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Revista Paraense de Medicina

Print version ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. vol.21 no.3 Belém Sept. 2007

 

QUESTÕES DE LINGUAGEM MÉDICA

 

Questões de linguagem médica

 

 

Simônides Bacelar

Médico do Hospital Universitário de Brasília, UnB

 

 

Podem ser motivos de preocupação o uso sistemático do registro culto nos relatos formais. Há forte tendência de usar registros coloquiais. É, por vezes, difícil mudar. Pode ser lembrado que "É erro, mas está consagrado", "Todo o mundo fala assim", "Receio parecer pedante", "Há coisas mais importantes para estudar", "Português é muito complicado". Com efeito, há inconsistências terminológicas não corrigíveis por faltar opções melhores. Jejuno, duodeno, artéria, ortopedia, átomo e outros termos não são substituíveis ou, pelo menos, facilmente substituíveis. Mas, a maioria dos erros tem opções gramaticalmente não-questionáveis. Podemos usar, por exemplo, sintomas, manifestações, achados, em vez de sintomatologia para designar sinais e sintomas. Pode-se dizer hepatopatia rara, em lugar de patologia rara do fígado. Os que adotam o linguajar coloquial como meio de alcançar credibilidade ante o auditório ou como método de convencimento, evidentemente, não indicam adversidade radical à gramática normativa, mas, antes, questionam o rigorismo gramatical como vantagem em seu uso metódico na linguagem geral. Critica-se, entretanto, o uso desnecessário e inconveniente desses recursos na linguagem formal científica, sobretudo nas publicações médicas. Seguem outros casos que apresentam dúvidas quanto ao uso adequado.

Exame laudado

Aparecem na literatura médica expressões como "O exame de densitometria óssea foi laudado por seu médico". "As operadoras pedem que o procedimento laudado tenha o código da causa da morte". "...confrontar com o que foi laudado pelo IML". "... para que o EEG não seja laudado como anormal". O verbo laudar e seu particípio laudado não aparecem em dicionários como o Aurélio, o Houaiss, o Michaelis e mesmo no VOLP,1 de modo que configuram casos de neologismo ou modismo. Laudado(a) pode ser termo útil, porém pode ser substituído por expressões como dado o laudo, o laudo foi feito (emitido, elaborado) e similares, pelos que prefiram evitar neologismos.

Glandar – glândico – glandular – balânico

Glandar ainda não aparece na generalidade dos dicionários, mas é por demais adotado no âmbito médico. É termo bem formado e tem uso legítimo, pois, embora esteja ausente de bons dicionários e do VOLP,1 está incorporado à linguagem médica, como se vê nas páginas de busca da internet. Há também glândico (hipospadia glândica), nome do mesmo modo ausente dos dicionários até o presente. Glandular é nome questionável. Os lexicógrafos consignam glandular como relativo a glândulas. Entretanto, há glândula referente à glande, visto que glandula, em latim, é diminutivo de glans, glandis, bolota, glande (do carvalho). Embora a etimologia (v. adiante) permita esse uso, glandular é nome objetável por significar, na linguagem corrente, essencialmente "relativo a glândula" o que a glande não é. Balânico e o termo recomendável como preferencial por não trazer o peso de críticas e por ser o adjetivo mais usado em nosso meio. Do grego bálanos, bolota, derivam-se balano (balanopostite, balanoprepucial, balanoplastia: são questionáveis as formas bálano, bálano-postite e similares) e balânico, termo existente nos dicionários, relativo especificamente à glande.

Neuralgia – nevralgia

Ambos são nomes dicionarizados e existentes na linguagem médica, o que lhes dá perfeita legitimidade de uso e não cabe a nevralgia a concepção de erro ou defeito de grafia. O u (ipsilon grego minúsculo) se pronuncia como "ve" antes do r (letra ro). O som ve em grego geralmente é dado pelo B (vita ou beta). Em grego, diz-se nevralguia. Assim, a forma nevr(o)- se baseia na pronúncia grega moderna, adotada em francês, em italiano, em português, pouco em espanhol e raro em inglês; do grego neuron, nervo, fibra.2 Contudo, entre nós, recomenda-se nevralgia como nome preferencial, mas não exclusivo, em textos formais, por ser o mais comumente usado na linguagem médica em português, como se vê nas páginas de busca da Internet. O termo nervus foi adotado pelos franceses para formar compostos como névralgie, névrose, névotomie, névrologie, nevroplastie, o que influenciou seu uso na linguagem médica portuguesa. O dicionário médico de É. Littré3 dá oito termos com o prefixo neur- e 46 com o elemento nevr-. Mas as disposições contra galicismos influenciaram o uso de neuron entre médicos lusófonos, com palavras como neuralgia, neurectomia, neurótico, neuroplastia. Atualmente há forte influência do idioma inglês, que também adotou o elemento neuro nos compostos pertinentes. Curioso notar que atualmente muitos dicionários franceses trazem número bem mais elevado de termos com neur-. O dicionário Le Petit Robert (1996) traz dez termos com nerv- e 35 com neur-.

Umbelical

Recomendável: umbilical. Embora umbelical tenha apoio etimológico, essa forma não é usada em nossa língua e não aparece em nenhum dicionário de português modernamente. Umbilical é a forma encontrada nos dicionários atuais e na ortografia oficial.1 Procede do latim vulgar umbilicus: ponto central, o meio. Há umbelicus no latim clássico, cujo derivado, umbelical. é acatado por Silveira Bueno em seu dicionário etimológico,4 em que também abona as formas embigo e imbigo. No verbete umbigo, Silveira o define como "a parte do cordão umbelical que é cortada ao nascer a criança.". Roquete,5 no verbete embigo, registra cordão ombilical. Mas umbilical é a forma desejável, pelo seu uso generalizado e oficializado. De fato, dizemos umbigo (não "umbego"); assim, umbilical é o adjetivo correspondente.

 

 

REFERÊNCIAS

1. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), 2.a ed., Rio de Janeiro: Imprensa Nacional; 2004.

2. Houaiss A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1.a ed, Rio de Janeiro: Objetiva; 2001.

3. Littré E. Dictionnaire de Médecine, 16.a ed., Paris: Librairie J.-B. Bailliére et Fils; 1886.

4. Bueno FS. Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa, São Paulo: Saraiva; 1963-1967.

5. Roquete JI. Diccionário da Língua Portugueza de José da Fonseca, Paris: Guillard, Aillaud; 1848.