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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.9 n.1 Rio de Janeiro jun. 2001

 

EDITORIAL

 

Tuberculose - mobilização social, política e técnica e os programas de controle

 

 

Gilmário M. Teixeira

Editor

 

 

A frustração de alguns anos atrás, determinada pelo fracasso - à luz de expectativas até certo ponto ingênuas - das ações desenvolvidas para derrotar a tuberculose, está, certamente, entre os agentes motivadores da mobilização social, política e técnica que presenciamos no alvorecer deste milênio, para retomar, sob novas estratégias, a luta para conter esta insólita pandemia.

Neste caminho, os anos noventa testemunharam o fortalecimento da então Unidade de Tuberculose da OMS e o estabelecimento de políticas de parcerias com governos, organizações não-governamentais e financeiras, o que deu lugar a importantes ações como: a estruturação do Programa Mundial de Tuberculose, a declaração da tuberculose como emergência mundial, o novo enfoque do tratamento supervisionado como estratégia fundamental de controle - DOTS, a implantação da "Stop TB", a Conferência Mundial sobre a Tuberculose e o Desenvolvimento Sustentável, a Aliança Mundial para o Desenvolvimento de Drogas anti-Tuberculose, a participação do Grupo de Países Desenvolvidos no plano mundial de controle, a inclusão da tuberculose entre as metas da Conferência de Cúpula do Milênio das Nações Unidas e tantas outras. Todas estas iniciativas estão empenhadas em dar mais racionalidade, inteligência e dinamismo às ações mundiais voltadas para a eliminação da tuberculose, uma doença devastadora que atravessando milênios, chega ao nosso tempo ainda com força de representar uma pesada carga de sofrimento e morte.

Destaques destes empreendimentos foram o desenvolvimento de ações da organização "Stop TB" e a Conferência Ministerial sobre a Tuberculose e o Desenvolvimento Sustentável .

A iniciativa "Stop TB" da OMS, se define como um movimento global destinado a acelerar a ação política e social para deter a expansão da tuberculose no mundo. Trata-se de uma coalizão de parceiros - Organização Mundial de Saúde, Banco Mundial, organizações não-governamentais, entidades filantrópicas - cuja missão anunciada é a de assegurar os meios para que todo portador de tuberculose tenha acesso ao diagnóstico, ao tratamento e à cura e, desta forma, reduza o tributo social e econômico que esta doença exerce sobre as famílias, as comunidades e as nações. Um de seus lemas - uma visão de otimismo e confiança - proclama um mundo livre da tuberculose, no qual a primeira criança nascida neste milênio verá a tuberculose eliminada durante sua vida

A Conferência, realizada em Amsterdã em março de 2000, reuniu os 20 países que abrigam 80% da carga mundial de tuberculose. Após análise situacional do problema em suas áreas mais críticas, foi produzida a "Declaração de Amsterdã para deter a Tuberculose", documento que se tornou um marco sinalizador do início de uma nova idade na história dessa luta. Nele, os participantes: a) observaram que a tuberculose continua sendo uma alarmante causa de sofrimento e morte, de agressão a homens e mulheres em seus anos mais produtivos, de envolvimento dos mais pobres e marginalizados e, em sua associação com a aids, de bloqueio do desenvolvimento das comunidades; b) reconheceram que a tuberculose constitui um problema sócio econômico que não se resolve só com a ação do setor saúde; c) afirmaram que o tratamento da tuberculose é parte integrante da atenção primária de saúde e a estratégia DOTS da OMS é o instrumento necessário para enfrentar a doença e prevenir o aparecimento da resistência aos medicamentos; d) comprometeram-se a acelerar o combate à tuberculose mediante a ampliação da cobertura, a disponibilidade de recursos humanos e financeiros, a garantia da oferta dos medicamentos, o envolvimento de todos os segmentos da sociedade e a elaboração e execução de um acordo mundial para deter a doença.

A estas iniciativas é oportuno acrescentar os recentes movimentos que, a exemplo do que se conhece sobre outras doenças, encaram o problema da tuberculose sob a ótica dos Direitos Humanos. Trata-se de uma abordagem integralizadora que procura reunir os condicionantes da doença, com ênfase naqueles de ordem social, para analisá-los um a um e, ao mesmo tempo, expressar a carga de sua influência e o papel que a supressão ou atenuação desses fatores teria na dinâmica do processo que leva à conquista do objetivo maior - deter a tuberculose.

Estes pactos e compromissos que agora envolvem recursos expressados em bilhões de dólares e mobilizam forças poderosas da sociedade e dos governos, propõem-se a desenvolver uma ação planetária que exige dos países, sobretudo daqueles que enfrentam a maior carga de tuberculose, uma pronta revitalização de seus programas de controle com o objetivo de capacitá-los para incorporar-se a esta nova cruzada.

Sabemos, por experiência e conhecimento da história, que todos esses propósitos, por mais pertinentes e sólidos que sejam, esvanecem-se quando não são amparados por ações organizadas, envolvendo governos e comunidades, para executar as estratégias e técnicas capazes de romper a cadeia de fatores que sustentam a situação atual da tuberculose nas comunidades. Em outras palavras, mais que nunca, é imprescindível a existência de um Programa de Controle da Tuberculose, com estruturas de coordenação nos diferentes níveis de governo e ancorado nos modernos princípios de administração e políticas de saúde, ou seja, descentralizado, integrado às demais ações dos sistemas público e privado, acessível a toda a população e presente na extensão do território nacional.

No Brasil, apesar de algumas fraquezas identificadas, em tempos recentes, na estrutura e desempenho do Programa de Controle da Tuberculose e da sensação experimentada pelos que estão no trabalho de campo de que o Programa como que se lhes vai das mãos, estão dadas as condições para que o país se engaje, plenamente, na ação global cuja meta mais próxima - não estamos longe dela - é, até o ano 2005, diagnosticar 70% dos casos infecciosos e curar 85% dos casos diagnosticados.

Sem dúvidas, em termos de controle de tuberculose, dispomos de significativa massa crítica, representada por uma ampla rede de serviços, suprimento gratuito da quimioterapia para casos novos e multirresistentes, um número importante de agentes multiplicadores do conhecimento técnico distribuídos no país, centros de apoio técnico-científico e de formação de recursos humanos e, o que é mais importante, abertura para atuar como ação integrada, parceirizada, ou associada a outros programas como os de Ações Básicas, Saúde da Família, Hanseníase, Aids e outros.

A mobilização de todos estes recursos em uma estrutura de saúde municipalizada de um país-continente, é façanha que só pode ser enfrentada por uma força-tarefa, com poderes de mobilização social, política e técnica, para formar uma consciência do problema, redirecionar as estruturas de suporte das ações para o alcance das novas estratégias, capacitar o exército de agentes de saúde responsável pela extensão da cobertura, em resumo, implementar o plano, estabelecer os mecanismos de monitoração e avaliação e, o que é mais difícil, deixá-lo consolidado para atuar, independente do momento político, até que os indicadores epidemiológicos sinalizem que o país saiu da área de risco.

Vivemos um momento impar dessa luta, caracterizado pela mobilização global da sociedade, dos governos e dos organismos internacionais de apoio técnico e financeiro, condição que nos obriga a movimentar, com responsabilidade e altruísmo, tudo o que sabemos e dispomos para controlar a tuberculose.

São inúmeras e variadas as causas que justificam o engajamento do Brasil nesta nova etapa da luta - pesada carga de doentes, "know-how" para manejar o problema, infra-estrutura ampla e mobilizável - e se não fossem bastantes restariam a da solidariedade com o sofrimento humano causado pela doença e a da construção de uma via para que todo portador de tuberculose tenha acesso a um dos benefícios consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos - o Direito à Saúde.