SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 número1Estaríamos no limiar de uma nova contagem regressiva?As infecções respiratórias agudas na infância como problema de saúde pública índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.10 n.1 Rio de Janeiro jun. 2002

 

 

Tratamento supervisionado no controle da tuberculose em uma unidade de saúde de Ribeirão Preto: a percepção do doente

 

 

Silvia Helena Figueiredo VendraminiI; Tereza Cristina Scatena VillaII; Pedro Fredemir PalhaIII; Aline Aparecida MonroeIV

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem em Saúde Pública. Coordenadora de Ensino do Curso de Graduação em Enfermagem - FAMERP de São José do Rio Preto/SP
IIDra. Prof. Associado da Escola de Enfermagem - Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
IIIEnfermeiro, Prof. Associado da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
IVEnfermeira, Mestranda em Enfermagem em Saúde Pública da EERP/USP

 

 


RESUMO

O objetivo desta investigação foi analisar a percepção do doente de tuberculose sob tratamento supervisionado em uma Unidade Distrital de Saúde do município de Ribeirão Preto-SP. Foram estuados 6 doentes de tuberculose inscritos no Programa de Controle de Tuberculose sob o regime de tratamento supervisionado(TS). Para a coleta de dados utilizou-se o prontuário do doente e a Ficha Epidemiológica de Notificação da doença. Foi utilizado um roteiro de entrevista padronizada na qual as questões focavam "o significado da tuberculose" e "o tratamento supervisionado na vida do doente". Para a análise dos dados utilizou-se a técnica de análise de Conteúdo, modalidade Temática. A unidade temática central "O Tratamento supervisionado na tuberculose: a percepção do doente" foi conformada a partir dos seguintes núcleos de sentido: Enfoque da ação terapêutica no Tratamento Supervisionado (A ingestão medicamentosa e Fortalezas e Debilidades do Tratamento Supervisionado); e Singularidades do doente sob tratamento supervisionado, (Percepção sobre a doença; convivência com a doença; as repercussões do tratamento supervisionado na vida do doente). As fortalezas percebidas no processo do tratamento foram:a medicação gratuita; a cesta básica; o vale transporte; a supervisão, através da visita domiciliar: Esse conjunto de fatores permite o estabelecimento de vínculo entre os trabalhadores de saúde e os doentes e suas famílias.
As debilidades do TS percebidas foram: a fiscalização na tomada da medicação; a dependência do horário da visita para ingerir a medicação. A família e a equipe de saúde (na figura da visitadora) foram identificadas como fatores responsáveis pela adesão ao tratamento.

Palavras-chave: tuberculose; terapêutica


ABSTRACTS

The goal of this study was to analyze the perception of tuberculosis patients under direct observed treatment (DOT) in a District Health Unit in the City of Ribeirão Preto-SP: A qualitative analysis was selected as the methodological approach. The study analized 6 tuberculosis patients participating in the Tuberculosis Control Program under the a regimen of supervised treatment. The patients' medical records, the Epidemiological Form of Disease Notification and semi-structured interviews were used as instruments for data collection. The following were used as guiding questions: "the significance of tuberculosis" and "the supervised treatment in the patient s life". The Content Analysis technique - Thematic Modality - was used for data analysis. The main thematic unit "Supervised treatment in tuberculosis: the patient's perception" was found from the following meaning units: the focus of ST as a therapeutic action (medication ingestion and the weaknesses and strengths of ST); and the Singularities of patients under supervised treatment (The perception of the disease, Living with the disease, The consequences of ST on the patients life). The following were perceived by patients as strengths in the disease and treatment process: the provision offree medication; the availability of other forms of incentive such fundingbasic alimentation and transportation vouchers; supervision through home visits. These factors were considered responsible for the link between healthworkers, the patients and their families. The perceived weaknesses of ST were perceived: the surveillance of medication ingestion and the dependence on the visiting hours for medication ingestion. The social actors involved in the treatment, such as the family and the health care team (in the visiting figure), were identified as factors responsible for adherence to the treatment.

Key-words: tuberculosis, therapeutics


 

 

Introdução

A tuberculose ainda é uma importante ameaça para a saúde pública. Os avanços no seu conhecimento e na tecnologia para controlá-la não têm sido suficientes para produzir impacto significante em sua morbimortalidade, principalmente nos países em desenvolvimento.

Bolsões de pobreza nas cidades mais populosas constituem terreno fértil para a disseminação da tuberculose; de um lado, a pobreza por si só contribui decisivamente para a manutenção de um quadro geral propício ao avanço da doença. De outro, a emergência da Síndrome da lmunodeficiência Adquirida-AIDS e a desinformação vigente sobre nutrição, promoção da saúde e prática de vida saudável, completam os requisitos para o agravamento do problema(1).

Um dos principais problemas encontrados pelo PNCT refere-se à não adesão dos pacientes com tuberculose à terapêutica oferecida, tomando-se pacientes crônicos, tanto da doença, quanto do serviço. A não adesão ao tratamento é apontada como uma das graves falhas no programa para combater a doença(2).

O abandono do tratamento da tuberculose está intrinsicamente articulado a alguns elementos concretos que dizem respeito tanto ao processo de adoecimento do doente e sua inserção na sociedade, como dizem respeito ao processo de produção na saúde. A terapêutica medicamentosa, mesmo sendo eficaz, sofre o contraponto da singularidade do doente em correlação com sua inserção na sociedade(3).

A resolução número 284, do Conselho Nacional de Saúde de 06/08/98, considerando o descalabro consentido em que se encontrava a tuberculose no país, resolve que a tuberculose era problema prioritário de saúde pública no Brasil, tanto pela sua magnitude como pela possibilidade e vantagens de seu controle e, sugere estabelecer estratégias para um novo plano(4).

A Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária que participou da oficina de trabalho junto a assessores da O MS e O PS, dispondo-se a rever uma série de pontos de sua programação, incluiu a estratégia DOTS entre as suas diretrizes. Esta estratégia atualmente se expande pelo mundo e "tem ganhado reconhecimento como uma das melhores intervenções considerando-se o custo-beneficio"(5).

 

A estratégia DOTS

DOTS significa tratamento diretamente observado de curta duração. Parte da estratégia DOTS caracteriza-se pela observação e monitorização da administração dos medicamentos, mas não deve ser entendida apenas como tal(6). Na realidade compreende um corpo de medidas que se complementam, definidas pela OMS como os cinco pilares da estratégia: 1) detecção de casos por microscopia; 2) tratamento diretamente observado; 3) provisão regular das drogas; 4) sistema eficiente de registro de dados; 5) compromisso político no controle da tuberculose.

Além de modificar o perfil epidemiológico da tuberculose, o emprego da estratégia DOTS, apresenta outras vantagens. Sua eficiência sem hospitalização torma o tratamento disponível e de baixo custo(5).

 

A estratégia DOTS e o município de Ribeirão Preto

No ano de 1995 são eleitos como prioritários ao combate da tuberculose, 25 municípios no Estado de São Paulo, dentre os quais o de Ribeirão Preto.

O município de Ribeirão Preto obteve recursos em 1997 através da Fundação Nacional de Saúde. Uma de suas metas foi de encontro ao proposto pelo manual de diretrizes do plano emergencial, de melhorar a adesão do paciente ao tratamento, diminuindo as taxas de abandono e aumentando os percentuais de cura(7).

No município de Ribeirão Preto, o TS implantado a partir de 1998, nas Unidades que desenvolvem o Programa de Controle da Tuberculose (PCT).

Decorridos quatro anos da implantação do TS no PCT no município, este estudo justifica-se no sentido de conhecer a percepção do doente em relação ao tratamento, uma vez que estudo realizado anteriormente(7) abordou a implantação do TS na visão da equipe executora. no município de Ribeirão Preto.

 

Objetivo

Analisar a percepção dos doentes de tuberculose a respeito do tratamento supervisionado em uma Unidade de Saúde no município de Ribeirão Preto - São Paulo.

 

Metodologia

Os instrumentos de coleta de dados deste estudo foram: análise documental (prontuário do doente); entrevista estruturada e semi-estruturada e registro das observações livres através de um diário de campo.

O estudo foi desenvolvido com base na Metodologia de Análise de Conteúdo, utilizando-se da Modalidade Temática(8-9-10). Os passos metodológicos utilizados foram:
• Pré-analise e constituição do corpus: foram selecionados todos os 7 doentes de tuberculose sob tratamento supervisionado, inscritos no Programa de Controle, sendo que um doente não aceitou participar da pesquisa, totalizando 6 doentes. Para as demais fases foram ouvidas todas as fitas e refeitas as transcrições do material gravado;
• Verificação de normas de validade: exaustividade, homogeneidade, representatividade e pertinência;
• Leitura flutuante individual;
• Leitura longitudinal feita por 3 pesquisadores;
• Discussão do grupo responsável, para verificação e coerência de cada um dos discursos;
• Leitura transversa e início de codificação com base nas Unidades de registro prevista no roteiro das entrevistas;
• Formulação de pré-hipóteses e codificação.

A partir dos pressupostos anteriormente levantados e pela análise prévia das entrevistas dos doentes sob tratamento supervisionado, foram destacadas as Unidades de Registro (A ingestão medicamentosa, Fortalezas e Debilidades do Tratamento Supervisionado, Percepção sobre a doença, Convivência com a doença, As repercussões do tratamento supervisionado na vida do doente). Estas Unidades de Registro conformaram os seguintes Núcleos de Sentido: Enfoque da ação terapêutica no Tratamento Supervisionado e Singularidades do doente sob tratamento supervisionado.

Em seguida, procurou-se articular entre as falas conteúdos convergentes e divergentes e que se repetiam, recortando os extratos das falas, em cada um dos núcleos de sentido identificados. Esta conformação permitiu eleger a Unidade Temática Central, contida no conjunto de falas, refazendo o movimento classificatório, que resultou em uma unidade: O Tratamento supervisionado na tuberculose: a percepção do doente.

 

Análise e discussão dos dados

Para compreender a percepção dos doentes sobre o TS, são apresentados a seguir os núcleos de sentido, conformados a partir dos depoimentos.

Enfoque da ação terapêutica no Tratamento Supervisionado

A ingestão medicamentosa

Nos depoimentos dos doentes observa-se, que a ingestão medicamentosa e os seguimentos das ordens médicas e orientações se constitui como o principal elemento do tratamento "...é preciso cumprir a ordem médica, se tenho retomo tenho que ir; tenho que tomar o remédio certo..."

A concepção predominante do processo saúde-doença, tanto para os profissionais de saúde, quanto para os doentes ou usuários dos serviços de saúde, tem evoluído para uma abordagem mais ampliada; entretanto ainda é forte a influencia da concepção monocausal, apoiada na teoria dos germes, segundo o qual os problemas de saúde se explicam por uma relação agente/hospedeiro.

A saúde é entendida como ausência de doença e a organização dos serviços é medicamente definida e tem como objetivo colocar à disposição da população serviços preventivos e curativos-reabilitadores acessíveis, de conformidade com os elementos ideológicos do flexnerianismo(11).

 

Fortalezas e debilidades do Tratamento Supervisionado

Nesta investigação, acreditamos ser importante reconhecer os pontos positivos e negativos, a eficácia do TS na cura, interferindo na melhoria das condições de vida destes sujeitos.

Os depoimentos a seguir revelam algumas características do TS, percebidas pelos doentes como fortalezas no processo do tratamento "... Só o fato do serviço de saúde fornecer o remédio, já é uma facilidade muito grande, porque eu não poderia comprar este remédio de jeito nenhum, é muito caro... "

O resgate da individualidade destes doentes é fundamental neste processo, considerando o contexto e a forma como estão inseridos no sistema de produção, a conformação das políticas de saúde, e nestas, a organização dos serviços, garantindo o direito de acesso ao tratamento.

Outra fortaleza do TS, apontada pelos doentes, é a disponibilidade de outras formas de incentivo, caracterizada pelos seguintes beneficios: cesta básica mensal e um litro de leite semanal e vale transporte " Essa ajuda que estamos tendo, de cesta básica, de leite, para mim é muito importante, e eu agradeço a todo mundo de coração mesmo, e acho que todas as pessoas que estiverem doente, deveriam receber esta ajuda e pensarem da mesma maneira... no início tinha dificuldades para ir até o serviço de saúde, mas sabendo disto, pois, a distância é longa e a dor é grande, me deram o passe e esse problema foi resolvido ".

O recurso da visita domiciliária, também é apontado como fortaleza do TS, pelos entrevistados " Eu acho ótimo este tipo de tratamento, que vem em casa todos os dias me dar o remédio...acho ótimo entrarem em casa, a pessoa responsável pelo meu tratamento pode ver como está o ambiente, eu vejo como um ponto positivo isso aí"; "Acho o trabalho de vocês, de estarem indo todos os dias nas casas dos doentes levarem os remédios, muito bonito, é um trabalho de coragem, pois vocês não sabem o grau da minha doença, e eu posso estar passando a doença para vocês... o trabalho de vocês é muito importante para mim, é muito bonito, eu acho... tenho até orgulho em ter pessoas como vocês, entrando e saindo da minha casa ".

Os beneficios concedidos aliados à execução da visita domiciliária desenvolvidos pela equipe responsável pelo TS, além de garantir a adesão à terapêutica oferecem a oportunidade de identificar outras necessidades de vida de cada família: sociais, econômicas, relacionamentos familiares, suas necessidades e sofrimentos; construção de elo afetivo, sentimentos e co-responsabilidade, apoio, garantia de outros tratamentos, encaminhamentos.

O fato do trabalhador de saúde conhecer melhor o ambiente no qual o doente está inserido, suas necessidades e singularidades, é um fator que auxilia na identificação de intercorrências durante o tratamento, possibilitando novas oportunidades de interação com o doente e a família.

Outra fortaleza do TS, que aparece nos depoimentos dos doentes, diz respeito ao estabelecimento de vínculo com a equipe de saúde responsável pela supervisão, especialmente a visitadora sanitária. Observa-se nesta nova prática, o estabelecimento de novas possibilidades de interação entre os agentes envolvidos " Essa equipe, a Doêmia, que vem aqui, me atende bem... as pessoas da assistência estão sempre aqui, conversando, me ajudando nos momentos de dificuldade a não falhar no tratamento, entendo que a equipe me ajuda muito... me tratam muito bem, de maneira carinhosa e educadamente, então isto incentiva e para mim é muito importante".

No processo da supervisão da ação terapêutica, é possível observar que se estabelece uma relação do doente para com visitadora domiciliária bastante singular, permeada por uma afetividade, disponibilidade de tempo para o diálogo, caracterizando um atendimento humanizado.

Na percepção do doente de tuberculose, o TS, vem reorientando a assistência à saúde, buscando a integralidade do sujeito, e marcando a definição de um novo modelo de atenção à saúde.

As análises que faremos a partir deste momento, caracterizam a percepção de alguns dos doentes acerca das debilidades apresentadas no tratamento supervisionado "...o fato de vir todos os dias na Unidade de Saúde para tomar o remédio, é uma espécie de fiscalização... mas eu levo numa boa, porque em casa eu posso passar mal".

A administração supervisionada de medicamentos, de maneira geral e na tuberculose, tem se apresentado como uma estratégia que causa impacto no aumento da adesão dos doentes ao tratamento. A estratégia significa ter a certeza que o doente realmente ingeriu os medicamentos, pois é feita sob a estreita supervisão do serviço de saúde, no fundo, ela pode estar representando uma idéia que nos traz de volta nosso passado autoritário do sanitarismo(12).

O resgate da individualidade de cada doente, o conhecimento da história de vida do ser humano deve ser examinada e levada em consideração, quando se propõe o TS. O entendimento do doente a respeito dos objetivos do tratamento através de informações apropriadas poderiam minimizar sentimentos, como com constrangimentos a supervisão para a tomada da medicação.

Outra debilidade apontada pelos doentes, a respeito do TS se relaciona à organização da equipe que realiza a supervisão. O doente fica na dependência do horário da visita para ingerir a medicação. O depoimento abaixo demonstra este fato: "Até o meio-dia eles levam remédio para mim, e dependendo do serviço, para iniciar um trabalho e começar depois do meio-dia não tem lógica".

A tuberculose, sendo uma doença crônica e debilitante, que exige um tempo prolongado de tratamento, pode representar para o doente um obstáculo ao desempenho do trabalho. A enfermidade determina rupturas ou modificações importantes no cotidiano da produção e reprodução social.

Estes problemas poderiam ser resolvidos, se houvesse a inclusão de outros atores sociais no processo terapêutico, como professores, padres, doentes curados, além de outros que, não tivessem envolvimento emocional com o doente, como tem a família, facilitando a contribuição destes no processo de adesão e também resolvendo problemas relacionados ao horário da visita, que dificulta ainda mais a inserção do doente no mercado de trabalho.

 

Os atores envolvidos no Tratamento Supervisionado

Nos depoimentos a seguir, observa-se, que, apesar do TS, ser conformado como um trabalho de equipe, esta conformação não é percebida pelo doente. A representação do trabalho em equipe é fragmentada, de acordo com a função de cada profissional, durante o tratamento. "A responsabilidade no meu tratamento é dessa equipe, a Doêmia que vem aqui, me atende bem, só que eu acredito que a médica é muito importante, porque é ela quem receita os remédios... as outras pessoas da assistência estão sempre aí corrigindo, procurando não falha!; para mim é a equipe que ajuda muito"; "Eu acho o médico muito importante no meu tratamento... tira a chapa... fala se você está doente... é ele que diz é este o remédio que você tem que tomar; isso, isso, isso, ela faz aparte dela. Mas, para mim a pessoa mais importante no meu tratamento, é a Doêmia, é o serviço que vocês fazem, de vir em casa, ter o cuidado de dar o remédio, aquela preocupação de que você vai sarar".

O doente reconhece o papel da equipe, na figura da visitadora, sendo que a alusão a outros trabalhadores da saúde é feita principalmente quando o doente refere-se ao papel de cada um deles no tratamento.

A família, na percepção do doente, representa uma importante fonte de apoio para o doente durante o TS. A observação livre também nos permite inferir, que de maneira geral, a doença determina uma maior solidariedade da família para com o doente "A compreensão da minha família, é muito importante no meu tratamento... família para mim é tudo, é união, é amor;..e tudo isso se encaixa na minha doença, se a família é unida, é uma ajuda no tratamento...a família é um remédio neste tratamento... até minha filha menor pergunta se eu já tomei o remédio. ..eu estou tendo muito apoio deles no meu tratamento"

A presença de pessoas que possam compartilhar com o doente, tanto o enfrentamento da doença, como as dificuldades inerentes ao tratamento medicamentoso, é muito importante, pois muitas vezes, mesmo durante as visitas domiciliárias, é expresso pelo doente, o desejo de interromper o tratamento, e o estímulo dos familiares nestes momentos é indispensável.

Um estudo desenvolvido na Índia(13), mostrou que 56% dos doentes que aderiram ao tratamento da tuberculose, em contraposição com 28% que o abandonaram, mencionaram a importância do suporte familiar durante a condução do tratamento.

 

Singularidade do doente sob tratamento supervisionado

Percepção sobre a doença

Os depoimentos aqui apresentados a respeito da singularidade dos doentes, revelam a forma como é percebida, e como desenvolveu-se a doença em suas vidas.

A análise do material evidenciou que a tuberculose é percebida pelos sintomas que apresenta. "Eu não sentia nada, quando começou foi de uma vez, porque eu nunca senti sintoma nenhum e depois quando comecei a sentir falta de a; não podia andar; andar depressa, subir escada... emagreci 8 kg... aí fui no médico e ele fez exame". "É uma doença que não vem acompanhada de muita dor; aparentemente, outra pessoa vê, e acha que você não está doente porque não está com dor".

O emagrecimento constante(14) é um dos sinais que mais chama a atenção dos informantes do estudo, inclusive dos amigos ou parentes. Está associado à concepção de fraqueza corporal: perda das forças, perda de apetite, cansaço, falta de ânimo. A tosse a princípio não é considerada sintoma da doença, no entanto, quando a ela se somam as dores, e a tosse se torna incontrolável, passa a ser um sintoma que requer investigação e/ou tratamento(14).

A percepção do doente a respeito da doença, provavelmente, expressa a maneira como as pessoas entendem a doença, a partir de sua inserção na sociedade. A maneira como o indivíduo constrói todo seu conhecimento ao longo da vida, a cultura, a forma de entender o processo saúde/doença, bem como é conduzido o tratamento, relacionam-se dialeticamente com o modo como o homem produz a sua própria existência é como se constitui histórica e socialmente. Assim(15), não é possível analisar as opiniões dos doentes, sua percepção a respeito da doença e do tratamento, apenas com adjetivos, mas como um reflexo da posição das pessoas frente ao mundo, o que inclui também seus valores relacionados ao campo da saúde, além da noção de direitos que possuem enquanto cidadãos.

Convivência com a doença

A análise dos depoimentos evidenciou que a tuberculose permanece como uma doença carregada de estigma, pelo próprio doente e algumas vezes pela sociedade. "Eu me senti preconceituada por saber que estava com isso... é chato demais falar para os outros que estou com tuberculose. É uma palavra pesada, né? Mas graças a Deu está dando tudo certo". "Quando descobri que estava doente, achei que teria que me isolar do pessoal, para mim teria que ficar isolado, se bem que tem certa diferença, que se tomar um certo cuidado, não prejudica os outros... para as pessoas que eu falo do tratamento" .

Nos relatos observamos que o estigma se apresenta no próprio indivíduo; que inclusive relata o seu próprio preconceito, dizendo-se "preconceituada", ou como uma expressão relatada pelos doentes, que a sociedade os segrega.

O sentimento de isolamento, como relatado por um doente, mostra-se ainda vivo, no caso da tuberculose representado pela culpa e risco que representa para o meio no qual está inserido.

A questão da discriminação como representação particular ou individual da doença, embasa-se, historicamente, na origem eminentemente social, como também no risco biológico.

O medo representa outra percepção do doente de tuberculose sob TS. "Eu fiquei horrorizada com isto, nunca tinha ouvido falar nisso, para mim era bicho de sete cabeças ...fiquei com muito medo... mas aí o médico fez o exame e me acalmou, e ele me passou para fazer tratamento aqui".

A doença coloca à tona, uma série de sentimentos durante o período que vai da descoberta, passando pelo tratamento até a cura. Normalmente são sentimentos diretamente relacionados às repercussões da enfermidade sobre o processo de produção social, e tudo o que dele pode advir. Não se referem, apenas ao fato de estarem doentes e na vivência da doença, como um processo individual, mas do fato de que a enfermidade pode vir a determinar rupturas nas condições de existência(16) .

O conhecimento/desconhecimento da doença revela-se como um empecilho na vida diária de todos os doentes relacionados neste estudo, está permeado de tabus e informações errôneas a respeito do ciclo biológico da doença, dificultando assim, a adaptação dos destes à sociedade, para que tenham uma melhor qualidade de vida. "Eu não conhecia essa doença... nunca tinha ouvido falar... nem sei como pega... o único cuidado que o médico me revelou, foi, de não beber água no mesmo copo que os outros bebem. O resto, disse, que não passava para ninguém a minha doença, não sei o nome que ele falou, que a minha doença não passava para ninguém, não tinha perigo".

O que se espera dos serviços de saúde, é que estes realizem um trabalho educativo que, ainda que não traduza num primeiro momento um sentido evidente, possa articular-se ao modo de vida dos sujeitos e que, por conta dessa rede, resultem na produção de significados sobre a saúde e a doença, no entendimento sobre o próprio organismo, constituindo-se em um elemento capaz de definir a necessidade da busca de assistência(15) .

 

As repercussões do tratamento supervisionado na vida do doente

Destacam-se para alguns doentes as repercussões sobre o trabalho, na medida em que a doença determina o afastamento ou a interrupção das atividades de trabalho, bem como impede ou diminui a capacidade para o desenvolvimento normal de atividades do cotidiano, ou na mudança do ritmo de vida, enfim na ruptura na vida antes e após a doença. "O meu maior problema, é que durante o tratamento da doença eu fiquei parado, aí não ganhei dinheiro nenhum, não tive condições de trabalhar; a única vantagem é que eu estava me tratando".

O conjunto de sinais e sintomas conformam para o doente uma entidade -a doença que provoca a evidenciação de sentimentos "negativos", não se referindo ao fato de apresentar-se doente, mas das repercussões que isto pode vir a ter no âmbito do trabalho, o que significaria a potencial paralisação das atividades(16).O trabalho para o doente adquire, portanto, um significado ainda mais amplo e profundo do que perceber-se acometido pela doença. Nesse momento, não importa o corpo em particular, mas a limitação que pode advir da doença no desempenho para o trabalho, que é justificado no âmbito do capitalismo, na medida em que o corpo humano tem um significado social como força de trabalho(16).

 

Considerações finais

o TS na percepção do doente de tuberculose enquanto estratégia de controle da doença é apresentado nos depoimentos através de duas vertentes articuladas e interdependentes; uma se refere às ações relacionadas à organização do trabalho da equipe; e outra, se refere à singularidade e as dificuldades do doente sob tratamento supervisionado.

O TS se apresenta para o doente, como um apoio importante na adesão ao tratamento. Constatou-se através da análise dos dados que o doente reconhece a necessidade do tratamento correto e completo para chegar à cura. Os seguimentos das ordens médicas e orientações se constituem como o principal elemento do tratamento.

A segunda vertente, ainda articulada à primeira, possui um enfoque da ação terapêutica na ingestão da medicação como garantia da cura, centrada no ciclo biológico da doença, onde o tratamento é assumido pelo doente resignadamente, como uma necessidade imperiosa, sem alternativa, evidenciando a sua submissão a uma situação que somente a terapêutica é capaz de mudar.

O TS é capaz de estabelecer relações de vínculo, acolhimento e responsabilidade do doente para com o tratamento e com a equipe de saúde responsável. Pode-se constatar que alguns beneficios do TS, tais como, o oferecimento gratuito da medicação; disponibilidade de outras formas de incentivo, como a suplementação alimentar através do fornecimento de cesta básica mensal e um litro de leite semanal, o vale transporte; aliados a organização do processo de assistência de forma mais flexível, incluindo a visita domiciliária, favorecem o estabelecimento de vínculo, permitindo uma maior aproximação dos trabalhadores de saúde junto aos doentes de tuberculose e suas famílias. Estes pontos apresentados foram agrupados segundo a percepção dos doentes, como fortalezas no processo da adesão ao tratamento.

Algumas debilidades do TS também são percebidas por alguns doentes, tanto no enfoque da ação terapêutica: a fiscalização na tomada da medicação, quanto nos aspectos organizacionais envolvendo disponibilidade de recursos humanos e viatura para a supervisão acarretando ao doente ficar na dependência do horário da visita para ingerir a medicação.

A família e a equipe de saúde responsável pelo TS se apresentam como importante apoio ao doente durante o tratamento. O doente de tuberculose sob TS reconhece o envolvimento dos atores sociais como fator de adesão no tratamento: a família e a equipe de saúde representada principalmente pela visitadora sanitária.

O respaldo no âmbito familiar e a maneira como se organiza o TS, principalmente em relação ao trabalho desenvolvido pela visitadora sanitária, permite a construção de espaços, onde o doente pode compartilhar e enfrentar as dificuldades inerentes ao processo de adoecimento.

A percepção dos doentes permitiu compreender as singularidades frente à sua posição na sociedade, seus problemas e dificuldades diante do TS. Evidenciam que a tuberculose permanece, como uma doença carregada de estigma, pelo próprio doente e algumas vezes pela sociedade; o medo de conviver com a doença, como fator de risco na transmissão para a família. O conhecimento/desconhecimento da doença revela-se como um empecilho na vida diária de todos os doentes relacionados neste estudo, e está permeado de tabus e informações errôneas a respeito do ciclo biológico da doença, dificultando assim, a adaptação dos doentes de TS à sociedade, para que tenham uma melhor qualidade de vida.

O TS é descrito como elemento que interfere na atividade ocupacional, na medida em que a doença determina o afastamento ou a interrupção das atividades de trabalho, bem como impede ou diminui a capacidade para desenvolvimento normal de atividades do cotidiano, ou na mudança do ritmo de vida, enfim na ruptura de atividades executadas antes e após a doença.

A partir dos achados que o presente estudo revelou é necessário considerar que o TS da tuberculose deve ser analisado de foÍma mais global, levando em consideração o doente, reconhecendo suas singularidades, necessidades e problemas a sua posição e relação com a sociedade.

 

Referências bibliográficas

1. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Centro Nacional de Pneumologia Sanitária. Centro Nacional de Epidemiologia. Centro de Referência Hélio Fraga. Plano nacional de controle da tuberculose. Brasília: Ministério da Saúde; 1999.

2. Worl Health Organization. Recommendations for prevention and control of tuberculosis. Among foreing. MMWR 1997; 7 (1):7-18.

3. Pozsisk C. J. Compliance whit tuberculosis therapy. Med Clin North Am 1993; 77:1289-1301.

4. Ruffino Netto A. Impacto da reforma do setor saúde sobre os serviços de tuberculose no Brasil. Bol Pneum Sanit 1999; 7 (1): 7-18.

5. Kochi A. Tuberculosis control: is DOT the health breaktrough of the 1990? World Health Forum 1997;18 (3-4).

6. Teixeira G. DOTS: A retomada de uma estratégia. Rio de Janeiro: 1998. 5 p. (mimeografado).

7. Muniz J N. O tratamento supervisionado no controle da tuberculose em Ribeirão Preto sob a percepção da equipe de saúde. [dissertação de Mestrado em Enfermagem em Saúde Pública]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto; Universidade de São Paulo: 1999. 155p.

8. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1979.

9. Gomes R. Análise de dados em pesquisa qualitativa. In: Minayo MCS (org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; 1994.

10. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 6aed. São Paulo: Hucitec/Abrasco; 1999.

11. Mendes EV. Um novo paradigma sanitário: a produção social da saúde. In: Mendes EV. Uma agenda para a saúde. 2aed. São Paulo: Hucitec; 1999.

12. Perini E. O abandono do tratamento da tuberculose: transgredindo regras, banalizando conceitos. [tese de Doutorado em Ciência Animal] .Belo Horizonte: Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais; 218p.

13. Barnhoom F, Andrianse H. Search of factors responsible for noncompliance among tuberculosis patients in Warha District. Soc Sci Med 1992; 34: 291-306.

14. Gonçalves H, Costa JD, Menezes AMB. Percepções e limites: visão do corpo e da doença. PHISYS. Rev Saúde Colet 1999; 9(1):25.

15. Mandú ENT. Saúde no olhar de mulheres: afirmação e negação do saber e prática dominantes no campo médico. [dissertação de Mestrado]. São Paulo: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 1995.

16. Bertolozzi M R. Adesão ao programa de controle da tuberculose no Distrito Sanitário do Butantã. [tese de Doutorado em Saúde Pública]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo: 1998. 211 p.

 

 

Recebido em 10/03/2002. Aprovado em 17/05/2002.