SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 número4Balão de oxigênio e eutanásiaO que é especial índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Paraense de Medicina

versão impressa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.20 n.4 Belém dez. 2006

 

ARTIGO ESPECIAL

 

O Instituto Evandro Chagas: 70 anos

 

 

Manoel do Carmo Soares

Médico e pesquisador do Instituto Evandro Chagas

 

 

No ano de 2006, o Instituto Evandro Chagas (IEC) completou 70 anos de existência. Esse tempo premia tanto a obstinação de Evandro Serafim Lobo Chagas, médico e pesquisador oriundo da fecunda Escola de Manguinhos – Instituto Oswaldo Cruz –, quanto a sensibilidade dos dirigentes do Estado do Pará. A esse respeito, consta que, após associar-se a grupo de paraenses estudiosos do campo da saúde pública e da medicina, Evandro conseguiu o aceite do então governador José Carneiro da Gama Malcher em resposta à implantação de um Instituto de Pesquisa Experimental, no Pará. Dessa forma, foi criado pelo Governo do Estado, mediante a Lei No. 59 de 10 de novembro de 1936, o Instituto de Patologia Experimental do Norte (IPEN), em Belém. Para essa finalidade foi doada uma área física com edificações que permitiram a instalação das atividades pioneiras do Instituto. Evandro Chagas foi seu primeiro diretor científico. Após a precoce morte de Evandro, em novembro de 1940, o IPEN passou a ter nome de Instituto Evandro Chagas. Atualmente vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde, este instituto defende posição de vanguarda nas atividades de vigilância e pesquisa em saúde coletiva e ambiente amazônicos, principalmente.

Desde a sua criação, com os estudos pioneiros de Evandro e seu grupo acerca das leishmanioses, o IEC ganhou em complexidade e notoriedade pelo crescente incremento no estudo de outras doenças infecciosas como as arboviroses (iniciado nos anos 50), além dos agravos não infecciosos de interesse em saúde pública. Nos anos mais recentes, em conseqüência da progressiva exigência no alargamento dos horizontes para as pesquisas em saúde e ambiente, acrescido das exigências de maiores espaços e dos cuidados com a biossegurança, o IEC tem colocado em operação o seu novo Campus de Pesquisa localizado no município de Ananindeua, ocupando uma área superior a 500 mil m2. O novo campus congrega laboratórios construídos dentro dos modernos requisitos científicos, prevendo, inclusive, a inserção de um laboratório com elevado nível de biossegurança, destinado ao manuseio específico de patógenos que impliquem alto risco biológico. Cerca de 80% das atividades de pesquisa já se desenvolvem naquele campus. Busca, entrementes, o IEC, por meio do engajamento de seus dirigentes e do seu corpo de servidores, tanto os aposentados como aqueles em atividade, resguardar a tradição e a missão institucional.

De modo isolado, o tempo de existência de uma instituição não traduz, necessariamente, a sua importância. Se nos referirmos, porém, a uma produtiva instituição de pesquisa, em saúde pública, na América do Sul e Norte do Brasil, é razoável atribuir créditos diferenciados para essa longevidade.

O perpassar da vida institucional fundamenta-se consoante alguns instantâneos dos requisitos afeitos ao seu corpo profissional e à sua própria existência.

Iniciamos pela necessária identificação com o berço institucional, a Amazônia; é preciso "ser amazônida!" Esta constitui uma das características fundamentais incorporada ao profissional do IEC. "Ser amazônida" é algo bem mais completo e profundo do que "ter nascido na Amazônia". Temos e tivemos conosco amazônidas nascidos em vários locais desta região, do Brasil e do mundo. O nosso patrono, Evandro Chagas, encarnou, como poucos, esse papel. A sua vocação e entusiasmo para atuar dentro das peculiaridades regionais chegam até nós pela natureza de seus trabalhos técnicos e científicos e pela documentação iconográfica dos primórdios da instituição.

É claro, não basta "ser amazônida!" É preciso dedicação posta a serviço do estudo desta imponente região. Talvez, o salutar convívio do Instituto Evandro Chagas junto ao Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) - depois Fundação SESP - durante mais de 40 anos da sua história, deva-se ao lúcido entendimento daquele ao aquinhoar os servidores sob sua tutela com um digno, porém inegociável contrato de "Tempo Integral e Dedicação Exclusiva", condições essenciais para o trabalho em saúde pública, pelo menos no Trópico Úmido. Aprendemos, desde cedo, que grande parte das nossas conquistas constituiu óbvia conseqüência do tempo investido na perseguição dos objetivos. Tudo o mais daí veio, incluindo as diversas ordens de recursos e, principalmente, novos colegas. Vemos, hoje, com preocupação, a dificuldade no que se refere à incorporação e ao digno custeio da dedicação de profissionais para a saúde. Ao longo da nossa história, temos sobrevivido à insuficiência de recursos financeiros, de insumos e tecnologia atualizados, porém, reconhecemos dificuldades maiores em sobreviver mediante insuficiência de pessoal ou "insuficiência de tempo" de pessoal.

Antes mesmo de orientar o pesquisador iniciante na busca da informação científica, no IEC, os pesquisadores mais experientes trabalham a formação científica do futuro pesquisador. E essa formação se dá lado a lado, no dia-a-dia do laboratório, nas expedições de campo, nos eventos científicos e até nos momentos de descontração. "Não precisamos de profissionais que trabalhem para nós, nem que trabalhem por nós, mas sim, que trabalhem conosco", ouvi certa vez. A efetiva colaboração junto aos cursos de pós-graduação das universidades regionais retrata o interesse na renovação científica, ao oferecer a jovens pesquisadores a possibilidade de uma formação e titulação que os tempos modernos exigem. A promoção regular de curso de formação de técnicos de laboratório são exemplos de vertentes adicionais na preparação de pessoal para a saúde. Como retaguarda a essas atividades, esforços não são poupados visando manter e atualizar tanto os equipamentos necessários como o acervo bibliográfico do Instituto.

O compromisso no levantamento e intervenção concernentes a agravos de interesse sanitário para o país, sempre marcou a trajetória institucional. Embora amazônida, o IEC sempre se fez presente nas ações oficiais de saúde pública no plano regional e fora dele. Historicamente, inclusive, citamos que parcela dos profissionais atuantes nos primeiros anos deste instituto era oriunda da equipe que participou do controle do Anopheles gambiae no Nordeste brasileiro, nos anos 40.

A obstinação em elucidar a etiologia de surtos, epidemias e endemias é notória ao longo da história do Instituto Evandro Chagas. O conhecimento da ecoepidemiologia regional, a sua associação com as informações clínicas, a excelência na colheita de espécimes e no trabalho laboratorial têm permitido o esclarecimento da história natural de numerosos agravos de natureza infecciosa ou não infecciosa, em áreas urbanas ou rurais, dentro ou fora da Amazônia brasileira.

Mediante discussão de foro institucional, em anos recentes, o IEC tem priorizado ações tais como: saúde e meio ambiente em populações expostas ao risco de poluentes na Amazônia; doenças de veiculação hídrica e a qualidade da água; vigilância epidemiológica das síndromes (ênfase nas hemorrágicas, ictéricas, diarréicas, respiratórias e exantemáticas); doenças virais e parasitárias transmitidas por vetores (ênfase em arboviroses, malária, leishmanioses e doença de Chagas); novas vacinas e novas estratégias de vacinação para a Amazônia; adequação e aperfeiçoamento dos instrumentos para vigilância em saúde na Amazônia, incluindo recursos de epidemiologia molecular e geomática; a flora e a fauna como indutores de saúde e reservatórios de doenças na região; etioepidemiologia das endemias, epidemias e poluição em comunidades indígenas amazônicas.

O IEC de hoje também alberga algumas instâncias necessárias ao apoio e orientação das suas atividades, a saber: Conselho Técnico-Científico; Comissão Interna de Biossegurança; Comitê de Ética de Pesquisa em Seres Humanos; Comitê de Ética em Pesquisa Animal.

Sempre, mas principalmente hoje, o IEC pretende interagir com a sua região de origem e a partir dela, com o mundo; vem fazendo isso com projetos junto às comunidades e com trabalhos colaborativos junto às diversas instituições regionais, internacionais e estrangeiras. O endereço eletrônico (www.iec.gov.br) soma-se como mais uma interface permitindo interação com os seus diferentes segmentos de usuários.

São atividades e responsabilidades, como as aqui expostas, que nos obrigam a caminhar, resistir e conquistar associados. Não buscamos manter essa instituição por um ufanismo injustificado ou por corporativismo, posto que isso seria mediocridade. Manteremos essa instituição porque nela vivenciamos arduamente a realidade do gesto em busca da verdade, se contrapondo a tantos discursos, por vezes cândidos ou até comoventes, mas baseados em equivocadas premissas para a saúde e para a Amazônia.