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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.7 n.2 Rio de Janeiro dez. 1999

 

EDITORIAL

 

Tuberculose e cultura através de tempos e espaços - Homenagem ao Prof. José Rosemberg

 

 

Gilmário M. Teixeira

Editor

 

 

Este número do Boletim de Pneumologia Sanitária traz matéria que velhos tisiólogos, artistas e intelectuais sempre estiveram à espera de vê-la enfeixada em um só trabalho que a abraçasse amplamente em suas múltiplas manifestações. Refiro-me à monografia do Prof. José Rosemberg, intitulada "Tuberculose - aspectos históricos, realidades, seu romantismo e transculturação", uma fulgurante descrição e análise do impacto da tuberculose no pensamento e na criação daqueles que enquanto intelectuais, artistas, cientistas, tiveram a desdita ou, cruel paradoxo, ventura de sofrê-la.

Rosemberg se credencia para esse trabalho não só por seu denso e extenso conhecimento médico, mas, no particular deste caso, por sua intimidade com a história, a literatura, as artes plásticas e a música, enriquecida em suas andanças por bibliotecas, museus e casas de espetáculo, mundo afora. Testemunho desse seu gosto foi certa vez distinguir-nos, ainda nos primórdios do registro em fita magnética, com o presente de uma gravação da "Sonata ao Luar", Op.27. n.2, de Beethoven, tocada no último piano que pertenceu ao compositor, o qual se encontra na casa que tem o seu nome, na cidade onde nasceu, Bonn, Alemanha.

Causa-nos perplexidade admitir que até já bem entrado o século XX quando a tuberculose ainda era uma doença devastadora, fosse ela inspiração e força criadora de obras consagradas em campos tão variados como os da literatura, artes plásticas, música e cinema.

Talvez sua qualidade de doença crônica, consumptiva e de evolução, na maioria dos casos, sem dor física localizada, mas carregada de riscos de episódios dramáticos como a hemoptise e de sombras ameaçadoras da morte, sejam condicionantes modeladores de sentimentos e expressões da criatividade humana.

Através de tempos e espaços o autor embrenha-se na história, para pinçar, entre seus grandes vultos, aqueles que, vítimas da tuberculose ou com ela envolvidos, deram forma, cor e voz à terrível saga dessa doença que ainda ocupa o imaginário de nosso tempo. Consegue assim rastrear, da antigüidade à idade contemporânea, trezentos e sessenta e quatro figuras de marcante expressão em seu ambiente social e cultural que sofreram a agressão estigmatizante da tuberculose. Destas, particulariza algumas celebridades que, por assim dizer, se identificam por um só nome. São escritores, poetas, pintores, músicos, cientistas, médicos, homens de estado, como, por ordem cronológica: Rafael, Eduardo VI, Luís XIII, Rembrandt, Molière, Priestley, Schiller, Richelieu, Bichat, Laennec, Paganini, Bolivar, Byron, Champollion, Shelley, Poe, Braille, Musset, Chopin, Nigtingale, Grieg, Castro Alves, Gaugin, Ramon y Cajal, Gorki, Thomas Mann, Stravinsky, Kafka, Manuel Bandeira e Camus.

Em todo o trabalho, ao tempo em que estuda a influência da tuberculose nos acontecimentos históricos e no processo de criação intelectual, vai descrevendo: os quadros clínicos e epidemiológicos, segundo a visão de cada época; passa pelas estrambóticas terapias anteriores ao pneumotórax - primeiro tratamento racional da doença; detém-se no período dominado pelos sanatórios de montanha, espécie de encruzilhada de gerações, culturas, conflitos e desesperanças, de que o Sanatório Berghof em Davos, Suíça, hoje Waldhotel-Bellevue - numa atitude romântica o visitamos em 1998 - é exemplo famoso por ter ambientado a "Montanha Mágica", obra prima do Prêmio Nobel de Literatura, Thomas Mann; culmina Rosemberg com uma sensível análise da repercussão da tuberculose no romantismo, com destaque para a "Dama das Camélias", pessoa e personagem tuberculosos e Chopin, o gênio da música vitimado pela tísica nos meados do século XIX.

Este editorial além da chamada de atenção para o trabalho do Prof. Rosemberg, leva o propósito de, os que fazemos o Centro de Referência Hélio Fraga, homenageá-lo neste ano de 1999 que traz o momento de seus 90 anos. O tempo que tanto nos marca, transforma e assusta e é inexorável, há de estar surpreso com o quadro de exuberante vitalidade e destreza mental, com que veio encontrar, passadas nove décadas, este companheiro de lutas.

Rosemberg procede de cepa geradora de batalhadores, aqueles que empenham todo o poder de sua inteligência, conhecimento e ação, no processo de conquista das causas que abraçam. Não é fácil puxar do mundo de seu meritório e variado currículo, os destaques com que ataviá-lo para esta homenagem.

A sua carreira médica marcada por múltiplas áreas de atividades - clínico, pesquisador, professor, sanitarista - bem traduz as inquietudes que lhe dominam o espírito. Oriundo da clássica escola tisiológica, não hesitou em estender-se à pneumologia, no momento em que chega a quimioterapia e desmantela, para gáudio de todos, o então arsenal terapêutico da tuberculose. Sua cátedra de Tisiologia na Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba, da PUC de São Paulo, se transforma em disciplina de Tisio-Pneumologia.

De muitas pesquisas médicas que realizou, destacam-se por seu pioneirismo aquelas das décadas de quarenta e cinqüenta que demostraram: a factibilidade da vacinação BCG indiscriminada, sem prova tuberculínica prévia; a positivação da reação de Mitsuda pelo BCG e sua importância para a vacinação antileprótica; a presença, no Brasil, de resistência adquirida à isoniazida ainda em 1952.

Mas, é no campo da saúde pública que se identifica a amplitude e grandeza de seus objetivos como profissional de saúde, ao abraçar duas grandes vertentes dentro da especialidade - a campanha contra a tuberculose e a luta contra o tabagismo. Em ambos campos seu trabalho é fecundo e o levou a altas posições como: Diretor do Instituto de Pesquisa de Tuberculose "Clemente Ferreira", São Paulo; Diretor da Divisão de Tuberculose do Estado de São Paulo; membro do Quadro de Peritos de Tuberculose da Organização Mundial de Saúde; Presidente do Comitê Coordenador do Controle do Tabagismo no Brasil; Presidente Honorário do Comitê Latino-americano; Coordenador do Controle do Tabagismo e outros cargos, dos quais muitos ainda exerce. Entre as honrarias com que foi distinguido sobressaem-se a comenda "Palme Academique" do Governo da França e a medalha "Tabaco e Saúde" da Organização Mundial de Saúde.

Trabalhador incansável, até hoje está à frente do ensino de Tisio-Pneumologia na Faculdade de Ciências Médicas da PUC, São Paulo, faz conferências, ministra cursos, leva sua contribuição a congressos, reuniões técnicas, no país e fora dele, e ainda encontra tempo para assessorar o Programa de Tuberculose da Secretaria de Saúde do Ceará.

Sua produção científica está expressa, no campo da tuberculose, em 4 livros e 112 trabalhos publicados e, na área de tabagismo, 2 livros - um laureado pela Academia Nacional de Medicina - e 82 publicações.

José Rosemberg, um médico culto e ético. Este é o homem que nos compraz homenagear no decurso de seus noventa anos.