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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.7 n.2 Rio de Janeiro dez. 1999

 

NOTA PRÉVIA

 

Metronidazol no tratamento e profilaxia da tuberculose: possibilidades de uso

 

 

Fernando Augusto Fiuza de MeloI; Jorge Ide NetoII; Jorge Barros AfiuneIII

IMédico do ICF e do DAR-HSPE,SP,Doutor em Medicina pela EPM,UNIFESP
IIMédico do ICF
IIIMédico. Diretor Técnico do ICF,SP.

Endereço para correspondência

 

 

Em 1989, Desai e cols.1 , haviam observado em estudo duplo cego, uma melhor resposta com o uso de metronidazol contra placebo, nos 2 primeiros meses, associado à estreptomicina, isoniazida e rifampicina, em 137 (76x61) pacientes com tuberculose avançada.

Somente em 1994, entretanto, Wayne & Sramek2, com um engenhoso modelo in vitro, demostraram a atividade do metronidazol, com níveis de 8 mcg/ml, sobre bacilos dormentes do Mycobacterium tuberculosis, sugerindo a possibilidade de seu uso em tuberculose.

Sua atividade parece limitar-se às populações intra-caseosas em condições de anaerobiose presente no centro do granuloma, sem nenhuma atividade sobre as populações com boa oferta de oxigênio (parede das cavidades)2 e com uma ação mínima para bacilos intra-celulares (interior dos macrófagos), conforme estudos de Paramasivan, Kubendiran e Hebert3 Dhillon, Allen e cols.4 e Brooks, Furney e Orme5, em modelo murino, sabidamente com populações predominantemente intra-celulares.

Outros autores acreditam que o metronidazol, eventualmente, possa ser utilizado como droga auxiliar em esquemas especiais de tratamento alternativo de portadores de TBMR, inclusive associado a agentes beta-lactâmicos como a amoxacilina + clavulanato6,7.

Derivado nitroimidazólico, sintetizado no final da década de 50, o metronidazol tem um mecanismo de ação ainda não claramente definido, acreditando-se que ocorra em quatro etapas: penetração celular por difusão passiva; aumento da penetração em condições de anaerobiose; ativação por redução com liberação de radicais tóxicos nitro e nitroso livres e formação de derivados nitrosos e hidroxicobalamina. A citoxicidade ainda é desconhecida, sendo provável que a ação lesiva aconteça por conjugação ao DNA8,9.

Do ponto de vista farmacocinético, tem uma absorção oral rápida e quase completa sendo semelhante à injetável. Alcança níveis de pico de 13 a 14 mcg/ml com doses de 500 mg oral ou endovenosa, com uma vida média de 7 horas, caindo para 3,6 mcg/ml após 24 horas. Sua absorção, em presença de alimentos, é retardada porém com biodisponibilidade inalterada. Metabolismo hepático com 85% eliminado pela urina e os 15% restantes pelas fezes. Conta com uma excelente difusão tissular, boa penetração no líquido cefalorraquidiano, humor aquoso e em abcessos, inclusive cerebrais. Na insuficiência renal mantém as concentrações de pico e a meia-vida, com acúmulo de metabólitos hidroxi e acetil que são removíveis por hemodiálise. Exige cautela nestes casos, principalmente se acompanhada de insuficiência hepática, quando a posologia deve ser reduzida, com controle dos níveis séricos8,9.

Os efeitos colaterais mais comuns são gastrointestinais, principalmente náuseas e vômitos e sabor metálico. Neutropenia reversível, escurecimento de urina e exantema podem ocorrer. Bem tolerado pela maioria dos pacientes, o metronidazol tem como adversidades mais sérias, ainda que raras, reações relacionadas ao sistema nervoso central, como encefalopatias, convulsões e disfunção cerebelar. Podem ainda, ocasionar neurite periférica e colite pseudomembranosa, porém com extrema raridade e com uso prolongado.

Estes para-efeitos, na sua quase totalidade, são dosedependentes e os mais graves somente observados quando do uso de altas doses do metronidazol. Ainda que suspeitas, não foram comprovadas atividades terato e carcinogênicas em uso curto, sendo necessárias maiores observações no seu uso prolongado. A droga interage com álcool, podendo ocorrer em etilista a Síndrome do Antabuse8,9.

Além das características acima descritas, acrescente-se o baixo custo e o fácil acesso no mercado nacional, com aprovação para uso desde a década de 60, para justificar a observação de sua aplicabilidade em esquemas terapêuticos e profiláticos para tuberculose.

Assim, o metronidazol, sintetizado no final da década de 50 com indicação inicialmente para o tratamento de protozooses e, desde 1962, com seu uso ampliado para germes anaeróbios, pode alcançar um terceiro estágio como droga antituberculosa.

Neste caso, o uso clínico do metronidazol poderia ser aplicado em três campos:

1o) No tratamento da tuberculose multirresistente, não só por ser uma droga de fácil acesso, com grande experiência nacional, bactericida, de boa difusão tecidual e celular, como pela sua ação em germes persistentes, podendo incorporar benefícios aos esquemas que ora estão sendo testados, particularmente nos pacientes de difícil negativação ou com falência a esquemas alternativos anteriores. Encontra-se em curso, desde 1996, um estudo prospectivo, no Instituto Clemente Ferreira, São Paulo, utilizando o metronidazol em associação com amicacina, ofloxacina, clofazimine e etambutol, com resultados parciais, em vias de publicação definitiva, apresentando eficácia de 66,7% e efetividade de 55,5% em 72 pacientes avaliados. A dose diária foi de 500 mg. independente do peso e sua tomada estendida por 18 meses. Intolerância digestiva foi observada em oito pacientes, metade superada com a continuidade e uso de sintomáticos, porém em quatro doentes foi necessário interromper o uso do medicamento.

2o) Uso associado do metronidazol em meningoencefalite tuberculosa, pela excelente difusão liquórica e boa penetração em abcessos cerebrais, quem sabe, justificaria sua incorporação no atual esquema de tratamento para esta forma da doença, mormente nos casos de resistência ou adversidade das drogas usuais. O metronidazol foi usado em dois casos de imunodeprimidos (aids e leucose), que apresentaram hepatite relacionada com a associação rifampicina e isoniazida. Um deles, portador do HIV, usou um esquema associando estreptomicina + etambutol + pirazinamida + metronidazol e, o outro, que também apresentou alterações neurológicas com a estreptomicina, associou rifampicina + etambutol + pirazinamida + metronidazol, ambos evoluindo para a cura do processo infeccioso específico. Um protocolo duplo-cego, comparando o metronidazol contra placebo acrescidos no esquema atualmente recomendado para meningite, poderia se constituir num excelente ensaio clínico.

3o) Em esquemas de quimioprofilaxia secundária, ou seja, aproveitando sua boa associação com rifampicina, protegendo esta contra germes resistentes, encurtando o tempo de uso das drogas e melhorando a aderência no tratamento preventivo. Do ponto de vista farmacodinâmico, seria esta uma boa indicação para o uso da droga, por sua atuação em bacilos em condições de anaerobise, o que teoricamente deve ocorrer com germes dormentes. Clientes com indicação de quimioprofilaxia estabelecida pelo Manual de Normas do Ministério da Saúde, inicialmente só em adultos e, dependendo dos resultados, ampliando para crianças, poderiam testar a isoniazida (300 mg/dia) em dose diária e única, por 6 meses, contra rifampicina e metronidazol (600 e 500 mg/dia), em dose diária e única por 2 meses. As grandes dificuldades para ensaio deste tipo, seriam o número de doentes, a randomização pelas características do foco (pulmonar bacilífero de acordo com a quantidade de bacilos no escarro), pelo tipo de contágio (intradomiciliar ou institucional, tempo de exposição, formas de exposição, etc.) e o tempo necessário para avaliar a proteção. Portanto, o ensaio poderia ser factível se cooperativo e envolvendo vários centros no país.

 

Bibliografia:

1. DESAI, C.R.; Heera, S.; Patel, A.; Babrekar, A.B.; Mahashur, A.A.; Kamat, S.R. Role of metronidazole in improving response ang especific drug sensitivity in advanced pulmonary tuberculosis. J Assoc Physicians India. 37:694-7. 1989.

2. WAYNE, L.G.; Sramek, H. A. Metronidazole is bactericidal to dormant cells of Mycobacterium tuberculosis. Antimicrob Agents Chemother. 38:2054-8. 1994.

3. PARAMASIVAN, C. N.; Kubendiram, G.; Hebert, D. Action of metronidazole in combination with isoniazid & rifampicin on persisting organisms in experimental murine tuberculosis.

4. DHILLON, J.; Allen, B.W.; Hu, Y.M.; Coates, A.R.; Mitchison, D.A. Int J Tubercle Lung Dis 2:736-42. (Cit. p/Brooks e cols., ref.5). 1988.

5. BROOKS, J.V.; Furney, S.K.; Orme, I.M. Metronidazole therapy in mice infected with tuberculosis. Antimicrob Agents Chemoter. 43:1285-8. 1999.

6. BERMUDES, L.E.; Younh, L.S. New drugs for the terapy of mycobacterial infections. Curr Opinions Infect Dis. 8:428-437. 1995.

7. MIRZANEJAD, Y. The cellular physiology of Mycobacterium tuberculosis and its relationship to antituberculus therapy with b-lactam agents and metronidazole. Antimicrob Inf Dis Newsletter. 1641-45. 1997.

8. MOLAVI, A.; LeFrock, J.L.; Prince, R.A. Metronidazol in Clin Med NA. Terapia antimicrobiana (trad,port.) Ed. Interamericana Ltda., Rio de Janeiro. 66:129-142. 1982.

9. SCULLY, B.E. Metronidazol in Clin Med NA. Atualização em antibioticoterapia II (trad.port.) Interlivros Edições Ltda. Rio de Janeiro. 72:129-142. 1988.

 

 

Endereço para correspondência:
Instituto Clemente Ferreira/ICF - Rua da Consolação, 717 - Centro - São Paulo, SP - Cep.: 01.301-000