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Revista Paraense de Medicina

versão impressa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.21 n.4 Belém dez. 2007

 

RELATO DE CASO

 

Criptococose articular: Relato de caso1

 

Articulate Cryptococcosis: A case report1

 

 

Gilmário Pinto–RibeiroI, Daniel Augusto dos Santos SoaresII, Lucas Montenegro Duarte PereiraII, Lorena Iris Seabra BastosII, Syrlei de Sousa PenaII; Daniella Costa MirandaII

IMédico. Diretor clínico/Técnico e chefe do serviço de ortopedia e traumatologia da Policlínica. Pós-graduado em administração hospitalar – Universidade de Ribeirão Preto/UNAERP
IIDiscente do Curso de Medicina do CCS/UFPA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: relatar um caso de criptococose articular no joelho esquerdo de um paciente residente no município de Benevides, Pará, 2007.
RELATO DE CASO: sexo masculino, 37 anos, desenvolveu artrite criptocócica na articulação do joelho, pelo agente etiológico Cryptococcus neoformans. Foi, inicialmente, atendido na Policlínica, em Santa Isabel, apresentando dor articular no joelho esquerdo, náuseas e cefaléia, como principais sintomas. Ao exame físico, verificou-se edema, calor, tumor, flutuação, choque patelar +++ do joelho esquerdo, tinnel-, adenopatia inguinal homolateral, além de palidez e desidratação de primeiro grau. O paciente submetido à punção do joelho e do LCR, na qual foi diagnosticado o Cryptococcus neoformans. A terapêutica adotada foi a drenagem do joelho esquerdo. Feito isso, o paciente foi conduzido ao serviço público de saúde de referência, para dar continuidade ao tratamento específico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: o acometimento articular pela criptococose é raro. A descrição do caso é alertar uma maior atuação da vigilância sanitária frente à manipulação e manejo das aves nas granjas do estado.

DESCRITORES: criptococose articular, artrite criptocócica, Cryptococcus neoformans


SUMMARY

OBJECTIVE: report a case of articulate cryptococcosis of a lender in the city of Benevides, Pará, 2007.
CASE REPORT: man, 37 years, developed artrite criptococose in the joint of the knee, by agent Cryptococcus neoformans. Initially he was taken care in clinical Policlinica, Santa Isabel presenting pain articulate in the left knee, nauseas, and chronic headache as main symptoms. To the physical examination edema, heat, tumor, fluctuation, patellar shock +++ of the left knee, tinnel -, homolateral inguinal adenopathy, beyond pallor and dehydration of first degree were diagnosised. The patient was submitted to a punction of the knee and the lombar, in which Cryptococcus neoformans was diagnosised. The therapeutical adopted was the draining of the left knee. Made this, the patient was lead to the reference public service, to give continuity to the specific treatment.
FINAL CONSIDERATIONS: the articulate damage for cryptococcosis is rare. The description of the case is to alert to a bigger performance of the sanitary monitoring front the manipulation and handling of the birds in the chickens companies of the state.

KEY WORDS: articulate cryptococcosis, Cryptococcus neoformans.


 

 

INTRODUÇÃO

A criptococose é uma doença causada por uma levedura encapsulada, o Cryptococcus neoformans. Este fungo apresenta-se em cinco sorotipos distintos: A, B, C, D e AD.1

Apresenta também três variedades distintas: C. neoformans variedade neoformans (sorotipos D e AD), C. neoformans variedade grubii (sorotipo A) e C. neoformans variedade gattii (sorotipos B e C).A variedade grubii foi reconhecida, sendo encontrada em quase todos os relatos de casos associados á AIDS nos EUA.1,2

A variedade gattii é observada nas regiões tropicais e subtropicais, sendo um patógeno primário que acomete hospedeiros imunocompetentes. C neoformans var. gattii, geralmente, acomete pacientes HIV negativos e sem fatores predisponentes para a infecção fúngica, sendo associado a lesões pulmonares e cerebrais. Sua mortalidade é baixa, porém, tende a deixar seqüelas nos pacientes tratados.2,3

A variedade neoformans tem distribuição cosmopolita relacionada a solos contaminados com excretas de aves, principalmente por pombos, cujas fezes, ricas em amônia e creatinina representam excelente reservatório natural para este fungo. Essa variedade tem a capacidade de colonizar os pombos sem causar doença e permanece viável nas excretas do pombo para contágio por um período de até dois anos.4

A inalação de grande quantidade dos propágulos presentes nas excretas de aves pode conduzir ao acometimento da doença, sendo o trato respiratório a principal porta de entrada. Geralmente esse fato ocasiona uma infecção primária no pulmão, onde a mesma pode permanecer de forma latente ou oligossintomática. O comprometimento ósseo, cutâneo ou ocular são bem menos freqüentes, fato esse comprovado através do levantamento da literatura médica.5,6,7

O envolvimento do sistema osteoarticular na criptococose ocorre, particularmente, nas formas disseminadas da infecção. O sistema ósseo é acometido em 5 a 10% dos casos sendo que o sistema articular é raramente comprometido.8

Uma vez diagnosticada, o tratamento é iniciado com anfotericina B, um fungiostático potente, geralmente dado por via intravenosa por tempo prolongado, isolada ou associada a 5-fluorcitosina e o fluconazol. Esses fármacos são considerados drogas de escolha no tratamento dessa micose.9

 

OBJETIVO

Relatar um caso de criptococose articular de um prestador de serviços que desenvolveu artrite criptocócica na articulação do joelho, provavelmente, durante sua jornada de trabalho em uma empresa granjeira no município de Benevides, Pará, 2007.

 

RELATO DO CASO

Anamnese

Paciente J.B.S, atendido inicialmente em uma clínica particular no município de Santa Isabel, Policlínica LTDA, no dia 30 de abril de 2007, apresentando dor articular no joelho esquerdo, náuseas e cefaléia como principais sintomas.

Exame físico

Ao exame físico, presença de edema, calor, tumor, flutuação, choque patelar +++ do joelho esquerdo (Fig. 1), tinnel -, adenopatia inguinal homolateral, além de palidez e desidratação de primeiro grau. Vale ressaltar que o paciente não apresentava sintomas neurológicos, exceto cefaléia. Constatou-se que o surgimento desses sintomas ocorreu após 2 anos da admissão do paciente na empresa granjeira. O tempo de evolução de 15 dias da doença, segundo J.B.S.

Exames subsidiários

Paciente foi submetido aos exames laboratoriais, destacando o hemograma, raio-x de joelho esquerdo nas dimensões antero-posterior e perfil, punção do líquido sinovial do joelho esquerdo e punção lombar do líquido cérebro espinhal (LCR) (em virtude do quadro de cefaléia).

Na análise de hemograma as únicas alterações encontradas foram os quadros de leucocitose de 14mil/milímetro cúbico, um aumento de linfócitos e da velocidade de hemossedimentação (VHS).

O exame de Raio-x demonstrou um aumento do espaço fêmuro patelar, edema de partes moles, ausência de lesão blástica ou lítica, ausência de sinais de fratura, espaço articular preservados e superfície articular íntegra.

 

CONDUTA

Realizadas as punções do joelho (foto 2) e lombar. Na primeira, utilizou-se como técnica laboratorial a bacterioscopia e cultura.. A coleta do liquido presente na articulação, se fez com punção lateral da bursa subpatelar do joelho esquerdo seguido de drenagem do mesmo, na qual foi observado, inicialmente, um jato forte devido a um grande acúmulo de exudato submetido à alta pressão intracapsular. Feito isso, deu-se início à lavagem articular com colocação e fixação do dreno de sucção (foto 3), permanecendo durante dois dias, período de observação.

Na segunda, com auxílio do método de fotometria de chama, foi detectada a presença de Cryptococcus neoformans no LCR. De acordo com os resultados obtidos foi diagnosticado criptococose, da espécie neoformans.

Após essa etapa, o paciente J.B.S. foi encaminhado para o serviço público de saúde de referência, para dar continuidade ao tratamento específico, mediante a notificação do agravo pelo médico que lhe atendeu.

 

DISCUSSÃO

A descrição do caso se deve à raridade do comprometimento osteoarticular. A artrite criptocócica constitui-se num evento raro, havendo 31 casos relatados na literatura médica. Vale ressaltar que, a partir da década de 80, concentraram-se 22 dos 31 casos. Isso, provavelmente, deve-se ao fato de que ,também, nesse período se observou um expressivo aumento do número de hospedeiros imunossuprimidos e que a artrite criptocócica incide, preferencialmente, nesses indivíduos.9

Analisando os casos publicados, constata-se uma freqüência cada vez maior nos últimos anos da criptococose. Tal fato pode ser entendido mediante tais hipóteses: a massa de hospedeiros relacionados, de alguma forma, a estados de imunodepressão tem-se constituído numa realidade cada vez mais freqüente na prática médica; as doenças fúngicas sistêmicas acometem, preferencialmente, hospedeiros imunodeprimidos; as artrites criptocócicas, na maioria das vezes, são manifestações clínicas da doença criptocócica disseminada. Em virtude disso, é de se esperar que a prevalência das artrites fúngicas tenha aumentado nesses últimos anos.2,3,9,10

Assim sendo, é dito como raro o caso clínico relatado neste trabalho, já que se trata de um caso de criptococose articular em paciente ,aparentemente, imunocompetente.

Já foram feitas referências às excretas de pombos como fontes saprofíticas de C. neoformans em ambientes urbanos e também à exposição de homens e animais na epidemiologia da criptococose. No entanto, ainda não foi esclarecido o porquê da presença do fungo nesses excrementos, uma vez que o mesmo não é isolado do trato gastrointestinal desses pombos. Existem poucos relatos de criptococose em pombos, porque eles são resistentes à invasão pelo fungo devido a sua elevada temperatura corporal. Essas aves têm o hábito de raspar e fragmentar pedaços de madeira e galhos, onde as condições são favoráveis à sobrevivência e à multiplicação do C. neoformans.2,11

A creatinina desempenha importante papel na ecologia do Cryptococcus neoformans, em virtude de a amônia representar um excelente reservatório natural para tal agente fúngico. No caso apresentado, pode haver significativa possibilidade do indivíduo ter sido infectado não pelos frangos com os quais trabalhava diretamente, mas sim, através das fezes de pombos que eram atraídos para o local em decorrência de restos de ração e outros alimentos ali presentes.2,4

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esses achados trazem à luz a questão de minimizar o risco de exposição à microfocos de C. neoformans em locais de circulação pública e em domicílios de pacientes imunodeprimidos através da vigilância das condições de higiene e limpeza de excretas, aeração, iluminação e ventilação adequadas, bem como monitorização de locais de risco.

Todos esses fatos se revestem de importância ainda maior ao considerarmos que há tratamentos eficazes para a doença criptocócica. Dessa forma, diante de pacientes imunossuprimidos ou quadro de infecção articular, não podemos deixar de avaliar a possibilidade de contaminação por Cryptococcus, haja visto como anteriormente citado, o crescente aumento deste diagnóstico. Somente assim, faremos uma propedêutica correta e elucidadora, com definição diagnóstica num tempo o mais precoce possível.

Portanto, percebe-se que há necessidade de uma atuação direta e firme da Vigilância em Saúde do Trabalhador nos ambientes de trabalho para a redução dos riscos de acidentes, doenças e agravos relacionados ao trabalho, além de ser muito importante para a notificação correta e eficiente desses agravos.

 

REFERÊNCIAS

1. MOREIRA, T. A et al. Criptococose: estudo clínico-epidemiológico, laboratorial e das variedades do fungo em 96 pacientes. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Uberaba, v. 39, n. 3, p.255-258, 2006.

2. REOLON, A.; PEREZ, LRR.; MEZZARI, A. Prevalência de Cryptococcus neoformans nos pombos urbanos da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Jornal. Bras. Patol. Med. Lab., Rio de Janeiro, v. 40 n.5, p.293-298, 2004.

3. FRIGERI, M F. ; et al. Criptococose cerebral - Relato do caso e revisão bibliográfica. Revista Científica da Ass. Med. Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, v. 10, n. 1, p. 67-70, 2001.

4. MELO, NT. ; et al. Quimiotipagem do Cryptococcus neoformans. Revisão de literatura. Novos dados epidemiológicos sobre a criptococose. Nossa experiência com o emprego do meio de C.G.B. no estudo daquela levedura. Revista Inst. Méd. Trop., São Paulo, v. 35, n.5, p. 469-478, 1993.

5. SOUZA, MB. ; et al. Criptococose palpebral: relato de caso. Arq. Bras. Oftalmol., São Paulo, v. 69, n.02, p. 265-267, 2006.

6. WADA, MY.; ELKHOURY, MR.; URDANETA, M.; HATCH, DL.; CARMO, EH.; OLIVEIRA, RC.; BREDT, A.; BOFILL, MIR.; TORRES, PD; OLIVEIRA, JA. Investigação de óbito por meningite criptococócica com provável transmissão por fezes de quirópteros. Rondônia, 2002. Boletim eletrônico epidemiológico. n.1. p.2. 2003.

7. MELO, NT.; LACAZ, CS.; CHARBEL, CE.; et al. Biotyping of Cryptococcus neoformans. Review of the literature. New epidemiologic informations about cryptococcosis. Our experience with the utilization of C.G.B medium in this yeast. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo, Sept./Oct. 1993, vol.35, no.5, p.469-478.

8. SILVA, EK.; BARBOSA, LSG.; BATISTA, MCP. Sacroiliíte bilateral por criptococos: relato de um caso e revisão de literatura. Rev. Bras. Reumatol. São Paulo. v.46 n.3 maio/jun. 2006.

9. HARRISON, TR. Tratado de Medicina Interna, editora Mc Graw Hill, ed 15o, v. 01, p.1245, 2002.

10. LOPES, JO; COSTA, JM; STREHER, LA; CLOCK, C; PINTO, MS; ALVES, SH. Criptococose não associada à Aids no Rio Grande do Sul: relato de oito casos e revisão da literatura sul-riograndense. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. v. 30, n. 5, p. 369-372, set-out, 1997.

11. FILIÚ, WFO.; WANKE, B; AGÜENA, SM; VILELA, VO; MACEDO, RCL; LAZÉRA, M. Cativeiro de aves como fonte de Cryptococcus neoformans na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. v35. p.591-595, nov-dez, 2002.

 

 

Endereço para correspondência:
Gilmário Pinto Ribeiro
Rua Dr. Malcher 571
Cidade Velha – Belém – Pará
Fones: 091 – 88020618/ 37441817
E-Mail:britofigueiredo@oi.com

Recebido em 29.08.2007
Aprovado em 12.12.2007

 

 

1Trabalho realizado na Policlínica/Santa Isabel do Pará