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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.9 n.2 Rio de Janeiro dez. 2001

 

 

Dimensões subjetivas da biossegurança nas unidades de saúde

 

 

Paulo Starling Brandão Junior

Consultor em Biossegurança Hospitalar do CPqHEC/Fiocruz / Psicólogo do Programa Municipal DST/AIDS – Nova Iguaçu

 

 


RESUMO

O variado elenco de vulnerabilidades biológicas, químicas, físicas, ergonômicas, psicossociais e de acidentes nos mostra que o exercício da segurança no manejo de produtos e técnicas de Biossegurança nas Unidades de Saúde é de capital importância. Somado a este fato, o conhecimento das dimensões subjetivas envolvidas nos acidentes, doenças ocupacionais, licenças e outras questões associadas ao processo, organização e condições do trabalho demandam uma abordagem interdisciplinar e a participação de uma equipe multidisciplinar no manejo destes problemas. As Instituições de Saúde prestam serviços específicos à população em geral e apresentam uma variedade de ações de saúde que expõe seus trabalhadores a uma ou mais cargas, dentre as quais destaca-se a exposição a doenças infecto–contagiosas. Este contexto impõe uma antecipada tomada de posição em face da possibilidade de ocorrência de acidentes e doenças (Starling, 2000). Em pesquisa realizada no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro analisamos as dimensões subjetivas do acidente com material biológico entre os profissionais de saúde em seu ambiente de trabalho. Os fatores de vulnerabilidade ao HIV, as condições, a organização e o processo de trabalho hospitalar, a relação dos efeitos colaterais com os fenômenos psicossomáticos, as discrepâncias entre o trabalho prescrito e real além de algumas questões de gênero foram temas que discutimos no desenvolvimento desta pesquisa. As dimensões subjetivas do acidente se mostraram na pesquisa através de um processo dinâmico e complexo que envolveu a cultura, o processo, a organização e a precarização do trabalho hospitalar, as repercussões psicossociais pós-acidente no trabalho e na família e sua associação com o HIV/Aids e as reações psicossomática pós-profilaxia. Entendemos que se os riscos são assumidos como peculiaridades “naturalizadas” de objetos e meios de trabalho, descontextualizados do processo e organização do trabalho, as medidas de prevenção acabam por restringir-se a intervenções pontuais sobre os riscos mais evidentes. Enfatizam a utilização de equipamentos individuais, normatizam-se formas de trabalhar consideradas seguras, o que, em determinadas circunstâncias, conforma apenas um quadro de prevenção simbólica. A visão da Medicina do trabalho ainda é predominante nas análises de Biossegurança em Unidades de Saúde prevalecendo à concepção de “ato inseguro”. Um dos grandes problemas é que as dimensões subjetivas não são incorporadas na compreensão dos agravos a saúde no ambiente de trabalho. Isso justifica a necessidade de maior difusão de conhecimento e formação de trabalhadores na área de Biossegurança em que a dimensão subjetiva seja um aspecto operante neste campo.

Palavras-chave: Biossegurança, Unidades de Saúde, Dimensões Subjetivas e acidente com material biológico


SUMMARY

The assorted list of biological, chemical, physical, ergonomical, psychosocial and accidental vulnerabilities shows us that security practice in the handling of biosafety products and technics in Health Units is extremely important. Added to this, the knowledge of subjective dimensions involved in occupational hazards, medical license and other issues related to the working process, organization and conditions, demand an interdisciplinary approach and the participation of a multidisciplinary staff, when dealing with such problems. The Health Institutions render specific services to population in general and conduct a diversity of health actions, which expose their workers mainly to infectious diseases. Such structure, due to the possibility of events of accidents and diseases, requires beforehand attitudes (Starling, 2000). In an inquiry at Civil Servant of Rio de Janeiro State Hospital, we analyzed the subjective dimensions of the accident with biological material among professionals at their working environment. The vulnerability factors to HIV, the hospital’s working conditions, organization and process, the relation of collateral effects with psychosomatic phenomenon, discrepancies between prescribed and real work besides some gender matters, were some topics discussed during the development of this research. The subjective dimensions of the accident showed up in the research by dynamic and complex process which involved the culture, process, organization and precariousness of hospital work, the psychosocial rebounds at work and in the family in the post-accident state and their association with the HIV/SIDA and psychosomatic reactions post-prophylaxis. We understand that whether risks are assumed as “neutralized” peculiarities of objects and work environment, out of the working process and organization context, preventive attitudes restringes to punctual interventions on most evident risks. It is emphasized the utilization of individual equipments and safety patterns of work are regularized, which, in some circumstances, configurates a symbolic prevention. Labor Medicine view is still predominant in biosafety analysis in Health Units distinguishing to the concept of “unsecure act”. One of the major problems is that the subjective dimensions are not incorporated in the understanding of the damages to health in the work environment. It justifies the needs of a better dissemination of knowledge and development of workers in the biosafety area in which the subjective dimension be an operative aspect in this field.

Key words: Biosafety, Health Units, Subjective Dimensions and accident with biological material.


 

 

Introdução

A Biossegurança é hoje, em nosso país, tema de permanente debate no meio científico e de polêmicos artigos na mídia. Legalmente a Biossegurança está vinculada a Lei No. 8974, de 5 de janeiro de 1995 (Presidência da República - Ministério da Ciência e Tecnologia) que trata do uso das técnicas de Engenharia Genética dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM’s). O Decreto No. 1.752/95, acompanhando esta Lei, cria a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia que responde pela regulação, controle e fiscalização dos OGM’s em todo território nacional.

Por outro lado, existe todo um campo em aberto denominado Biossegurança Praticada que o Setor de Biossegurança Hospitalar, vinculado ao Departamento de Epidemiologia do Centro de Pesquisa do Hospital Evandro Chagas, vem implementando desde o mês de junho de 1999. Seguimos a concepção da Comissão de Biossegurança da Fundação Oswaldo Cruz que considera este tema “Um conjunto de ações voltadas para a preservação, minimização ou eliminação de riscos inerentes às atividades de pesquisa, produção, ensino e desenvolvimento tecnológico e prestação de serviço, riscos que podem comprometer a saúde do homem, dos animais, do meio ambiente ou a qualidade dos trabalhos desenvolvidos”. (Valle & Teixeira, 1996)(1).

O variado elenco de vulnerabilidades biológicas, químicas, físicas, ergonômicas e psicossociais nos mostra que o exercício da segurança no manejo de produtos e técnicas de Biossegurança nas Unidades de Saúde são de capital importância. Somado a este fato, o conhecimento dos aspectos biopsicossociais envolvidos nos acidentes, doenças ocupacionais, licenças e outras questões associadas ao processo, organização e condições do trabalho demandam uma abordagem interdisciplinar e a participação de uma equipe multidisciplinar no manejo destes problemas.

 

Contextualização

Segundo Silva (1998)(2), o Programa de Saúde do Trabalhador da Secretaria do Estado do Rio de Janeiro (PST/SES), observou por fontes diversas e dispersas, que os trabalhadores dos hospitais públicos do Rio de Janeiro vinham sofrendo um intenso desgaste, em decorrência de sua relação com o trabalho, que se expressava ora em doenças passíveis de reconhecimento pelo saber médico, ora em desânimo, irritação e outros sinais de desgaste psíquico acentuado. Acreditamos que estas observações não são muito diferentes das experiências subjetivas vividas pelos trabalhadores de outras instituições de saúde.

Ao lidarem com objetos e instrumentos de trabalho, os trabalhadores realizam trabalho físico e mental. Esse trabalho é dimensionado genericamente pela organização do trabalho, que em cada Unidade de Saúde vai possuir características específicas.

Instituições de Saúde

As instituições de saúde prestam serviços específicos à população em geral e apresentam uma variedade de ações de saúde que expõe seus trabalhadores a uma ou mais cargas, dentre as quais destacam-se a exposição à doenças infecto–contagiosas. Este contexto impõe uma antecipada tomada de posição face a possibilidade de ocorrência de acidentes e doenças (Starling,2000)(3).

 

 

Instituições hospitalares

O hospital é um estabelecimento que presta serviços específicos à população em geral e apresenta uma variedade de ações de saúde que expõe seus trabalhadores a uma ou mais cargas, dentre as quais destaca-se a exposição à doenças infecto-contagiosas e aquelas em contato direto com pacientes e/ou com artigos e equipamentos contaminados com material orgânico. A diversidade de serviços existentes no âmbito hospitalar como: administrativos, lavanderia, refeitório, manutenção, caldeiras, transporte, almoxarifado, laboratório, centro cirúrgico, raio X, isolamento, Unidade de Terapia Intensiva, etc., impõe uma antecipada tomada de posição face a possibilidade de ocorrência de acidentes e doenças (Starling, 2000)(3) .

A instituição hospitalar é caracterizada como o lugar do exercício de um conjunto de práticas em saúde, configurando uma tecnologia do processo de trabalho que na sua singularidade exige do profissional de saúde respostas individuais e coletivas ao lidar diariamente com a dor, doença e a morte (Pitta, 1989)(4). Apesar do trabalho intensivo advindo do dinamismo da tecnologia hospitalar, as funções da força de trabalho precisam da capacidade individual do trabalhador e do seu tempo de realização. Neste sentido, mesmo que haja uma divisão e sentido coletivo de trabalho no hospital, ainda se trata de uma atividade individual e como consequência de vulnerabilidades sem precedentes.

Um grande número de tecnologias hospitalares envolvem maiores riscos para a saúde e concentram energias e materiais que o trabalhador está despreparado para enfrentar e tornam maiores as exigências de concentração mental tornando o trabalho mais intenso e complexo. A atividade do (a) trabalhador (a) de saúde exige simultaneidade de focos de atenção e de atuação prática, ainda mais quando precisa se esforçar para manter a atenção voltada para a possibilidade de sofrer acidente (Starling, 2000)(3).

 

Biossegurança e acidente com material biológico

O trabalhador de saúde em seu ambiente de trabalho precisa sentir que há um profissional (ou uma equipe) ao seu lado para lhe dar também um suporte psicossocial, que defenda seus interesses, principalmente, quando ele mais precisar, quando estiver mais vulnerável e frágil.

A real adoção das medidas de Biossegurança assume uma importância vital para a melhoria da qualidade da assistência à saúde, criando um ambiente seguro, tanto para o profissional, quanto para o usuário dos serviços de saúde. O surgimento da aids coloca em relevância este fato, visto que existe uma possibilidade de contaminação profissional, mesmo que este risco seja baixo (Granato, 1997)(5). Não só da aids como de outras doenças infecciosas e parasitárias.

Em janeiro de 1997, a Coordenação Municipal de DST/Aids do Rio de Janeiro implantou o Programa de Vigilância e Prevenção a Acidente com Materiais Biológicos. A vigilância dos acidentes é realizada em parceria com a Gerência de Saúde do Trabalhador deste Município. O risco de contaminação por HIV com perfuração de agulha é de 0,3%, por hepatite B, pode chegar a 40%, dependendo da concentração do vírus no corpo do paciente, e, por hepatite C, varia de 4 a 10%. Dos acidentes notificados até hoje no Município do Rio de Janeiro não houve caso confirmado de contaminação pelo vírus HIV. Os testes sorológicos são repetidos várias vezes e com freqüência o profissional passa por situações de estresse (Rapparini, 1998)(6).

“Protocolos de registro, avaliação, aconselhamento, tratamento e acompanhamento de exposições ocupacionais que envolvam patógenos de transmissão sangüínea devem ser implementados nas diferentes Unidades de Saúde”. (Coordenação Nacional de DST/Aids, 1999)(7).

De que forma os problemas para a saúde materializam-se no interior do Processo de Trabalho Hospitalar? Qual a lógica da expansão e atuação dos riscos de acidente?

Prevenção e assistência ao acidente com material biológico

A ausência de Programas de Biossegurança nas Instituições de Saúde torna-se um dos motivos de subnotificação e da falta de controle e minimização de riscos dos acidentes com material biológico” (Starling, 2000)(3).

 

 

 

Experiência subjetiva dos trabalhadores

“A organização do trabalho exerce, sobre o homem, uma ação específica, cujo impacto é o aparelho psíquico. Em certas condições, emerge um sofrimento que pode ser atribuído ao choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e de desejos, e uma organização do trabalho que os ignora. Esse sofrimento, de natureza mental, começa quando o homem, no trabalho, já não pode fazer nenhuma modificação na sua tarefa no sentido de torná-la mais conforme às suas necessidades fisiológicas e a seus desejos psicológicos - isso é, quando a relação homem - trabalho é bloqueada”. (Dejours,C.,1988)(8).

Biossegurança e Aids: dimensões subjetivas do acidente com material biológico no trabalho hospitalar

Em pesquisa realizada no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (HSE-RJ) analisamos as dimensões subjetivas do acidente com material biológico entre os profissionais de saúde em seu ambiente de trabalho. Os fatores de vulnerabilidade ao HIV, as condições, a organização e o processo de trabalho hospitalar, a relação dos efeitos colaterais com os fenômenos psicossomáticos, as discrepâncias entre o trabalho prescrito e real, além de algumas questões de gênero, foram temas que discutimos no desenvolvimento desta pesquisa. No ano de 1997, o HSE-RJ registrou 53 acidentes com material biológico. Em 1998, a Comissão de Saúde do Trabalhador notificou 161 acidentes com predominância do sexo feminino, sendo que 74 necessitaram de profilaxia para HIV.

Adotamos a metodologia qualitativa com entrevistas individuais, sigilosas e anônimas (com uso de um gravador) no local de trabalho e a observação participante acompanhada de um diário de campo.

Entrevistamos 21 trabalhadores de saúde das categorias profissionais (auxiliares de enfermagem, enfermeiros e médicos) que mais se acidentaram nos anos de 1997 e 1998. As entrevistas foram realizadas nos Serviços de Hemodiálise, Pediatria, Unidade Materno Infantil, Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, Clínica Médica e Doenças Infecciosas e Parasitárias.

As dimensões subjetivas do acidente se revelaram na pesquisa através de um processo dinâmico e complexo que envolve a precarização do trabalho hospitalar, as repercussões psicossociais pós-acidente no trabalho e na família e sua associação com o HIV/aids e as reações psicossomáticas pós-profilaxia. Privilegiamos a experiência subjetiva dos trabalhadores sobre o acidente de trabalho, suas repercussões psicossociais além da percepção sobre a atividade que desenvolvem, bem como o ambiente de trabalho em geral.

Programa de Biossegurança do HSE-RJ

O Programa de Biossegurança do HSE-RJ utiliza o Manual de Condutas em Exposição a Material Biológico da Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis/Aids como modelo de prevenção e assistência. De acordo com o mesmo, o acidente deve ser tratado como caso de emergência médica.

A melhor prevenção é não se acidentar

Serviços envolvidos na Assistência e Prevenção:

Serviços de Doenças Infecciosas e Parasitárias, Controle de Infecção Hospitalar (SCIH), Epidemiologia e Comissão de Saúde do Trabalhador.

Visão do Programa de Biossegurança do HSE-RJ sobre os acidentes (maiores causas):

Os trabalhadores não utilizam, não gostam ou usam de forma inadequada os Equipamentos de Proteção Individuais. Este é um problema que necessita de “educação, fiscalização e disciplina" (Chaves et al, 1999)(9).

Dimensões subjetivas do acidente

Por um lado como lidar com a enorme sobrecarga de trabalho existente nos hospitais e por outro, como evitar a exposição ao vírus HIV trabalhando em condições tão distantes das ideais?” (Granato,1997)(5).

O que representa o acidente para o profissional de saúde? Qual a sua experiência subjetiva?

Resultados:

Vivências, experiências e percepções relatadas pelos profissionais de saúde:

Vulnerabilidade ao vírus HIV no trabalho

A grande maioria considera-se vulnerável, enquanto quase a metade (8) das entrevistadas acham que estão protegidas em casa porque têm parceiro fixo (negociação da camisinha).

Nove trabalhadoras nunca tinham realizado o teste anti-HIV (“displicência”, “não havia situação de risco”, “não pertenço a grupo de risco”) antes de sofrerem o acidente.

Risco de acidente no trabalho

Dez consideram que a falta de material disponível de proteção faz com que ocorram acidentes no trabalho. Contudo 8 afirmam que a maioria preocupam-se com os acidentes mas poucas utilizam EPI’S.

Fui reencapar a agulha e ela acabou transpassando a capa e furou o meu dedo e eu estava sem luva”(aux. de enfermagem)

Conhecimento sobre biossegurança

Somente cerca da metade dos profissionais demonstraram terem conhecimento pleno sobre a profilaxia pós-exposição.

 

Principais causas de acidentes

Descuido, sobrecarga de trabalho, corre-corre nos plantões, ter que trabalhar em 3 ou 4 empregos para sobreviver, falta de esclarecimento sobre Biossegurança (educação continuada), inadequação ou insuficiência de EPI’S e EPC’S, cansaço físico, estresse e precarização do trabalho (equipamentos, recursos humanos).

Na hora da emergência, na hora que a gente tá fazendo, trabalhando, em teoria é tudo muito bonitinho mas na prática mesmo, na hora que precisa se pega o primeiro material que tem, a única coisa que você tem que fazer é proteger a mão” (aux. de enfermagem)

Eu cuido na enfermaria de dezenove pacientes. Eu tenho uma caixa. Então para não reencapar a agulha eu tenho que jogar no lixo e aí vem um profissional que tem menos conhecimento ainda para manusear o lixo e se contamina!” (aux. de enfermagem)

 

Repercussões na vida pessoal, profissional e familiar

Passaram a ficar com medo da contaminação no trabalho, ansiedade, depressão e medo da morte na expectativa do resultado do teste anti-HIV, fantasias de contaminação, preocupação com a vida sexual passada, presente e futura, receio de reações negativas (críticas, discriminação) dos familiares, parceiro e colegas de trabalho e sentimentos de culpa pelo acidente, raiva do hospital e do Sistema de Saúde, hostil (descaso, cidadania).

Eu fiquei durante seis a sete meses com aquela preocupação, de apresentar algum sintoma, ficar com alguma pneumonia, um resfriadinho; não fiquei totalmente certinha não! Com aquela certeza não, atualmente estou mais tranqüila. Já fiz outro HIV, mas até pouco tempo atrás isso ainda repercutia na minha cabeça!

 

Comentários de um profissional da equipe de plantão

Principalmente entre as auxiliares de enfermagem, houve casos em que os maridos acusaram suas esposas de serem portadoras da doença e serem infiéis.

Poderiam pensar o quê? Ah! Ela fez um sexo por aí e pegou a doença, tá enganando né! Ta querendo culpar o doente dizendo que foi contaminada! Até o colega de trabalho mesmo, se não falam isso pensam né! Fica a mesma coisa por isso eu não falei” (aux. de enfermagem)

 

Reações ao tomar a medicação

Pânico, preocupação intensa com efeitos colaterais e reações psicossomáticas.

Fui bem atendida. Só acho que ..., têm que dar o remédio sempre. Não custa à gente passar dois ou três dias passando mal, para depois nos certificarmos que não vamos ficar doente!” (enfermeira)

Os efeitos colaterais são potencializados, ou mesmo, desencadeados por uma situação afetiva insustentável (pressionado por um impasse psíquico) resultante do acidente. Neste sentido, haveria concomitante aos efeitos colaterais um fenômeno psicossomático, ou mesmo, somente, um processo de somatização.

 

Atendimento pela equipe de plantão

- As trabalhadoras expressaram a necessidade de um suporte psicossocial no primeiro atendimento. Consideraram o atendimento muito técnico sem a preocupação com o “lado humano” do profissional acidentado.

...a gente ainda leva uma bronca porque não estava usando luva! Não tem como fazer medicação com luva numa enfermaria de dezenove pacientes, ninguém faz!”. (aux. de enfermagem)

As dimensões subjetivas do acidente se mostraram na pesquisa por meio de um processo dinâmico e complexo que envolve a cultura, o processo, a organização e a precarização do trabalho hospitalar, as repercussões psicossociais pós-acidente no trabalho e na família e sua associação com o HIV/Aids- e as reações psicossomáticas pós-profilaxia.

Eu estou cansada, desanimada porque nós estamos sobrecarregados no trabalho, temos pacientes demais, funcionário de menos, então tá todo o setor, tá todo mundo muito cansado, fica um alto índice de licença médica, porque um tá fazendo o trabalho de dois, três, então o que acontece, nós estamos estressados e desanimados com o setor. As máquinas são de última geração mas o fator humano está cansado” (enfermeira)

 

Conclusão

Se os riscos são assumidos como peculiaridades “naturalizadas” de objetos e meios de trabalho, descontextualizados do processo e organização do trabalho, as medidas de prevenção acabam por restringir-se a intervenções pontuais sobre os riscos mais evidentes.

Enfatiza-se a utilização de equipamentos individuais, normatizam-se formas de trabalhar consideradas seguras, o que, em determinadas circunstâncias, conforma apenas um quadro de prevenção simbólica. Nesta perspectiva, os trabalhadores são considerados ignorantes ou negligentes. A visão da Medicina do Trabalho ainda é predominante nas análises de Biossegurança em Unidades de Saúde prevalecendo a concepção de “ato inseguro”. Um dos grandes problemas é que a dimensão subjetiva não é incorporada na compreensão dos agravos a saúde no ambiente de trabalho. Isso justifica a necessidade de maior difusão de conhecimento e formação de trabalhadores na área de Biossegurança em que a dimensão subjetiva seja um aspecto operante neste campo. A diminuição dos riscos nas Instituições de Saúde cria uma nova mentalidade de cuidados com os resíduos produzidos, em função da preocupação com a preservação do ambiente externo e sua Biossegurança.

A parceria entre os técnicos e os trabalhadores facilitaria a compreensão, participação e desenvolvimento do processo de Biossegurança nas Unidades de Saúde.

 

Referências bibliográficas

1. Valle S, Teixeira P. Biossegurança - uma abordagem multidisciplinar. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 1996.

2. Silva CO. Trabalho e subjetividade no hospital geral. Psico Ciên Profis 1998; 18(2).

3. Starling P. Biossegurança e aids: as dimensões psicossociais do acidente com material biológico no trabalho hospitalar. Rio de Janeiro: 2000. [Dissertação de Mestrado-ENSP/FIOCRUZ].

4. Pitta AMF. Trabalho hospitalar e sofrimento psíquico. São Paulo: 1989. [Tese de Doutorado- USP].

5. Granato C. Transmissão de HIV para profissionais de saúde: prevenção medicamentosa. Rev Med 1997; 10(88):12.

6. Rapparini C. Acidentes ocupacionais por material biológico: saúde em foco. Infor Epidemiol Saúde Colet 1998; 7(17): 45-9.

7. Ministério da Saúde. Manual de condutas em exposição ocupacional a material biológico. Brasília: Coordenação Nacional de DST/Aids; 1999.

8. Dejours C. A loucura do trabalho: estudo da psicologia do trabalho. 3a ed. São Paulo: Oboré; 1988.

9. Chaves S, et al. Experiência de 16 meses de atendimento integrado a profissionais de saúde que sofreram exposição a fluidos biológicos num hospital geral. In: XV Congresso Mundial sobre Segurança e Saúde no Trabalho, 1999. [Posters].