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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.8 n.1 Rio de Janeiro jun. 2000

 

 

Implantação de modelo de exelência no controle da tuberculose na área programática 4, município do Rio de Janeiro - relato de um começo promissor

 

 

Ana Lourdes da C. RochaI; José Maximiniano M. JuniorI; Sheila Melo GonçalvesI; Lucia Helena FerreiraI; Maria José Procopio R. de OliveiraII; Miguel Aiub HijjarII; Antonio Ruffino NettoIII; Sandra Maria B. de Araújo GarciaIV

IUnidade Integrada de Saúde Hamilton Land – Secretaria Municipal de Saúde- Município do Rio de Janeiro
II Centro de Referência Professor Hélio Fraga – CENEPI/FUNASA/MS
IIIÁrea Técnica de Pneumologia Sanitária – SPS/MS
IVCENTEX/COPPE/UFRJ

 

 


RESUMO

O Plano Nacional de Controle da Tuberculose, 1999, prevê a construção de uma rede de excelência de combate a tuberculose aglutinando esforços dos três níveis de governo, da sociedade e de universidades. Um modelo desta proposta foi implantado na Área Programática 4 do município do Rio de Janeiro (Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Cidade de Deus), integrando ações e parcerias. Neste trabalho, são apresentados os primeiros resultados obtidos em uma das Unidades de Saúde, a Unidade Integrada de Saúde Hamilton Land (UISHL), localizada na Cidade de Deus. Nela, o modelo visava aumentar a captação dos casos e diminuir o abandono de tratamento. São também descritos 1) a metodologia do planejamento conjunto com pactuação das metas e recursos necessários; 2) o treinamento das equipes multiprofissionais e dos agentes de saúde; 3) a implantação da supervisão da administração do tratamento; 4) o sistema de visita domiciliar e de busca ativa de faltosos, de contatos e de sintomáticos respiratórios; 5) o sistema de registro com controle de qualidade e 6) as estratégias para o envolvimento da comunidade.
RESULTADOS: com a implantação do modelo, de novembro/99 a abril de 2000, houve aumento de 85,7% na captação dos casos novos; de 181,8% na captação dos sintomáticos respiratórios e o abandono foi reduzido a zero. Conclui-se que a busca da excelência no controle da tuberculose passa pela integração dos vários atores responsáveis, demandando esforço e uma metodologia apropriada em torno de objetivos comuns pactuados. Este pode ser o caminho para que o demonstrado na UISHL possa se reproduzir em outros locais do país.

Palavras-chaves: controle da tuberculose; abandono de tratamento; busca de faltosos


SUMARY

The 1999 National Tuberculosis Control Plan includes the building of a network of excellence involving the Government, Universities and the Community. A model of this Network was assessed in Rio de Janeiro city - Programme Area 4 (Jacarepagua, Barra da Tijuca and Cidade de Deus). This report describes the results from one of the first trial health units, Unidade Integrada de Saúde Hamilton Land (UISHL), localized in Cidade de Deus. The aim of the programme was to increase the detection rate for tuberculosis in the community, and to reduce treatment non compliance. The authors describe 1) the planning processes involved in setting up this programme and the resources needed, 2) the training of the multidisciplinary teams,3) the implementation of directly observed treatment regimens,4) The domiciliary contact tracing system and the system for identifying those in the community suffering respiratory symptoms,5) the register system,6) the strategies used to involve the community.
RESULTS showed that between November 1999 and April 2000 there was a 92% improvement in diagnosis and 83% improvement in the detection of those with respiratory symptoms. The non compliance rate was reduced to zero. The authors conclude that successful control of tuberculosis necessitates involvement of all agencies working together and this methodology could be reproduced in other parts of the country.

Key-words: tuberculosis control; treatment non compliance; default


 

 

Introdução

A tuberculose, flagelo que há milênios assola a humanidade, permanece como importante problema de saúde pública no Brasil e no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 8 milhões de casos novos e cerca de 3 milhões de mortes ocorrem a cada ano. A OMS estima que no Brasil o número de casos de tuberculose esteja na faixa de 120.000 por ano. É provável que ocorram 10.000 mortes anualmente no País devido à doença. No estado do Rio de Janeiro o problema tem assumido proporções preocupantes. Em 1998, o número de casos novos notificados no Estado, atingiu 13.219. O estado do Rio de Janeiro possui o maior coeficiente de incidência e de mortalidade por tuberculose do País, sendo que 50% dos casos encontram-se na capital, dos quais, aproximadamente, 15% na Área de Planejamento 4, Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Cidade de Deus (AP4). Em 1998 foram notificados à Secretaria Municipal de Saúde, 9.842 casos de tuberculose no município. A AP4, notificou, em 1998, cerca de 1600 casos que foram tratados na área (destes 770 eram residentes correspondendo a um coeficiente de incidência de cerca de 129,2/100.000 habitantes).

No intuito de reverter essa situação, o Ministério da Saúde dando continuidade ao Plano Emergencial de 1994, lançou, no primeiro semestre de 1999, o Plano Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT). O PNCT objetiva ordenar as ações de combate à tuberculose, buscando o controle do flagelo com eficácia em todas as faces da gestão e nas ações necessárias ao alcance das metas estabelecidas. Ações estas que decorram da união de esforços, de recursos e de competências, em rede nacional, que maximizem os benefícios obtidos e que, envolvendo todos os segmentos da sociedade, representem um movimento que possa ser reconhecido pela sua excelência.

Assim, dando suporte ao PNCT, o Centro de Referência Prof. Hélio Fraga (CRPHF) e a COPPE/CENTEX/UFRJ formataram o Projeto Centro de Excelência de Combate à Tuberculose. Este tem como objetivo aprimorar os esforços para o controle desse agravo, organizando uma rede de parceiros segundo diretrizes emanadas dos setores competentes e operando de forma integrada e consensual. Um modelo desta proposta foi implantado na Área de Planejamento 4, integrando ações e parcerias e os primeiros resultados, em uma das unidades de saúde, são apresentados a seguir.

O modelo implantado na Unidade Integrada de Saúde Hamilton Land faz parte do Plano de Controle da Tuberculose da AP4 (PCT AP4), sendo um dos projetos do Centro de Excelência de Combate à Tuberculose e desenvolvido como um modelo a ser demonstrado e implantado em outros locais.

 

1) O planejamento

O PCT - AP4 foi formulado como uma ação conjunta das Coordenações Estaduais e Municipais do Programa de Controle da Tuberculose do Rio de Janeiro, da Coordenação de Saúde da AP4, do CRPHF, do Hospital Municipal Raphael de Paula Souza, do Hospital Santa Maria, das Unidades Municipais de Saúde da AP4 e da COPPE/UFRJ.

A proposta foi concebida como um conjunto de ações coordenadas, integrantes dos esforços do governo e sociedade para diagnosticar precocemente, tratar e curar todos os pacientes com tuberculose de Jacarepaguá e Barra da Tijuca, além de organizar e qualificar atividades de referência para outros locais. No campo de atuação do Plano foi previsto a promoção de ações de saúde preventivas e de assistência multidisciplinar ao doente com tuberculose e também aos seus contatos.

Para implantar este Modelo foi formado um Grupo de Trabalho do qual participam: representantes das Coordenações Estaduais e Municipais do Programa de Controle da Tuberculose, representantes da Coordenação de Saúde da AP4, representantes das Direções das Unidades de Saúde e representantes do Projeto Centros de Excelência da COPPE/UFRJ. Para coordenar esse grupo e o PCT da AP 4 foi nomeado o Dr. Jorge Alexandre Milagres, Chefe do Serviço de Pneumologia e Coordenador do PCT do Hospital Municipal Raphael de Paula Souza. Foi estabelecido que o Grupo de Trabalho se reuniria periodicamente.

As primeiras reuniões tiveram como objetivo sensibilizar os presentes da necessidade da realização de trabalho efetivo de melhoria da qualidade do atendimento e da integração da Rede Pública de Saúde da área.

Constituiu-se uma equipe de técnicos com representantes das U.S que juntos vêm elaborando um modelo de excelência nas atividades de controle da tuberculose para a AP4. As reuniões dessa equipe ocorrem, em média, uma vez por semana.

A linha de trabalho seguida foi a de elaboração de um diagnóstico situacional da área que indicasse as potencialidades e demonstrasse a realidade sócio-econômica do local. Para isto foi feito um levantamento de dados do IBGE, IPLANRIO e Favela Bairro. Para o diagnóstico das Unidades de Saúde da AP4 foi criado um questionário para fazer um levantamento dos recursos disponíveis naquelas Unidades.

Além disto foram feitas visitas a estas Unidades de Saúde para se levantar, no local, as dificuldades e melhorar o intercâmbio entre os Serviços de Saúde. Desta forma, pretendia-se otimizar a integração das Unidades de Saúde com o PCT na AP4, melhorando o sistema de comunicação e de informação entre eles. Para o desenvolvimento de um trabalho protótipo foi selecionada a UIS Hamilton Land, situada na Cidade de Deus.

Os fatores críticos de sucesso para essa mobilização são: a execução de trabalhos conjuntos, a otimizacão do todo pela especial maneira de trabalhar em rede e a obstinação para incorporação de novos parceiros. São parceiros em potencial: os próprios órgãos do governo em suas três instâncias, empresas privadas e entidades nacionais, universidades e órgãos do exterior.

A rede inicialmente formada preconiza a adesão de outras Unidades de Saúde da área e de outras localidades e de outros órgãos competentes do governo. As empresas privadas têm papel relevante no Plano em função de serem potenciais executantes de projetos e criadoras de insumos como medicamentos, de softwares etc.; de serem campos de atuação para projetos específicos e de prevenção e de se constituírem em potenciais patrocinadoras das ações. O marketing social direto e indireto gerado para a empresa, como contrapartida ao patrocínio, pode ser bastante promissor no caso da tuberculose que, agora, se dissemina pela classe média e alta, em função da aids e dos bacilos multirresistentes e, portanto, começa a se transformar em tema de comoção nacional.

As entidades nacionais e internacionais, como as ONG’s, associações de moradores, movimentos religiosos e outros, possuem, muitas vezes, grande poder de mobilização e sensibilização popular e desenvolvem ações de assistência em comunidades carentes, que trazem grandes benefícios à população. Considerando que o Plano tem interesse na promoção da saúde da população e que muitas dessas entidades têm o mesmo objetivo, a parceria entre ambos representa a potencialização das ações e redução dos custos para realização de trabalhos conjuntos.

 

2) Linhas de ação

Integração de ações das Unidades de Saúde da AP4

Promoção de uma série de ações integradas entre as Unidades de Saúde da AP4, desenvolvendo trabalhos conjuntos, normas e procedimentos, otimizando o sistema de comunicação e o sistema de registro e informação epidemiológica dentro das unidades e entre elas.

Criação de Modelo de Assistência na AP4

O Plano de Controle da Tuberculose da AP4 está sendo desenvolvido como um modelo protótipo de intervenção em tuberculose, que pretende servir de parâmetro para outras regiões e de modelo integral para a AP4. Por suas características, será possível oferecer estágios e treinamento para profissionais de saúde da rede pública.

Envolvimento da sociedade e mobilização de recursos

Busca de estabelecimento de parcerias estratégicas com os vários segmentos da sociedade, somando recursos e esforços na promoção da saúde e no controle da tuberculose.

 

Diagnóstico de situação

A AP4, do município do Rio de Janeiro, engloba as Regiões Administrativas (RA) de Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Cidade de Deus, possuindo uma área territorial de 30.353 ha, que representa 24,2% do município do Rio de Janeiro. Os bairros que compõem as RAs da AP4 são:

• XVI RA - Jacarepaguá: Jacarepaguá, Anil, Gardênia Azul, Curicica, Freguesia, Pechincha, Taquara, Tanque, Praça Seca e Vila Valqueire.

XXIV RA - Barra da Tijuca: Barra da Tijuca, Joá, Itanhangá, Camorim, Vargem Pequena, Vargem Grande, Recreio dos Bandeirantes e Grumari.

• XXXIX RA - Cidade de Deus: Cidade de Deus.

Estes bairros possuem realidades sócioeconômicas muito diversificadas, fato que deve ser considerado na análise geral de seus indicadores. Convivem na mesma AP conjuntos de comunidades carentes, como os da Cidade de Deus e do Rio das Pedras, e condomínios de grande luxo, como os da Barra da Tijuca e Joá. Além disso, são desenvolvidas atividades industriais e agropecuárias na mesma área. A região tem alcançado intenso desenvolvimento industrial, tendo arrecadado em 91 uma receita total de US$ 213.288.726,00. O desenvolvimento imobiliário também tem sido muito grande. A área apresenta o maior índice de crescimento demográfico do município, tanto para áreas de favelas quanto para outras áreas, sendo que a RA Barra da Tijuca é o segundo lugar em arrecadação de IPTU residencial da Cidade. O número de domicílios particulares permanentes em 91 era de 143.249, com número médio de cômodos de 5,8, sendo 5,3 na RA Jacarepaguá e de 7,6 na RA Barra da Tijuca. Os bairros de Cidade de Deus, Vargem Pequena e Vargem Grande possuem os menores números de cômodos por domicílio da AP4 e os maiores números de pessoas morando em um só domicílio, caracterizando níveis críticos quanto à concentração de pessoas em um só ambiente.

A RA Barra da Tijuca apresentou crescimento demográfico de 34% nos últimos 10 anos, registrando a maior média do País. Segundo dados do IPLANRIO, os bairros Camorim, Vargem Pequena, Vargem Grande, Recreio dos Bandeirantes, Gardênia Azul apresentaram no período de 95/97 os maiores índices de crescimento demográfico. O número de favelas também aumentou consideravelmente nos últimos anos, somando cerca de 103, com as maiores taxas de crescimento de domicílios em favelas e bairros da Cidade entre 91 e 96 (27,8% e 14,5 %, respectivamente). É na área de Jacarepaguá que se concentra o maior número de favelas e assentamentos da AP4, destacando-se Rio das Pedras e Cidade de Deus.

A população da AP4 foi estimada em 595.868 habitantes, em 1998, e os 4 bairros de maior população absoluta são a Taquara, Barra da Tijuca, Jacarepaguá e Praça Seca. Todavia, quando se fala em densidade populacional bruta os 4 bairros com maior número médio de pessoas por domicílio são Cidade de Deus, Pechincha, Vila Valqueire e Curicica. A população residente na AP4 é predominantemente jovem, tendo maiores porcentagens de habitantes na faixa etária de 4 a 14 anos e de 25 a 34 anos. Quando consideramos essa análise por bairros, vemos que as diferenças são poucas, destacando-se a Cidade de Deus que possui predominância das faixas de 0 a 4, 20 a 25 e 25 a 29 anos.

A infra-estrutura da região não acompanhou seu crescimento demográfico e apresenta precariedade de saneamento em ambas as RAs. Segundo o IPLANRIO (1995) apenas 68,3% dos domicílios permanentes da AP4 tinham instalações sanitárias, destes 46,5% na Barra da Tijuca, e 73,5% em Jacarepaguá. O Recreio dos Bandeirantes se destaca nessa análise em função de que somente 8,5% dos domicílios apresentavam instalações sanitárias adequadas.

Quanto à renda per-capita, existem grandes disparidades. Enquanto a renda média da AP4 alcança 7,7 salários mínimos, a RA Jacarepaguá registra 5,4 salários e a RA Barra da Tijuca 18,1. A Cidade de Deus, inserida na RA Jacarepaguá, apresenta renda média de 2 salários mínimos.

 

Indicadores de saúde

No quadro de mortalidade geral a AP4 apresenta taxas melhores que as do Município do Rio de Janeiro, em função dos resultados da XXIV RA – Barra da Tijuca que, no ano de 1997, foi de 5,3%, enquanto na XVI RA – Jacarepaguá a taxa foi de 9,0%.

A distribuição da Mortalidade Proporcional por Causa na AP4 acompanha a tendência do Município. É importante ressaltar, em relação as Causas Mal Definidas, a diferença entre as RAs (XVI RA – Jacarepaguá – 8,2% e XXIV RA – Barra da Tijuca – 5,6%), o que nos leva a hipótese de melhor acompanhamento da doença e melhor assistência no momento do óbito na XXIV RA – Barra da Tijuca. A análise da Mortalidade por faixa etária revela que, nas crianças menores de 1 ano, as Afecções Perinatais respondem por 50% dos óbitos. Novamente não encontramos homogeneidade entre as Regiões Administrativas, pois esta causa responde por 72,2% dos óbitos, nesta faixa etária, na XXIV RA. Cabe ressaltar que, a partir de um ano de idade até os 49 anos, a principal causa de morte, em 1997 e 1998, classifica-se no conjunto “Causas Externas”. Com relação a Mortalidade Infantil, podemos observar a tendência decrescente na avaliação 1994 a 1998, tanto na AP4 quanto no Município do Rio de Janeiro, com taxas inferiores às do restante da cidade, apesar da grande semelhança na tendência da AP4 com o Município, quando analisamos a Mortalidade Infantil por seus componentes. Na avaliação das Regiões Administrativas, fica evidente a relação direta da Mortalidade Infantil com as condições de vida e o acesso aos serviços de saúde (XVI RA – Jacarepaguá – 18,2% e XXIV RA – Barra da Tijuca – 14,8%).

 

Causas de atendimento

Observa-se que a Doença Hipertensiva é a primeira causa de atendimento na área. A Infecção Respiratória Aguda (IRA) surge em segundo lugar na UIS Hamilton Land (Cidade de Deus) – região onde se localizam muitas indústrias.

Entretanto, deve ser ressaltado que a análise do perfil de morbidade fica dificultada, pois os relatórios que fundamentam esta análise só são obtidos através do sistema de informação - SIGAB - que se encontra implantado em apenas três unidades. Isto inviabiliza a obtenção de informações do restante da área, fato que se agrava, particularmente, em relação ao PAM Jacarepaguá, que responde por aproximadamente 50% da produção ambulatorial no AP4.

A Unidade Integrada de Saúde Hamilton Land

A Unidade Integrada de Saúde Hamilton Land (UISHL) é definida como uma unidade de assistência em serviço de pronto atendimento (SPA), ambulatório básico e clínicas especializadas que realiza os Programas de Saúde Coletiva, dentre eles, o Programa de Controle da Tuberculose (PCT). As principais causas de atendimento na UISHL são: doenças hipertensivas, infecção respiratória, supervisão de saúde da criança, triagem para neoplasias, doenças dermatológicas, ginecológicas e obstetrícia.

 

Implantação do modelo assistencial na UISHL

Ficou estabelecido que para implantar o plano de ação da AP4 deveriam ser realizados treinamentos para profissionais de saúde de nível superior e médio, nos meses de setembro, outubro e novembro, com especial atenção aos profissionais da USIHL, e logo a seguir foram treinados os agentes de saúde já previamente selecionados na comunidade. A programação destes treinamentos deu ênfase a formação e funcionamento de equipes multiprofissionais e sua integração com os agentes de saúde.

Além disto foi previsto a implantação das seguintes estratégias: 1) a implantação da supervisão da administração do tratamento; 2) o sistema de visita domiciliar e de busca ativa de faltosos, de contatos e de sintomáticos respiratórios; 3) o sistema de registro com controle de qualidade e 4) estratégias de envolvimento da comunidade.

 

Material e método

Para melhoria da qualidade do atendimento foi realizada uma reorganização do serviço, sendo definido como primeiras necessidades:

1.Treinamento do pessoal em serviço: sob a coordenação do CRPHF, foi treinado o pessoal específico dos programas que requer formação mais especializada e que atua nas funções de normatização, coordenação, supervisão e controle de serviços de referência, bem como o pessoal dos serviços gerais de saúde com a responsabilidade de execução direta das ações, particularmente nos níveis primário e secundário de atendimento, incluindo os Programas de Saúde da Família, Agentes Comunitários de Saúde, laboratórios e ambulatórios em geral.

2. Reforma do local de atendimento: adequação do espaço através da reforma de 3 salas no andar térreo, incluindo todo mobiliário específico, e da área externa frontal às salas, onde foi construído um caramanchão tornando o local mais aprazível, além da criação de um espaço para palestras e um mural informativo.

3. Implantação da supervisão do tratamento: inicialmente foi previsto o tratamento supervisionado aos pacientes com tuberculose pulmonar positiva (bacilíferos). A supervisão por uma terceira pessoa (geralmente profissional de saúde, no caso o agente de saúde) foi implantada 03 vezes por semana, nos dois primeiros meses, e posteriormente uma vez por semana, até completar 06 meses de tratamento. Para tanto foi necessário a adequação de material burocrático como prontuário, documentos próprios para consulta de enfermagem, consultas de assistente social e da equipe multidisciplinar;

4. Implantação da visita domiciliar a pacientes faltosos;

5. Controle dos contatos e busca de sintomáticos respiratórios;

Para as atividades programadas a Unidade contava com 2 médicos, 1 enfermeiro, 2 auxiliares de enfermagem, 5 agentes de saúde e um 1 técnico de Raios X, 3 nutricionistas e 3 assistentes sociais, que atendiam também às demais demandas dos serviços.

Foi criada uma supervisão interna para o Programa e se cuidou da sensibilização diária dos profissionais envolvidos com as ações, avaliando, analisando e adequando atuações para, cada vez mais, acolher melhor.

Na reorganização do serviço, foi percebida a necessidade de modificação da porta de entrada a fim de aumentar a captação dos sintomático respiratórios. Desta forma, facilitou-se o fluxo de entrada destes pacientes com a eliminação do agendamento, o que levou à captação e atendimento imediatos e, consequentemente, ao aumento da descoberta de portadores de tuberculose.

Foi implantado também um Programa de Nutrição específico para tratamento do paciente com tuberculose e do comunicante, com avaliação do estado nutricional, o tratamento e prevenção da desnutrição, anemia ferropriva e hipovitaminose A. Este componente foi realizado com a parceria do Instituto de Nutrição da UFRJ.

Com relação ao tratamento, os pacientes foram distribuídos em dois grupos: “A”, auto administrado e “B”, supervisionado. A organização desses dois grupos se deu a partir do fluxograma que o sintomático respiratório segue na Unidade, o qual prevê a entrada através do Sistema de Pronto Atendimento, e de encaminhamento interno ou externo, podendo ou não, já estar de posse dos exames complementares (baciloscopia do escarro ou radiografia do tórax). A partir daí, estes doentes são encaminhados ao setor de Pneumologia, onde uma equipe multiprofissional faz o acolhimento, consulta e diagnóstico.

No caso de se confirmar o diagnóstico o paciente é inscrito no PCT e, neste momento, lhe é oferecida a possibilidade de ingressar no grupo de tratamento auto administrado ou no de supervisão. Nesta etapa de escolha os pacientes são esclarecidos sobre as características das duas estratégias de tratamento: auto administrado, que consiste em consulta mensal de controle, ocasião em que o paciente recebe o medicamento para o período; ou com a supervisão em que o paciente se compromete a vir à Unidade 3 vezes por semana, quando lhe é ministrada a dose do dia e entregue a do dia seguinte, além de receber vale transporte e lanche.

Nestes casos o atendimento é feito de forma mais próxima, com maior aporte de informações e cuidados executados pelos agentes de saúde a quem cabe entregar, observar e registrar a ingestão de cada dose, promover atividade educativa, informar da visita domiciliar em caso de falta à consulta, tornando assim esta estratégia mais humana e solidária.

Durante a implantação a própria equipe constrói sua bandeira de ACOLHIMENTO DEZ ABANDONO ZERO, que foi alcançada ao término dos seis meses iniciais do Programa, no período de novembro de 1999 a abril de 2000, resultado este examinado a seguir.

 

Resultados

No período de seis meses anteriores a implantação do modelo - maio a outubro de 1999 - foram diagnosticados 35 casos de tuberculose; nos seis meses seguintes - novembro de 1999 a abril de 2000 – após implantação do modelo assistencial, o número de casos diagnosticados chegou a 65, um aumento de 85,7% na captação.

Em relação à busca de sintomáticos respiratórios, observou-se que, no primeiro período, houve uma captação de 66, cifra que se elevou para 186 no segundo período, todos submetidos à baciloscopia, ou seja, um aumento de 181,8% na captação e consequentemente aumento na detecção de casos de tuberculose. Tal fato ocorreu à medida em que a Unidade, em todas as suas especialidades, passou a acolher prontamente os sintomáticos respiratórios e encaminhá-los para o Programa de Controle da Tuberculose. É importante ressaltar que neste período 28% dos sintomáticos respiratórios eram portadores de tuberculose, o que indica que este grupo é altamente selecionado. O percentual de baciloscopia não realizada manteve-se em 10% em ambos os períodos.

Nestes seis meses foram diagnosticados 65 casos no período de novembro/99 a abril/2000, observando-se que 57% dos pacientes foram inscritos no grupo A, tratamento supervisionado e 43% no auto administrado. Durante o período, a adesão dos pacientes a supervisão foi aumentando, chegando em abril/2000 a 100% dos pacientes realizando tratamento supervisionado.

Atingiu-se a meta de zerar o abandono do tratamento no PCT em 6 meses, o que se deu graças à busca ativa dos pacientes em abandono anterior, obtendo-se então a recuperação de 9 pacientes, seis retratamentos, uma transferência e duas curas clínicas. A tabela 1 demonstra os resultados de tratamento nos 2 períodos comparados. Apesar do pequeno número de pacientes, estamos convencidos serem os resultados significativos, seja pela comparação com os resultados anteriores, seja na convicção que temos da melhoria da qualidade do atendimento que agora prestamos, ganho que esperamos seja permanente.

 

 

Discussão

Em 17 de novembro de 1999, implantou-se um modelo assistencial na UISHL, com o intuito de otimizar o Plano de Controle da Tuberculose na AP4, como um projeto estratégico do Centro de Excelência de Combate à Tuberculose, que segundo a metodologia preconizada, reuniu parceiros, formou uma equipe técnica e trabalhou na busca da melhoria da qualidade da assistência, da descoberta dos casos principalmente pela baciloscopia entre os sintomáticos respiratórios da demanda dos serviços gerais de saúde, na monitorização do tratamento através da evolução clínico-bacteriológica e promoveu o tratamento com dose supervisionada nos 6 meses de duração do tratamento.

Algumas dificuldades foram vencidas à medida em que as adequações foram feitas, sendo as principais delas:

• Rigidez na exigência do comparecimento inicial de 3 vezes por semana: houve adequação para uma presença semanal, de acordo com as possibilidades dos pacientes, e na medida em que os pacientes foram sendo mais conhecidos. Como conseqüência registrou-se aumento na captação para a supervisão, maior aceitação do Programa e crestamento das faltas.

• Dificuldades na busca de pacientes de áreas de alta periculosidade, bem como aqueles resistentes à disciplina do tratamento, devido a questões sociais como tráfico de drogas e população de rua.

• Pouca sensibilização da equipe de saúde para a captação do paciente com tuberculose.

• Dificuldade, por parte de alguns profissionais, em utilizar o fluxograma para captação do sintomático respiratório.

• Alto índice de pacientes com baciloscopia inadequada.

• Dificuldade em retratar os abandonos. · No inicio, houve dificuldade em buscar os faltosos, que foi vencida pelo trabalho do agente de saúde.

• O acesso do paciente ainda não atingiu a efetividade desejada.

• Cota para o lanche insuficiente devido ao aumento do número de beneficiados.

• Preservação da qualidade do lanche o que constitui um desafio.

• O ponto crítico observado paira nas questões sociais e econômicas. Portanto, é importante o desenvolvimento e ampliação de parcerias que possam dar suporte a essa problemática.

Frente às situações vivenciadas no percurso da implantação e operacionalização das atividades, percebeu-se a importância de promover, cada vez mais, a sensibilização dos profissionais de saúde para a aplicação das medidas de controle da tuberculose.

Neste particular, o agente de saúde é de vital importância, tendo em vista o ganho de qualidade e efetividade de atendimento que foi possível obter, a partir da presença desse profissional na equipe. Sob esta visão, e pensando em novas perspectivas, como implantação do PSF e PACS, queremos ressaltar que o agente de saúde em seu trabalho junto à comunidade, poderá ter um grande valor, tanto para as atividades de busca a faltosos e supervisão das tomadas, mas principalmente na busca do sintomático respiratório.

Concluímos que a busca da excelência no controle da tuberculose passa pela integração dos vários atores responsáveis, demanda esforço e uma metodologia apropriada em torno de objetivos comuns pactuados. Este pode ser o caminho para que o demonstrado na UISHL possa se reproduzir em outros locais do país. Esperamos que a descrição de nossa experiência possa inspirar novas perspectivas a equipes de profissionais de saúde.

 

Referências bibliográficas

1. Brasil. Ministério da Saúde/FUNASA/CENEPI/ CRPHF, Manual de Normas Técnicas – Estrutura e Operacionalização do Programa, Brasília. 5a; Ed. 2000.

2. Natal, S.; Valente, J.; Gerhardt, G.; Penna, M.L. Modelo de predição para o abandono do tratamento da tuberculose pulmonar, Boletim de Pneumologia Sanitária, Ministério da Saúde, Rio de Janeiro 1999; Vol. 7, No; 1 jan/jun.

3. Muniz, J.N.; Villa, T.C.S.; Pedersolli, C.E. Tratamento supervisionado no controle da tuberculose em Ribeirão Preto: Novo modo de agir em saúde, Boletim de Pneumologia Sanitária, Ministério da Saúde, Rio de Janeiro 1999. Vol. 7, No; 1 jan/jun.