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Revista Paraense de Medicina

Print version ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. vol.21 no.2 Belém June 2007

 

ARTIGO ESPECIAL

 

Oportunidades perdidas

 

 

Newton Bellesi

Médico infectologista e imunoalergologista

 

 

A vida, considerada por si só, qualquer vida, é indescritivelmente fantástica, um 'milagre'. Para o homem significa ainda mais, pois inclui a possibilidade de participação consciente e até intervenção nos processos naturais desse infinito Universo. Vida plena, com todos os segmentos de nosso corpo e de nossa mente funcionando harmonicamente, representa um grande e único presente que não pode e não deve ser olvidado. Desfrutar dessa regalia é direito da vida por si mesma. Usufruí-la, degustá-la, senti-la, e gozá-la em sua integridade é tanto mais possível quanto maior o nível de saúde disponível. Saúde plena é a meta.

A Medicina mais do que todos os ramos do conhecimento humano, está vinculada à virtude da saúde. E nós, médicos, mais do que profissionais de todas as outras categorias, estamos habilitados e somos responsáveis, em conjunto e individualmente, pela promoção, manutenção e desenvolvimento da saúde, que em última análise significa bem ser e bem-estar.

Promover a saúde e evitar doenças deve ser objetivo máximo de nossas vidas como profissionais. Ainda estamos longe do domínio de todos os males, mas já dispomos de ferramentas para o controle de muitos deles. Torna-se, pois injustificável permitir que algumas, mas geralmente muitas pessoas, iguais a nós, deixem de desfrutar desse atributo divino que é a vida que nos tem sido facultada.

Entre os recursos amplamente disponíveis para garantir a vida plena, contá-se a vacinação, de indiscutível mérito para prevenir doenças infecciosas e até degenerativas. Lamentavelmente ainda sofrem e morrem em todo esse mundo afora, incluindo nosso país e nossa cidade, milhões e milhões de pessoas a cada ano, simplesmente porque não tiveram acesso a uma simples vacinação. Note-se que esse descuido tem feito muito mais vítimas, mais, muito mais mesmo, que todas as guerras têm sido capazes de fazer em igual período. Cerca de cinco milhões de seres humanos vão a óbito anualmente em todo mundo em conseqüência de doenças que são preveníveis com apenas cinco das mais comuns vacinas existentes - o BCG, a tríplice, a pólio, o sarampo e o toxóide tetânico. E não é só: número igual dos que morrem, durante toda a vida, passarão a ter algum déficit de saúde relacionado a essas mesmas doenças preveníveis. Existem muitas outras vacinas, juntamente com essas cinco, para prevenir doenças, dor e mortes, que estão apenas "aguardando" para serem utilizadas.

E quantas vezes são desperdiçadas oportunidades de vacinar ou de indicar vacinações? Algumas daqui, outras dali, que irão se somando e que ao final representarão milhões e milhões de criancinhas, adolescentes, gestantes, adultos e idosos que terão suas vidas interrompidas precocemente. Não vacinar ou deixar de considerar a indicação e o aconselhamento de vacinação oportuna, constitui grave falha ética daqueles que estão profissionalmente envolvidos com cuidados de saúde.

A Organização Mundial de Saúde tem dedicado parte do esforço do Programa Ampliado de Imunizações a analisar e a estudar o problema das oportunidades perdidas de vacinação que têm sido definias como a circunstância na qual uma pessoa, ao visitar um serviço de saúde, deixa de ter sua situação vacinal considerada, seja para efeito de atualização, encaminhamento, esclarecimento, indicação ou aplicação em ocasião oportuna.

Para o Programa Nacional de Imunização, são consideradas oportunidades perdidas de vacinação, as seguintes situações:

1. quanto a vacinação não é realizada em qualquer contato que ocorra entre mulheres e crianças, e o serviço de saúde;

2. quando a vacinação é negada por falsas contra-indicações de profissionais desatualizados quanto às normas do Programa Nacional de Imunizações;

3. quando apenas uma vacina é aplicada e a indicação seria de duas ou mais, conforme estado vacinal e idade da criança;

4. quando as mães, irmãs maiores ou outras responsáveis não são vacinadas com toxóide tetânico, se indicado, na ocasião em que levam uma criança ao serviço de saúde, por qualquer motivo.

Considerando-se que também os indivíduos do sexo masculino beneficiam-se com a administração de vacinas, é válido acrescentá-los às oportunidades acima relacionadas; e também que outras vacinas, além das do Programa Nacional de Imunizações, como as de rubéola, caxumba, varicela, hepatites A e B, influenza AB, pneumocócicas, coqueluche, hemófilos b, meningocócicas etc, devem, sempre que possível, ser indicadas e administradas, conforme indicam os calendários da Associação Brasileira de Pediatria e da Associação Brasileira de Imunizações.

Existem muito poucas contra-indicações para a aplicação de vacinas. As que devem sempre ser consideradas são as seguintes:

1. imunodeficiências (congênita, adquirida, por doenças malignas e por drogas e outras terapias imunosupressivas) contra-indicam aplicação de vacinas vivas, mas as vacinas inativadas devem ser usadas como indicadas nessas situações;

2. gravidez contra-indica vacinação com antígenos vivos (exceto em situações especiais). Não constitui-se contra-indicação para vacinas inativadas como TRÍPLICE acelular ou DUPLA adulto (difteria, tétano e coqueluche acelular), hepatites A&B e meningocócica conjugada C;

3. alergia a quaisquer dos componentes vacinais.

A Comissão Permanente de Assessoramento em Imunizações do SUDS do Estado de São Paulo relaciona algumas das mais comuns situações em que as vacinações não estão contra-indicadas:

1. doenças comuns, como afecções recorrentes infecciosas ou alérgicas do trato respiratório superior com tosse e/ou coriza; diarréia leve ou moderada; doenças da pele (lesões impetiginizadas esparsas; escabiose);

2. história pregressa e/ou diagnóstico clínico de sarampo, coqueluche, difteria, tétano, poliomielite e tuberculose não constituem contra-indicações à aplicação da respectiva vacina;

3. desnutrição;

4. uso de qualquer tipo de antimicrobiano;

5. vacinação contra raiva;

6. doença neurológica estável (exemplo: convulsão controlada) ou pregressa, com seqüela presente;

7. antecedente familiar de convulsão;

8. tratamento sistêmico com corticosteróides em doses não elevadas, por curto período (inferior a 2 semanas), ou tratamento prolongado com doses baixas ou moderadas, em dias alternados;

9. alergias (exceto as relacionadas com os componentes das vacinas);

10. prematuridade ou baixo peso ao nascimento. Nesse caso não adiar o início da vacinação;

11. internação hospitalar. Crianças hospitalizadas podem receber as vacinações antes da alta e, em alguns casos, imediatamente após a admissão, particularmente para prevenção do risco de infecção hospitalar.

Indicar, aconselhar, estimular, promover as vacinações e quaisquer medidas preventivas, constituem-se procedimentos éticos de elevado padrão médico-social e devem ser instituídos como rotina de todo profissional de saúde, especialmente os médicos. Reduzir as oportunidades perdidas de evitar doenças e mortes através de vacinação e meta universal, nacional de quiçá de cada um de nós.