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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.9 n.2 Rio de Janeiro dez. 2001

 

 

A tuberculose no Brasil e no mundo

 

 

Miguel Aiub HijjarI*; Maria José Procopio Ribeiro de OliveiraII**; Gilmário M. TeixeiraIII

IDiretor do Centro de Referência Prof. Hélio Fraga/FUNASA
IIChefe do Serviço de Ensino e Pesquisa do Centro de Referência Prof. Hélio Fraga/FUNASA
IIIAssessor do Centro de Referência Prof. Hélio Fraga - FUNASA

 

 


RESUMO

Os autores analisam estimativas feitas pela OMS e indicadores mais recentes de incidência, mortalidade, ocorrência de multirresistência e de associação com o HIV, da tuberculose no Brasil e no mundo. Os números analisados, sejam estimados (8,7 milhões novos casos por ano no mundo e de 116.000 no Brasil) ou realmente verificados (o Brasil em 2000 notificou 82.249 casos novos) apontam para um grave quadro da saúde pública, principalmente nos países em desenvolvimento, o que requer medidas enérgicas e eficazes para seu controle. Em um país de alta prevalência como o nosso as ações de descoberta de casos, associadas a medidas de biossegurança, interessam a todos os profissionais de saúde, principalmente, àqueles que trabalhem em grandes hospitais ou emergências.

Palavras chaves: tuberculose, epidemiologia


SUMMARY

The authors analyze the global and brazilian estimations made by the World Health Organization (WHO) on tuberculosis incidence, mortality, multiple drug resistance and HIV-TB association. They also comment on the recent data. The figures used for the analysis, may they be estimations (8,7 millions of new cases globally and 116,000 in Brazil) or based on real findings, (82,249 new cases in 2002, in Brazil), indicate a severe Public Health situation, mainly in developing countries, and show the necessity of energetic and effective measures for its control. In a country of high incidence, like ours, the case finding activities, associated to biosafety measures, are of interest for all health professionals, specially those who work in hospitals or in emergency rooms.

Key-words: tuberculosis, epidemiology


 

 

Introdução

A grave situação mundial da tuberculose está intimamente ligada ao aumento da pobreza, à má distribuição de renda e à urbanização acelerada. Este quadro contribui para a manutenção da pobreza, pois, como a aids, a tuberculose atinge, principalmente, indivíduos que poderiam ser economicamente ativos. A epidemia de aids e o controle insuficiente da tuberculose apontam para a necessidade de medidas enérgicas e eficazes de saúde pública. A emergência de focos de tuberculose multirresistente (TBMR), tanto nos Estados Unidos da América, no início dos anos noventa, quanto atualmente, nos países que compunham a antiga União Soviética, tem mobilizado o mundo para a questão da tuberculose.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que haja anualmente 1,9 milhões de mortes por tuberculose, 98% delas em países em desenvolvimento - cerca de 350.000 mortes em casos de associação da tuberculose com a aids.

O número anual de novos casos de tuberculose é estimado em cerca de 8,7 milhões, sendo que 80% concentrados em 22 países, entre eles o Brasil. A TBMR está presente em 63 dos 72 países que participaram do inquérito mundial realizado no período de 1994-1999.

Caso a gravidade deste quadro não se reverta, teme-se que, até 2020, um bilhão de pessoas sejam infectadas, 200 milhões adoeçam e 35 milhões possam morrer.

 

A situação atual

Do total de casos novos de tuberculose estimados pela OMS, menos da metade são notificados, situação que traduz a insuficiência das políticas de controle. Nos 22 países com maior carga de tuberculose, a estimativa é de 6.910.000 casos. Neste grupo, a Índia ocupa a 1a posição com 1.856.000 casos novos anuais, o Brasil a l5a com 116.000 e o Afeganistão a última com 70.000. Se classificados pelo coeficiente de incidência, o Zimbabwe que está em 21o lugar em número absoluto de casos, assume a liderança com 584/100.000 habitantes, e o Brasil passa para o 22o com uma estimativa de 68/100.000. (Quadro 1).

 

 

A notificação da tuberculose no Brasil, nos últimos anos, se situa entre 80 e 90 mil casos novos/ano (Quadro 2).

 

 

A distância deste número para o estimado pela OMS é enorme, e mesmo considerando-se a deficiência diagnóstica e a sub-notificação, fica difícil acreditar que se tenha de 20 a 30 mil casos desconhecidos a cada ano. Sabe-se, pela ausência de um modelo preciso, da dificuldade de estimar-se corretamente o número de casos, o que leva a uma reflexão sobre essas estimativas para que não se venha a recair em equívocos de planejamento e em frustrações quanto ao cumprimento de metas.

De qualquer forma, os números do Brasil são extremamente preocupantes, seja considerando a situação do país como um todo ou apenas por regiões. Em 2000 foram notificados 82.249 casos novos, sendo 38.690 no sudeste, 23.196 no nordeste, 9.281 no sul, 5.901 no norte e 3.522 no centro-oeste. A distribuição por formas clínicas mostrou: 60,7% de pulmonares com baciloscopia positiva, 24,9% de pulmonares sem confirmação bacteriológica e 14,4% de extrapulmonares. (Quadro 3)

 

 

O coeficiente, para o país, de incidência de tuberculose de todas as formas, foi de 48,4/100.000 habitantes. Observado por região, tem-se que os mais altos estão no sudeste - 55,0/100.000 - e no nordeste - 44,4/100.000. A região norte teve coeficiente próximo ao do Brasil - 47,6/100.000 - e as regiões sul e centro-oeste valores bem abaixo - 37,7/100.000 e 29,5/100.000 - respectivamente. O maior coeficiente encontrado - 91,9/100.000 – pertence ao estado do Rio de Janeiro. (Quadros 4 e 5)

 

 

 

 

Esses coeficientes, relativos às grandes regiões, não expressam a real situação existente em muitas áreas críticas das unidades federadas, onde, principalmente nas regiões metropolitanas, há municípios com situações extremamente graves, representadas por elevados coeficientes de incidência, traduzindo condições precárias de vida, programas de controle insuficientes e, em alguns lugares, a associação da tuberculose com a aids.

A partir dos dados de notificação pode-se tentar inferir a tendência da doença, apesar da influencia exercida pela qualidade dos dados, pela baixa capacidade de diagnóstico e pela sub-notificação. Nesta linha de análise, os dados mundiais, avaliados como um todo, mostram situação com tendência à estabilidade. No entanto, ela é ascendente nos países do leste europeu e nos africanos com alta prevalência de HIV. A América Latina cuja tendência sofreu significativa queda na década de 80, estabilizou-se na década seguinte. A situação do Brasil é idêntica e acaba influenciando toda a América Latina, pois o país contribui com a maioria dos casos da região. (Quadros 6, e 7)

 

 

 

 

A ocorrência de tuberculose multidrogarresistente (TBMR) - resistência combinada à rifampicina e à isoniazida - foi avaliada por inquérito mundial promovido pela OMS, no período de 1994 a 1999. No Brasil, observou-se resistência primária (encontrada nos casos nunca tratados anteriormente) de 1,1%, resistência adquirida de 8,2% e resistência combinada de 2,2%, números considerados baixos. No mundo existem focos de TBMR primária extremamente preocupantes: na Estônia 14%, na Latvia e na Rússia (Ivanovo e Tomsk) percentuais próximos a 10%. Outros países como Irã, Moçambique, Peru e Argentina apresentaram, no inquérito mundial, percentuais acima de 3%.

Em 1998, o sistema de informação de mortalidade registrou no Brasil, 6.029 mortes por tuberculose: 3.107 no sudeste, 1.688 no nordeste, 653 no sul, 313 no norte e 268 no centro-oeste. A tendência da mortalidade foi declinante na década de 70 e meados da de 80, estabilizando-se até os dias atuais. O coeficiente de mortalidade em 1998 foi de 3,7/100. 000 hab. (Quadro 8)

 

 

Segundo os dados da OMS, a tuberculose e a aids juntas constituem, hoje, uma calamidade sem precedentes na história. Em 1999, cerca de 1/3 dos infectados pelo HIV o eram também pelo bacilo de Koch. O impacto desta inter-relação se faz criticamente alarmante quando se tem presente que o HIV, na atualidade, é o maior fator de risco para o desenvolvimento da tuberculose em pessoas previamente infectadas. A estimativa mundial da OMS de adultos infectadas pelo HIV, para o ano de 2000, foi de 13 milhões, com maior concentração na África - 9,3 milhões, e na Ásia - 2,3 milhões. Na América Latina seriam 450.000 infectados. No Brasil, houve grande expansão da epidemia de aids o que acabou refletindo na epidemiologia da tuberculose. (Quadro 9)

 

 

No município do Rio de Janeiro, em 1995, inquérito realizado por Toledo e cols, mostrou 9,8% de positividade de HIV em pacientes adultos com tuberculose, destacando-se que na região central do município este percentual veio a ser de 20,7%.

Pelo sistema rotineiro de notificação dos casos de tuberculose, tem-se observado percentuais de associação muito diversos entre as Unidades Federadas: maior nas do sul e do sudeste e menor nas das outras regiões, exceto o Distrito Federal que, situado no centro-oeste, apresenta alto percentual. Entre os casos de aids no momento da notificação, tem-se observado um percentual de associação de tuberculose, de todas as formas, próximo de 30%, sendo a segunda causa de óbito depois de outras pneumonias. Por sua vez, em 2,5% dos casos de aids notificados há associação com micobactérias não -tuberculose.

No Brasil, cujo programa de controle da aids é amplamente reconhecido, o impacto da terapia anti-retroviral na co-infecão tuberculose-aids parece ser positivo. Entre os casos de aids está havendo uma redução da ocorrência de casos de tuberculose, um maior percentual de cura e diminuição de mortes com tuberculose associada, identificando-se a necessidade de estudos mais aprofundados para atribuir-se, à terapia anti-retroviral, esses eventos.

 

Considerações finais

Frente à gravidade da situação mundial e à permanência, em nível preocupante, da epidemia de tuberculose em nosso meio, o país, desde muito, vem sistematicamente tomando apropriadas iniciativas para combater a doença. Basta referir que desde meados da década de 60, o Ministério da Saúde padronizou e passou a distribuir, gratuitamente, em nível nacional, as drogas que integravam os esquemas terapêuticos de maior eficácia daquela época. No final dos anos setenta com os avanços da quimioterapia da tuberculose o Brasil substituiu os antigos esquemas prolongados pelos novos de curta duração que incluíam rifampicina, isoniazida e pirazinamida, os quais, como os anteriores, são, até os dias de hoje, também distribuídos gratuitamente.

Desde que a OMS, em 1993, declarou a tuberculose em estado de emergência mundial, o Brasil sinalizou, com marcos pontuais, sua posição frente às novas perspectivas do problema. Destacaram-se: o lançamento do Plano Emergencial, em 1994, que priorizou 230 municípios onde se concentra a maioria dos casos; o desenvolvimento do Centro de Excelência de Controle à Tuberculose, em 1999; e recentemente, em 2001, o Plano Nacional de Mobilização para eliminação da hanseníase e controle da tuberculose.

Muito já foi feito e muito ainda há de se fazer. Políticas públicas que possam efetivamente melhorar a qualidade de vida da população têm repercussões positivas no controle da tuberculose. No entanto, para os órgãos responsáveis pela saúde pública do país é necessário e prioritário a imediata melhoria das ações de busca de casos, tratamento e prevenção, bem como das atividades de promoção da saúde.

Em um país de alta prevalência como o nosso, do ponto de vista da biossegurança, as ações para o diagnóstico precoce dos casos, e seu efetivo tratamento, interessam a todos os profissionais de saúde, em particular àqueles que trabalham em grandes hospitais ou serviços de emergência. Estas unidades de saúde, funcionando como grandes portas de entrada, têm em sua demanda um número representativo de pacientes com tuberculose que, antes de seu diagnostico, circulam por suas dependências. Ocorre que, na maioria das vezes, estas unidades não têm implantadas medidas para o diagnóstico precoce e o correto manuseio destes casos, que atendam às necessidades de isolamento e cuidados de biossegurança.

Em conclusão, se o controle da tuberculose não se efetivar de forma satisfatória e, diante da ausência de inovações terapêuticas e profiláticas, seremos obrigados a conviver com as estimativas do Banco Mundial - em 2020 a tuberculose contribuirá com 55% das mortes observadas em adultos nos países em desenvolvimento (Quadro 10).

 

 

Biliografia

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*E-mail: miguel.hijjar@funasa.gov.br - maiub@openlink.com.br
**E-mail: mariajose.oliveira@funasa.gov.br