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Revista Paraense de Medicina

versão impressa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.21 n.1 Belém mar. 2007

 

QUESTÕES DE LINGUAGEM MÉDICA

 

Adrenal – suprarenal – adrenalina – ultrassom - varizes

 

 

Simônides Bacelar

Médico, Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasiília

 

 

"Ninguém vá procurar a lógica na casa da nomenclatura científica que não a achará; mas ao menos que estivessem todos, e em todos os tempos, de acordo" (Miguel Couto).

 

A terminologia médica apresenta numerosos casos de denominações impróprias em medicina.1 Nos relatos médicos, como anotações do prontuário, publicações e discursos no âmbito da medicina, há grande número de desconchavos gramaticais e de estilo.2 Alguns, anedóticos, e outros, mais sérios. É necessário e oportuno tornar conhecidos e remediar esses descuidos. As considerações acerca dos casos apresentados no presente relato amparam-se no que postula a maior parte dos mais doutos mestres da língua portuguesa. Em seqüência, listam-se alguns usos questionáveis que precisam ser conhecidos por sua freqüência na linguagem médica.

 

Adrenal – ad-renal - supra-renal – suprarrenal – suprarenal.

São todos nomes existentes na literatura médica. Recomendável em relatos formais: supra-renal. A denominação completa é glândula supra-renal, visto como o termo supra-renal é essencialmente um adjetivo que qualifica o substantivo glândula.

Adrenal (ad-renal = junto ao rim) é termo que traz forte influência da língua inglesa e é comumente visto nos dicionários de termos médicos de língua inglesa, traduzidos para o português. Contudo, é nome vernáculo. O Houaiss3 traz apenas essa forma, com a notificação de ser forma histórica (1813). O VOLP4 traz adrenal como adjetivo, nos dois gêneros, e como substantivo feminino. Adrenal aparece na literatura médica como adjetivo, sua função gramatical própria. Ex.: pseudo-hermafroditismo feminino adrenal ou não-adrenal, córtex adrenal, insuficiência adrenal, hiperplasia adrenal congênita. Mas, ordinariamente, os dicionários de português não lhe dãoregistro. No entanto, originou adrenalina, adrenalectomia, adrenérgico, corticoadrenal, compostos com o prefixo adreno (adrenogenital, adrenocortical, adrenocorticotrópico) e outros vocábulos. Aparece como segunda opção na Nomina Anatomica, versão nacional, edição de 1984,5 mas ausente na edição de 2001,6 o que indica não ser forma preferencial. Consoante as normas ortográficas, o antepositivo ad junta-se com hífen ao segundo elemento iniciado com R:4 ad-rogar e derivados, ad-rostro e ad-rostrolabial. Convém notificar que a grafia adrenal está, portanto, em desacordo com essa norma.

Ad-renal aparece em alguns dicionários de nota como o Aulete7 e o de Antenor Nascentes.8 É grafia correta e consta na ortografia oficial.4 Essa forma força a pronúncia mais adequada. Cabe observar que a glândula se localiza superiormente em relação ao respectivo rim, mas apresenta lateralização medial em relação a este órgão e, por essa razão, o termo ad-renal afigura-se mais adequado que supra-renal.

Supra-renal é a escrita recomendável por ser a única existente na Terminologia Anatômica,6 por ser a mais usada no meio médico e por ser fidedigna às determinações gramaticais, em que o antepositivo supra deve ser hifenizado antes de constituintes principiados por H, R, S e vogal.9 Supra-renal, como adjetivo para indicar outras afecções, também consta na literatura médica: adenoma supra-renal, cápsula supra-renal, medula supra-renal, insuficiência supra-renal, hormônio supra-renal, atrofia supra-renal. Nomes cognatos: supra-renalectomia, suprarenalemia, supra-renalismo, supra-renaloma. Epinefros e paranefros são nomes também usados para designar a glândula.10

Suprarrenal é termo não gramaticalizado, apesar de existente na literatura médica. Suprarenal é grafia contraditória, visto que o r aqui tem valor fonético vibratório simples como se pronuncia em caro.

 

Adrenalina – epinefrina.

Ambos são constantes na linguagem médica. Adrenalina parece ser o nome de predileção nacional a julgar por sua freqüência na literatura médica, como se pode verificar nas páginas de busca da internet. Adrenalina é designação inglesa da epinefrina, em que Adrenalin é nome comercial da epinefrina,11,12 afirmação que também consta no Houaiss,3 com acréscimo de que "no plano científico internacional, o vocábulo (epinefrina), substitui adrenalina, marca registrada".

Adrenalin é marca comercial registrada do Laboratório Parke-Davis Company de produto com epinefrina,13 o que obvia sua escrita com inicial maiúscula. Aquilatados dicionários dão adrenalina com remissão para epinefrina ou apresentam verbete principal referente a esta, como o Dorland,14 o Andrei,11 o Rey,15 Stedman10 e outros. Também se diz adnefrina, supra-renina. O Dorland14 registra adrenalina como marca registrada de preparações de epinefrina.

De epinefros (do grego epí, sobre, em cima de, e nephrós, rim), procede epinefrina. Essa substância foi isolada por John J. Abel, professor da John Hopkins University e por Jokishi Takamine, consultor da Parke- Davis, independentemente e simultaneamente. O Prof. Abel deu-lhe o nome de epinefrina em 1899. O nome adrenalina foi cunhado por Dr. Takamine em 1901.13

Tendo em vista essas considerações, embora por seu uso maiormente aceito na comunidade médica, adrenalina seja nome lídimo e de bom uso, convém usar epinefrina como nome preferencial em relatos científicos formais.

 

Ultrassom – ultrasson – ultrassonografia – ultrasonografia – ultrassonometria – ultrassonoscopia.

Grafias contestáveis. Escrevem-se normalmente ultrasom, ultra-sonografia, ultra-sonometria, ultra-sonoscopia. O prefixo ultra liga-se com hífen ao elemento que se lhe segue quando iniciado por vogal, h, r ou s. Na ortografia oficial constam ultra-som e ultra-sonografia com hífen.4

A grafia questionável "ultrasonografia" pode ser influxo dos termos em inglês ultrasonography e ultrasound. Pode-se substituir por ecografia. Em castelhano, são normais as formas ultrasonido, ultrasónico, o que constitui bom exemplo de simplicidade gráfica nesse idioma irmão (o português originou-se do galego-português, que era falado na região da Galícia, na Espanha). Mas, no idioma português contemporâneo, o s entre vogais tem som de z, o que daria "ultrazonografia" – e, curiosamente, o elemento "zona" é um brasileirismo que pode permitir interpretações jocosas.

É também questionável expressar "examinar o ultra-som do paciente", "mostrar o ultra-som do doente", "ultra-som do fígado", "pedir o ultra-som do doente", "ultra-som tranfontanelar". O que se pode ver, examinar, pegar, pedir é a ultra-sonografia, não o ultra-som. Ultrasonografia é a imagem dos achados de exames feitos com ultra-som, geralmente grafada em papel, ou que aparece na tela do aparelho (ultra-sonoscópio). Ultra-som é o fenômeno físico usado para realização de ultra-sonografias. Cognatos: ultra-sonografador, ultra-sônico, ultrasonografante, ultra-sonograficamente, ultra-sonografar, ultra-sonograma, ultra-sonoscópico. Na literatura médica, são encontráveis formas reduzidas como sonografia, sonográfico, sonograficamente, sonografista.

 

Varizes bilateral

É comum na linguagem médica a expressão "varizes bilateral" de membros inferiores, e há pouco uso de sua expressão gramaticalmente mais adequada, varizes bilaterais de membros inferiores. Bilateral é adjetivo e, assim, concorda com o substantivo a que se refere. Exs.: varicocele bilateral ou varicoceles bilaterais, imperfuração coanal bilateral ou imperfurações coanais bilaterais, estenose bilateral de seio transverso ou estenoses bilaterais de seios transversos, paraganglioma carotídeo bilateral ou paragangliomas carotídios bilaterais, fascite plantar bilateral ou fascites plantares bilaterais, uveíte anterior bilateral ou uveítes anteriores bilaterais, hérnia inguinal bilateral ou hérnias inguinais bilaterais.

Conquanto o uso do plural (que está correto) possa induzir à concepção de haver mais de uma lesão em cada lado, parece dar mais clareza mencionar as lesões na forma singular. O nome variz, porém, é incomum mesmo na linguagem médica. Para evitar estranheza e más interpretações, pode-se usar a expressão no plural, varizes bilaterais. Aceitar como melhor escolha uma insubordinação gramatical, no caso "varizes bilateral", não parece bom senso seu uso em linguagem médica de melhor padrão culto.

 

REFERÊNCIAS

1. Rezende JM. Linguagem Médica, 2.a ed., Goiânia: Editora UFG;1998.

2. Bacelar S, Galvão CC, Alves E, Tubino P. Expressões médicas: falhas e acertos, Rev Bras Cir Cardiovasc; 2003;18(3)203-302.

3. Houaiss A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1a ed, Rio de Janeiro: Objetiva; 2001.

4. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), 2.a ed., Rio de Janeiro: Imprensa Nacional; 2004.

5. Nomina Anatômica, 5.a ed., Rio de Janeiro: Editora Médica e Científica; 1984.

6. Sociedade Brasileira de Anatomia. Terminologia Anatômica. 1.a ed., São Paulo: Manole; 2001.

7. Aulete C, Garcia H, Nascentes A. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, 3.a ed., Rio de Janeiro: Delta; 1980.

8. Nascentes A. Dicionário da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro: Bloch Editores; 1988.

9. Bechara E. Moderna Gramática Portuguesa, 37.a ed., Rio de Janeiro: Lucerna;1999. p. 101.

10. Stedman TL. Dicionário Médico, 25.a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1996.

11. Duncan HA. Dicionário Andrei Para Enfermeiros e outros Profissionais de Saúde, tradução brasileira, 2a ed., São Paulo: Andrei; 1995.

12. Taber. Dicionário Médico Enciclopédico Taber, 1.a ed. brasileira, 17.a ed., São Paulo: Manole; 2000.

13. Haubrich WS. Medical Meanings, a Glossary of Word Origins, Indiana, USA: R R Donnelley; 1997.

14. Douglas MA. Dicionário ilustrado Dorland, 1.a edição brasileira, São Paulo: Manole;1999.

15. Rey L. Dicionário de Termos Técnicos de Medicina e Saúde, 2.a. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003.