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Boletim de Pneumologia Sanitária

versión impresa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.9 n.1 Rio de Janeiro jun. 2001

 

 

Carta a um paciente portador de tuberculose multirresistente

 

 

Fernando Augusto Fiuza de Melo

Instituto Clemente Ferreira/Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

 

 

Certo dia, recebi, de uma enfermeira responsável pelo Programa de Tuberculose de uma capital do país, solicitação sobre como deveria explicar o que era a tuberculose multirresistente (TBMR) a um portador desta doença. Objetivando melhor orientá-la, respondi-lhe sob a forma de uma Carta ao Paciente, sugerindo-lhe que a lesse juntamente com o doente e que, numa linguagem mais acessível a ele, explicasse cada informação ali contida.

Colegas do Serviço, ao lerem esta Carta, consideraram que ela poderia servir de roteiro para orientações sobre TBMR. Assim, em meu consultório, passei a ter sempre cópias dela para serem fornecidas a pacientes de escolaridade diferenciada. Reproduzo-a, a seguir, na esperança de que possa ser útil a quem trabalha com tal tipo de paciente:

"Meu caro portador de Tuberculose Multirresistente

A tuberculose é uma doença provocada por um germe - o Bacilo Tuberculoso, também conhecido como Bacilo de Koch, nome do cientista que o descobriu em 1882, o alemão Robert Koch.

A tuberculose atinge principalmente os pulmões, mas pode ocorrer em várias outras partes do organismo.

A tuberculose multirresistente (TBMR), sua atual doença, é uma forma provocada por um grupo de bacilos que são resistentes às drogas mais comuns, mais baratas, mais potentes e menos agressivas para o organismo. Portanto, o tratamento é mais difícil e exige uma série de cuidados especiais como veremos em seguida. Ainda assim, possível de ser tratada e curada.

Você pode ter adquirido esta forma de tuberculose porque:

1a) você não fêz o tratamento correto em seu adoecimento anterior, interrompendo total ou parcialmente a tomada das drogas que são distribuídas gratuitamente, seja por falta de uma adequada orientação, por desleixo de sua parte ou ainda porque os remédios usados lhes causaram reações indesejáveis. Assim, sua atual doença está sendo provocada por um grupo de bacilos resistentes às drogas que você usou antes e não foram eliminados; portanto, aquelas drogas não servem mais para seu tratamento;

2a) mesmo usando corretamente os remédios indicados para o tratamento da tuberculose, você não ficou curado. Isso acontece principalmente em pessoas que convivem com parentes ou amigos que já são portadores de tuberculose multirresistente, pessoas que se relacionam direta ou indiretamente com doentes de tuberculose, como os profissionais de saúde, funcionários e visitadores freqüentes de presídios e carceragem.

Avalie, de forma bem clara e sincera, como você adquiriu a sua doença e informe às pessoas que lhes prestam assistência. Com isso, você ajuda muito o seu tratamento e permite que se tomem medidas para evitar que outras pessoas, inclusive seus parentes mais próximos, venham adoecer como você.

Para sua doença já existe tratamento. É preciso que você saiba algumas importantes informações:

1o) O esquema de drogas proposto para seu tratamento foi testado e proposto pelas autoridades sanitárias brasileiras. Embora constitua um avanço como alternativa para tratamento de pacientes com formas multirresistentes, tem um menor rendimento que o tratamento usual. Quando usado de maneira regular e completa, sem provocar efeitos indesejáveis, pela experiência do nosso e de outros Serviços, consegue curar cerca de 60 a 70% dos pacientes.

2o) É um tratamento muito caro e longo, mais de 50 vezes o custo do esquema inicial e se estendendo por 18 meses. As drogas que lhe serão fornecidas gratuitamente, devem ser usadas sem falhas. Colabore para o sucesso do tratamento, obedecendo às orientações da equipe que lhe prestará assistência. Evite irregularidades na tomada dos remédios e, principalmente, não interrompa o tratamento. Este, é um dos motivos para propormos que seu tratamento seja acompanhado diretamente no Serviço ou numa unidade de saúde próxima à sua residência. Tenha paciência e seja persistente, pois seu prêmio será a cura do seu mal.

3o) Se porventura aconteça algum imprevisto que o impeça de retornar no dia marcado para sua consulta, entre em contato com o Serviço e envie um parente com seu cartão para receber remédios e orientações.

4o) Se você sentir alguma reação com o uso das drogas, entre em contato com o Serviço e solicite orientações. Tente antecipar sua consulta de retorno. Se estas reações forem fortes, suspenda o uso das drogas até nova orientação do seu médico.

5o) Em alguns casos, quando as lesões são limitadas ou restritas, a cirurgia pode ser um procedimento médico muito importante e fundamental no processo de cura.

6oO) Como a doença pode reaparecer em um número reduzido de pessoas, em caso de cura, você será orientado para retornar periodicamente ao Serviço por um prazo de dois anos. Se a doença voltar, você será retratado.

7o) Por fim, é preciso que fique bem claro que você pode apresentar, além da infecção por bacilos multirresistentes, lesões pulmonares mais ou menos extensas e que o tratamento pode curar a infecção, porém as lesões podem continuar provocando sintomas como tosse, expectoração, falta de ar ao realizar maiores esforços, limitando sua capacidade de trabalho ou afazeres da vida. Neste caso, você deve continuar o acompanhamento no Serviço ou na unidade de saúde do seu bairro ou cidade.

A tuberculose é uma doença contagiosa que se transmite do doente para as pessoas com quem ele convive, seus familiares e pessoas com quem mora, por partículas eliminadas pela tosse, espirros ou quando conversa, através do ar. No seu caso, o grande problema é a possibilidade de transmitir bacilos já resistentes, sendo maior enquanto seu escarro for positivo. Assim você deve tomar os seguintes cuidados e providências:

1o) Se possível durma em um compartimento isolado e arejado, evite o contato direto com as pessoas, especialmente as crianças e os idosos.

2o) Sempre que tossir, cubra a boca com um lenço ou um pano, pois isso diminui a formação de partículas contagiantes.

3o) Encaminhe para o Serviço ou unidade de saúde do seu bairro todas as pessoas com quem mora e com quem mantém contatos próximos, para que elas possam ser examinadas e controladas.

Espero, sinceramente, que esta Carta seja útil para você conhecer a sua doença, que lhe sirva de orientação, que o ajude a curar e que colabore para que outras pessoas não venham a adoecer. Exija do Serviço e das pessoas que o atendem uma boa e prestimosa atenção. Este é seu direito de cidadania."