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Revista Paraense de Medicina

Print version ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. vol.22 no.1 Belém Mar. 2008

 

QUESTÕES DE LINGUAGEM MÉDICA

 

Atribuições de características humanas a coisas e ações

 

 

Simônides Bacelar

Médico-assistente, professor voluntário, Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília (UnB)

 

 

Não se pode considerar desaconselhável a atitude de usar nomes questionáveis, contanto que tenham comunicabilidade, que é o propósito fundamental da linguagem. As doenças têm seus nomes que, mesmo desconformes com a gramática, são os conhecidos entre os médicos. Na prática clínica, deparam-se nomes de batismo como Uóxito por Washington, Maicon por Michael; são corretos como denominadores de pessoas, por que são esses os seus nomes e por eles é que respondem. Do mesmo modo, na prática médica, há nomes errôneos consagrados e seria inconveniente exprimi-los de outras maneiras; ginecologia não mais poderia ser ginepatologia, nem ortopedia, osteomioartrologia.

Contudo, se um termo médico apresenta outros equivalentes de bom uso e formação, vale verificar qual deles é o mais adequado, gramaticalmente, para escolhê-lo e usá-lo em lugar dos imperfeitos. Assim como não se usa uma técnica cirúrgica por ser mais bonita, é de bom senso, em informes científicos, escolher uma palavra, não por meio de subjetividade, mas por sua expressividade e precisão. Em seqüência, estão alguns usos questionáveis e sugestões de substituição.

Atribuições de características humanas a coisas e ações

Constitui coloquialismo repreensível usar expressões e termos próprios de ações humanas em relação a coisas, como escreveu o Prof. Nelson Spector em seu livro Manual para Redação de Teses, Dissertações e Projetos de Pesquisa (Rio de Janeiro, 1997, p. 63). Em relatos científicos formais, podem ser evitados exemplos como:

"O artigo fala sobre o assunto"
(No artigo, refere-se sobre o assunto);

"O trabalho dizia que",
(Os autores relataram que);

"O colédoco mediu 2 mm de calibre."
(O coledoco tinha 2 mm de calibre);

"O estudo conclui que o prognóstico é favorável."
(Conclui-se no estudo que);

"Este trabalho analisou 1.200 pacientes"
(Foram analisados 1.200 pacientes no trabalho);

"A lesão tem predileção por tal órgão ou tecido."
(A lesão é mais comum em...);

"A pesquisa não conseguiu demonstrar esse aspecto."
(Não se conseguiu demonstrar esse aspecto na pesquisa);

"Esse diagnóstico propõe tratamento urgente."
(Esse diagnóstico é indicação de tratamento urgente);

"O tratamento pede antibióticos."
(O tratamento inclui antibióticos);

"O ultra-som supeitou de..."
(A ultra-sonografia nos levou a suspeitar de...);

"O microscópio diz",
(A microscopia revelou);

"O artigo descreve vários casos raros."
(Foram descritos vários casos raros no artigo);

"O simpósio discutirá..."
(No simpósio se discutirá).

Em uma publicação formal, escreveu-se em forma coloquial: "A tampa da caneta não conseguia ser removida, pois a mesma trancava e não passava na região subglótica".

A expressão "a tampa não conseguia" confere animação ao corpo estranho. Seria mais feliz: A tampa da caneta não foi removida por que não passava pela região subglótica. Na frase "O baço mediu 8,2 cm em seu maior eixo", embora medir também signifique ter a extensão, essencialmente indica determinar por meio de instrumento de medida, avaliar, calcular. Melhor: O baço tinha 8,2 cm em seu maior eixo.

Em interpretação rigorosa no estilo científico, que se caracteriza por sua seriedade e rigorosidade, fatores que lhe conferem credibilidade, são as pessoas, geralmente, médicos(as), autores, doentes que respondem, falam, dizem, oferecem, concluem, querem, não seres inanimados.

Figuras de linguagem como metáforas, hipérboles, metonímias e outras estão bem como recursos didáticos mesmo em relatos científicos formais.

Contudo, seu uso generalizado em lugar dos termos adequados pode indicar uso desprimoroso em redação científica.

Exames normais

Dizer "os exames foram normais" significa, a rigor, que foram bem feitos, sem falhas, sem atrasos, dentro da normalidade de realização deles. Torna-se questionável a propriedade da expressão se, pelo contrário, dissermos que o exame foi anormal. O que se indica é que o resultado dos exames revela normalidade do material examinado.

Pelo mesmo motivo, em lugar de "o exame de sangue foi normal", diz-se "sangue (urina, fezes, líquor) normal ao exame". Em lugar de "o exame clínico do paciente foi normal", pode-se dizer "paciente normal ao exame clínico". Entende-se bem no meio médico o que seja "exame normal", mas, tem valor a linguagem mais cuidada.

O mesmo critério é aplicável aos exames instrumentais: em vez de endoscopia normal (laringoscopia, anuscopia, colonoscopia, rinoscopia), é mais adequado referir-se à normalidade do/s órgão/s examinados. Exs.: laringoscopia: laringe normal (em lugar de laringoscopia normal). Em vez de "exame ecográfico normal" ou "exame cintilográfico normal", mais indicativo dizer aspecto ecográfico ou cintilográfico normal. Exame anormal pode produzir resultados anormais. Enquadram-se neste particular expressões do tipo "ausculta normal", "palpação normal", "percussão normal".