SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 número1Efetividade do esquema 3(3SZEEt/9EEt)* no retratamento da tuberculose na rotina das unidades de saúde índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Boletim de Pneumologia Sanitária

versión impresa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.8 n.1 Rio de Janeiro jun. 2000

 

EDITORIAL

 

A tuberculose em foco

 

 

Gilmário M.Teixeira

Editor

 

 

Nesta transição do milênio, a tuberculose, ao lado da aids, aparece entre os problemas mundiais de saúde de maior visibilidade, graças ao poder que tem de matar e de concorrer para o retardo do crescimento econômico dos países pobres e, também, graças à força deste paradoxo que envolve a luta para seu controle - a incapacidade de governos e comunidades em aplicar com eficiência os meios cem por cento eficazes que a tecnologia, faz tempo, oferece.

O problema da tuberculose, nos dias atuais, adquiriu tal expressão que as dimensões de seu impacto são projetadas para os próximos vinte anos quando, estima-se, ocorrerão: um bilhão de novas infecções, duzentos milhões de casos e trinta e cinco milhões de mortes, tudo isso, ressalva-se, se não são postas em prática medidas adequadas de controle que estão disponíveis.

Os sucessos analisados a seguir, focalizam a tuberculose como um dos agudos problemas de saúde dos países subdesenvolvidos que muito afeta e incomoda os desenvolvidos e para o qual deve-se buscar, com engenho e arte, os meios efetivos para eliminá-lo, sob qualquer circunstância.

Uma parceria que, desde sempre, acompanha a tuberculose - a pobreza - parece ter vez, agora, entre as preocupações dos que têm a responsabilidade de conduzir as políticas sociais metidas no cadinho da economia globalizada, causa maior de incertezas dos tantos que habitamos os países pobres. Assistimos, desconfiados, o anúncio de mudanças profundas no rumo das estratégias dirigidas para a recuperação dos excluídos, por parte de organismos internacionais como as Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, cuja presença na construção das estruturas sociais dos países subdesenvolvidos foi sempre, segundo a ótica popular, a de inibidora de nossas expectativas de desenvolvimento.

Em realidade, parece ter sido preciso que manchas escuras no mapa-múndi da economia, representando as populações situadas abaixo da chamada linha de pobreza - quase três bilhões de pessoas com renda inferior a US$2.00 por dia - não só chegassem a estas proporções ameaçadoras, mas se distribuíssem, insolitamente, em maior ou menor concentração, por todo o planeta, para que os ricos se sentissem intimidados em suas estratégias econômicas que sempre só visaram o lucro.

Tardou muito para que, neste ano-passagem do milênio, quando afloraram as causas do bloqueio social dos povos, a reunião de cúpula do G8 - os oito países mais industrializados do mundo - reconhecesse: “ a saúde é a chave da prosperidade; as boas condições de saúde levam ao crescimento econômico, enquanto as más conduzem à pobreza.” Este axioma que traduz o ciclo vicioso doença e pobreza, emergente da revolução industrial, tem sido alvo das lutas pelo bem estar social dos povos. E é alvissareiro que o G8, endossando recomendações da Cúpula do Milênio das Nações Unidas, em seu capítulo Desenvolvimento e Erradicação da Pobreza, não só tenha proclamado estas assertivas, mas, ido além, comprometendo-se a trabalhar em parceria com governos, Organização Mundial de Saúde, ONGs, indústria, universidades para alcançar, por volta do ano 2010, estas três metas críticas: reduzir, em 25% a infecção hiv/aids entre jovens, em 50% as mortes e a prevalência de tuberculose e em 50% a carga de doença associada com a malária.

A Conferência Ministerial sobre Tuberculose e Desenvolvimento Sustentável, a que compareceu uma representação governamental do Brasil que incluía o Sr. Ministro da Saúde e o Coordenador Nacional de Pneumologia Sanitária, teve lugar em Amsterdã, em março deste ano, por ocasião da celebração do Dia Mundial da Tuberculose. Com representantes de vinte países de alta prevalência, a Conferência tratou de medir o impacto social e econômico da tuberculose, avaliar a contribuição dos programas para conter essa epidemia e identificar as ações prioritárias para o novo milênio. No documento Declaração de Amsterdã para Deter a Tuberculose, os participantes manifestaram profunda preocupação com o tamanho do problema e seu impacto social, ao lado de um baixo nível de conhecimento público e de insuficiente compromisso político; reconheceram que devido a suas implicações sócio - econômicas a busca de solução envolve toda a sociedade e requer tecnologia eficaz e acessível; afirmaram que as estratégias recomendadas pela OMS são eficazes, podem ser incorporadas à atenção básica de saúde e converter-se em luta que constitui um bem público mundial; e, por último, se comprometeram a acelerar a ação de combate à tuberculose em seus países.

Nos Estados Unidos, onde a tuberculose se apresentou como ressurgente, na década de oitenta, as ações desenvolvidas para detê-la, que em alguns locais compreendiam o uso de medidas consideradas coercitivas, produziram uma redução de 34% entre 1992 e 1999, graças a um esforço sustentado por agências governamentais e não governamentais. Não obstante esta tendência favorável, ali, onde a meta é a eliminação da tuberculose, se identifica que para alcançá-la são necessários recursos adicionais - há no Congresso a solicitação de um crédito de US$460 milhões para combater a tuberculose - e, sobretudo, compromisso com a formulação de novas políticas como a da imigração e a de lutar contra a tuberculose fora de suas fronteiras.

A Aliança Global para Drogas Anti-Tuberculose - uma parceria de governos, organizações não governamentais, academia, indústria, fundações - é um projeto ambicioso e de alta transcendência que abriga um plano científico para a descoberta e desenvolvimento de novas drogas que sejam capazes não só de simplificar o tratamento e atuar na forma multi-droga resistente, mas também possam ser acessíveis aos países pobres.

No Brasil, entre outros sucessos recentes que podem concorrer para fortalecer as ações de controle e, assim, colocar a tuberculose em foco, destacam-se:

Revisão do Manual de Normas para o Controle da Tuberculose. Este trabalho, realizado pelo Comitê Técnico-Científico de Assessoramento à Tuberculose com a colaboração do Comitê Assessor para a co-infecção HIV-Tuberculose, ambos do Ministério da Saúde, a ser editado pelo Centro de Referência Hélio Fraga da Fundação Nacional de Saúde, procurou retratar a inteligência e o conhecimento do país nesta área. Os autores consideraram o aporte advindo das experiências e práticas internacionais de campo, sem descuidar-se da importância dos saberes adquiridos ao longo de mais de cinqüenta anos de luta organizada contra a tuberculose no Brasil. Houve um consenso de que este documento deveria ser mais abrangente que o anterior, de tal sorte a não só definir a norma técnica aplicada na ponta do sistema, mas também oferecer elementos de doutrina aos níveis de formação de recursos humanos e de organização do programa. Entre muitos tópicos revisados ou introduzidos, cabe destacar: o tratamento supervisionado - na verdade uma variante dele, os métodos avançados de diagnóstico, a tuberculose na criança e no adolescente, o tratamento da associação tuberculose/HIV, o manejo das reações adversas às drogas antituberculosas, as medidas de controle ocupacional - biossegurança, e, muito importante, um capítulo novo sobre a estrutura por módulos, operacionalização, programação, supervisão, avaliação e sistema de informação do Programa de Controle da Tuberculose.

A contribuição da Dra. Margareth Dalcolmo que validou o principal regime de tratamento normalizado pelo PNCT, e apresentou a este Programa alternativas de regimes intermitentes cuja eficácia ficou comprovada, merece destaque neste repasse de focalização da tuberculose. Em verdade, o estudo conduzido pela Dra. Dalcolmo - um ensaio clínico, randomizado, controlado, multicêntrico sobre quimioterapia intermitente parcialmente supervisionada, tema de sua tese de doutorado apresentada à Universidade Federal de São Paulo, ofereceu um aporte da maior valia para dirimir velhas questões sobre tratamento auto-administrado diário versus supervisionado intermitente. Observando rigorosa metodologia científica, a autora comparou três regimes: 2RHZ/4RH autoadministrado, diário, esquema 1 do PNCT; 2RHZ/4R2H2 auto-administrado, intermitente e 2RHZ/4R2H2 supervisionado uma vez por semana, intermitente. Ao final concluiu que os regimes diário e intermitente eram semelhantes em sua efetividade para a cura e que os três regimes estudados não apresentaram diferenças significantes quanto às taxas de cura e abandono e, concluiu mais que os resultados obtidos - superiores aos registrados pelo PNCT - não se devem à supervisão isoladamente, mas também a um complexo de fatores presentes na investigação e relacionados com a organização do serviço e a oferta de alguns incentivos aos pacientes e ao pessoal. Em outras palavras, este estudo confirmou uma velha sentença - o resultado do tratamento da tuberculose é função da qualidade da atenção oferecida pelo serviço de saúde.

Como parte da política de desenvolvimento de ações básicas, crescem no Ministério da Saúde, os esforços para estender o Programa de Saúde da Família e, bem assim, o de Agentes Comunitários de Saúde. A tuberculose é pioneira em viabilizar, em todos os níveis de atendimento, as ações recomendadas para seu controle. Há quarenta anos, o Comitê de Peritos em Tuberculose da OMS, dizia em seu sétimo informe que este é um problema da comunidade cujo controle deve ser planificado e organizado como parte dos programas gerais de saúde pública. Em 1964, este mesmo Comitê, em seu oitavo informe, com base no desenvolvimento e simplificação das técnicas, definia os requisitos para o Programa de Controle da Tuberculose que compreendiam, entre outros, a necessidade de ter cobertura nacional e ser uma ação permanente e integrada nas atividades dos serviços gerais de saúde. Com os postulados da Conferência de Alma Ata, de 1978, sobre a Atenção Primária de Saúde, que destacaram a política intersetorial, a distribuição eqüitativa dos recursos, a participação da comunidade e a necessidade de oferecer atendimento na ponta do sistema, ali na área de encontro do indivíduo com o serviço de saúde, firmou-se uma consciência de que só a descentralização poderia levar, para bem perto de quem necessita, os recursos básicos de saúde viabilizados pela simplificação da tecnologia.

No Brasil, as estratégias de descentralização e integração de atividades, base de sustentação do Programa de Controle da Tuberculose, datam da década de setenta e têm sua eficiência comprovada. Qualquer iniciativa que possa ampliar e tornar mais efetivas estas ações, como esta de incorporar a prática das medidas de controle da tuberculose às demais atividades das equipes dos Programas de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde, deve ser aceita e estimulada. Não obstante, deve-se ter presente que as atividades destas equipes não substituem aquelas realizadas pelo PNCT mas, a elas se somam. O controle da tuberculose, por seus princípios, requer uma ação permanente, sustentada e organizada como um sistema em que a porta de entrada pode estar situada tanto em um nível mínimo como em um de alta complexidade, contanto que ao doente, quando necessário, seja assegurado o direito de fluir para os níveis de maior qualificação.

Espera-se que as forças comprometidas com a luta contra a tuberculose não deixem passar este momento em que o grave problema social desta pandemia, ao lado de outras, figura entre as políticas voltadas para o rompimento do ciclo vicioso doença e pobreza, aprovadas pelos organismos internacionais de desenvolvimento social e econômico.