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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.9 n.1 Rio de Janeiro jun. 2001

 

 

Tratamento supervisionado em tuberculose no município de Taboão da Serra, São Paulo 1998-1999

 

 

Jorge Luizi PinhoI; Péricles Alves NogueiraII

IMédico da Secretaria Municipal de Saúde de Taboão da Serra
IIProfessor Doutor da Faculdade de Saúde Pública na Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Verificar se a implantação do tratamento supervisionado influenciou as taxas de sucesso e compará-lo com o tratamento auto-administrado.
METODOLOGIA: Estudo de coortes de tratamentos de tuberculose completados no período de janeiro de 1998 a junho de 1999, no Município de Taboão da Serra, São Paulo. Além de coortes semestrais desse período, foram elaboradas coortes dos tratamentos supervisionados e auto-administrados de setembro de 1998 a julho de 1999. As coortes foram comparadas segundo as taxas de sucesso. As saídas do período foram consideradas de acordo com a técnica de Almeida, que utiliza o princípio da exclusão de casos empregada na construção das tábuas de sobrevivência.
RESULTADOS: Foram selecionados 198 tratamentos, 67 dos quais, de janeiro a junho de 1998, resultaram em 80,6% (54) de finalizações. As coortes de julho a dezembro de 1998, com 77 tratamentos, geraram uma taxa de sucesso de 83,1% (64). As coortes de janeiro a junho de 1999, com 49 tratamentos, resultaram em 89,8% (44) de cura. Do mesmo período, foram separados os 23 tratamentos auto-administrados cujas coortes resultaram em 87,0% (20) de taxa de sucesso. As coortes de tratamentos supervisionados de setembro de 1998 a julho de 1999, com 53 casos, registraram uma taxa de cura de 86,8% (46). Os 53 tratamentos auto-administrados do mesmo período resultaram em 83,0% (44) de finalizações.
CONCLUSÃO: O tratamento supervisionado se mostrou mais efetivo, sendo que sua implantação promoveu um melhor desempenho do programa de controle da tuberculose, melhorando inclusive os resultados do tratamento auto-administrado.

Descritores: Tuberculose. Tratamento Supervisionado. Taxa de Sucesso.


SUMMARY

OBJECTIVE: To verify if the introduction of the directly observed therapy influenced the success rates and compare it with the self-administrated therapy.
METHODS: Study of cohorts of the completed treatments of tuberculosis on the period from January 1st 1998 to June 30st 1999, in Taboão da Serra city, São Paulo. Besides semestral cohorts from that period, cohorts of the directly observed and self-administrated therapies from September 1st 1998 to July 31st 1999 were also organized. The cohorts were compared according to the success rates. The exclusions that period were considered according to the Almeida’s technique, utilizing on the cases exclusion method used of life tables construction.
RESULTS: 198 treatments were selected, 67 cases from January 1st to June 30st 1998 resulted in 80,6% (54) of finalizations. The cohorts from July 31st to December 31st 1998, with 77 treatments, have generated a success rate of 83,1% (64). The cohorts from January 1st to June 30st 1999, with 49 cases, recorded a rate of 89,8% (44) of cure. In the same period, 23 self-administrated therapies were separated with cohorts resulting in 87,0% (20) of success rate. The cohorts of the directly observed therapies from September 1st 1998 to July 31st 1999, with 53 treatments, registered a cure rate of 86,8% (46). The 53 self-administrated therapies in the same period resulted in 83,0% (44) of finalizations.
CONCLUSION: The directly observed therapy was more effective. Its introduction promoted a better performance of the tuberculosis control program and have also improved the self-administrated therapy results.

Key words: Tuberculosis. Directly Observed Therapy. success rate.


 

 

Introdução

Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a tuberculose uma emergência mundial(1), o órgão vem instando os países a se comprometerem a melhorar o desempenho dos seus programas de controle da doença, mostrando a necessidade de buscar alternativas eficazes na luta contra o recrudescimento da doença. No relatório de 1995, a OMS propõe o tratamento supervisionado como estratégia para evitar o abandono e a utilização dos medicamentos, além de estimular a adesão ao tratamento e garantir taxas satisfatórias de cura(2).

O tratamento supervisionado foi introduzido de forma pioneira e com sucesso no início da década de 50, em Hong Kong e em Madras, na Índia(3). Nos EUA, o Center of Diseases Control (CDC) no início dos anos 80, recomendava o tratamento supervisionado, principalmente a pacientes alcoolistas desempregados( 4).

Na Cidade de São Paulo, essa forma de tratamento foi utilizada no início da década de 60, no Dispensário Sanatorinhos Ação Comunitária de Saúde, como estratégia para substituir a internação, porém foi deixada de lado na década de 80(5).

A OMS, convencida de que a tuberculose se apresentava como uma grande ameaça à saúde pública; considerando que as condições existentes em muitas áreas facilitavam o ressurgimento da doença e o aparecimento da resistência às drogas; e reconhecendo que o tratamento supervisionado se constituía em uma estratégia eficaz quando implantado, determinou, em resolução emitida no ano de 1997, que os governos dos 15 países membros, que somam 75% de todos os casos do mundo, adotassem o tratamento supervisionado(6).

Vários exemplos pelo mundo têm demonstrado que a utilização do tratamento supervisionado tem possibilitado taxas de cura de 25 a 50% em taxas de sucesso de 80 a 90% e taxas de abandono de tratamento inferiores a cinco por cento(7).

No Brasil, o Programa Nacional de Controle de Tuberculose, em 1996, através da Coordenação. Nacional de Pneumologia Sanitária, implantou o Plano Emergencial para Municípios Prioritários, sugerindo o tratamento supervisionado para pacientes com maior risco de abandono(8) .

Em 1998, o Centro de Vigilância Epidemiológica Alexandre Vranjac determinou que cada município prioritário do Estado de São Paulo implantasse o tratamento supervisionado de forma experimental em pelo menos uma unidade de saúde.

Taboão da Serra, por ser um município prioritário, introduziu o tratamento supervisionado em duas de suas unidades, em setembro de 1998 e, em janeiro de 1999, toda a rede básica de saúde, composta por oito unidades, passou a oferecê-lo como opção de tratamento a todos os pacientes diagnosticados.

Município da Região Metropolitana de São Paulo, Taboão da Serra pode ser considerada uma cidade-dormitório, porque apenas 16% da população está empregada na região. Em 1998, o município notificou 144 casos de tuberculose, dos quais 82% finalizaram o tratamento. Em 1999, foram notificados 106 casos, representando um coeficiente de incidência de 53,7 por 100 mil habitantes.

A implantação do tratamento supervisionado exigiu treinamento dos profissionais de cada unidade básica já envolvidos no controle da doença.

Os pacientes que concordavam com o tratamento supervisionado comprometiam-se, por meio de contrato, a comparecer na unidade básica para as doses supervisionadas. Em troca, recebiam uma cesta básica no final de cada mês de tratamento, lanches a cada ida ao posto. Para aqueles que necessitassem de transporte público para se deslocar à unidade, eram fornecidos também vales-transporte.

Se algum paciente estivesse incapacitado de comparecer à unidade para se submeter às doses supervisionadas, programavam-se visitas domiciliares.

O objetivo desse trabalho foi o de comparar os resultados de cura e de abandono de tratamento de pacientes que se submeteram ao tratamento supervisionado com aqueles que o recusaram e, a partir de sua introdução, comparar o desempenho do programa de controle da tuberculose e do tratamento auto-administrado antes e depois da sua implantação.

 

Metodologia

O estudo das coortes dos tratamentos completados baseou-se nos procedimentos utilizados na elaboração de tábuas de sobrevivência(10), segundo técnica recomendada por Almeida(9).

Coortes mensais de pacientes foram sendo elaboradas a partir dos registros dos comparecimentos mensais à consulta médica ao longo do período.

Os pacientes que obtinham alta por abandono, transferência, óbito ou mudança de diagnóstico eram excluídos de cada coorte. Dessa forma, obteve-se o número efetivo de pacientes que completaram o tratamento.

O número de doentes transferidos, com mudança de diagnóstico ou que morreram (observações incompletas) foi registrado pela metade em cada coorte já que cada caso desses está exposto a um risco de abandono, em média, pela metade do período de duração do tratamento. Os casos em que houve mudança de diagnóstico foram mantidos como observações incompletas pois, embora possa ser discutível a participação deles no risco de abandono por não serem doentes, estiveram em tratamento e participaram do risco de abandoná-lo.

Desta forma, cada um destes desfechos, dentro de sua coorte, foi somado e dividido por dois e o seu valor foi posteriormente subtraído do número de pacientes, do início de cada mês de tratamento correspondente, resultando em um número que representa a quantidade de doentes em tratamento e que efetivamente estão expostos ao risco de abandoná-lo. A partir desse dado foram calculadas as taxas de cura e abandono para cada coorte e pôde-se então comparar o desempenho do programa dentro de cada grupo e entre eles.

Inicialmente as coortes foram classificadas segundo o semestre de tratamento: doentes tratados no primeiro semestre de 1998; doentes tratados no segundo semestre de 1998; e doentes submetidos ao tratamento auto-administrado realizado no primeiro semestre de 1999.

Em seguida, foram separados os registros de cada agrupamento selecionado e criadas as seguintes coortes mensais:

- 6 coortes para os pacientes tratados no primeiro semestre/98;

- 6 coortes para os pacientes tratados no segundo semestre/98;

- 6 coortes para os pacientes tratados no primeiro semestre/99;

- 6 coortes para os pacientes tratados com o tratamento auto-administrado no primeiro semestre/99;

- 11 coortes para tratamentos supervisionados de setembro de 1998 a julho de 1999; e 11 coortes para tratamentos auto-administrados de setembro de 1998 a julho de 1999.

As informações foram obtidas do banco de dados informatizado do Serviço de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Taboão da Serra (VETS), completados por prontuários e fichas de notificação e investigação da doença. Esse banco de dados, denominado de EPItb, é um programa de computador compatível com o EPIinfo e foi inicialmente instituído pelo CVE para ser utilizado pelas diversas Direções Regionais de Saúde do Estado (DIRS), a partir de 1997. Em 1998, o CVE passou a estimular a utilização do EPItb em nível municipal; dessa forma,.o Município de Taboão da Serra passou a registrar todos os seus casos nesse programa.

 

Resultados e discussão

Foram selecionados 198 tratamentos completados no período de janeiro de 1998 a julho de 1999 e divididos em quatro grupos.

O primeiro grupo resultou em 67 tratamentos realizados no primeiro semestre de 1998 (tabela 1), período no qual não se utilizava o tratamento supervisionado. O segundo grupo incluiu 77 tratamentos realizados no segundo semestre de 1998, período em que apenas duas das unidades da rede de atenção básica ofereciam o tratamento supervisionado (tabela 2). O terceiro grupo foi composto por 49 tratamentos de tuberculose realizados no primeiro semestre de 1999, quando todas as unidades já ofereciam o tratamento supervisionado a todos os pacientes diagnosticados (tabela 3). Um subgrupo de 23 tratamentos auto-administrados completados foi selecionado desse terceiro grupo (tabela 4).

Por último, o quarto grupo dos tratamentos de setembro de 1998 a julho de 1999 resultou em um subgrupo de 53 tratamentos supervisionados (tabela 5) e um outro com 53 tratamentos auto-administrados (tabela 6).

A análise das tabelas 5 e 6 mostra que o tratamento supervisionado foi mais efetivo do que o auto-administrado, com uma taxa de tratamentos completados 3,8% superior. Quanto aos abandonos, o tratamento supervisionado gerou um número menor de saídas em relação à estratégia convencional.

As coortes semestrais apresentadas nas tabelas 1, 2 e 3 permitem a comparação do desempenho do programa em períodos diferentes. A comparação dos resultados das tabelas 1 e 2 demonstra que, em relação ao primeiro semestre, o programa teve um melhor desempenho a partir do segundo semestre de 1998, quando o tratamento supervisionado foi introduzido em duas das unidades da rede. Embora o segundo semestre de 98 tenha registrado um número maior de abandono, segundo dados da VETS, apenas um resultou de tratamento supervisionado, do total de 19 abandonos registrados nesse ano.

O desempenho do programa de controle da tuberculose no município, durante o primeiro semestre de 1999, em comparação ao mesmo período do ano anterior, no que se refere às taxas de sucesso foi 9,6% superior, com registro de 1/3 de abandonos (tabelas 1 e 3).

Observando-se ainda os resultados da tabela 4, que contém as coortes de tratamentos auto-administrados do primeiro semestre de 1999, nota-se que o desempenho do programa, no que se refere à essa estratégia de tratamento, foi superior aos resultados do programa no mesmo período do ano anterior (tabela 1). A taxa de tratamento completado foi de 87%, o que mostra que a introdução do tratamento supervisionado motivou as equipes envolvidas com o programa a ponto de melhorar o seu desempenho inclusive em relação à estratégia de tratamento convencional.

Conclui-se, portanto, que a utilização do tratamento de tuberculose de forma supervisionada e a introdução de cestas básicas, lanches e vales transporte como incentivo, culminaram com a melhora dos resultados obtidos no controle da doença no Município de Taboão da Serra. O melhor desempenho do tratamento auto-administrado, a partir da implantação do tratamento supervisionado, demonstra que a introdução da nova estratégia serviu de motivação para os profissionais envolvidos melhorarem o desempenho do programa de controle da tuberculose.

 

Referências bibliográficas

1. Almeida MMMB de. Contribuição ao processo de avaliação do tratamento da tuberculose: estudo realizado em um Centro de Saúde de São Paulo. São Paulo; 1981 [Dissertação de Mestrado - Faculdade de Saúde Pública da USP].

2. Bayer R, Wilkinson D. Directly therapy for tuberculosis: history of an idea. Lancet. 1995; 345: 1545 - 48.

3. Bradford H. Principles of Medical Statistics. 7a ed. New York: Oxford University Press; 1961. p. 614 - 25.

4. Humphries M. Tuberculosis: history of directly observed therapy. Lancet 1995; 346: 380.

5. Ministério da Saúde. Diretrizes do plano de ação emergencial para o controle da tuberculose no Brasil 1996/1998. Brasília; 1996.

6. Morrone N, Solha MSS, Cruvinel MC, Morrone NJ, Freire JAS, Barbosa ZLM. Tuberculose: tratamento supervisionado “vs.” tratamento auto-administrado. Experiência ambulatorial em instituição filantrópica e revisão da literatura. J Pneumol 1999; 25: 198- 206.

7. Morse DI. Directly observed terapy for tuberculosis. Spend now or pay later. BMJ 1996; 312: 719 - 20.

8. Organização Mundial da Saúde. Tuberculose nas Américas. Genebra; 1997. (OMS - Resolução cd 39. R 10).

9. Raviglione MC. Global epidemiology of Tuberculosis: morbidity and mortality of a worldwide epidemic. JAMA 1995; 273: 220 - 6.

10. World Health Organization. Tuberculosis epidemic. Report. Geneve; 1995 (WHO Technical Report).

 

 

Recebido em 31/05/2001 . Aprovado em 29/06/2001.