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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.7 n.2 Rio de Janeiro dez. 1999

 

 

Situação bacteriológica dos doentes de tuberculose que abandonaram o tratamento

 

 

Sonia NatalI; Joaquim ValenteII; Germano GerhardtIII; Maria Lucia PennaIV

ICentro de Referência Prof. Hélio Fraga/FUNASA
IIEscola Nacional de Saúde Pública
IIIFundação Ataupho de Paiva
IVUniversidade do Estado do Rio de Janeiro

 

 


RESUMO

Estudo caso-controle aninhado em uma coorte de tratamento. A coorte foi definida como os casos de tuberculose que iniciaram tratamento de 01/89 a 03/89, com o esquema terapêutico padronizado no Brasil (2 RHZ/4RH), com 15 anos ou mais, no Hospital Raphael de Paula Sousa, no município do Rio de Janeiro. O desenlace do tratamento da coorte selecionada se completou após 6 meses quando os doentes foram classificados como curados, falência, óbitos ou abandono. O abandono foi definido, segundo as normas nacionais, como o não comparecimento ao serviço de saúde por 60 dias ou mais. Após o encerramento do tratamento de tuberculose dos doentes que compunham a coorte, foram incluidos todos os doentes de tuberculose que haviam encerrado o tratamento por abandono - casos - 78 doentes, e selecionados 93 doentes que haviam encerrado o tratamento por cura - controles. Os doentes foram entrevistados e coletada amostra de escarro para a realização do exame bacteriológico e o teste de sensibilidade. Entre os casos, 36 (46,2%) foram positivos à bacteriologia e, entre os 36 positivos, 13 (36,1%) eram resistentes a pelo menos 1 droga. Entre os doentes que haviam encerrado o tratamento por cura, na rotina do serviço (93 controles), foi detectada falência do tratamento em 11 doentes (11,8%), entre estes doentes 8 eram resistentes a pelo menos 1 droga.

Palavras-chave: Tuberculose, Resistência, Abandono do Tratamento, Falência


ABSTRACT

Nested case-control study within a cohort. The study takes place in Rio de Janeiro, at Raphael de Paula Sousa Hospital, from january to march, 1989. It was included 78 cases (treatment abandonment) and it was sampled 93 controls (cure treatment). The aim of this study it was to detect the bacteriological status in patients that abandoned the tuberculosis treatment at the interview. The patients were interviewed after the treatment outcome. Among the cases were detected 36 patients (46,2%) bacteriology positive, and among these positive cases, 13 (36,1%) were resistant at least one drug. Among the 93 controls, that the treatment outcome had received cure, were detected 11 failures (11,8%), among the failure patients, 8 were resistant at least one drug.

Key-word: Tuberculosis, Resistance, Abandonment, Failure


 

 

Introdução

O abandono do tratamento figura entre as principais causas do baixo rendimento dos programas de controle da tuberculose, do reingresso ao tratamento e do surgimento da resistência adquirida.

Pacientes com tratamentos incompletos, menos que 6 meses, estão sujeitos a apresentar baciloscopia de escarro positiva após o abandono, com piora do prognóstico individual e aumento do risco de transmissão da doença para outros indivíduos1, inclusive com bacilos resistentes.

Em estudo com esquemas de tratamento integrados por isoniazida (H), rifampicina (R), estreptomicina (S) e pirazinamida (Z), com duração variando de três a nove meses, verificou-se que, em relação às recidivas, os resultados dos esquemas de seis a nove meses são semelhantes. A redução do tempo de tomada das drogas para níveis mais baixos, determinava aumento acentuado das recidivas1 , como se pode ver na Tabela 1.

 

 

No Brasil, principalmente nos grandes centros urbanos, verifica-se um aumento cada vez maior do abandono do tratamento, e uma subutilização da baciloscopia, tanto para o diagnóstico como para o seguimento dos doentes durante o tratamento. A cultura para M. tuberculosis está restrita, praticamente aos serviços de pesquisa e referência.

Nacionalmente, o sucesso do tratamento reduziu-se a cerca de 55,0%, devido ao número de abandonos e daqueles sem informação do desfecho 2. No Rio de Janeiro, no período de 1995 a 1997, de 29.823 casos de tuberculose notificados 3, 6.148 (20,6%) referiam tratamento anterior para tuberculose.

O conhecimento da situação bacteriológica dos doentes que interrompem a quimioterapia é, portanto, um dado importante para a estimativa do impacto epidemiológico do abandono na dinâmica de transmissão da tuberculose, e, bem assim, para o estabelecimento de novas estratégias de controle desta endemia.

 

Material e Método

Realizou-se um estudo de caso-controle aninhado em uma coorte de tratamento definida como os casos de tuberculose com idade de 15 anos ou mais que iniciaram tratamento de Janeiro a Março de 1989, com o esquema terapêutico padronizado no Brasil (2RHZ/4RH), no Hospital Raphael de Paula Sousa, no município do Rio de Janeiro. Após o diagnóstico de tuberculose preenchia-se uma ficha com dados relativos à identificação, forma da tuberculose e situação bacteriológica. Os doentes eram, então, informados sobre as características de sua doença e a importância de retornarem ao serviço de saúde para a continuação do tratamento.

O desenlace do tratamento da coorte selecionada se completou após 6 meses quando os doentes foram classificados, pelo serviço do Hospital, em uma das seguintes categorias: curado, falência, abandono e óbito. O abandono foi definido, segundo as normas nacionais, como o não comparecimento ao serviço de saúde por 60 dias ou mais, durante o período de tratamento.

Os doentes que encerraram o tratamento por óbito e/ou falência foram excluídos para evitar-se um viés de informação e de seleção, respectivamente.

Os pacientes classificados como abandono foram considerados casos, e incluídos todos. Os controles foram selecionados aleatoriamente entre os pacientes curados, pela rotina do serviço, na proporção de 1 caso para 1 controle.

Estes pacientes foram entrevistados após a caracterização do desfecho do tratamento, utilizando-se um questionário padronizado, para a coleta dos dados primários, estruturado com perguntas fechadas e outras abertas, codificadas posteriormente. A entrevista foi realizada com o próprio doente em sua residência, quando era abandono do tratamento (caso), e com o grupo controle no ambulatório. Foi possível entrevistar 89,11% dos casos selecionados e 78,81% dos controles.

No momento da entrevista foi coletada amostra de escarro para a realização do exame bacteriológico. Os questionários foram codificados e digitados apenas por uma pessoa. Usou-se o aplicativo dBase para o armazenamento e checagem da consistência dos dados e eliminação dos erros de digitação.

Utilizou-se o aplicativo EPIINFO para a análise dos dados univariados e estratificados, com a identificação e categorização das principais variáveis do estudo.

Na análise estatística foi utilizado o teste de Qui-quadrado (Chi2), ou o EXATO de Fisher (F), quando indicado. O intervalo de 95% de confiança, da Odds ratio (OR), foi calculado pelo método de Cornfield (IC 95% ). Para o ajustamento do OR, foi utilizado o método de Mantel-Haenszel (OR MH) na análise estratificada.

 

Resultados

Dos 392 doentes inscritos para o tratamento de tuberculose, no período do estudo, eram do sexo masculino 271 (69,1%), e do feminino 121 (30,9%), com idade média de 37,6 e 32,4, respectivamente. A proporção de doentes menores de 15 anos foi de 4.3%.

Foram identificadas 101 ocorrências de abandono do tratamento (25,8%), no período de estudo, obtendo-se informação de 90 doentes (89,1%). Dos 11 doentes não localizados, apenas 2 apresentavam a confirmação do diagnóstico. Entre os 90 com informação disponível, foram registrados 8 óbitos durante o tratamento, e 4 eram menores de quinze anos, restando, para a entrevista, 78 casos. Para controles, foram selecionados 118 doentes com tratamento completo, sendo entrevistados 93; neste grupo registraram-se 3 óbitos e um doente era menor de 15 anos.

A distribuição por idade e por sexo, indicou que a população feminina com 50,0% no grupo etário de 15-29 anos, era mais jovem que a masculina, tanto nos casos quanto nos controles, reduzindo a freqüência no grupo seguinte - 30 - 49 anos; já os homens, neste grupo de 30 - 49 anos, alcançavam 52,9%. As proporções de 11.5% (9 casos) e 17.2% (16 controles) da população de 50 anos e mais, indicam que os controles são ligeiramente mais velhos do que os casos. No grupo masculino verificou-se que os doentes entre os controles eram mais velhos que entre os casos; esta diferença foi estatisticamente significativa. De fato, as médias de idade são, respectivamente, para casos e controles, 34.6 e 36.3 anos, com os controles 1.6 anos mais velhos, em média, do que os casos, embora sem significância estatística (p>0.05).

Na tabela 2 encontra-se a distribuição, dos casos e controles, segundo o grupo etário e sexo em que ocorreu homogeneidade na distribuição.

 

 

A distribuição dos casos e controles, segundo sexo e grupo etário mostrou uma distribuição homogênea quanto à variança.

Com relação à forma da doença, predominou, em ambos os grupos, a pulmonar, homogeneamente em 93.6% - 73 casos e 87 controles. Todas as outras formas extrapulmonares foram pleurais - 5 casos (6,4%) e 6 controles (6,4%).

No momento da confirmação do diagnóstico de tuberculose, a baciloscopia não foi realizada em 29.5% dos casos e 20.4% dos controles, não se detectando uma diferença estatística significativa entre os dois resultados (p>0.05), Tabela 3.

 

 

Dentre os participantes submetidos à baciloscopia, no momento do diagnóstico, verificou-se que o resultado positivo foi mais freqüente nos controles (81.1%), do que no de casos (56.4%) (Tabela 4).

 

 

O abandono ocorreu precocemente - 23 casos no segundo mês e 25 no terceiro. O percentual de abandono acumulado chegou a 80,8% no final do terceiro mês (Tabela 5). Dos doze doentes que receberam o esquema II de tratamento, a maioria abandonou antes do quarto mês e apenas quatro o fizeram do quinto ao sétimo mês.

 

 

O acompanhamento da evolução do tratamento, através da baciloscopia, mostrou acentuada redução da realização do exame dos controles já a partir do segundo mês, com apenas 26.9% dos exames realizados. Entre os que realizaram exame baciloscópico de seguimento do tratamento, verificou-se que a proporção de negativos no segundo mês, entre os controles, era de 80%, e, entre os casos, de 41.7% (Tabela 6).

 

 

A bacteriologia do escarro, no momento da entrevista, apresentou resultado positivo em 46.2% dos casos e 11,8% dos controles, significando, este último, uma taxa de falência, detectada no estudo (Tabela 7).

 

 

Os resultados do teste de sensibilidade (TS) dos doentes, positivos à bacteriologia no momento da entrevista, mostraram que, entre os casos, 36.1% eram resistentes a pelo menos uma droga específica. Entre os controles, com falência do tratamento, a resistência secundária, a pelo menos uma droga, foi de 72,2% (Tabela 8).

 

 

Entre os abandonos positivos à bacteriologia na entrevista, 61.5% haviam feito tratamento anterior para tuberculose; já aqueles com falência do tratamento, 25.9% tinham história de tratamentos no passado. Os doentes de primeiro tratamento, (VT), apresentaram maior risco de positividade à baciloscopia após o abandono (OR= 9,69; IC 95% = 2,79-36,87) que os que já haviam sido expostos a outros tratamentos (Tabela 9).

 

 

Discussão

No presente estudo de abandono constatou-se um alto percentual de pacientes com bacteriologia positiva entre os casos (46,2%), o que favorece o aumento da prevalência de fontes de infecção na comunidade. Vale ressaltar que, entre estes casos positivos, 36,1% apresentava uma população de bacilos resistentes a pelo menos uma droga. Este problema da resistência, no país, vem de longe. Magarão, no final da década de 50, encontrou altas taxas de resistência a H - 76,0% - e a H e S - 64,9%. Posteriormente, Fraga4, 5, determinou uma resistência de 20,0% para H e 34,0% para duas ou mais drogas. Estes resultados foram explicados como decorrentes de tratamentos inadequados.

Assim, uma alta proporção de abandono do tratamento entre pacientes com tuberculose não só afeta o possível impacto do programa de controle, ao manter fontes de infecção na comunidade, como contribui para a circulação de bacilos resistentes.

Note-se que a proporção de bacilíferos entre pacientes que abandonam é mais que o dobro verificado no estudo realizado pelo Conselho Britânico de Investigações Médicas, sul da Índia, 1961-1968, onde 18% permaneciam bacilíferos, após acompanhamento sem tratamento 6.

Nos controles, a taxa de falência foi de 11.8% e neles a resistência foi de 72.7%. Estes resultados demonstram, como esperado, que entre os doentes que abandonam, a resistência esperada é mais baixa do que entre os que permanecem positivos ao final do tratamento. Esta positividade é decorrente da persistência ou da seleção de bacilos mutantes resistentes.

Ainda com relação à falência do tratamento, outro aspecto importante a ser destacado é que apenas 3 doentes haviam sido identificados pela rotina do serviço de saúde e não incluídos no estudo. Os 11 doentes identificados e incluídos como falência, tinham recebido alta por cura e fizeram baciloscopia e cultura do escarro quando ingressaram nesta investigação. A incapacidade do sistema para detectar estes casos se deve à falta de seguimento bacteriológico dos doentes durante o tratamento e à não insistência para a realização do exame bacteriológico no momento da alta. Estes doentes, que estão clinicamente estabilizados, apresentarão depois uma piora e reingressarão ao sistema como recidiva. Tal tipo de reingresso significa fazer o mesmo tratamento, sem avaliação da sensibilidade bacteriana que não está indicada nesta circunstância, o que leva o sistema, mais uma vez, a falhar, com redução das chances de cura do doente e a conseqüente disseminação de bacilos resistentes. Este mesmo fato foi verificado no estudo longitudinal, no Brasil, onde as falências só foram identificadas pelo exame de cultura do escarro, pois muitos doentes realizavam apenas uma baciloscopia em uma amostra ou não faziam nenhuma, esta última circunstância justificada, pelo profissional da saúde, como falta de espécimes7.

A resistência secundária às drogas antibacterianas é decorrente do uso inadequado destas, seja por problemas de prescrição ou por não-aderência ao tratamento, principalmente em face a uma população bacteriana elevada. Hoje, considera-se que a resistência secundária decorre, muito mais, da não-aderência ao tratamento do que da presença de resistência primária, e que a mesma está mais presente nos países de alta prevalência de tuberculose8 , 9, 10, 11.

Fatores associados com a falência como o uso irregular da medicação (p< 0.01) e a resistência primária (p< 0.001), foram detectados em estudo longitudinal com 743 doentes, Brasil 7, onde a taxa de falência foi de 7.34% (IC 95% de 3,03; 10.37).

Conseqüências importantes da falência do tratamento são, para o doente, a redução da eficácia dos regimes terapêuticos alternativos, o risco maior de toxicidade e o aumento do tempo de tratamento e, para o serviço, o aumento do custo.

Estudo da OMS12, 1995, de uma amostra representativa do Brasil, apresentou resistência primária de 8,6% (180/2095) e secundária de 14,4% (114/793). Porém dados de resistência em um estudo de casocontrole13, no Rio de Janeiro, mostraram resistência primária de 11,7% (51/437), e secundária de 27,0% (31/115), valores superiores aos nacionais. Talvez estas diferenças possam ser explicadas porque o último estudo foi realizado apenas nos centros de saúde do Rio de Janeiro, onde a taxa de reingresso dos doentes é de 22,3%% e, destes, 50,0% informaram abandono prévio2.

Estes resultados são preocupantes e nos levam a considerar que, se esta situação permanecer, o controle da endemia estará muito distante. As implicações podem incluir, por um lado, a descontinuidade no fornecimento de medicamentos e de insumos em geral e a queda na qualidade do atendimento decorrente da desestruturação dos serviços de saúde, e, por outro, concorrem para o empobrecimento da população e aumento do desemprego.

O excesso de centralização dos exames em laboratórios distantes dos Centros de Saúde, retarda a liberação dos resultados da baciloscópia, freqüentemente com atraso de mais de 15 dias ou, inclusive, pode até impedir a realização daqueles exames14 .

Este fato, também, está ligado à organização dos serviços de saúde e à real cobertura populacional. Postos de Saúde, onde, pela proximidade da moradia, muitos destes casos deveriam ser tratados, não respondem às necessidades da comunidade, concentrando os doentes nos Centros de Saúde e ambulatórios de nível terciário que, desta forma, não conseguem cumprir, convenientemente, as funções que são atribuídas aos níveis de maior complexidade organizacional.

A determinação da resistência inicial ou primária, não é praticada na rotina, medida que não se justifica por razões técnicas e operacionais. Mas, estes doentes, poderiam ser detectados precocemente se houvesse correto controle da evolução baciloscópica durante o tratamento. Na tabela 6, verificamos que a taxa de exames não realizados cresce com o decorrer do tratamento, demonstrando uma grave falha operacional. O CDC, Atlanta, EUA, verificou que exames bacteriológicos, passados 3 meses de terapia só eram realizados em 64% 15, resultado considerado bastante ruim. Neste estudo, nos controles, os exames não realizados no segundo mês do tratamento chegam a 64.3%.

Snider16 não considera a evolução baciloscópica como um bom indicador do uso regular da medicação, porque a negativação do exame pode demorar em decorrência de uma resistência primária, e não necessariamente, pela falha dos doentes em não tomar as drogas ou tomá-las de forma irregular, insuficiente para a cura, mas suficiente para a negativação do exame do escarro e posterior chance de uma recidiva. Entretanto, permanece sua importância como um indicador da resposta terapêutica e sua indicação se dá por este fato, e não para medir a aderência ao tratamento.

Outro fator positivo para a realização deste exame está na esfera da relação médico-paciente por possibilitar a informação ao doente sobre o prognóstico e evolução do seu tratamento. Esta conduta é importante para que estes aspectos possam ser realizados efetivamente17.

A previsão da quantidade necessária de drogas está a cargo do PNCT; sua compra e distribuição se faz através da CEME e o controle de qualidade compete ao INCQS/FIOCRUZ, os três, órgãos que integram a estrutura do MS. Estas funções quando não cumpridas com eficiência, são importantes fatores responsáveis pelo insucesso terapêutico e o baixo rendimento do programa16*. A falta de medicação específica ocorrida no período do estudo, de uma maneira indireta, seria um indicativo de uso irregular das drogas. Denúncias de cápsulas sem a droga ativa foram feitas no Rio de Janeiro e em São Paulo, mostrando a falta do controle de qualidade18 .

Outro resultado que chama a atenção é o fato dos doentes de primeiro tratamento estarem com maior risco de positividade à baciloscopia do que aqueles que já haviam sido tratados. Uma das explicações possíveis seria que os doentes anteriormente tratados tinham lesões residuais ou complicações destas. Em estudo realizado em um dos maiores centros de saúde no Rio de Janeiro, verificou-se que 53,0% e 43% dos doentes que eram negativos ou sem baciloscopia, respectivamente, no momento do diagnóstico, após serem selecionados e incluídos no estudo, submeteram-se a nova baciloscopia e a cultura do escarro, além da avaliação clínica e radiológica. O resultado dos exames confirmou ou conduziu a outros diagnósticos. Dos doentes inicialmente classificados como forma pulmonar negativa, 18,0% mudaram o diagnóstico para tuberculose residual, confirmado após o acompanhamento radiológico da lesão pulmonar19.

Como conclusão geral, observou-se um número preocupante de doentes que haviam abandonado o tratamento e continuavam como fontes propagadoras da doença, com o agravamento da transmissão de bacilos resistentes. Várias questões têm que ser levantadas, como as definições de caso de tuberculose e a de encerramento clínico e epidemiológico de um caso.

Verifica-se uma grande permissividade nos conceitos e termos operacionais, tais como: aceitação, para tratamento, de grande número de casos de tuberculose sem a realização da baciloscopia; definição de abandono que exige um longo período para caracterizá-lo, para só então desencadear a busca dos doentes; a decisão, adotada em muitos locais, de considerar como curados doentes que não compareceram à última consulta e, por fim, a própria definição de cura, onde não se realiza baciloscopia de controle, condição que não é epidemiológicamente adequada para o controle da doença.

A organização espacial de busca e tratamento dos casos de tuberculose tem se mostrado ineficiente, com grandes áreas com oferta satisfatória de serviço de saúde e outras, de grande concentração populacional de baixa renda, sem a devida cobertura.

É inadiável uma séria reflexão dos responsáveis pelo controle da tuberculose, sobre os motivos que levam o Programa de Controle da Tuberculose, em nosso país, a nunca alcançar os resultados mínimos necessários. É fundamental refletir sobre a sub-utilização do diagnóstico bacteriológico e a centralização das medidas de controle. Não adiantará propor medidas, como tratamento supervisionado, pagamento por doente curado, quando tudo indica que o rendimento continuará baixo, se não forem questionados os conceitos e as definições utilizados para a avaliação do rendimento do programa Nacional de Controle da Tuberculose.

 

Bibliografia

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*Nota do editor: A CEME foi extinta em 1996 , desde então a compra de medicamentos é de responsabilidade da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde.