamento de bancos de leite humano. 3a edição 1998.

13. Brito MVH, Brito NMB, Almeida AJB, Santos MRLC. Vaporizador artesanal de éter para cirurgia experimental em ratos. Acta cir. Bras. 1998. 13(1): 3-5.

14. Silva MAFG, Marques RFSV. Manual de aleitamento materno exclusivo. Pará. 2a ed. 2004.

 

AGRADECIMENTOS

Ao Sr. Adevaldo Eleres - Veterinário Chefe do Biotério do Instituto Evandro Chagas.

 

 

Endereço para correspondência:
Luisa Margareth Araújo Carneiro
e-mail:lmargareth@bol.com.br

Mara Lucinda Gomes do Amaral
e-mail:mlgamaral@terra.com.br

Recebido em 19.09.2006
Aprovado em 29.11.2006

 

 

1Trabalho realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental da Universidade do Estado do Pará.