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Revista Paraense de Medicina

versão impressa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.21 n.1 Belém mar. 2007

 

RELATO DE CASO

 

Acidente por Surucucu (Lachesis muta muta) em Belém-Pará: Relato de caso1

 

Snakebite by the Bushmaster (Lachesis muta muta) in Belém-Pará: A case report1

 

 

Pedro Pereira de Oliveira PardalI; Ismael Silva BezerraII; Liliam da Silva RodriguesIII; Joseana Silva de Oliveira PardalIII; Paulo Henrique Seabra de FariasIV

IMestre e Docente da Disciplina Doenças Infecciosas e Parasitárias/CCS/UFPA
IIDiscente do Curso de Medicina do CCS/UFPA
IIIMédica do Hospital Universitário João de Barros Barreto/UFPA
IVMédico Residente de Infectologia do HUJBB/UFPA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: relatar um caso de envenenamento por Lachesis, atendido no Hospital Universitário João de Barros Barreto de Belém-Pará, ano de 2006.
RELATO DO CASO: paciente masculino, 19 anos, picado no antebraço direito, quando alimentava o animal; admitido e internado no Hospital apresentando edema discreto no antebraço direito, dor intensa no local, náuseas e vômitos, que coincidiam com cólicas abdominais paroxísticas, além de sudorese, visão turva, discreta epistaxe e diarréia; a freqüência cardíaca, ao início, com 108 batimentos por minuto, chegando a 62 após a soroterapia e pressão arterial em 130/80 mmHg; tempo de sangria em 4 min 15 seg, tempo de coagulação acima de 15 min, tempo de protrombina acima de 1 minuto. Como tratamento, foi realizado pré-medicação e soroterapia com 10 ampolas de soro antibotrópico-laquético. Após o anti-veneno o paciente evoluiu com melhora clínica; continuou assintomático até receber alta, curado.
COSIDERAÇÕES FINAIS:
o envenenamento laquético é episódio raro, principalmente, entre profissionais que manipulam o animal. A descrição do caso é alertar os que manipulam serpentes peçonhentas, para redobrarem os cuidados e a atenção em seu ambiente de trabalho.

Descritores: ofidismo, envenenamento, Lachesi


SUMMARY

OBJETIVE: report a case of snake envenomation by Lachesis, admitted at João de Barros Barreto University Hospital, in Belém, state of Pará, in 2006.
CASE REPORT: man, 19 years old, was bitten in the right forearm while was feeding the animal; he was hospitalized presenting mild edema in the right forearm, severe and localized ache, nauseas and vomiting, concomitant paroxistics abdominal colics, moreover blurred vision, mild epistaxis and diarrhea; At the first physical exam the heart beat was 108 bpm, and after serotherapy got 62 bpm, the blood pressure was 130/80 mmHg, Bleeding time was 4 min 15 seg, Coagulation time was over than 15 min, Prothrombin time was over than 1 minute. The treatment consisted of pre-medication and serotherapy using 10 ampoules of bothropiclaquetic antivenom. After the serotherapy, the patient improved clinically and remained asymptomatic until he was sent home, cured.
FINAL CONSIDERATIONS: the snake envenomation by Lachesis is a rare fact, mainly within professionals whose handle with those animals. This report intent to alert those whom handle poisoning snake and improve the attention at workplace.

Key words: ofidism, envenomation, Lachesis.


 

 

INTRODUÇÃO

Os acidentes ofídicos representam sério problema de saúde pública nos países tropicais, pela freqüência com que ocorrem e pela morbi-mortalidade que ocasionam1. No Brasil, os acidentes ofídicos causam uma média de 20.000 casos/ano, com um coeficiente de incidência de 13,5 acidentes/100.000 habitantes. Na região Norte este coeficiente é de 24 acidentes/100 mil habitantes2.

As serpentes peçonhentas do País pertencem aos gêneros Bothrops, Lachesis, Crotalus e Micrurus, as quais produziram 65.911 acidentes notificados, no período de 1990 a 1993. Dentre esses, o gênero Lachesis foi responsável por 1,4%2, porém são raros os registros na literatura brasileira3,4,5.

O gênero Lachesis possui as espécies Lachesis stenophrys, Lachesis melanocephala, Lachesis muta muta e Lachesis muta rhombeata, sendo apenas as duas últimas encontradas no Brasil6, em áreas florestais como Amazônia, Mata Atlântica e algumas enclaves de matas úmidas do Nordeste. São popularmente conhecidas por surucucu, surucucu-pico-de-jaca, surucutinga e malha-defogo. Lachesis muta é a maior das serpentes peçonhentas das Américas, atingindo até 3,5m2.

Devido essas serpentes habitarem florestas tropicais, é difícil sua captura ou manutenção em cativeiro, o que explica o fato da literatura tratar apenas de relatórios clínicos e a falta de estudos dos efeitos de seu veneno em modelos experimentais7.

O veneno laquético possui ações proteolíticas, coagulantes, hemorrágicas e neurotóxica, que dependendo da quantidade de veneno introduzido vão ser responsáveis pela gravidade e manifestações clínicas. Os sintomas sinais se caracterizam por dor, edema, bolhas, necrose, distúrbios da coagulação, manifestações hemorrágicas diversas e uma síndrome vagal, que se manifesta por vômitos, dores abdominais, diarréia e bradicardia1,2,8.

O tratamento para o envenenamento laquético é baseado na gravidade do acidente (moderado ou grave). No Brasil está disponível para o tratamento o soro antibotrópico-laquético (SABL), de administração via intravenosa2.

 

OBJETIVO

Relatar um caso de envenenamento por Lachesis, atendido no Hospital Universitário João de Barros Barreto de Belém-Pará, dezembro de 2006.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 19 anos de idade, ao alimentar uma Lachesis muta muta (Foto1) de 2,50cm de comprimento, em um parque zoobotânico particular em Belém-PA, foi picado no antebraço direito, cerca de 14:50h. do dia 11 de Dezembro de 2006, apresentando, inicialmente, dor e edema discreto no local acidentado.

 

 

Procurou atendimento médico no Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), Belém- PA, onde foi admitido e internado, 25 minutos após o envenenamento, apresentando edema discreto no antebraço direito, sangramento local (Foto 2), dor intensa no local, náuseas e vômitos, que coincidiam com cólicas abdominais paroxísticas, além de sudorese, visão turva e discreta epistaxe; a freqüência cardíaca apresentava-se com 108 batimentos por minuto, e pressão arterial em 130/80 mmHg. A medida da circunferência dos antebraços (realizada a 10 cm da linha do pulso) às 16:45h: antebraço direito em 24,5cm e antebraço esquerdo em 23 cm; às 17:45h, em nova medida: antebraço direito em 26cm e antebraço esquerdo em 23 cm.

 

 

Como tratamento, foi realizadas pré-medicações com hidrocortisona endovenosa e prometazina intramuscular e 20min após, se iniciou a soroterapia com 10 ampolas de soro antibotrópico-laquético (cada ampola tem 30mg de anticorpo antilaquético e 50mg de anticorpo antibotrópico), endovenosa, puro e em gotejamento, e infundido em 1h, sem nenhuma ocorrência adversa ao soro.

Ao término da soroterapia, apresentava freqüência cardíaca em 62 batimentos/minuto e uma hora após 84 batimentos/minuto. Houve episódios de cólicas abdominais acompanhadas de duas evacuações diarréicas, tendo as fezes aspecto amarelado e líquido.

Após a soroterapia, o paciente evoluiu com diminuição da intensidade e freqüência das cólicas abdominais. Na manhã seguinte ao acidente, estava assintomático, apenas com discreto edema no antebraço direito, freqüência cardíaca em 82 batimentos/minuto e pressão arterial em 140/ 70 mmHg.

Foram realizados exames laboratoriais no dia 11 (antes da soroterapia) e 12/12/2006, cujos resultados constam na Quadro I.

 

 

Continuou assintomático até receber alta curada, aos dias 13 de dezembro de 2006, com Tempo de Coagulação: 5' e Tempo de Sangria: 1'45".

 

DISCUSSÃO

A descrição do caso se deve à raridade de acidente no País por Lachesis, fato comprovado por poucos relatos na literatura brasileira 3,4,5,9,10 e na Venezuela, no Estado de Monagas11, de 158 casos de acidentes ofídicos, não foi encontrado nenhum por Lachesis.

O envenenamento ocorreu enquanto a vítima alimentava a serpente, em seu ambiente de trabalho, caracterizando um acidente ocupacional. Caso semelhante ocorreu na Costa Rica, durante manuseio de L. stenophrys6. Esta circunstância vem ressaltar a necessidade de maior atenção dos profissionais que cuidam desses animais. Outros autores3,11,12 também descrevem o envenenamento em situações ocupacionais, porém em condições diferentes, que não o manuseio do animal.

As alterações da coagulação e uma discreta epistaxe estiveram presentes no envenenamento, caracterizando uma atividade tipo trombina, ocasionando consumo de fibrinogênio, com formação de fibrina instável e fibrinólise8. Segundo Rosenthal (2002)6, a causa mais comum de coagulopatia e coagulação intravascular disseminada é o envenenamento por serpentes. O veneno leva ao depósito de fibrina na microcirculação, com várias conseqüências: por um lado, as plaquetas e fatores de coagulação são consumidos e uma fibrinólise secundária é iniciada, levando à hemorragia, por outro, os tecidos sofrem por isquemia devido à obstrução de vasos.

As alterações da coagulação normalizaram em menos de 24 horas após o tratamento específico, o que está de acordo com Pardal et al. (2004)3 que relatou que paciente envenenado por L. muta e com sangue incoagulável, teve normalização do mesmo após soroterapia com Antibotrópico-laquético. Bard et al. (1994)13 relatam caso em que tratamento não específico com soro antibotrópico para envenenamento por L. muta,não obteve coagulação do sangue, só voltando a ser coagulável no 13o dia após o tratamento específico.

A soroterapia específica e precoce trouxe boa evolução do caso, o que está de acordo com Rosental, (2002)6 e Brasil (2001)2 que dizem que a precocidade do tratamento específico favorece o sucesso do tratamento.

Os sintomas apresentados são compatíveis com a descrição do envenenamento por L. muta presente na literatura2,3,6,13,14, nos quais se destacam dor e edema, alteração nos tempos de sangria, de coagulação e de protrombina e, diferenciando do acidente por Bothrops, pela presença de síndrome vagal.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentre as serpentes peçonhentas do País, as do gênero Lachesis, cujo envenenamento é episódio raro, têm poucos casos descritos na literatura, principalmente entre profissionais que manipulam o animal. A descrição do caso é alertar os que manipulam serpentes peçonhentas, para redobrarem os cuidados e a atenção em seu ambiente de trabalho.

 

REFERÊNCIAS

1. PINHO, F. M. O.; PEREIRA, I. D. Ofidismo. Revista da Associação Medica do Brasil. 2001, 27(1): 24-29.

2. BRASIL. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 1998, 131p.

3. PARDAL, P. P. O.; SOUZA, S. M.; MONTEIRO, M. R. C. C.; FAN, H. W.; CARDOSO, J. L. C.; FRANÇA, F. O. S.; TOMY, S. C.; SANO-MARTINS, I. S.; SOUSA-E-SILVA, M. C. C.; COLOMBINI, M.; KODERA, N. F.; MOURA-DA-SILVA, A. M.; CARDOSO, D. F.; VELARDE, D. F.; KAMIGUTI, A. S.; THEAKSTON, R. D. G.; WARRELL, D. A. Clinical trial of two antivenoms for the treatment of Bothrops and Lachesis bites in the north eastern Amazon region of Brazil. Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene. 2004, 98(1): 28-42.

4. JORGE, M. T.; SANO-MARTINS, I. S.; TOMY, S. C.; CASTRO, S. C.; FERRARI, R. A.; RIBEIRO, L. A.; WARRELL, D. A. Snakebite by the bushmaster (Lachesis muta) in Brazil: case report and review of the literature. Toxicon. 1997, 35(4): 545-554.

5. CARVALHO JUNIOR, A. M.; ALENCAR, V. P.; COSTA, F. G.; CABRAL, B.; DIAS, E. P. F.; ARRUDA JUNIOR, E. R. Acidentes ofídicos por surucucu (Lachesis muta rhombeata): relato de dois casos atendidos no HU. Revista do Centro de Ciências da Saúde. 1994, 13(3): 11-14.

6. ROSENTHAL, R.; MEIER, J.; KOELZ, A.; MÜLLER, C.; WEGMANN, W., VOGELBACH, P. Intestinal ischemia after bushmaster (Lachesis muta) snakebite - a case report. Toxicon. 2002, 40(2): 217-220.

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8. MÁLAQUE, C. M. S. A.; FRANÇA, F. O. S. Acidente laquético. In: CARDOSO, J. L. C.; FRANÇA, F. O. S.; WEN, F. H.; MÁLAQUE, C. M. S. A; HADDAD JR, V. Animais Peçonhentos no Brasil. Biologia, Clínica e Terapêutica dos Acidentes. São Paulo: SARVIER, 2003, p. 87-90.

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Endereço para correspondência
Pedro Pereira de Oliveira Pardal
Hospital Universitário João de Barros Barreto
Centro de Informações Toxicológicas
Rua: Mundurucus, 4487. Guamá
CEP: 66073.000. Belém-Pará-Brasil
e-mail: pepardal@ufpa.br

Recebido em 08.01.2007
Aprovado em 13.03.2007

 

 

1-Hospital Universitário João de Barros Barreto/UFPA, Belém-Pará