NOTAS DE PESQUISA

 

Pacientes com mais de uma notificação de tuberculose: Implicações para o controle

 

 

João G. Q. Costa^I; Andréia Costa^II; Maurício L. Barreto^III

^IEconomista da Saúde- Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia
^IIEconomista Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia
^IIIPhD. Epidemiologista - Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.

 

 

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RESUMO

O trabalho avalia os casos de Tuberculose com mais de uma notificação no biênio 98/99 e descreve o status dos pacientes em relação ao tratamento. Foram encontradas nas bases de dados do sistema de vigilância da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, 457 notificações que correspondiam a 225 pacientes com duas ou mais notificações. Dos 225 casos, 164 foram selecionados e 145 localizados através de investigação nos "livros pretos" e nos prontuários das unidades de saúde. 66 pacientes haviam abandonado o tratamento iniciado na primeira notificação e começaram retratamento na segunda notificação. 26 pacientes eram casos de cura seguida de recidiva. Observou-se que os pacientes que abandonam retornam ao tratamento mais cedo que os que obtiveram cura. Considerando o número aproximado de todos os abandonos, estimou-se em apenas 18% o número de faltosos a retornarem ao tratamento no decorrer do ano em que se deu o abandono ou no ano seguinte.

Palavras-chave: Tuberculose, tratamento, abandono, recidiva.

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SUMMARY

This work evaluates the TB cases notified twice or more times during 1998 and 1999 and describes pacients' status regarding the treatment. It was found in the database of the surveillance system of the Secretariat of Health of the Sate of Bahia 457 notifications of 225 patients with two or more notifications. From the 225 cases it was selected 164 and from these 164, 145 were found in the "black book" and patients files in the health centres. 66 patients abandoned the treatment that had started in the first notification, and started it again in the second one. 26 patients had been cured in the first treatment and got the disease again. It was observed that the patients that had abandoned the treatment returned early than the patients that had been cured. Considering the total number of cases of non-compliance, it was estimated that only 18% of the defaulters returned to the treatment during the year in which they abandoned the treatment or in the following year.

Key-words: Tuberculosis, treatment, non-compliance, rescindive

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Introdução

O presente trabalho foi realizado no contexto do estudo de custo efetividade da segunda dose da vacina BCG e apresenta os resultados de uma coleta de dados específica realizada no âmbito dessa pesquisa. O estudo de custo efetividade requer a comparação entre os custos da implantação da vacina nas rotinas, com os custos evitados em decorrência dos casos que são prevenidos pela vacinação. Com o objetivo de dimensionar os custos evitados é necessário calcular o custo de um tratamento padrão bem como os custos de tratamentos interrompidos, uma vez que os mesmos representam um percentual não desprezível de todos os tratamentos realizados 10% de acordo com o relatório da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia em Salvador (SESAB, 1998).

Para uma avaliação detalhada dos custos de um tratamento interrompido é necessário considerar vários aspectos: o momento em que se deu o abandono do tratamento; o tempo que o paciente ficou sem tratamento; o número de possíveis casos secundários originados a partir do caso índice de abandono; o momento do retorno do faltoso, as condições do mesmo no retorno e o novo tratamento iniciado.

Não existem informações disponíveis, nem nos serviços de saúde nem na literatura, que cubram todos esses aspectos do abandono do tratamento da tuberculose. Em vista disso foi necessário fazer alguns levantamentos. Neste trabalho estão descritos os resultados obtidos com o levantamento feito para pacientes que apresentavam mais de uma notificação no biênio 98/99. Com esse levantamento foi possível obter maior clareza quanto a dinâmica dos abandonos e dos retratamentos.

 

Objetivo

Avaliar os casos de tuberculose com mais de uma notificação no biênio 98/99, buscando descrever o status dos pacientes em relação ao tratamento e algumas características desses pacientes.

 

Métodos

Essa pesquisa tem como universo os casos de Tuberculose notificados em Salvador. As informações iniciais foram coletadas das bases de dados do sistema de informações de saúde da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. A partir da análise das notificações, foram identificados os indivíduos que apresentavam mais de uma notificação. Com a listagem desses casos, foram feitas investigações nos centros de saúde e hospitais de onde as notificações eram originarias. Foram feitas buscas no "livro preto" do Programa de Controle da Tuberculose da unidade e buscas nos prontuários dos pacientes. Para cada caso foi registrado a condição da conclusão do primeiro tratamento notificado, seja como cura, abandono, transferência, óbito, falência e outros. Foi calculado o tempo decorrido entre cada notificação e a sua subsequente, e foram feitos testes para verificar a significância estatística das diferenças encontradas entre os grupos de paciente pertencentes a cada condição de encerramento. Avaliou-se se o tempo para os faltosos retornarem ao tratamento era diferente do tempo para o retorno de um paciente que tivesse sido considerado curado no seu primeiro tratamento, assim como os resultados das baciloscopias em ambos os grupos.

 

Resultados

De 3.814 notificações de tuberculose feitas em 1999 na cidade de Salvador e registradas no banco de dados da vigilância, foram encontradas 457 notificações que correspondiam a 225 pacientes com duas ou mais notificações. A busca dessas notificações foi feita através da comparação dos dados de identificação de todas as notificações, considerando o nome do paciente, o nome da mãe, a data de nascimento e o número de registro no sistema. O banco de dados foi exaustivamente revisado em busca desses casos uma vez que, se a busca fosse baseada apenas na coincidência exata do nome do paciente, ela não detectaria inúmeros casos.

Entre esses pacientes com duas ou mais notificações, incluem-se aqueles que tiveram uma notificação em 1998 seguida de outra em 1999 e aqueles com a primeira e a segunda notificação (ou posterior) em 1999. Por esse critério, a segunda notificação ocorreu necessariamente em 1999.

Dos 225 pacientes, foram selecionados aqueles cuja primeira notificação não foi originária de unidade hospitalar. A razão da adoção desse critério é o fato de que a notificação subsequente normalmente é feita pelo centro de saúde onde o paciente continua o tratamento ambulatorial imediatamente após a alta hospitalar. Obedecendo esse critério, foram selecionados 164 casos dos quais a primeira notificação era originária de centro ou posto de saúde.

Desses 164 casos, foram localizados 145 através da investigação nos "livros pretos" e nos prontuários das unidades de saúde. Os casos que não foram encontrados na sua maioria eram originários de estabelecimentos privados que não fazem tratamento de tuberculose e não mantêm registros dos casos que eventualmente aparecem, mesmo quando notificados à Secretaria de Saúde. A Tabela 1 apresenta a condição de encerramento dos 145 casos pesquisados.

 

 

Considerando o tempo decorrido entre uma notificação e a subsequente, adotando-se 60 dias como ponto de corte, observou-se que somente 3 dos 66 casos de abandono, tiveram suas notificações subsequentes antes de completar 60 dias da primeira notificação. A Tabela 2 contem a freqüência dos casos de acordo com a condição e a ocorrência da notificação subsequente em menos de 60 dias ou em 60 dias ou mais.

 

 

Para os 63 pacientes que abandonaram o tratamento e só retornaram 60 dias ou mais depois do início do tratamento, a segunda notificação ocorreu em média 255 dias após a primeira notificação. Essa média para os 25 pacientes considerados curados no primeiro tratamento foi de 329 dias. A análise de variância apontou que a diferença entre essas médias é significante (p=0417).

A distribuição cumulativa dos casos de abandono e cura com o tempo entre as notificações, está apresentada no Gráfico 1.

 

 

Interpretando-se os diferentes traçados das duas linhas no gráfico, vê-se que os que abandonaram, retornam ao tratamento mais cedo que os casos de cura. A linha correspondente aos abandonos tem um traçado mais côncavo e se distancia acentuadamente da linha dos casos que foram considerados curados. Por volta do 12^o mês, 80% dos casos de abandono já haviam retornado ao tratamento enquanto que para os casos de recidiva, pouco mais de 40% dos casos retornou até 12 meses após a alta.

A Tabela 3 apresenta o tempo decorrido entre as notificações de cada caso, para cada grupo de casos, desagregado por faixas.

 

 

De acordo com o que está registrado no banco de dados, 71% dos pacientes de ambos os grupos haviam feito baciloscopia na segunda notificação. Observando-se a condição de bacilífero ou não dos pacientes, foram registradas as seguintes freqüências: dos casos de abandono, 51 % dos casos apresentaram-se como bacilíferos na segunda notificação, enquanto esta proporção foi de 46 % para os considerados curados. O teste do Qui quadrado não revelou significância nessa diferença (p=690).

 

Discussão

Considerando-se o número de casos notificados (excluindo as notificações subsequentes daqueles que foram notificados mais de uma vez), em 1999 foram registrados 3.582 casos de tuberculose em Salvador. Considerando que os levantamentos feitos em Salvador com as coortes recomendadas pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose, apontaram que 10% dos casos notificados abandonavam o tratamento antes do final do mesmo, espera-se que em Salvador 358 pacientes interrompam o tratamento antes do seu término.

O desenho deste estudo não permite que os achados apresentados nos resultados sejam generalizados para todos os que abandonaram o tratamento. Os 66 faltosos identificados que retornaram ao tratamento representam apenas 18% do total estimado de faltosos. Mas, esse percentual pode ser considerado como um indicativo do número de faltosos que se espera que retorne ao tratamento no decorrer do ano em que iniciaram o tratamento, ou no ano seguinte. É bom lembrar aqui o critério de selecionar os casos de 1998 com notificações subsequentes em 1999 e os com as duas ou mais notificações em 1999. Por esse critério compensa-se o fato de não terem sido incluídos os casos que abandonaram o tratamento em 1999 e retornaram em 2000.

Não foi possível coletar informações confiáveis quanto ao mês em que ocorreu o abandono. A data registrada como a do abandono poderia ser a data de quando foi feito o registro e não de quando o paciente efetivamente deixou de comparecer ao centro. No entanto, se for considerado o que o estudo de Natal, S. et al (1999) levantou em uma amostra de 78 casos de abandono, 48% dos pacientes faltosos teriam abandonado o tratamento até o final do 2^o mês e 80% até o final do 3^o mês.

O retorno de apenas 18% dos faltosos até dois anos após o início do tratamento merece ser cuidadosamente estudado. As chances do paciente ter sido curado pelo tratamento que não teve continuidade para além do 3^o mês, são bastante reduzidas. O retorno "precoce", por assim dizer, desses pacientes em relação àqueles que obtiveram alta e posteriormente recidivaram, conforme descrito no gráfico, sugere que os faltosos não estavam efetivamente curados. Supondo-se que não se pode esperar um percentual de cura expontânea superior a 25% entre os faltosos, deve estar ocorrendo um acúmulo importante de faltosos, que o programa de controle não está detectando e deverão em algum momento retornar em grande número para retratamento.

O fato de que a maioria dos faltosos retornam na condição de bacilífero, sugere que casos secundários podem ter sido gerados a partir desses faltosos. Assumindo-se uma taxa de transmissão da ordem de 10%, ou seja, de 100 pacientes são gerados 10 casos secundários entre os contatos (Lemos, 2000), pode-se esperar que até 6 casos novos tenham sido originados a partir desses faltosos. Vale ainda mencionar, que dos 66 faltosos estudados, 3 tinham diagnóstico de tuberculose multi-resistente.

 

Conclusão

Investigando-se os registros de casos de tuberculose com mais de uma notificação nos bancos de dados da vigilância epidemiológica da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, estimou-se em 18% o número de faltosos a retornarem ao tratamento no decorrer do ano em que se deu o abandono ou no ano posterior. Tal estimativa foi baseada em um suposto número total de faltosos equivalente a 10% de todos os casos notificados. Com um nível tão baixo de retorno de faltosos e dada a reduzida chance de cura expontânea para casos que abandonam tratamento em estágios iniciais, é de se esperar um acúmulo importante de faltosos com a doença ainda instalada, sem tratamento e possivelmente gerando novos casos.

 

Referências bibliográficas

1. Lemos, A. C. Tese de doutoramento em elaboração, Doutorado em Medicina Interna, Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2000.

2. Natal, S.; Valente, J.; Gerhardt, G.; Penna, M.L. Situação Bacteriológica dos Doentes de Tuberculose que Abandonaram Tratamento, Boletim de Pneumologia Sanitária, Ministério da Saúde, Rio de Janeiro 1999. Vol. 7, N^o 2 jul/dez.

3. SESAB; Plano Emergencial dos Municípios Prioritários, Programa de Controle da Tuberculose, Salvador, 1998.