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Revista Paraense de Medicina

Print version ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. vol.22 no.1 Belém Mar. 2008

 

ARTIGO ESPECIAL

 

A reabilitação cirúrgica na hanseníase

 

 

Adenáuer Góes

Médico Ortopedista e Traumatologista, com Especialidade em Medicina do Trabalho e Medicina Desportiva e Responsável pelo setor de Reabilitação Cirúrgica da SESPA, período de 1982 a 1992

 

 

Como nosologia é uma das mais antigas referenciadas pelo homem, sendo citada na Bíblia. Carregou estigma, sem igual, ao longo dos séculos, não apenas da sociedade em relação aos doentes, mas, também, dos próprios para consigo mesmo.

Na realidade, como doença, é de uma riqueza científica difícil de ser comparada na história da Medicina. Apresenta evolução clínica bastante diversificada, à semelhança de processo sindrômico, necessitando de atenção e sensibilidade do médico assistente, sob pena de retardo no diagnóstico ou não, identificação de intercorrências, tão comuns na evolução do quadro clínico. Nestes casos, não apenas o dermatologista deve estar muito atento, mas, também, o clínico, reumatologista, ortopedista, neurologista, oftalmologista, otorrino, angiologista e por ai segue em relação às diversas especialidades, freqüentemente, procuradas pelo paciente ou referenciadas pelos colegas médicos em busca do esclarecimento de diagnóstico.

No Brasil e, particularmente, no estado do Pará a incidência de hanseníase ainda é muito grande, apesar de todo avanço que tivemos em relação ao tratamento; não se pode dizer o mesmo em relação ao diagnóstico precoce e as precárias condições de saneamento que ainda persistem e, fatalmente, continuam a contribuir sobremaneira para a manutenção dos elevados índices de prevalência.

Na década de oitenta, a grande batalha travada era a de nivelar a hanseníase a qualquer uma outra doença, dar-lhe as mesmas oportunidades de atenção e reduzir seu estigma. Com esta finalidade o Brasil propôs a mudança da nomenclatura, o que foi aceito pela OMS, que por sua vez sugeriu acabar com os depósitos humanos das colônias e promover a reabilitação dos pacientes no sentido amplo da palavra para a sociedade, inclusive, Edson Arantes (Pelé) foi contratado como embaixador no combate a este flagelo milenar. Atender um paciente de hanseníase em qualquer hospital da rede pública ou privada não fazia parte da realidade diária. Ao Secretário de Saúde, de então, Dr. Almir Gabriel, deve-se reconhecer grande parte das decisões firmes que precisaram ser tomadas para romper com o paradigma estabelecido. Foi, justamente, a que a reabilitação cirúrgica ganhou espaço em função da quantidade significativa de pacientes portadores de deformidades, os quais aguardavam por esta oportunidade. Estima-se que algo em torno de 30% dos pacientes clínicos possam ser beneficiados com algum procedimento cirúrgico. Sempre houve, porém, desconhecimento, despreparo, aversão ou medo dos cirurgiões no atendimento e indicação cirúrgica dos pacientes hansenianos.

O trabalho desenvolvido pelo Instituto Lauro de Souza Lima em Bauru - São Paulo, dirigido então pelo dermatólogo hansenologista, Diltor Opromola, funcionava como referência nacional a partir do final da década de setenta, tendo a frente o cirurgião canadense Frank Duerksen e o jovem cirurgião plástico e de mão, Marcos Viermond, que, hoje, por destino e merecimento dirige a instituição, foi de importância inestimável, devidamente, registrada nos anais da história da Medicina nacional. Viermond formou cirurgiões habilitados a usarem técnicas tradicionais, quer na ortopedia, neurologia, cirurgia plástica e outras especialidades cirúrgicas, ajudando de forma decisiva a superar, em muito, o próprio estigma que os cirurgiões depositavam em relação à hanseníase. Estes profissionais treinados em seus respectivos estados passaram na prática do dia-a-dia a difundir esta nova postura, frente a esta doença e, desta forma, passível de recuperação. Esta evolução profissional e comportamental levou, também, à formação de equipe multidisciplinar composta de fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo, técnico em órteses e próteses, etc. Em Belém, o então Centro de Reabilitação Física Drº Demétrio Medrado era a referência ambulatorial. Estavam abertas as portas dos hospitais para o paciente hanseniano, de forma igualitária, com livre acesso pelo sistema de saúde, com suas virtudes e seus defeitos.