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Revista Paraense de Medicina

versão impressa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.20 n.4 Belém dez. 2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Prevalência de IgG do vírus varicela-zoster (VVZ) em indígenas da tribo Araweté, em Altamira, Pará, de janeiro-fevereiro de 20011

 

Prevalence of IgG of the varicela zoster vírus (VZV) in the indigenous tribe Araweté, Altamira, Pará, from january-february 2001

 

 

Marcos Rogério Menezes da CostaI; Carlos Sousa RamosII; Talita Antonia Furtado MonteiroIII

IBiomédico, Mestre em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários - UFPa
IIBiomédico, Universidade Federal do Pará
IIIEnfermeira Pesquisadora da Seção de Virologia do Instituto Evandro Chagas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: determinar a prevalência de anticorpos IgG para o vírus da varicela-zoster (VVZ) em indivíduos da comunidade indígena Araweté, Altamira, Pará, Brasil.
MÉTODO: foram testadas 357 amostras de soros de indivíduos residentes na comunidade indígena Araweté, coletadas em janeiro e fevereiro de 2001, após um surto grave causado por esse vírus. Utilizou-se o procedimento imunoenzimático (ELISA) "Kit" da "Clark LaboratorieisTM" (Jamestown-NY-EUA) na pesquisa de anticorpos IgG para o VVZ.
RESULTADOS: as 357 amostras analisadas mostraram taxa de 83,2% (297/357) de positividade. O sexo feminino foi mais acometido que o masculino, com 88,0% (162/184) e 78,0% (135/173), respectivamente, resultando diferença estatisticamente significativa, p= 0,017. A freqüência de soropositividade até os 20 anos de idade foi de 64,0% (190/297).
CONCLUSÃO: aproximadamente 17% do total de indivíduos pesquisados, ainda não apresentam imunidade contra o VVZ. Os autores recomendam a necessidade de vacinação de rotina contra varicela na população suscetível, a fim de conferir proteção contra doença severa em comunidades não imunes.

Descritores: varicela; herpes zoster; índios Araweté.


SUMMARY

OBJECTIVE: the aim of the study was to determine the prevalence of anti-VZV antibodies of immunoglobulin G class (IgG) among remote indian communities living in the central-west region of Pará state, in the municipality of Altamira.
METHOD: serum samples were collected in January 2000 from the Araweté Indians group after the notification of in outbreak of chickenpox starty with 12 cases. VZV-IgG antibodies were measured by enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA), using a commercial kit (Clark LaboratoriesTM, Jamestown-NY-USA).
RESULTS: of the 357 tested, 297 (83%) were IgG-positive, of which 45,3% (135/297) were from male indians and 54,7% (162/297) from females individuals. Rates of seropositivity up to 20 years of age was 64,0% (190/297). In addition, frequencies of seropositivity were consistently higher in females than in males (p=0,017).
CONCLUSION: about 17% of the total of searched individuals, still they do not present immunity against the VZV. The need for routine vaccination against varicella of susceptible population is recommended, in order to confer protection against severe disease among these non-immune communities.

Key-words: varicella; Shingles; Araweté indians.


 

 

INTRODUÇÃO

A varicela é uma doença contagiosa que possui vacina, e ocorre, principalmente, durante a infância, como uma conseqüência da infecção primária pelo vírus varicela-zoster (VVZ). Apesar de decorrer, geralmente, de forma benigna, pode causar algumas complicações, especialmente em indivíduos de grupo de risco (pacientes com neoplasias e síndrome da imunodeficiência adquirida - SIDA). A morbidade e a mortalidade, devido à varicela, são, significativamente, elevados em adultos1.

O VVZ é responsável por dois quadros clínicos: a varicela e o herpes zoster. A patogenia da varicela inicia-se com a fase de viremia durante o período de incubação da doença, resultante da replicação viral nas células epiteliais cutâneas, produzindo lesões características da varicela. No herpes zoster, o vírus evolui de um gânglio sensorial via axônio neuronal para a epiderme desencadeando a fase conhecida como dermatoma, que corresponde à doença localizada2. Apesar da transmissão ocorrer aparentemente na juventude, a viremia, também, pode acontecer durante a reativação do VVZ, como detectada pela presença do ácido desoxirribonucléico (ADN) viral em células mononucleares periféricas (PBMC) de alguns pacientes com zoster dermatomal e zoster associada à dor.3, 4,5

Investigações soroepidemiológicas em países desenvolvidos têm demonstrado que, até os 20 anos de idade, acerca de 90% da população já foi exposta à infecção e estão protegidas.6

Com o crescente número de crianças em idade pré-escolar freqüentando creches, a infecção tende a ocorrer em idade mais precoce. Porém, estudos conduzidos por FAIRLEY & MILLER (1996) reportam o aumento de casos sintomáticos em adultos7.

As principais complicações são as infecções bacterianas secundárias e pneumonia. Com evolução de hemorragias, hepatites, artrites e síndrome de Reye, sendo mais severas em adultos jovens, e com mortalidade 25 vezes mais alta do que em crianças. 4,5

A epidemiologia da doença está associada a fatores intrínsecos do hospedeiro que podem levar à reativação do vírus latente. A maioria dos casos ocorre com indivíduos de mais de 45 anos. A incidência aumenta com a idade, para mais de 10 casos por 1000 pessoas/ano, aos 75 anos de idade. Herpes zoster, raramente, ocorre em crianças saudáveis que receberam vacinas para varicela. TAKAYAMA et al., 2000 citam que a incidência de zoster na faixa etária infantil tem sido encontrada em torno de 14 casos por 100.000 pessoas/ano8.

Investigações conduzidas em comunidades isoladas, segundo BECKER et al. (1988) citam que 76% das crianças indígenas menores de 15 anos exibiram positividade para o VVZ em Navajo (EUA).9

No Brasil, BLACK et al., 197010 em estudo prévio referem uma prevalência em torno de 41%. Ainda na região amazônica BLACK (1975)11 reporta que as comunidades isoladas funcionam como uma importante ferramenta na história e na reconstrução hereditária das doenças. Mais recentemente, MONTEIRO et al. (2002) em trabalho envolvendo comunidades indígenas, citam percentuais em torno de 80% para esses agentes virais.12

 

OBJETIVO

Avaliar o perfil imunológico e a prevalência de anticorpos IgG do vírus varicela-zoster, diante do surto epidêmico ocorrido em indivíduos da comunidade indígena Araweté em Altamira, Pará, Brasil, período de janeiro a fevereiro de 2001.

 

MÉTODO

Amostras

Os Araweté são uma população tupi-guarani de caçadores e agricultores de floresta de terra firme, que se deslocou há cerca de 35 anos das cabeceiras do rio Bacajá, a sudeste, em direção ao Xingu, no Estado do Pará.

As amostras sorológicas foram coletadas nos meses de janeiro e fevereiro de 2001, quando foram enviados dois (2) técnicos do Instituto Evandro Chagas, Serviço de Vigilância em Saúde e Ministério da Saúde com o propósito de dar apoio clínico-laboratorial ao surto epidêmico de VVZ, ocorrido entre os índios Araweté.

Analisados 357 soros de índios Arawaté, pertencentes às tribos Apiterewa (9), Arara (56), Bakaja (6), Curuá (14), Curuaia (30), Ipixuna (63), Juruna (5), Kaiapó (20), Kararaô (27), Koatinemo (39), Parakana (21), Pat-Kro (7), Tukaman (9), Xingu (38), Xipaia (13).

Procedimento

Todos os espécimes foram analisados pelo método imunoenzimático quanto à presença de anticorpos IgG para VVZ (ELISA), ("Kit" da "Clark LaboratoriesTM", Jammestown-NY-EUA). Segundo BAKERMANN (1980), a técnica utilizada apresenta taxas de sensibilidade e especificidade de 99,4% e 97%, respectivamente (Figura 1).13

 

 

Análise estatística

Os dados foram analisados, essencialmente, com o recurso de um "software" (Epi-info/ versão 6.0) – "Centers for Disease Control and Prevention", Atlanta, Geórgia, EUA. Os testes estatísticos compreenderam: o qui-quadrado (x2), com a correção de Yates e teste exato de Fisher, quando apropriados.

 

RESULTADOS

Do total de 357 amostras sorológicas de indivíduos da comunidade indígena Araweté analisadas, 48,5% (173/357) eram do sexo masculino e 51,5% (184/357) do feminino. Em 83,2% (297/357) do total observou-se a presença de anticorpos da classe IgG para o vírus varicela zoster (figura 2). O sexo feminino foi mais acometido que o masculino, com 88% (162/184) e 78% (135/173), respectivamente. Nos grupos etários de ≤ 10 anos, 11-20, 21-30, 31 a 40 e >40 anos, verificaram-se índices de prevalência de 76,1%, 94,5%, 88,6%, 97,1% e 73,9%, respectivamente, para os casos estudados nesse período. Os índices de soropositividade nas aldeias variaram de 35% a 100% (tabela 1).

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os achados revelaram o elevado índice de soropositividade de 83,2% (297/357), se comparados com estudos prévios conduzidos por BLACK et al., (1970)10 em que somente 41% (21/51) dos indivíduos da comunidade indígena Tiriyó possuíam anticorpos para esses vírus. Os índices encontrados na comunidade indígena Araweté de soropositividade do anti-VVZ em todos os grupos etários foram elevados, dados estes similares aos de CLEMENS et al., (1999),14 em estudos realizados em populações urbanas de algumas capitais brasileiras, como Rio de Janeiro (83,3%), Porto Alegre (83,7%), e Fortaleza (89%), evidenciando-se uma forte correlação com a idade, principalmente, no grupo de crianças até 11 anos.

A taxa de soropositividade de anticorpos IgG para o VVZ encontrada por LAFER et al., 2005,15 em estudo realizado em duas aldeias indígenas do Parque Nacional do Xingu, grupo etário até 10 anos (66,4%), de 11 até 20 anos (98,6%) e 21 ou mais anos (100%), foram semelhantes com os resultados encontrados na comunidade indígena Araweté, grupo etário até 10 anos (76%), de 11 até 20 anos (94,5%) e 21 ou mais anos (85,6%). Em São Paulo a presença de anticorpos variou entre 50% a 75% (COSTA et al.,1996)16 dependendo do nível sócio-econômico estudado. Isso sugere uma ampla circulação desse vírus tanto em comunidades isoladas quanto em comunidades urbanas.

Observou-se que o sexo feminino foi mais acometido pelo VVZ, fato que pode ser justificado pelo convívio das mulheres com os indivíduos infectados, geralmente crianças, considerado costume predominante da tribo; indivíduos do sexo masculino permanecem a maior parte do tempo ausente pelas atividades de caça e pesca.Vale ressaltar que nas aldeias Kaiapó e Koatinemo, os índices de imunidade são muito baixos, variando de 35,0% a 53,8%. Fato que pode ter possibilitado a ocorrência do surto em dezembro de 2000, com um caso de óbito, associado à VVZ com confirmação clínica e laboratorial.

BECKER et al., (1988)9 conduziram um estudo entre crianças com até 15 anos, pertencentes à comunidade indígena de Navajo (EUA), e observaram que 76,5% (143/187) tinham anticorpos para VVZ. Índice similar de 80% (163/204) foi encontrado em nossas amostras quando comparados com a mesma faixa etária. (dados não exibidos).

 

CONCLUSÃO

Esses resultados oferecem subsídios para que estratégias de vacinação sejam implementadas na comunidade indígena pesquisada, onde cerca de 17,0% do total de indivíduos pesquisados, ainda não possuem imunidade para o VVZ. Aliás, merece importante atenção a comunidade indígena Kaiapó, com 1/3 dos indivíduos suscetíveis à infecção pelo VVZ, possibilitando a ocorrência de novos surtos epidêmicos. A vacinação configura-se importante para os adultos, pois a infecção nessa faixa etária, geralmente evolui com certa gravidade. Essas comunidades isoladas ainda têm como agravante o difícil acesso, tornando-se demorada a assistência médica, e possibilitando a ampla disseminação do VVZ.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos técnicos de pesquisa Francisco Teles Pantaleão, Antonia dos Santos Alves e Alessandra Polaro pela valiosa contribuição durante as atividades de campo e laboratorial realizadas na Seção de Virologia do Instituto Evandro Chagas, SVS/MS.

 

REFERÊNCIAS

1. GERSHON, AA; TAKAHASHI, M. & SEWARD, J. Varicella vaccine. In: Plotkin,SA & Orenstein, WA, Ed. Vaccine. Philadelphia, Saunders, 2004; 4: 783-823.

2. THOMAS, MB; JURG, HC; JAN-OLAF, G. Fatal varicella-zoster vírus, antigen-positive giant cell arteritis of the central nervous system. The Pediatric Infectous Disease Journal, 2000; 19: 653-6.

3. JUNKER, AK; ANGUS, E; THOMAS, EE. Reccurent Varicella-Zoster Vírus Infections. In Apparently Immunocompetent Children. Pediatric Infectous Diseases, 1991; 10: 569.

4. CHOO, PW; DONAHUE, JG; MANSON, JE; PLATT, R. The epidemiology varicella and its complications. The Journal of Infectious Disease, 1995; 172: 706.

5. GUESS, HA; BROUGHTON, DD; MELTON, LJ; KURLAND, LT. Population studies of varicella complications. Pediatrics, 1986, 78 (S1): 723.

6. WELLER, TH. Varicella and Herpes Zoster: A perspective and overvs. Pediatric Infectous Disease, 1992; 166 (S1).

7. FAIRLEY, CK; MILLER, E. Varicella-Zoster Virus epidemiology. The Journal of Infectous Disease, 1996; 174 (S 3): 314.

8. TAKAYAMA, N; TAKAYAMA, M; TAKITA J. Herpes Zoster in healthy children immunized with varicella vaccine. Pediatric Infectious Disease Journal, 2000; 2: 169-170.

9. BECKER, TM; MAGDER, L; HARRISON, HR; STEWART, JA, HUMPHREY, DD; HAULER, J; NAHMIAS, AJ. The epidemiology of infection with the human herpesviruses in Navajo children. American Journal Epidemiology, 1988; 127 (5): 1071-8.

10. BLACK, FL; WOODALL, JP; EVANS, AS; LIEBHABER, H; HENLE, G. Prevalence of antibody against viruses in the Tiriyo, an isolated Amazon tribe. American Journal Epidemiology, 1970; 91: 430-8.

11. BLACK, F L. Infectious diseases in primitive societies. Science, 1975; 187: 515-518.

12. MONTEIRO, TAF; MENEZES, MRC; RAMOS, CS. Prevalence of antibodies to Varicella Zoster Virus (VZV) among Tupi-Guarani indians, Altamira, Pará State. Virus Reviews & Research. XIII National Meeting of Virology (Resumo), 2002; 7(1): 116.

13. BAKERMAN, S. Enzyme Immunoassays. Lab Mgmt, august 1980: 21-29.

14. CLEMENS, SAC; AZEVEDO, T; FONSECA, JC. Soroepidemiologia da varicela no Brasil - Resultados de um estudo prospectivo transversal. Rio De Janeiro. Journal of Pediatric, 1999; 75 (6): 443-441.

15. LAFER, MM; De MORAES-PINTO, MI & Weckx, LY. Prevalence of IgG Varicella Zoster Virus antibodies in the Kuikuro and Kaiabi indigenous communities in Xingu National Park, Brazil, before Varicella Vaccination. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 2005; 47(3): 139-142.

16. COSTA, JM; PANNUTTI, CS; SOUZA, VAUF; AZEVEDO-NETO, RS; SILVEIRA, ASB e SOUZA, LR et al. Seroepidemiology of Varicella Zoster Virus (VZV) in two cities of Sao Paulo States, Brazil. 7th International Congress For Infectious Diseases, 10 - 13 June, Hong Kong; 1996.

 

 

Endereço para correspondência:
Talita Antonia Furtado Monteiro
Instituto Evandro Chagas – Secretaria de Vigilância em Saúde
BR 316 – KM 07, S/N Bairro: Levilândia.
CEP: 67.030-000 Ananindeua-Pará.
Fone: (91) 3214-2017
E-mail: Talitamonteiro@iec.pa.gov.br

Recebido em 27.10.2006
Aprovado em 20.12.2006

 

1Trabalho realizado no Laboratório de Virologia do Instituto Evandro Chagas (Secretaria de Vigilância em Saúde - SVS/MS)