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Boletim de Pneumologia Sanitária

versión impresa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.7 n.1 Rio de Janeiro jun. 1999

 

 

Impacto da reforma do setor saúde sobre os serviços de tuberculose no Brasil

 

 

Antonio Ruffino Netto

Coordenador Nacional de Pneumologia Sanitária - SPS/MS

 

 


RESUMO

O Brasil ocupa o 1o lugar entre os 22 países que são responsáveis por 80% dos casos estimados de tuberculose no mundo. A incidência da doença no país, em 1997, foi 51,7/100.000 habitantes, houve cerca de 6.000 óbitos. Em 1997 foram notificados 83.309 casos (de um total estimado de 129.000). Atualmente 75% dos casos notificados são curados e 14% abandonam o tratamento.
Em outubro de 1998 o Ministério da Saúde apresentou o Plano Nacional de Controle da Tuberculose, adotando a estratégia DOTS recomendada pela Organização Mundial da Saúde. As metas do Plano Nacional são: implementar as atividades de controle da doença em 100% dos municípios do país; detectar 92% dos casos existentes até o ano 2002; curar 85% dos casos novos detectados; reduzir a incidência à metade do seu valor e a mortalidade em dois terços até o ano 2007.
O Ministério da Saúde pagará um bônus de R$150,00 ou R$ 100,00 se houver ou não tratamento supervisionado, respectivamente para o fundo municipal de saúde, por cada paciente de tuberculose tratado e curado. Resultados preliminares foram obtidos dos serviços de saúde que adotaram a supervisão do tratamento.


SUMMARY

Brazil ranks tenth of 22 countries that are responsible for 80% cases of tuberculosis in the world.The incidence in 1997 was 51,7 / 100.0000 , there were about 6.000 deaths. In 1997 was reported 83.309 cases ( from the estimated 129.000 cases ). At present 75% of reported cases are cured, 14 % lack of aderence to treatment.
In October 1998, the Ministry of Health present the NTP where adopted the WHO strategy DOTS with the implementation the all Tb control policy package.
The targets of NTP are:to implement the new Tb control strategies to 100% administrative areas in the country; to detect 92% of existing cases by 2002; to cure 85% of detected new cases ; to halve the incidence of the disiase and reduce the mortality to 1/3 by 2007.
The Ministry of Health will pay a bonus ( R$150 or R$100 if there was or not supervision in the treatment ) to health centres for each patient cured.
Preliminary results are obteined in services of health that adopted the supervision of treatment.


 

 

Introdução

A WHO, 1998, estima que 80% dos casos de tuberculose do mundo se encontram em 22 países, entre os quais está o Brasil ocupando o 10o lugar nesse ranking.

No presente trabalho pretende-se analisar as relações entre políticas de saúde de diferentes momentos históricos com impactos ocorridos no programa de controle da tuberculose no Brasil.

 

Metodologia

Foi feito um levantamento dos fatos pertinentes na política de controle da tuberculose, cotejando-os com os dados epidemiológicos disponíveis na Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária para os últimos 20 anos.

Não resta a menor dúvida que a qualidade dos dados quantitativos deixam muito a desejar. Trata-se de estudo retrospectivo, com um sistema de notificações que nem sempre trabalhou de maneira uniforme no período em questão

Supervisões nos Estados sofreram solução de continuidade no transcorrer do período.

Por outro lado, também as matrizes de programação são passíveis de discussão. Toda e qualquer estimativa é sempre pautada sobre modelos atemáticos. Tais modelos (como já tivemos ocasião de discutir detalhadamente em trabalho anterior – Ruffino-Netto, 1999) fazem previsões com aproximações mais exatas quando trabalhamos no campo das ciências naturais. Não esquecer que a doença tuberculose (humana) está ocorrendo com pessoas que estão sujeitas, simultaneamente, às leis naturais e culturais. O indivíduo vive imerso em fenômenos de natureza biológica, psicológica, sociológica, econômica, religiosa, artística, etc.

Para o presente estudo, utilizou-se como estimativa de ocorrências as seguintes matrizes: sintomático respiratório = 1% da população geral; pacientes com baciloscopia positiva no escarro = 4 % dos sintomáticos respiratórios; total de casos igual ao dobro do número de casos com baciloscopia positiva.

Em vista do exposto, em momento algum afirmaremos a veracidade dos dados, mas tão somente utilizaremos para analisar tendências do que está acontecendo, relacionando-os com eventos norteadores da política de saúde da época.

 

Antecedentes

No Quadro 1 é apresentado uma visão geral dos pontos relevantes ligados a história e ao controle da tuberculose no Brasil (Barreira, 1996, 1996a; Hijjar, 1997; WHO,1997; Ministério da Saúde, 1993,1999).

 

 

Os principais pontos ali enumerados poderão ser destacados, quais sejam:

A tuberculose no país data praticamente desde o ano de 1500. Foi introduzida pelos portugueses e missionários jesuítas durante sua colonização.

No início do século 19, praticamente um terço dos óbitos eram devidos a esta enfermidade, que acometia principalmente os negros. A assistência se dava através de organizações filantrópicas.

No início do século 20, Oswaldo Cruz instituiu um plano de ação contra a tuberculose, obtendo contudo, pouco impacto. No final da década de 10 foi criada a Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose.

Em 1927 efetuou-se a primeira vacinação com BCG oral no Brasil.

Em 1941 foi criado o Serviço Nacional de Tuberculose (SNT) e em 1946 a Campanha Nacional Contra a Tuberculose (CNCT) com as funções descritas no Quadro I.

Em 1970 o Serviço Nacional de Tuberculose se transforma na Divisão Nacional de Tuberculose(DNT) e em 1976 em Divisão Nacional de Pneumologia Sanitária (DNPS) (Ministério da Saúde, 1993).

O II Plano Nacional de Desenvolvimento de 1975 envolve no seu bojo o controle da tuberculose. O Programa Nacional de Controle da Tuberculose era então financiado pelo Ministério da Saúde, INAMPS e Secretarias Estaduais de Saúde, integrando diferentes níveis governamentais , tendo as seguintes características (Ministério da Saúde, 1993):

1- coordenação e normas únicas em níveis federal e estadual;
2- unidades de saúde integradas;
3- atividades independentes do especialista no nível ambulatorial;
4- esquema terapêutico de curta duração (6 meses);
5- medicamentos fornecidos gratuitamente aos doentes descobertos;
6- sistema de informação único e ascendente;
7- extensão da cobertura vacinal;
8- modelo de programação claro e objetivo.

Em 1981, através de convênio INAMPS/ Ministério da Saúde/Secretarias Estaduais da Saúde, é transferida a execução do controle da tuberculose para as Secretarias Estaduais. Novas estratégias foram propostas para organização da saúde, tais como AIS (Ações Integradas de Saúde), SUDS (Serviço Único e Descentralizado de Saúde) e atualmente, o Sus (Sistema Único de Saúde).

Em 1990, o programa de controle da doença sofre desestruturação quando o Presidente Fernando Collor de Mello, almejando reduzir gastos e descentralizar a administração para os estados, extinguiu a Campanha Nacional Contra a Tuberculose ( WHO, 1997).

Foi criada então a Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária (CNPS), ligada inicialmente à Fundação Nacional de Saúde

Em 1992, tentando-se reerguer o programa, a responsabilidade dos treinamentos, monitorização dos tratamentos e campanhas públicas são transferidas do nível federal para o estados e a assistência aos pacientes, para os municípios (Hijjar, 1997).

Em 1994 é proposto um Plano Emergencial de Controle da Tuberculose para o país, que apenas foi implementado em 1996, selecionando-se 230 municípios. O critério de prioridade para implementar as atividades de controle, se baseava na situação epidemiológica da doença e interfaces com a AIDS e no tamanho da população. O Plano, entre outros elementos, considerava um repasse de recursos financeiros aos municípios, à base de R$100,00 (cem reais) para cada caso estimado de tuberculose que deveria ser descoberto no referido município. O repasse seria operacionalizado através de um convênio entre o município e a Fundação Nacional de Saúde, o qual estipulava as obrigações/restrições na aplicação dos recursos (Ministério da Saúde, 1996).

Por ocasião da proposição deste Plano, seus objetivos seriam alcançar até dezembro de 1998:

1. integrar 100% dos municípios selecionados com ações de diagnóstico e tratamento da tuberculose em pelo menos uma unidade de saúde;
2. implementar diagnóstico bacteriológico da tuberculose, melhorando a rede de laboratórios e capacitação de recursos humanos;
3. aumentar a cobertura do PCT, integrando 80% dos Centros de Saúde existentes na rede pública às ações de controle da tuberculose;
4. descobrir pelo menos 90% dos casos de tuberculose existentes no país, implementando a busca de casos, identificando os sintomáticos respiratórios em toda primeira consulta nas unidades de saúde;
5. aumentar a efetividade do tratamento, submetendo 100% dos casos novos diagnosticados ao tratamento padronizado, curando pelo menos 85%, implementando tratamento supervisionado para pacientes com maior risco de abandono;
6. desenvolver ações políticas junto às autoridades de saúde e população para priorizar o controle da doença nos Conselhos Municipais de Saúde.

Em março de 1998, a imprensa internacional levanta a calamidade da situação epidemiológica da tuberculose no mundo, discutida pela WHO e mostra o Brasil ocupando o 10a lugar como já destacamos anteriormente.

Em 1998 a CNPS volta para o Ministério da Saúde, vinculada agora à Secretaria de Políticas de Saúde.

A resolução número 284, do Conselho Nacional de Saúde, de 6/08/98, considerando o descalabro consentido em que se encontrava a tuberculose no país, e que o Plano Emergencial, elaborado em 1994, ainda em implementação, estava requerendo ajustes e ampliação, e que a situação poderia e deveria ser corrigida com os recursos disponíveis, resolve que a tuberculose era problema prioritário de saúde pública no Brasil (tanto por sua magnitude como pela possibilidade e vantagens de seu controle) e sugere estabelecer estratégias para um novo plano.

Assim, em outubro de 1998, foi lançado o Plano Nacional de Controle da Tuberculose que teve as seguintes metas:

1. em três anos ( 2001) diagnosticar, pelo menos 92% dos casos esperados;
2. tratar com sucesso, pelo menos 85% dos casos diagnosticados;
3. em 9 anos (2007) reduzir a incidência em pelo menos 50% e a mortalidade em dois terços.

O Plano apresenta as seguintes diretrizes gerais: o Ministério da Saúde é responsável pelo estabelecimento das normas, aquisição e abastecimento de medicamentos, referência laboratorial e de tratamento, coordenação do sistema de informações, apoio aos Estados e Municípios e articulação intersetorial visando maximizar os resultados de políticas públicas. Reconhece que a condição essencial é a articulação e a complementaridade de ações dos três níveis de gestão do SUS (União, Estados e Municípios) e, mais, envolver obrigatoriamente a participação social das organizações não governamentais, realizar detecção e diagnóstico feito fundamentalmente através da baciloscopia em todos sintomáticos respiratórios e contatos, disponibilizar tuberculostáticos incluindo um estoque estratégico, assegurar tratamento supervisionado e vigilância da resistência às drogas, e prover um sistema de informação de acordo com as recomendações da OMS (Ministério da Saúde, 1999).

O Plano introduz duas inovações: o tratamento supervisionado e a instituição de um bônus de R$150,00 (cento e cinqüenta reais) e de R$100,00 (cem reais) para cada caso de doente de tuberculose tratado e curado, utilizando o tratamento supervisionado ou auto-administrado, respectivamente.

O repasse desses bônus seriam feitos automaticamente por ocasião da notificação da alta do paciente por cura. Seria suprimida toda e qualquer burocracia de assinaturas de convênios para esses repasses.

Foi selecionado pelo menos um município como área de demonstração em cada Estado para deflagrar todo o potencial do Plano. Esta é a forma como o Plano está sendo executado.

 

Resultados e discussão

Na tabela I e gráficos 1 e 2 são apresentados os coeficientes de incidência e de mortalidade por tuberculose, por 100.000 habitantes, no período de1977 a 1997.

 

 

 

 

 

 

Num primeiro instante chama a atenção a elevação dos coeficientes de notificação no período 1978/1981. Em seguida, há um declínio constante em todo o período, com ligeiras flutuações. Estaria este aumento de notificação em 1981 associado com o convênio INAMPS/MS/SES que transferiu a execução dos programas de controle da tuberculose para as Secretarias Estaduais de Saúde? É uma hipótese pouco provável, pois a partir de então os coeficientes de notificações vão declinando constantemente.

Como entender esse declínio no período 1981/1997? Melhoria da situação epidemiológica no país?. Também é outra hipótese com pouquíssima probabilidade de ser verdadeira.

Durante estudos de revacinação de escolares na cidade de Salvador, Bahia, trabalhando com amostragem dessa população foram encontrados (embora a amostragem apresente evidências de “bias”), bolsões de escolares com prevalência de infecção tuberculosa que permitiu estimar o risco de infecção em valores da ordem de 2,5% ( Bierrenbach,1998). Para riscos tão elevados, embora em bolsões, seria pouco provável o declínio tão rápido da doença.

A própria mortalidade pela enfermidade (tabela 1 gráfico 2) mostra que a situação epidemiológica não teria sido tão favorável desta maneira.

Assim, o declínio na incidência de notificações parece que seria melhor explicado por aspectos operacionais (baixa procura de casos como veremos adiante) que razões epidemiológicas.

No período 1977/1982, o coeficiente de incidência aumentou e o coeficiente de mortalidade caiu. Portanto, o coeficiente de letalidade deveria ter sofrido grande declínio (uma vez que coeficiente de letalidade = coeficiente de mortalidade dividido pelo coeficiente de incidência). Como no período que se segue (1982/1995) a letalidade permanece constante (tabela 2 e gráfico 3), provavelmente também este seria seu comportamento no período anterior. Neste caso, a hipótese mais provável é que o coeficiente de mortalidade estaria subnotificado no período anterior, ou seja, entre 1977/1981.

 

 

 

 

Fávero, Ruffino-Netto e Duarte, 1972, estudando a tuberculose como causa de óbito numa cidade do interior do Estado de São Paulo, encontraram que em um terço dos casos que morreram na comunidade e em que a tuberculose teve participação, o diagnóstico somente foi feito na autópsia, embora 90% destas pessoas morassem na cidade há mais de 2 anos e esta contasse com recursos para efetuar o programa de controle da doença. Ou seja, a subnotificação de óbitos por tuberculose é um fato concreto para o país. Se a prevalência oculta da doença é da ordem de 30% , é de se supor também que a subnotificaçao da mortalidade também esteja ocorrendo.

Uma outra hipótese a ser lembrada para a redução da mortalidade seria a introdução do esquema de curta duração (incluindo o uso da rifampicina) que tem uma eficácia muito grande. Mas, neste caso, porquê a redução teria durado tão pouco tempo (1977/1985) se o problema da resistência aos medicamentos ainda não era e/ou não é tão grande no país?.

Desta maneira, para o período de estudo, há razões para se pensar que ocorreu subnotificação da mortalidade assim como subnotificação da incidência, talvez por baixa operacionalização na busca de casos novos.

Na tabela 2 e gráfico 3 são apresentados os percentuais de detecção dos casos, sintomáticos respiratórios examinados, abandono do tratamento, curas e letalidade.

No período todo, há um percentual de detecção de casos que inicia com 92% em 1982 e cai progressivamente até 64% em 1997 com flutuações para baixo em 1989/1990.

Em 1990 foi extinta a Campanha Nacional Contra a Tuberculose. Mas, porquê durante todo o período houve essa queda constante? Teria a Vigilân cia piorado gradativa e constantemente para aumentar a discrepância entre o observado e o esperado de casos novos? Ou ocorreu que valores esperados foram superestimados? Embora as duas hipóteses sejam plausíveis, o mais provável é que a procura de casos tenha diminuído. Tal hipótese é corroborada pelo número de sintomáticos respiratórios (SR) examinados no período, cujo percentual em relação ao esperado caiu de 45% em 1982 para 14% em 1996. Mesmo que tal indicador seja tido como ultra vulnerável pela própria CNPS, devido à qualidade do preenchimento e coleta dos dados, fica evidenciado que, mesmo com dados provavelmente incorretos, a procura de casos de tuberculose está baixa.

Haja vista que, para um total de 160 milhões de habitantes, foram feitas apenas cerca de 300.000 baciloscopias diagnósticas. Se fôssemos fazer 2 baciloscopias para diagnóstico por cada sintomático respiratório e supondo 1% da população geral nesta categoria, teríamos estimados: 1.600.000 sintomáticos respiratórios e portanto, 3.200.000 baciloscopias diagnósticas.

Lembrando que o Peru, para uma população de 23 milhões de habitantes, faz 1.400.000 baciloscopias diagnósticas anuais, observamos que estamos em uma situação muito longe de poder-se falar que esgotamos os recursos diagnósticos. Se é verdade que o número estimado de casos poderá estar superestimado, mais verdadeiro ainda será supor que o número de casos observados está muito aquém do desejado.

Porquê esse baixo percentual de detecção? Porquê não se procura mais tuberculose? A crença geral das pessoas é que a tuberculose é doença do passado. Teria sido esta também a crença dos médicos? Secretarias Municipais / Estaduais de Saúde? Das Universidades do país? E do próprio Ministério da Saúde? É difícil responder esta questão e principalmente refutar a hipótese embutida que ela contém.

As diferentes políticas de saúde, no período, parecem não ter causado impacto algum na procura de casos assim como no percentual de abandono como veremos a seguir.

Nestes últimos 20 anos, observa-se que o percentual de abandono do tratamento manteve-se sempre em níveis elevados, mais ou menos estável ao redor de 14%. Vale ressaltar que isto é uma média nacional, sendo que estes valores chegam a variar de 30 a 40% de um local para outro. Éspera-se que este nível venha agora a se modificar com o tratamento supervisionado.

Embora para a WHO, o tratamento supervisionado seja uma proposta inovadora, deve-se ressaltar contudo, que a Fundação de Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) do Brasil já o utilizava na década de 60. O tratamento supervisionado era efetuado pela enfermagem, em unidades de todos os níveis de complexidade da SESP. Esta estratégia se iniciou em 1962, e conseguiu cobrir todas as unidades da Fundação em 1981. No período de 1974 a 1978, tratou 16.426 pacientes com tuberculose obtendo os seguintes resultados: 81% de cura, 9% de abandono e 4,7% de óbito (Rocha,1981).

O percentual de curas sofreu flutuações com tendência geral decrescente.

A desestruturação da CNCT interferiu seriamente no percentual de curas especificamente nos anos de 1991 e 1992, embora apresentasse anteriormente um declínio. Durante todo esse período, somente em 1985 o percentual de cura atingiu o valor de 86,3%.

A década de 80 e início de 90 parece realmente ter sido um período de grande desestruturação do programa que estaria a clamar por um plano emergencial.

A implementação deste Plano (efetivamente a partir de 1996) não alterou o percentual de abandono e/ou de cura. O percentual de detecção bem como o percentual de SR examinados caiu um pouco. O percentual de cura sofreu pequena elevação.

Durante o Plano Emergencial a cobertura do programa alcançou integrar 72% dos Centros de Saúde. O % de detecção ficou ao redor de 66% e o de cura ao redor de 75%. A quantidade esperada de bacioloscopias para diagnóstico em 1996/1997 era respectivamente, de 1.569.911 e 1.612.32; contudo, foram efetuadas apenas 265.723 e 236.500 , ou seja, apenas 16,9% e 14,7% do esperado (ou se efetuássemos 2 baciloscopias para diagnóstico, representaria apenas 8,4% e 7,3% respectivamente do esperado).

Quanto às ações políticas junto às autoridades de saúde parece que surtiram pouco impacto, pois tuberculose parecia considerada um problema não prioritário, seja nos níveis federal, estadual e municipal, a ponto de, em diferentes níveis e/ou momentos, falar-se em “tuberculose como algo emergente (?) ou reemergente (?) sem se dar conta que, para o Brasil ela não é nem uma coisa tampouco outra. A tuberculose esteve sempre presente como problema de saúde pública durante todo o século (Ruffino Netto, 1997).

Em 1997 houve falta de medicamentos tuberculostáticos em praticamente todos os Estados brasileiros, pois a programação feita pela CNPS não foi atendida pelo Ministério da Saúde.

 

Conclusões

Parece que fatos das políticas de saúde vigentes no período tiveram impactos marcantes em alguns aspectos da epidemiologia da tuberculose. Alguns marcantes negativamente, como foi o caso da extinção da Campanha Nacional Contra a Tuberculose e da falta de medicamentos.

Outros atuaram positivamente como o convênio INAMPS/MS/SES e a adoção de esquemas terapêuticos padronizados de curta duração.

Durante todo o período o percentual de abandono foi sempre alto, o que poderia ter mobilizado anteriormente a implementação do tratamento supervisionado, à exemplo do que já efetuava a Fundação SESP na década de 60.

Assim, se tanto os casos notificados (observados) quanto os casos estimados são passíveis de discussão, portanto passível também é de crítica a avaliação que se faz do programa. Os dados observados e estimados não descrevem com exatidão a realidade. Servem contudo como exercício de reflexão sobre tendências dos fenômenos.

Repetimos o já explicitado: não era intenção retratar com exatidão a realidade ( não teríamos dados e condições para isso). O objetivo é apenas reflexão que possa mostrar caminhos para melhoria da situação do problema em pauta.

 

Bibliografia

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9. RUFFINO-Netto, A. Brasil: doenças emergentes ou reemergentes? Revista Medicina de Ribeirão Preto, 30(3):p. 405, 1997.

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