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Revista Paraense de Medicina

versão impressa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.22 n.1 Belém mar. 2008

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Soroprevalência da Hepatite C em pacientes com esquistossomose

 

Seroprevalence of Hepatitis C in schistosomiasis patients

 

 

Jéfferson Luis de Almeida SilvaI; Maria Rosângela Cunha Duarte CoêlhoIII; Veridiana Sales Barbosa de SouzaII; Ana Lúcia Coutinho DominguesIV

IMestrando em Medicina Tropical, CCS/UFPE. Setor de Virologia do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami, LIKA/UFPE
IISetor de Virologia do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami, LIKA/UFPE
IIISetor de Virologia do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami, LIKA/UFPE. Professora Associada I, Doutora, Departamento de Fisiologia e Farmacologia, CCB/UFPE
IVProfessora, Doutora, Departamento de Medicina Clínica, CCS/UFPE Projeto financiado pelo FINEP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: pesquisar o anti-HCV em portadores de esquistossomose mansônica.
MÉTODO: foram testadas amostras de soro de 184 pacientes atendidos no Ambulatório de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, empregando-se o ELISA de 3ageração (Wiener®) de acordo com as instruções do fabricante.
RESULTADOS: detectou-se resultado positivo para o anti-HCV em 22 pacientes, revelando uma prevalência de 11,9%. Entre os co-infectados ambos os sexos, 90,9% apresentaram a forma hepatoesplênica da esquistossomose e 54,5% já havia recebido transfusão sangüínea. Analisando-se o passado de endoscopia digestiva, todos os pacientes co-infectados do sexo masculino e 81,8% do sexo feminino foram submetidos ao procedimento.
CONCLUSÕES: foi alta a prevalência do anti-HCV em portadores de esquistossomose, a história de transfusão sangüínea e principalmente endoscopia digestiva mostraram-se como prováveis fontes de infecção.

DESCRITORES: Anti-HCV, esquistossomose, co-infecção, prevalência.


SUMMARY

OBJECTIVE: to research the anti-HCV antibody prevalence in patients diagnosed with mansonic schistosomiasis.
METHOD: serum samples of 184 patients attending the Gastroenterology Clinics of Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco were tested for anti-HCV by a third generation ELISA (Wiener®) according to the manufacturer's instructions.
RESULTS: a positive result for anti-HCV was detected in 22 patients, establishing a prevalence of 11.9%. Among coinfected of both sexes, 90.9% had presented hepatosplenic schistosomiasis and 54.5% had had blood transfusion. Analyzing the endoscopy in the past, all coinfected male patients and 81.8% of coinfected females had undergone endoscopy previously.
CONCLUSIONS: the prevalence of anti-HCV in schistosomiasis patients was high. Blood transfusion and particularly digestive endoscopy were shown as probable infection sources.

KEY WORDS: Anti-HCV, schistosomiasis, coinfection, prevalence.


 

 

INTRODUÇÃO

A hepatite C é uma doença infecciosa grave com grande potencial para evolução crônica, podendo progredir para cirrose e hepatocarcinoma. O vírus da hepatite C (HCV) é transmitido, principalmente, por contato com sangue contaminado, podendo ocorrer em transfusões, nos tratamentos de hemodiálise, procedimentos odontológicos, uso de drogas injetáveis, realização de tatuagem, aplicações de piercing e acidentes com materiais perfuro-cortantes contaminados em profissionais de saúde1.

No Brasil a prevalência do HCV é de 2,5 a 4,9% o que corresponde a 3,9 a 7,6 milhões de portadores crônicos2, grande parte assintomáticos que desconhecem o fato de serem portadores do vírus. A esquistossomose é uma parasitose causada por espécies do gênero Schistosoma, entretanto sabe-se que existem seis espécies que parasitam o homem, mas somente a S. mansoni possui interesse médico para a saúde pública brasileira.

Em nosso país, considerado um dos maiores focos endêmicos, calcula-se que 6 a 8 milhões de brasileiros estejam infectados e que 30 milhões correm risco de infecção3.

A co-infecção com o HCV em portadores de esquistossomose mansônica é uma das causas de maior freqüência de descompensação hépato-celular nestes pacientes4. Muitos investigadores demonstraram que a alta freqüência de marcadores virais na esquistossomose, pode estar relacionada às medidas terapêuticas aplicadas nestes pacientes, desde cirurgias a transfusões sangüíneas. Estudos revelaram, ainda, que há uma alteração da resposta imunológica nos pacientes portadores de esquistossomose, gerando uma maior susceptibilidade à infecção viral, inclusive para HCV, o que modificaria o curso clínico da doença5.

Diversos estudos foram conduzidos para avaliar a participação da infecção pelo HCV na evolução clinica dos pacientes com esquistossomose.

Pesquisas de autores egípcios revelaram uma maior prevalência de anticorpos contra o HCV (anti-HCV) e ácido ribonucléico do vírus (HCVRNA) em pacientes com esquistossomose, quando comparada a pacientes sem a doença6. Pacientes com esquistossomose co-infectados com HCV apresentam aumento da persistência viral e a fibrose hepática desenvolve-se mais rapidamente7.

No Brasil, são poucos os trabalhos que tratam desta co-infecção especialmente na Região Nordeste, onde é alta a prevalência da parasitose, o que nos impulsionou a pesquisar presença do anti-HCV em pacientes portadores de esquistossomose mansônica.

 

MÉTODO

Realizado um estudo do tipo corte transversal com 184 pacientes portadores de esquistossomose mansônica, de ambos os sexos, atendidos no Ambulatório de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), período de maio a julho de 2006. A população era composta de 76 indivíduos do sexo masculino e 108 do feminino.

Atendidos os critérios éticos da pesquisa em seres humanos, foi aplicado um termo de consentimento livre e esclarecido, apresentado ao paciente previamente à entrevista. Após demonstrar sua concordância em participar do estudo, mediante a assinatura do termo de consentimento, seguiu-se ao preenchimento de um questionário elaborado para a pesquisa. Finalmente, procedeu-se a coleta sangüínea, utilizando-se tubos sem anticoagulante.

As amostras de sangue foram transportadas para o Setor de Virologia do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (LIKA/UFPE), para centrifugação e armazenamento dos soros obtidos à temperatura de -20 oC até a realização do teste sorológico.

Também foi determinada a partir dos prontuários, quando possível, a forma clínica da esquistossomose apresentada por cada paciente.

A pesquisa do anti-HCV foi realizada empregando-se o ELISA de 3a geração (Wiener®) de acordo com as instruções do fabricante.

 

RESULTADOS

Dos 184 pacientes estudados, 22 tiveram sorologia positiva para o HCV, revelando uma prevalência de 11,9%. Foram identificados 11 pacientes positivos para o anti-HCV em ambos os sexos, afetando homens com idade média de 59,5 anos e mulheres aos 56,9 anos.

Entre os homens, 14,7% (11/76) possuíam a co-infecção, já nas mulheres, 10,1% (11/108) foram afetadas. Houve mais casos nas faixas etárias dos 51 a 60 anos (36,3%) entre os homens e de 61 a 70 (27,7%) anos entre as mulheres. A forma hepatoesplênica da esquistossomose prevaleceu, sendo apresentada por 90,9% dos pacientes de ambos os sexos.

A seguir, nas tabelas I e II encontram-se distribuídos os pacientes positivos de ambos os sexos, de acordo com o passado de transfusão sangüínea e número e ano da transfusão, respectivamente; enquanto na tabela III temos a distribuição quanto ao passado de endoscopia digestiva.

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A prevalência do anti-HCV encontrada nesta pesquisa mostrou-se semelhante a um estudo4 que analisou 101 pacientes com esquistossomose hepatoesplênica em São Paulo, tendo encontrado uma prevalência de 12,9%.

Quando consideramos a variável sexo, houve maior freqüência de co-infectados no sexo masculino, o que corrobora outros trabalhos6,8 que apontam o sexo masculino como o mais atingido. Isto pode ser explicado pelo fato de homens terem maior contato com águas contaminadas por ovos do S. mansoni, principalmente, nas atividades ocupacionais (como na agricultura), conseqüentemente expondo-se mais à esquistossomose9.

A faixa etária afetada, predominantemente, foi maior que 50 anos, isto é, após o desenvolvimento das formas crônicas da esquistossomose, nas quais a exposição acumulativa a fatores de risco para infecção pelo HCV4 como transfusões sangüíneas, que neste estudo exibiu elevada freqüência, especialmente antes do ano de 1993, quando foi instituída a obrigatoriedade da sorologia para o HCV nos candidatos a doadores de sangue no Brasil. É importante ressaltar que o número médio de transfusões ficou no intervalo de duas a cinco transfusões, representando 50% dos casos em ambos os sexos.

Observou-se que a maior parte dos casos positivos ocorreu em pacientes com a forma hepatoesplênica da esquistossomose. Nesta forma clínica, os pacientes podem apresentar hemorragias digestivas geradas por ruptura de varizes esofágicas secundárias à hipertensão portal, exigindo freqüentes transfusões sangüíneas, o que por sua vez eleva consideravelmente o risco de infecção pelo HCV5.

Convém ressaltar que não se encontrou entre os pacientes infectados de ambos os sexos presença de tatuagem e/ou piercing e prática de toxicomania endovenosa, fatores de risco comprovados para transmissão do HCV.

Os relatos acerca da transmissão do HCV através de endoscopia digestiva são resultados de uma desinfecção imperfeita do aparelho após o uso10,11,12,13,14. A desinfecção é um processo de três etapas consecutivas: (1) limpeza mecânica da parte externa do aparelho utilizando um detergente bactericida, (2) desinfecção com um germicida químico líquido, seguida de uma lavagem para remover os resíduos do germicida e (3) secagem e armazenagem adequada14.

Caso haja falhas em alguma destas etapas, como limpeza inadequada que pode deixar restos de secreção orgânica, a qual protegerá o patógeno do contato direto com o agente desinfetante e/ou a concentração e o tempo de exposição no qual o aparelho fica submetido a este agente, determinam a falência na eliminação do patógeno e possibilitam a sua transmissão para o próximo usuário do endoscópio12.

Os estudos demonstram uma alta taxa de contaminação do endoscópio após procedimentos em pacientes HCV positivos15,16. Portanto, medidas rigorosas devem ser aplicadas a fim de monitorar a correta aplicação dos procedimentos de desinfecção dos endoscópios, a fim de impedir a transmissão por esta via. Quando as técnicas de limpeza e desinfecção do endoscópio são aplicadas de forma correta, ocorre uma boa taxa de erradicação viral comprovada após a aplicação da PCR17.

Em um estudo caso-controle18 realizado utilizando 193 doadores de sangue iranianos com sorologia positiva para o HCV e 196 doadores com sorologia negativa, observou-se que indivíduos submetidos ao procedimento de endoscopia digestiva tenham uma chance quatro vezes maior de adquirir infecção, quando comparados aos que não se submeteram ao mesmo procedimento.

No Brasil, a relação entre passado de procedimento endoscópico e positividade para o anti-HCV foi demonstrada em um trabalho13 realizado em doadores de sangue com sorologia positiva, quando comparado com doadores soronegativos para o HCV. A associação da endoscopia digestiva e soropositividade para o HCV foi estatisticamente positiva (OR=2,68 e p=0,015).

Neste estudo, também, se observou expressiva ocorrência da realização de endoscopias digestivas entre os pacientes co-infectados, no entanto, dada à natureza do estudo, torna-se inadequado atribuir uma associação entre endoscopia digestiva como fator de risco para a infecção pelo HCV.

 

CONCLUSÕES

Foi alta a prevalência do anti-HCV em portadores de esquistossomose, o que demonstra a importância do conhecimento do status imunológico em relação ao vírus, a fim de melhorar o prognóstico do paciente. Houve maior soroprevalência da hepatite C no sexo masculino. Os pacientes co-infectados de ambos os sexos encontravam-se acima dos 50 anos.

A forma hepatoesplênica da esquistossomose mostrou maior prevalência. A história de transfusão sangüínea e principalmente endoscopia digestiva mostraram-se como prováveis fontes de infecção.

 

 

REFERÊNCIAS

1. MEMON MI & MEMON MA Epidemiological review. Journal of Viral Hepatitis. 2002; 9: 84-100.

2. BRANDÃO, A & FUCHS, SC Risk factor for hepatitis C virus infection among blood donors in southern Brazil: a case-control study. BMC Gastroenterology, 2002; v. 2, no 18.

3. MACIEL, RCR Enzimas caniculares na forma hepatoesplênica da esquistossomose mansoni. 2006. 95 f. Dissertação (Mestrado em Medicina Interna). Departamento de Medicina Clínica, Universidade Federal de Pernambuco, 2006.

4. AQUINO, RTR et al. Hepatitis B and C virus markers among patients with hepatoesplenic mansonic schistosomiais. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 2000; 42 (6): 313-320.

5. SERUFO, JC & LAMBERTUCCI, JR Esquistossomose e hepatites virais: uma revisão. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 1997; 30 (4): 313-322.

6. GAD, A et al. Relationship between hepatitis C virus infection and schistosomal liver disease: not simply an additive effect. Journal of Gastroenterology, 2001; 36: 753-758.

7. KAMAL, S et al. Clinical, virological and histopathological features: long-term follow-up in patients with hepatitis C co-infected with S. mansoni. Liver, 2000; 20: 281-289.

8. FARID, A et al. Schistosoma infection inhibits cellular immune responses to core HCV peptides. Parasite Immunology, 2005, 27: 189-196.

9. RESENDES, APC et al. Internação hospitalar e mortalidade por esquistossomose mansônica no Estado de Pernambuco, Brasil, 1992/2000. Cadernos de Saúde Pública, 2005; 21: 1392-1401.

10. REY, JEAN-FRANÇOIS. Endoscopic Disinfection: A Worldwide Problem (Clinical Reviews: New Techniques). Journal of Clinical Gastroenterology, 1999; 28 (4): 291-297.

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13. ESPIR, TTA endoscopia digestiva como fator de risco para a transmissão da hepatite C. 2005. 81F Dissertação (Mestrado em Vigilância Sanitária). Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, 2005.

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Endereço para correspondência:
Maria Rosângela Cunha Duarte Coêlho
Rua Manoel Lubambo, 118
Afogados Recife-PE
CEP:50850040
Telefone: (81) 34281651/ 34281928/ 99529246
E-mail:rcoelholika@gmail.com

 

 

Trabalho realizado no Setor de Virologia do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami.