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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.8 n.1 Rio de Janeiro jun. 2000

 

 

A descentralização das atividades e a delegação das responsabilidades pela eliminação da hanseníase ao nível municipal

 

 

Vera Andrade

Coordenadora do GT-Hansen-CONASEMS - Sanitarista da SES - RJ. Membro do Comitê Técnico Assessor da Dermatologia Sanitária do Ministério da Saúde e do Grupo Técnico Assessor para Eliminação da Hanseníase da Organização Mundial da Saúde

 

 

Nas últimas décadas, o controle da hanseníase tem passado por vários períodos de avaliação e reformulação das estratégias adotadas. Como medidas revolucionárias de controle pode-se citar a introdução da sulfonoterapia na década de 40 e da multidrogaterapia (MDT/OMS) ou Poliquimioterapia (PQT-OMS) em 1982. É justamente sob a atual perspectiva da existência de um tratamento de ampla aceitação por parte dos pacientes e uma reduzida taxa de recaída (WHO, 1994, 1995) que se propõe uma estratégia de integração do programa nos serviços gerais de saúde. Para viabilizar essa integração, na 44a Assembléia da Organização Mundial de Saúde, adotou-se a resolução de eliminação da hanseníase como problema de saúde pública no ano 2000, estabelecendo como objetivo uma redução do coeficiente de prevalência para um valor abaixo de um caso por 10.000 habitantes (WHO, 1991).

Até o começo de 1999, dos 122 países que, em 1985, foram considerados endêmicos , 94 alcançaram o alvo de eliminação, e a prevalência da hanseníase no mundo foi reduzida em 85% nos últimos 15 anos. Embora o progresso em nível mundial tenha sido surpreendente, nos 13 países com maior prevalência de hanseníase os níveis continuam ainda quatro vezes mais altos que o alvo de eliminação, a despeito da enorme redução já alcançada. Destes, provavelmente 10 a 12 países não conseguirão eliminar a hanseníase antes da data estabelecida, mesmo considerando a taxa nacional (WHO, 1999). O Brasil ocupa o segundo lugar do mundo e o primeiro das Américas em número absoluto de casos da doença sendo um país onde a hanseníase é ainda um problema de saúde pública dada a sua alta prevalência e um aumento constante dos coeficientes de detecção (Andrade, 1996). Desde 1985 o país vem fazendo todos os esforços para reduzir o problema. Nos últimos 12 anos, a taxa de prevalência da doença foi reduzida em 66%, entretanto já em 1998, a expectativa era de que o Brasil não honraria o pacto para a eliminação da doença como problema de saúde pública até o ano 2.000. A estimativa do coeficiente de prevalência para o ano de 1999 é de 4.4/10.000 habitantes. Em 1997 foram notificados mais do que o dobro do número de casos diagnosticados em 1987 (44.436 casos de hanseníase 1997, 19.685 em 1987).

O Programa Nacional de Hanseníase por meio do Plano de Eliminação (PEL) tem como objetivo geral atingir a meta de eliminação da hanseníase como problema de saúde pública no Brasil, ou seja, reduzir a taxa de prevalência a < 1 caso/10.000 habitantes até o ano 2000. O modelo lógico adotado atualmente é: 1. diagnosticar e tratar com Poliquimioterapia (PQT/OMS) todos os casos novos esperados; 2. diagnosticar precocemente a hanseníase de maneira que 90% dos casos novos sejam diagnosticados antes do aparecimento de deformidades físicas; 3. dar alta por cura a 80% dos casos que iniciaram tratamento; 4. reduzir em 15% a 20% ao ano a taxa de prevalência. Para a correta execução dos planos, o Ministério da Saúde, em 1996, tipificou 755 municípios prioritários e destes, 119 estão localizados na Amazônia Legal. De forma a motivar e estimular o cumprimento da meta do plano o Ministério da Saúde alocou no ano de 1997 uma quantia superior a seis milhões de reais por meio de convênio para 222 municípios prioritários de todas as regiões do país (MS, 1999).

 

O atual cenário da endemia de Hanseníase no Brasil

Indicadores de resultado

Em 1997, o número de doentes de hanseníase no Brasil chegou a 88.115 casos, cifra que representa um coeficiente de prevalência de 5,52/10.000 habitantes. O conjunto dos estados que compõem a Amazônia Legal acumula as maiores taxas de prevalência seguido pela região Centro-Oeste com destaque para o estado de Goiás cuja prevalência foi de 14,82/10.000 habitantes. Mantêm-se elevado, nestas áreas, os níveis de detecção de casos novos especialmente em Mato Grosso (13,81/10.000 habitantes). Apenas 10 estados apresentaram um coeficiente de detecção aceitável, ou seja, inferior a 2/10.000 habitantes. Calcula-se que 4.160 menores de 14 anos foram diagnosticados no ano de 1997. Os coeficientes de detecção em menores de 14 anos reaparecem mostrando a hanseníase como um importante problema de saúde pública nos estados da Amazônia Legal, expressando um quadro de grande severidade quanto ao estágio da eliminação. Os indicadores epidemiológicos ou de resultado das atividades segundo as diretrizes do Ministério da Saúde, mostram para o Brasil um quadro epidemiológico preocupante. A tabela 1 marca a área da Amazônia Legal como sendo hoje a área de maior "risco" do país.

 

 

Muito embora o indicador 'proxi' do impacto do tratamento seja a alta por cura, o percentual de saídas do registro ativo por outros motivos ou sem informação (múltiplos registros, alta estatística, erro diagnóstico e transferência de unidade federada), adquiriram em alguns estados valores mais altos que aqueles por curas como podem ser vistos no gráfico 1. Nos estados de Minas Gerais e Amazonas o número de registros de pacientes que foram classificados nestas categorias e retirados da prevalência no ano de 1997 (MG-3.939; AM-2.620) supera o número de altas por cura (MG-2.660; AM=2.197).

 

 

A coexistência de uma cobertura de serviços de diagnóstico e tratamento insuficiente, muitas vezes só concentrados nos centros urbanos, a grande mobilização populacional característica de algumas áreas e a ausência do conhecimento da comunidade sobre os sinais e sintomas da hanseníase podem ser os fatores que geram os diferentes perfis de morbidade dessa doença no país conforme mostrados acima. Para o Brasil e especialmente a área da Amazônia Legal, cumprir a meta de 1 caso de hanseníase dentre 10.000 habitantes, implica obrigatoriamente na superação de um grande número de problemas e obstáculos, entre os quais se destacam:

1. a manutenção da multiplicidade ou alto grau de complicações dos procedimentos administrativos referentes ao diagnóstico e tratamento e que tem desmotivado a iniciativa de aumentar a cobertura de serviços que diagnostiquem e tratem os portadores de hanseníase dificultando o acesso da população de risco às atividades do programa; e

2. a centralização do conhecimento que, associada à complexidade dos procedimentos e uma concepção vertical de "programa", têm igualmente dificultado a regionalização e a compreensão, por parte dos demais técnicos, do caráter de saúde pública da hanseníase; o modelo assistencial vigente que tem promovido um grande acúmulo de responsabilidade e poder decisório para um pequeno número de profissionais; nas grandes áreas metropolitanas o programa se apresenta por vezes bem organizado enquanto nas demais cidades do interior do país, algumas delas, áreas endêmicas, o que se verifica é um número reduzido de profissionais conscientes do problema.

Com o atual quadro internacional e nacional apresentado em reunião especial do Comitê Consultor para a Eliminação da Hanseníase da OMS, em abril de 1999, em Genebra, concluiu-se por uma revisão critica da estratégia de eliminação. A mais importante recomendação da reunião foi que, embora a estratégia de eliminação continue válida necessita ser intensificada. Para os países que ainda não atingiram fase de eliminação, a OMS recomenda a descentralização das atividades e a delegação das responsabilidades pela eliminação da hanseníase ao nível municipal (SANSARRICQ,1998). Segundo o Comitê, as seguintes atividades serão de importância particular para o sucesso da descentralização:

a) aumento dos esforços para levar os serviços PQT (diagnóstico e tratamento) o mais próximo possível dos pacientes pelo clínico geral ou médico de família;

b) assegurar um suprimento ininterrupto de drogas PQT de alta qualidade, de graça para os pacientes; tanto quanto os sistemas de entrega das drogas devem ser flexíveis o suficiente e adequados às necessidades do paciente;

c) melhorar a vigilância e o monitoramento em todos os níveis para que a ação possa ser tomada, assegurando a manutenção dos ganhos obtidos;

d) aumentar o comprometimento político e promover a participação comunitária em todos os países endêmicos;

e) explorar todos os canais de mobilização social, promoção e comunicação para transmitir as mensagens básicas de que a hanseníase é curável, que os serviços PQT estão disponíveis de graça para todos os pacientes, e que os pacientes não devem ser discriminados; e

f) promover atividades de integração dos serviços PQT nos serviços de saúde, incluindo capacitação do setor primário de saúde e apoio dos serviços de referência nos níveis apropriados (WHO,1999).

Até o momento as estratégias vigentes para o controle e eliminação da doença embora tenham apresentado resultados positivos são insuficientes. A condição identificada como essencial para atingir a meta de eliminação que é o aumento da cobertura real de MDT-OMS, que na prática, é o aumento da oferta de serviços de saúde, que, por sua parte, ocorre por meio da integralização do tratamento da hanseníase nos serviços de atenção primária (Andrade, 1995) necessita ser imediatamente incrementada.

Que o gestor municipal garanta o acesso ao tratamento a todos os pacientes em todos os postos e centros de saúde é atualmente o maior desafio, para que juntos, gestores, profissionais de saúde e a própria comunidade, liderem e se responsabilizem pela eliminação da hanseníase como problema de saúde pública no Brasil (menos de 1 doente a cada 10.000 habitantes).

Para fazer face ao desafio de reduzir as taxas para os níveis propostos pela Assembléia Mundial de Saúde, cabe um grande esforço de todas as três esferas do Governo Brasileiro, ou seja, dos níveis Federal, Estadual e Municipal, no sentido da descentralização efetiva do diagnóstico e tratamento da doença de modo que os recursos diagnósticos e terapêuticos estejam disponíveis o mais próximo da casa do paciente, para o diagnóstico na fase inicial da doença, o tratamento imediato e a redução das taxas de abandono do tratamento.

Soma-se ao componente de eliminação, descentralização do tratamento, a necessidade de um sistema simples e ágil de informação visando a avaliação do progresso operacional do acesso da população ao tratamento, o acompanhamento do impacto do diagnóstico na fase inicial da doença por meio do resultado da cura dos pacientes sem alteração da aparência e incapacidade físicas dos pacientes.

É possível, atualmente, fazer enormes progressos no que se refere às avaliações que validem e integrem os sistemas de informações existentes no Brasil para a adequação e acompanhamento das metas e resultados alcançados. As avaliações por nível municipal certamente identificarão e eliminarão as desigualdades permitindo um redirecionamento das intervenções segundo as diferentes necessidades e realidades (ANDRADE, 1998).

A crescente capacidade de monitorização dos casos e de manutenção dos pacientes em tratamento até a cura, principal objetivo da eliminação da hanseníase no início do século 2000, em nível municipal, facilitará a utilização de marcadores da eficiência e adequação dos serviços de saúde e do impacto da aplicação do tratamento poliquimioterápico como por exemplo: o número de casos diagnosticados na fase inicial da doença sem nenhuma incapacidade física instalada; o percentual de altas por cura por regime terapêutico (coortes) e o percentual de pacientes curados sem incapacidade e sem alteração da aparência física.

 

Referências bibliográficas

1. Andrade, V.L.G. Evolução da hanseníase no Brasil e perspectivas para sua eliminação como um problema de saúde pública. Tese de doutorado. Escola Nacional de Saúde Pública - Fundação Oswaldo Cruz - Rio de Janeiro 1996. 182pp.

2. Andrade, V.L.G.; Sabroza, P.C.; Albuquerque, M.F.M.; Motta, C.P.- Monitoring the elimination of leprosy in Brazil. International Journal of Leprosy 1998;66(4):457-463,

3. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Dados Básicos Referentes ao Ano 1997 Sobre o Controle da Hanseníase no Brasil. Brasília: Fundação Nacional de Saúde/Coordenação Nacional de Dermatologia Sanitária/MS. (mimeo.), 1998.

4. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999. http://www.saude.gov.br

5. Sansarricq, H.- Leprosy elimination - Urgent Action Requiered. International Journal of Leprosy 1998;67(1): 60-63.

6. WHO (World Health Organization), Resolution WHA 44.9. Geneva: WHO, 1991.

7. WHO (World Health Organization), The Leprosy Unit. Risk of Relapse in Leprosy. Geneva: WHO/CTD/ LEP/94.1. (mimeo.) 1994.

8. WHO (World Health Organization), A Guide to Eliminating Leprosy as a Public Health Problem. Geneva: WHO 1995.

9. WHO (World Health Organization), Report of Special Meeting of Leprosy Elimination Advisory Group (LEAG) with potential partners - Geneva, 12 and 13 April 1999 (mimeo).