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Boletim de Pneumologia Sanitária

versión impresa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.7 n.1 Rio de Janeiro jun. 1999

 

 

Tuberculose em pacientes infectados pelo HIV experiência de um serviço de referência para DST/AIDS, em São Paulo

 

 

Leda Fátima JamalI; Maria Cecília de Almeida PalharesII

IMédica da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids
IIBiologista Chefe do Laboratório do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids Secretaria de Estado de São Paulo

 

 

Em nosso país, a tuberculose começou a se mostrar como uma importante infecção oportunista ligada à Aids vindo, a partir de 1993, a superar a pneumonia por P.carinii entre os pacientes notificados como casos de Aids, no estado de São Paulo.

No entanto, apesar da alta incidência de tuberculose (TB) nos pacientes infectados pelo HIV, nos serviços especializados no atendimento a essa população as normas estabelecidas pelo Programa de Controle da Tuberculose nem sempre são seguidas à risca. Assim, a notificação de casos de TB e o controle de contactantes nesses serviços, por exemplo, são pontos onde há falhas importantes. O primeiro devido, às vezes, ao desconhecimento, por parte dos profissionais de saúde, da necessidade de uma notificação específica do caso de TB, visto o paciente já ter sido notificado como caso de Aids, com inclusão da tuberculose na notificação de Aids; o segundo devido à própria dificuldade em se estabelecer um "rastreamento" epidemiológico a partir do caso-índice visto que, além da própria doença que assim o exige, o paciente é portador de uma outra doença ou infecção ainda bastante discriminatória, onde o cuidado com o sigilo implica em dificuldades maiores no estabelecimento de um controle eficaz dos contactantes de TB.

O nosso trabalho se desenvolve no Centro de Referência e Treinamento de DST/AIDS, um serviço de referência no município de São Paulo, e que há 2 anos é também a sede do Programa Estadual de DST/AIDS. Além de ser um ambulatório para pacientes infectados pelo HIV e para DST (doenças sexualmente transmissíveis), temos uma enfermaria com 30 leitos, especificamente para Aids. Apesar do grande número de casos de TB em HIV positivos notificados em nosso serviço desde 1993 (1551 casos, incluindo retratamentos) ainda não estamos com o Programa de Controle da Tuberculose devidamente implantado.

No decorrer dos anos, no entanto, conseguiu-se estabelecer um bom controle dos casos bacilíferos de TB, através do estabelecimento de um fluxo de exames do laboratório para a Vigilância Epidemiológica (V.E.), como descrevemos mais adiante.

 

Detecção de caso

Dentro das atividades desenvolvidas para o controle da tuberculose, e visando principalmente seu diagnóstico precoce e a imediata instauração de tratamento específico, a partir de 1994 estabeleceu-se um fluxo de exames positivos para tuberculose diretamente do laboratório do CRT para a V.E. Como os resultados são liberados após 17hs, os exames positivos (baciloscopia direta ou cultura, identificação ou teste de sensibilidade) são enviados somente no dia seguinte. A partir daí, são realizados os seguintes procedimentos, pela V.E.:

a. levantamento imediato do prontuário do paciente, para averiguar se já se iniciou o tratamento anti- TB;

b. caso este não tenha sido iniciado e o médico do paciente desconheça esse resultado positivo, envio de telegrama fonado solicitando o comparecimento do paciente ao Serviço de Assistência Social.

c. colocação de uma etiqueta de tuberculose em branco, na capa do prontuário, visto que todos os prontuários com etiquetas em branco, de Aids ou de tuberculose, são enviados para a avaliação pela Vigilância Epidemiológica dois dias após comparecimento do paciente ao Serviço.

d. quando do comparecimento em resposta à convocação, o paciente é encaminhado pela assistente social ao Setor de Pronto-Atendimento para avaliação pelo médico, para início de tratamento específico.

e. os mesmos procedimentos são tomados na eventualidade de um teste de sensibilidade mostrar resistência a alguma droga que esteja sendo utilizada.

Desde 1996, foram convocados 248 pacientes, sendo 215 devido a resultados positivos para TB, sem tratamento específico. Desses 215, 151 compareceram ao Serviço. De 139 que compareceram e que não estavam já em tratamento, o tempo médio entre a convocação pela V.E. e o início de tratamento foi de 15 dias, com mediana de 5 dias. Como anteriormente a maio/99 os telegramas eram enviados através da Secretaria da Saúde, um retardo de 2-3 dias era esperado para o envio. A partir desta data, no entanto, adotou-se a estratégia de telegramas fonados, visando agilizar o recebimento dos mesmos. Uma falha nesse fluxo ainda são os endereços inexistentes ou desatualizados, o que estamos procurando minimizar com a atualização sistemática dos mesmos pelo Setor de Arquivo Médico.

 

Controle de contactantes

Como o CRT-DST/Aids caracteriza-se pela especificidade do atendimento, seja a pacientes infectados pelo HIV, seja a pacientes com doenças sexualmente transmissíveis (DST), o controle dos contactantes não é realizado no próprio Serviço, sendo feito encaminhamento a unidades básicas de saúde. Visando minimizar as perdas de seguimento desses encaminhamentos, há alguns anos foi elaborado um instrumento para contato com as unidades de saúde. Assim, quando se iniciava o tratamento específico, o paciente era encaminhado para a enfermeira responsável, e dava-se início ao seguinte fluxo:

a. em um encaminhamento feito em duas vias, os contactantes eram encaminhados à unidade de saúde mais próxima da residência. A primeira via desse encaminhamento era arquivada no setor e a segunda encaminhada à V.E.

b. um mês após, o setor de V.E. enviava um ofício solicitando informações a respeito da conduta adotada em relação aos contactantes encaminhados e, caso estes não tivessem registro na Unidade, a realização de visita domiciliar no endereço especificado.

Esse fluxo perdurou durante um certo tempo, porém não se manteve de maneira sistemática por falta de recursos humanos e dificuldades organizacionais, apesar de uma relativa boa resposta que tivemos das unidades.

 

Controle dos pacientes em tratamento

Todos os pacientes com diagnóstico de tuberculose são notificados à Divisão de Tuberculose do Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo (CVE), pelo setor de V.E. Desde outubro de 1998 estamos utilizando, para notificação dos casos, o Epi-TB, um programa criado pela Divisão, a ser gradativamente implantado em todo o Estado. Este, no entanto, apesar de conter informações sobre soropositividade ao HIV e doenças associadas (incluindo Aids), foi elaborado visando a notificação e controle de casos de TB em geral. Como as questões ligadas ao HIV/Aids são bastante específicas, e para tentar minimamente respondê-las, a V.E. criou um banco de dados para todos os pacientes notificados no Serviço a partir de 1994, utilizando-se o software EpiInfo 6.04.a. Algumas variáveis ou categorias são incluídas à medida que questões novas se apresentam (por exemplo, para responder à questão da eficácia ou efetividade de outros esquemas de tratamento utilizados no paciente HIV positivo, como o esquema de substituição à RMP quando o paciente se encontra em uso de inibidores de protease). Algumas das variáveis estudadas são:

1. variáveis epidemiológicas: situação de risco para HIV, data de diagnóstico de Aids , local de diagnóstico (feito no Serviço ou encaminhado com diagnóstico), resultado do teste tuberculínico e data, quimioprofilaxia anterior, TB pregressa, óbito antes do diagnóstico, forma clínica e tipo de saída do Programa de Controle da TB;

2. variáveis laboratoriais: contagem de CD4 e data do exame, tipo de diagnóstico (se por baciloscopia direta, cultura, identificação do M. tuberculosis ou do complexo M.tb) e teste de sensibilidade;

3. variáveis clínicas: esquema de drogas inicialmente utilizado no tratamento de TB (incluindo o esquema de substituição à RMP, para pacientes com inibidores de protease), mudança de droga;

4. variáveis evolutivas: tratamentos posteriores para TB, reação adversa aos medicamentos e tipo de reação, data de óbito, data da última consulta e da última avaliação do prontuário. Como todos os prontuários de pacientes que vão a óbito - seja no Serviço ou fora dele - são encaminhados ao setor de V.E. e como temos acesso ao banco de Aids do Estado, onde constam os óbitos dos casos notificados de Aids, o banco é sistematicamente alimentado com esse dado.

Devido a dificuldades operacionais, não temos essas variáveis satisfatoriamente preenchidas para todos os pacientes. No entanto, em decorrência do razoável fluxo diário de prontuários no Setor, todos aqueles com etiqueta de TB são revistos pelos técnicos responsáveis pela tuberculose e os dados têm sido gradativamente atualizados no banco.

Assim, desde 1994 temos 1387 casos de pacientes HIV positivos notificados pela primeira vez no Serviço (excluindo-se os casos renotificados devido a retratamento). Desses, temos a situação de risco para HIV em 700 (190 usuários de droga intravenosa, 204 por contaminação heterossexual e 290 homens que fazem sexo com homens). Dos 1387, temos informação de início de tratamento em 1314 (43 foram a óbito antes do diagnóstico de TB). Para os que iniciaram tratamento e que foram a óbito (data de óbito conhecida em 499 pacientes), o tempo médio entre o início de tratamento e o óbito foi de 299 dias, com mediana de 211 dias.

 

Diagnóstico laboratorial

Implantado no CRT em 1988, o diagnóstico laboratorial para tuberculose baseava-se nas metodologias convencionais de baciloscopia de 3/4 de lâmina, realizada no CRT-DST/Aids, e cultura em Lowenstein-Jansen (L.J.), realizada no Instituto Adolfo Lutz (I.A.L.), sendo a identificação por métodos bioquímicos e teste de sensibilidade a drogas realizados nessa última instituição. Este fluxo apresentava alguns problemas, uma vez que as análises de baciloscopia e cultura eram realizadas em amostras diferentes.

Associado a isto, e devido à natureza do espécime trabalhado (visto que o paciente infectado pelo HIV muitas vezes é pauci-bacilar, apresentando uma forma pulmonar intersticial e freqüentemente não cavitária), verificava-se baixa positividade nos exames baciloscópicos realizados em escarro. Em função desta baixa positividade realizou-se um trabalho comparativo, em 548 amostras de escarro, entre a baciloscopia convencional e uma metodologia de concentração do espécime utilizando-se hipoclorito de sódio a 5% para fluidificação do material e centrifugação a 3000g. Este trabalho demonstrou uma sensibilidade de 55% para o método concentrado contra 30% para o método direto. O método concentrado passou, então, a ser utilizado em nosso laboratório1. Posteriormente, em 1994, as culturas para espécimes pulmonares e LCR também passaram a ser aqui executadas utilizando-se o meio de Ogawa-Kudho, bem como a identificação do complexo M. tuberculosis por testes bioquímicos. Ainda em 1994 as hemoculturas, até então processadas em meio bifásico no I.A.L.2, passaram a ser automatizadas naquela instituição, utilizando-se o sistema radiométrico (Bactec 460â). A partir de agosto de 1998, optou-se pela automação das culturas em nosso Serviço, utilizando-se o método colorimétrico (MB-Bactâ - Organon Teknika). Passou-se, então, a processar tanto espécimes pulmonares quanto extra-pulmonares (à exceção de sangue, que veio a ser incorporado à nossa rotina somente em julho de 1999). Associado à automação, a identificação dos complexos M. tuberculosis e M. avium começou a ser realizada através de sonda genética (Gen-Probeâ), e a baciloscopia a utilizar o sedimento obtido a partir do tratamento com N-acetilcisteína após centrifugação a 3000g. Dados preliminares da análise de 709 amostras mostram que, para as 128 que apresentaram crescimento de micobactérias no MB-Bact, o tempo médio de crescimento foi de 17 dias, com 3 horas para identificação por sonda genética. Dessas 128 amostras, 82 pertenciam ao Complexo M. tuberculosis (dados não publicados).

 

Pontos fracos: controle de faltosos e tratamento supervisionado

Uma das principais dificuldades encontradas até agora tem sido o controle de faltosos. Se esta é uma atividade relativamente simples em uma unidade básica de saúde, não o é em um serviço onde os atendimentos são distribuídos em setores diversos como hospital-dia e ambulatórios, e onde o atendimento de pacientes é feito por diversos profissionais, com agendas próprias e sem comunicação com a Vigilância Epidemiológica. Entre 1195 pacientes que iniciaram pela primeira vez tratamento para TB no CRT, de 1994 a 1998, temos analisado o tipo de saída em 754; desses, 187 (29%) abandonaram tratamento e 85 somente (45%) retornaram para retratamento. Fica claro, portanto, que uma atuação bem mais enérgica se impõe. Dentro do âmbito das atividades de execução do Plano Operativo Anual de 1999 (Aids-II) do Estado de São Paulo, estamos implantando, conjuntamente com a Divisão de Tuberculose, tratamento supervisionado de TB em pacientes HIV positivos em 12 Serviços do estado, além do próprio CRT. Para tanto, estamos estabelecendo um fluxo no serviço onde haja controle de comparecimento e de tomada da medicação de todos os pacientes em tratamento de TB, bem como o envolvimento de parceiros para a supervisão de tratamento, dado as dificuldades dessa estratégia em uma cidade como São Paulo. Esperamos, com isso, diminuir de maneira importante nossa taxa de abandono e melhorar, de maneira geral, a aderência ao tratamento não só de TB como aos anti-retrovirais.

Conscientes das dificuldades encontradas pelos profissionais de saúde no atendimento a essa população específica, e dentro do quadro geral da saúde no país, estamos procurando otimizar os recursos de que dispomos e estabelecer parcerias visando o melhor controle da tuberculose. Esperamos que a divulgação de nossa experiência possa ser útil a outros serviços, principalmente no que se refere à detecção precoce de casos, e que nos propicie conhecer soluções para nossos pontos falhos, através do conhecimento de ações já implantadas.

 

Referências bibliográficas

1. Palhares, M.C.A., Placco, A.L.N., Porfirio, F.M.V., Baptista et al. Baciloscopia após concentração com hipoclorito de sódio: um método específico e preditivo para o diagnóstico de tuberculose pulmonar em pacientes portadores de HIV/Aids. J. Bras. Patol., 32(3): 98-102, 1996.

2. Martins, M.C., Ueki, S.Y.M., Palhares, M.C.A. et al. An alternative biphasic culture system for recovery of mycobacteria and for differentiation of species other than M. tuberculosis Complex from blood specimens. Revista de Microbiologia, 28: 1-7, 1998.