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Revista Paraense de Medicina
versão impressa ISSN 0101-5907
Rev. Para. Med. v.22 n.1 Belém mar. 2008
RELATO DE CASO
Papilomatose confluente e reticulada de Gougerot-carteaud: Relato de Caso*
Confluent and reticulate papillomatosis of Gougerot-Carteaud: Case Report
Fernando Augusto Ribeiro CarneiroI; Laiane Moraes DiasII; Alex Cézar Massoud Salame da SilvaIII
IDermatologista e Prof Adjunto da disciplina de Dermatologia da Universidade do Estado do Pará
IIMédica residente de clínica médica da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará
IIIMédico do serviço de radiologia da Santa Casa do Rio de Janeiro
RESUMO
OBJETIVO: descrever a evolução, as manifestações clínicas, o diagnóstico e o tratamento de um caso de Papilomatose Confluente e Reticulada de Gougerot-Carteaud, uma genodermatose da ceratinização, raramente descrita.
RELATO DE CASO: homem de 28 anos, com numerosas lesões papulosas, hipercrômicas, principalmente em região intermamária, que se tornaram confluentes, acometendo a região torácica anterior, região dorsal e cervical. O diagnóstico baseou-se nos dados clínicos e exame histopatológico; iniciou-se o tratamento com Azitromicina 500 mg, uma vez ao dia por três dias consecutivos e intervalo de sete dias. Após seis esquemas desta droga o paciente evoluiu satisfatoriamente.
DESCRITORES: Papilomatose, genodermatose.
SUMMARY
OBJECTIVE: report a case of confluent and reticulate papillomatosis of Gougerot-Carteaud, a rare cutaneous disorder characterized by confluent, flat, brown papules.
REPORT OF THE CASE: a 28 year-old man presented flat brown papules on the intermammary region, which coalesced to form diffuse large plaques spread out the breast, neck and back regions. The diagnosis was made from clinical and histological findings. The pacient was treated with oral azythromycin. Final considerations: the lesions improved after six courses of treatment, being azythromycin an effective alternative treatment to this dermatosis.
KEY WORDS: Papillmatosis; Confluent; Reticulate.
INTRODUÇÃO
A papilomatose confluente e reticulada de Gougerot-Carteaud (PCR) é uma genodermatose da ceratinização, mais, especificamente, uma ceratose folicular. Foi descrita pela primeira vez, em 1927, por Gougerot e Carteaud.1,2
Doença que se caracteriza, clinicamente, por pápulas pontilhadas, verrucosas, acastanhadas, de aproximadamente 5mm de diâmetro, confluentes no centro e com um padrão reticulado periférico, geralmente generalizadas sobre o tronco, principalmente, em região intermamária, dorso e área epigástrica. Eventualmente as lesões se estendem para os ombros, pescoço e região púbica. As extremidades podem ser acometidas numa menor proporção; as regiões plantar e palmar e as membranas mucosas são usualmente poupadas. Pode haver prurido grave e grande desconforto.2,3,7
A histopatologia não é específica. Os achados mais freqüentes são: hiperceratose e papilomatose, adelgaçamento da granulosa e acantose focal interpapilar. Ocasionalmente, os vasos da derme papilar podem apresentar um certo grau de ectasia, rodeados de um infiltrado inflamatório de caráter linfocitário. Pode ocorrer hiper-pigmentação da camada basal sem alteração do número de melanócitos.1,4
É mais comum em mulheres, com uma incidência duas vezes maior em negros que em brancos. Inicia, em geral, no final da adolescência e início da vida adulta, com uma idade média de 21 anos. Geralmente, não é hereditária, apesar de haver alguns casos descritos na literatura.1,5,6,7,8,14
A etiologia da doença ainda é desconhecida. Algumas teorias sugerem que a doença representa uma reação anormal do hospedeiro à presença do Pityrosporum orbiculare, devido à localização das lesões da PCR coincidir com as áreas usualmente colonizadas pelo organismo. Distúrbios endócrinos como intolerância à glicose, diabetes mellitus, tireoidite, síndrome de Cushing e obesidade, também podem estar relacionados a sua etiopatogenia, já que estas alterações foram encontradas em vários pacientes. Outros autores relacionam a doença com a deficiência de vitamina A ou como sendo uma possível variante da amiloidose cutânea. Nos casos de PCR hereditária foi sugerido um defeito genético de ceratinização, apesar de algumas teorias enfocarem como possível causa uma alteração da ceratinização secundária à colonização pelo P. orbiculare ou Staphilococcus produtor de toxinas. Alguns autores relacionam a progressão crônica da doença à exposição solar, com uma conseqüente piora no verão. A associação desta doença com atopia também foi sugerida.3,4,7,8,9,10
OBJETIVO
Relatar um caso típico de Papilomatose confluente e reticulada de Gougerot-Carteuad.
RELATO DE CASO
Identificação
Homem, 28 anos, faioderma, feirante, casado, natural de Belém e residente em Ananindeua.
Queixa principal
Manchas escuras no tronco.
História da doença atual
Aos dezenove anos de idade iniciou quadro clínico com algumas lesões acastanhadas, pequenas (menos de 1 cm de diâmetro), afastadas umas das outras, principalmente em região mamária, e com a evolução foram aumentando em número e tamanho e tornando-se confluentes, acometendo a região torácica anterior e região dorsal. Refere como único sintoma o prurido, que é esporádico e não é intenso, relacionado principalmente ao suor.
Procurou atendimento médico desde o inicio do quadro clínico e fez tratamento para "pano branco", com Cetoconazol, não apresentando esta droga nenhum efeito sobre as lesões.
Oito anos após o início do quadro clínico, apresentava piora das lesões quanto à extensão de acometimento (algumas lesões em região abdominal) quando foi atendido no ambulatório de dermatologia da UEPA, e submetido à biópsia de lesão.
Antecedentes mórbidos pessoais
Nega história de hipertensão arterial, diabetes mellitus e alergias.
Antecedentes mórbidos familiares
Irmã apresenta lesões semelhantes às do paciente (SIC). Mãe e outra irmã hipertensas e diabéticas. Pai falecido.
Exame físico
Consciente, orientado, eulálico, eubásico, atitude e fácies atípica, normossômico, normolíneo, eupnéico, anictérico, acianótico, afebril, mucosas normocoradas, pulsos periféricos palpáveis e simétricos. PA: 130x80 mmHg. Peso: 78 kg, Altura: 1,63. IMC: 29,3 (sobrepeso). Sem alterações nos demais sistemas orgânicos.
Exame dermatológico
Lesões papulosas, de aproximadamente 5mm de diâmetro, ceratósicas, pigmentadas com aspecto aveludado, agrupadas, algumas confluentes, outras coalescentes, formando placas localizadas em região torácica, dorsal e abdominal, notadamente em região cervical.
Exames complementares
Hemograma, urina (EAS), fezes (PPF), e dosagem do antígeno prostático específico (PSA) compatíveis com a normalidade.Colesterol total aumentado (296 mg/dl; HDL= 45 mg/dl; VLDL= 39 mg/dl; LDL= 212 mg/dl) e triglicerídeos de 195 mg/dl. Os níveis de AST e ALT também estavam aumentados (96 e 237 U/L respectivamente). Já os valores de TSH, T3 e T4 livre estavam dentro dos limites normais, assim como a Glicemia de jejum que era de 90 mg/dl.
O exame micológico da epiderme não demonstrou nenhum microorganismo.
O exame histopatológico da lesão demonstrou, à microscopia, epiderme com acantose regular, papilomatose, por vezes com fusão de cones, e hiperceratose ora laminar, ora compacta. Derme e hipoderme preservadas.
Diagnóstico diferencial
Pitiríase versicolor, acantose nigricans, pseudoacantose nigricans, e papilomatose confluente e reticulada.
Diagnóstico definitivo
Papilomatose Confluente e Reticulada de Gougerot-Carteaud
Terapêutica instituída
Azitromicina 500 mg – Uma vez ao dia por três dias consecutivos e intervalo de sete dias para reiniciar o esquema. Realizados seis esquemas desta droga.
Não existe um tratamento específico. Entre os tratamentos tópicos com boa resposta se mencionam a associação de cremes com uréia a 12% e tretinoína a 0,03% e calcipotriol. A vitamina A oral e ácido retinóico a 0,01% tópico apresentam sucesso terapêutico relativo. As tetraciclinas normalizam o processo de ceratinização e a reação imunológica nos pacientes. A minociclina mostrou-se eficaz em alguns casos, principalmente os que apresentam o P. orbiculare em exames micológicos, provavelmente por sua ação anti-inflamatória, antibacteriana e antiproliferativa. A azitromicina por sua ação imunomodulatória e antibacteriana apresentou bons resultados em alguns casos descritos.3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,26
Evolução
Após 6 esquemas de Azitromicina houve desaparecimento das lesões em placa e das pápulas ceratósicas acastanhadas nas regiões do tórax anterior e dorso. Restou apenas hipocromia residual na região esternal. Não apresentou efeitos colaterais à droga.
Tempo de acompanhamento
O paciente foi observado por 6 meses após início do esquema terapêutico.
DISCUSSÃO
A papilomatose confluente e reticulada de Gougerot-Carteaud (PCR) é uma dermatose rara caracterizada por lesões papulosas, hiperpigmentadas, algumas verrucosas, coalescentes, que formam placas, geralmente, em região mediana do tronco, com uma disposição reticulada periférica. Segundo Lee e col (1991) eventualmente as lesões se estendem por sobre o peito, região epigástrica, região púbica, região dorsal, podendo algumas vezes atingir ombros, pescoço e axilas. As extremidades podem ser acometidas com menor freqüência e as mucosas são, usualmente, poupadas.5,7,15,16,21, o que pôde ser observado no paciente estudado. No entanto, a presença de prurido, raramente, relatado na literatura, foi referida pelo paciente, principalmente, relacionado ao suor.
O aparecimento da doença é mais freqüente em adultos jovens, com a idade média de 21 anos, o que corrobora com o caso estudado e com quase totalidade dos relatos de caso analisados, já que apenas um caso foi encontrado em paciente com mais de 60 anos21. A incidência é de aproximadamente 2,5 mulheres para 1 homem, afetando mais os negros que as demais raças, o que vai de encontro ao presente trabalho.8,10,11,21
A maioria dos casos descritos é esporádica mas há alguns relatos em que a doença ocorre em dois ou mais membros da mesma família.3,5,8,16 No presente caso uma irmã do paciente parece ter o mesmo quadro clínico (SIC).
Ao exame histopatológico se observou uma epiderme com acantose regular, papilomatose, por vezes com fusão de cones, e hiperceratose, ora laminar, ora compacta, o que corrobora com o trabalho de Sanchez e col.20
A etiopatogenia desta dermatose ainda permanece desconhecida. Alguns autores sugerem que esta seja uma variante da acantose nigricans devido à semelhança de seus aspectos histopatológicos.7,11,14,16 Porém outros autores consideram-na entidade distinta por causa de sua localização e seu padrão reticular16. Com base nas características clínicas da doença e no achado ocasional de formas de leveduras, sugeriu-se que a PCR fosse uma reação anormal do hospedeiro à presença do Pityrosporum orbiculare9,16. Mas em muitos outros casos descritos, incluindo o do presente trabalho, exames micológicos revelaram a ausência do fungo, o que não apóia essa teoria. Portanto a possibilidade de que a PCR seja decorrente de um defeito genético, principalmente pela suspeita de ter uma história familiar da doença, pode ser considerada no paciente estudado.
Distúrbios endócrinos como a obesidade, diabetes mellitus tipo 2, hirsutismo síndrome de Cushing ou disfunção da. Tireóide, também, foram sugeridos em alguns estudos como fatores associados à PCR.9,10,17,21 Dentre os relatos de casos analisados, sete apresentavam distúrbios desse tipo, sendo que a maioria apresentava obesidade. O paciente observado mostra um IMC de 29,3 Kg/m2 o que caracteriza estado de sobrepeso, além de dislipidemia. Portanto é, também, possível a associação desses distúrbios com a dermatose encontrada no paciente.
O diagnóstico diferencial inclui a acantose nigricans que envolve as áreas intertriginosas, principalmente axilas e pescoço; a pseudoacantose nigricans que é um processo reversível condicionado exclusivamente pela obesidade; tinea versicolor cuja identificação do fungo ou de suas hifas pela preparação com KOH ou pela biópsia da pele confirma a doença; a amiloidose cutânea possui aspectos histopatológicos diferentes da PCR; a doença de Darier cujas lesões papulosas são de localização folicular e com distribuição regional típica.21,22,23
Considerando o tratamento instituído, os pacientes com PCR muitas vezes não respondem bem. Há casos relatados, mais antigos, que indicam um relativo sucesso terapêutico com o uso de Vitamina A, Etretinato, Cetoconazol e loção de sulfeto de selênio tópico a 2,5%, ácido retinóico gel a 0,01% e creme de miconazol a 10%. No entanto, a resolução da doença foi apenas temporária ou parcial, com recorrência e progressão na maioria dos casos após o término do tratamento.5,27,24
Schwartzberg (2000) não obteve bons resultados com lactato de amônio, corticosteróides tópicos e sabonete acido salicílico. Ele demonstrou que o uso destas drogas não resultou em melhora do quadro clínico de três pacientes com PCR.3
Em estudo realizado em 2002, justificou-se que o uso das tetraciclinas no tratamento da PCR poderia ser benéfico por normalizar o processo de ceratinização e reação imunológica nos portadores desta doença.4,17
Alguns artigos demonstraram eficácia no tratamento da PCR com o uso da Minociclina.21. Entretanto, em estudo realizado com nove pacientes em 1997 que obtiveram sucesso com o uso de Minociclina oral, foi demonstrada a presença do fungo em todos os casos, o que sugere que a eficácia desta droga esteja relacionada à presença da M.furfur ou P. orbiculare. Como isto não ocorre em todos os casos, incluindo o do presente trabalho, a terapêutica com a Minociclina nem sempre deve ser considerada como de 1a escolha23.
Carozzo e col (2000) relataram um caso de PCR tratado com calcipotriol tópico a 0,005% com bom resultado. Foi sugerido que esta droga é mais segura e provavelmente tão efetiva quanto o Etretinato ou Minociclina. O sucesso deste tratamento reforça a teoria de que a patogênese da PCR esteja ligada a uma disfunção da ceratinização22. No entanto, estudos mais recentes demonstraram que com o uso desta droga não foi obtida regressão completa das lesões, além de irritação na pele e recorrência da doença após o tratamento.15
O paciente observado fez uso de cetoconazol já que foi, erroneamente, diagnosticada pitiríase versicolor, não apresentando nenhuma melhora de seu quadro clínico, o que corrobora com muitos dos casos estudados, incluindo os que apresentam o fungo demonstrado em exames micológicos.7,10,12,15,23,24
Firmado o diagnóstico, iniciou-se o tratamento com Azitromicina 500mg uma vez ao dia por três dias consecutivos com intervalo de sete dias,totalizando seis esquemas desta droga; observou-se uma melhora do quadro com clareamento das lesões nas áreas atingidas um mês após inicio do tratamento. Após três meses as lesões regrediram completamente. Sendo a azitromicina um antibacteriano que possui atividade imunomoduladora, reforça-se a teoria de que a etiologia desta doença seja de origem multifatorial. O uso deste antibiótico vai ao encontro dos trabalhos de Gruber e col (1998) e de Weigl e col (2001), nos quais foram obtidos sucesso terapêutico com a Azitromicina.12,13,24
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por ser esta doença pouco conhecida e com estudos escassos, é importante reconhecê-la, apesar de ser uma afecção benigna que afeta a pele, para não diagnosticá-la de forma errônea ocasionando tratamentos equivocados, dispendiosos e uma certa ansiedade por parte dos pacientes pela dificuldade na sua completa resolução. Descreveu-se um caso típico dessa doença, cujo diagnóstico se baseou nas características clínicas e achados histopatológicos das lesões. Apesar de várias drogas terem sido utilizadas com sucesso relativo, não há um agente uniformemente efetivo por ser ainda uma doença de etiologia desconhecida. No caso apresentado houve uma resposta favorável à administração da azitromicina oral, sendo esta terapia alternativa segura e de baixo custo.
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Correspondência para:
Laiane Moraes Dias
Rua Municipalidade, 1757,
ed. Juno, apto 1003. Belém-PA
Telefone: (0xx91) 3244-8568
*Trabalho realizado no Ambulatório de Dermatologia da Universidade do Estado do Pará.