SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número3Fatores maternos observados na "Casa Família Saudável" como justificativa para o desmame precoceQuestões de linguagem médica índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Paraense de Medicina

versão impressa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.21 n.3 Belém set. 2007

 

OPINIÃO MÉDICA

 

Roncos

 

 

Dr. Salomão Kahwage Neto

Professor de Clínica médica do CCBS da Universidade do Estado Pará UEPA

 

 

Na última década, com os avanços no estudo do sono, o ronco deixou de ser encarado apenas como um barulho que incomodava, para se tornar um sinal de alerta que eventualmente pode indicar uma doença grave - a apnéia do sono. Trata-se de um mal capaz de acarretar várias desordens clínicas e até mesmo se consumar com a morte. O ronco é um ruído predominantemente inspiratório causado pela vibração dos tecidos moles da faringe (garganta), e traduz a existência de obstrução da via aérea superior, o que dificulta a passagem do ar durante o sono.

O ronco atinge mais o homem do que a mulher (8:1). O motivo é que a conformação da faringe masculina é diferente da feminina e predispõe a mais obstrução no homem. O ronco pode aparecer em qualquer idade, entretanto é mais comum depois dos 25-30 anos. O álcool e os sedativos que provocam flacidez na musculatura da garganta, facilitando o seu fechamento, são outros fatores que contribuem para o aumento da intensidade do ronco. As pessoas que padecem com roncos devem evitar, tanto quanto possível, a ingestão de álcool e de sedativos à noite, bem como evitar dormir de barriga para cima e procurar adormecer de lado. A obesidade, aumento das amígdalas, desvio do septo nasal e pescoço curto, também são fatores que podem produzir obstrução da faringe e aumento da intensidade do ronco.

Além do barulho que essa obstrução da faringe provoca, é importante diferenciar o ronco suave e contínuo do ronco pesado e cíclico. O primeiro corresponde a um ruído de igual amplitude para cada ciclo e, em geral não representa risco. Por outro lado, uma série cíclica de roncos intensos, seguidos por um silêncio respiratório (apnéia, ou seja, cessação da respiração por mais de 10 segundos até um minuto), terminando com uma expiração explosiva, por vezes com despertar breve face ao movimento do corpo, é sugestiva da síndrome da apnéia obstrutiva do sono.

Isso compromete o coração e a oxigenação do sangue com surgimento de arritmias cardíacas e hipertensão arterial (pressão alta). O cônjuge ou algum familiar observa a apnéia com facilidade, e relatos dessa ordem obtêm-se em 80% dos casos.

A pessoa que ronca está sujeita, também, a outras manifestações clínicas. Por causa da dificuldade respiratória, ela tem o sono interrompido (fragmentado) durante a noite e, obviamente, as conseqüências aparecem no dia seguinte. Ela experimenta mais sonolência e é capaz de adormecer em qualquer lugar. Pode adormecer no ônibus em que viaja, ou até mesmo quando estiver dirigindo um veículo. Por último, se a pessoa quiser ler, não consegue, porque o sono logo aparece. Até mesmo o seu desempenho profissional fica comprometido.

Os roncadores que apresentam despertares noturnos, sensação de afogamento, sonolência diurna ou um sono inquieto, necessitam de uma avaliação médica especializada e exame polissonográfico, que compreende um registro contínuo e simultâneo de variáveis fisiológicas durante o sono.

Inúmeras fórmulas populares contra o ronco têm surgido ao longo dos séculos. Na atualidade, devido ao melhor entendimento do mecanismo do ronco, o tratamento baseia-se na correção dos fatores que estreitam a via aérea ou que causam relaxamento muscular excessivo. A redução de uns poucos quilos de peso corporal pode ser suficiente para abolir o ronco. Medidas mecânicas simples podem ser efetivas. Elevar a cabeceira do leito ou forçar o decúbito lateral, costurando uma bola de tênis nas costas do pijama, são as técnicas mais mencionadas e eficazes, apesar de não existirem estudos sobre sua eficiência. Abstinência de bebida alcoólica, por seis horas antes de dormir, pode resolver o problema do ronco se o paciente estiver disposto a mudar seu estilo de vida. Se o paciente fizer uso de tranqüilizantes, podem-se substituí-los por antidepressivos sedativos que não deprimem a musculatura respiratória. Para portadores da síndrome da apnéia obstrutiva do sono utilizam-se aparelhos denominados CPAP (do inglês, Continuous Positive Airway Pressure), mantêm aberta a musculatura da faringe, evitando o colapso durante o sono e com isso restabelecendo a normalidade da respiração. Entretanto, a cirurgia se torna necessária para alguns pacientes com sintomas persistentes. A intervenção é feita por otorrinolaringologistas e se denomina uvulopalatofaringoplastia, que consiste na retirada do excesso de úvula ou de palato.

O dormir é há muito reconhecido como uma porção importante da vida humana, tomando em média um terço dela. Os roncos representam uma causa de sono não reparador, determinando uma série de distúrbios que podem ocasionar uma redução no desempenho das atividades diárias de um indivíduo. Além disso, podem predispor a um maior risco de hipertensão e problemas cardiorrespiratórios em portadores da síndrome da apnéia obstrutiva do sono.

Afortunadamente, com os tratamentos atualmente disponíveis, já é possível reduzir ou reverter a maioria dos sintomas.

 

 

(Revisão de texto - Ricardo Siqueira)