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Boletim de Pneumologia Sanitária

versión impresa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.10 n.1 Rio de Janeiro jun. 2002

 

 

Implantação do tratamento supervisionado no, município de Bauru/SP - Avaliação da tuberculose pulmonar, 1999/2000

 

 

Rosilene Maria dos Santos ReigotaI; Luana CarandinaII

IEnfermeira. Mestre em Saúde Coletiva pela Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp
IIMédica. Doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública - Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo descreve a implantação do tratamento supervisionado no ambulatório de tisiologia do município de Bauru-SP São abordadas as dificuldades iniciais do serviço e dos próprios doentes para aderirem a essa estratégia. Para a avaliação da tuberculose pulmonal: foram utilizadas informações extraídas dos prontuários e fichas de notificação epidemiológica de 90 doentes, residentes em Bauru e de entrevistas realizadas com 71 deles e com os profissionais do serviço. Houve predominância de doentes do sexo masculino, na faixa etária de 20 a 49 anos, com baixa escolaridade e pequeno poder aquisitivo. Foram acompanhados em tratamento supervisionado 18,9% dos doentes e 8,9% em misto. Houve uma taxa de cura de 75,5% e uma taxa de abandono de 21,1%, sendo 17,8 vezes menor nos doentes que fizeram o tratamento supervisionado, 4 vezes maior entre os homens e mais frequente entre os doentes em retratamento e com outras patologias associadas. Nas entrevistas, 14% dos doentes mostraram ainda um certo grau de desconhecimento sobre as formas de transmissão da doença e as condições para a cura, apesar de o trabalho educativo ter sido intensificado. Os doentes referiram a tosse e a febre como os sintomas iniciais mais relevantes. Um terço dos doentes interromperam a ingestão da medicação por vários dias. Conclui-se que o tratamento supervisionado contribuiu significativamente para a redução do abandono e recomenda-se, além da motivação constante dos profissionais, a descentralização da estratégia e das ações do programa de controle da tuberculose.

Descritores: controle da tuberculose; tratamento supervisionado; abandono do tratamento


SUMMARY

This study describes the introduction of direct observed treatmen (DOT) on tuberculosis outpatients clinics in Bauru-SP: Initial organizational and patient difficulties during implementation of DOT strategy are addressed. Demographic data from 90 patients with pulmonary was colected from their files and from 71 interviews. Most of the sample was composed by men in the age group 20-49 years, with low income and low educational level. DOT was used in (18,9%) and (8,9%)were treated with a mixed schem. Overall, the cure rate was 75,5% and defaulters ranged 21,1. Defaulter rate was 17,8 times less among those treated with DOT: 4 times greater among men and more frequent among patients on retreatment and comorbidities. During the interviews, 14% of the patients lacked knowledge on tuberculosis infectiveness and they didn't know it could be cured, altjhough na educational programme had been implemented in the Health Units. Coughing andfever were recorded as the most relevant early symptoms. One third of the patients refered medicatin interruption for several days. In conclusion, DOT contributed significantly to reduce defaulting. Also, there is a need for a constant motivatin ofhealth workers, andfor a descentralization oftuberculosis control activities.

Key words: tuberculosis control, supervised treatment, treatment disregard


 

 

Introdução

A tuberculose é uma doença infecto-contagiosa, de evolução crônica e de transmissão por via aérea. Seu agente etiológico é o Mycobacterium tuberculosis, também chamado de bacilo de Koch. Conhecida desde a Antigüidade, foi considerada um dos piores flagelos que atingiam o homem, levando-o à morte prematura(1).

Antes da descoberta do bacilo qualquer doença pulmonar era confundida com a tuberculose. Somente a partir de 1882, quando Robert Koch identificou o bacilo da tuberculose, estabeleceu-se a história natural da doença e o conhecimento do contágio(2).

No Brasil, a luta contra a tuberculose teve início em 1889, com a criação das "Ligas Contra a Tuberculose" que priorizavam a construção de sanatórios e dispensários para o atendimento dos doentes. No final desse século, acreditava-se na cura espontânea da doença e o tratamento utilizado era a higiênico-dietético, traduzido por boa alimentação e muito repouso, preferencialmente no clima frio das montanhas(3).

A comprovação da eficácia dos quimioterápicos na cura da tuberculose, alcançada ao longo das décadas de cinqüenta e sessenta, tomou o tratamento primordialmente ambulatorial, diminuindo a necessidade de internações e culminando na desativação dos sanatórios.

O Programa Nacional de Controle da Tuberculose - PNCT - foi instituído na década de setenta, com esquemas de quimioterapia já padronizados em todo o país. Em 1973, a duração do tratamento passa de 18 para 12 meses e em 1980 para 6 meses, se tornando totalmente oral, condição que favorece a auto-administração(4).

Durante as últimas décadas, o mundo acreditou que a situação da tuberculose estivesse controlada, o que levou as autoridades a um descaso no investimento de tecnologia para ações de diagnóstico e tratamento. Alguns países pretenderam declarar erradicada a doença até 2010, mas a realidade mostrou-se diferente(5). Os indicadores da tuberculose atualmente voltaram a piorar, devido à crise econômica, à epidemia da aids, à deterioração dos serviços de saúde e, conseqüentemente, à falência e resistência as drogas(6,7,8).

As estimativas atuais para a tuberculose em nível mundial mostram que há 2 bilhões de indivíduos infectados e que, a cada ano, ocorrem mais de 8 milhões de casos. No Brasil notificam-se cerca de 90.000 casos anuais; estimando-se que possa haver até 130.000, pois há subnotificação(8).

A Organização Mundial de Saúde declarou, em abril de 1993, estado de emergência para a tuberculose. No Brasil, em 1994, foi criado o Plano Emergencial para a Tuberculose, sob a coordenação do PNCT, com os objetivos gerais de integração de 100% dos municípios com ações de diagnóstico e de tratamento, aumento da cobertura das ações do Programa, descoberta de, ao menos, 90% dos casos de tuberculose esperados para o país, submetendo 100% destes, ao tratamento e curando pelo menos, 85% dos doentes tratados(5).

A quimioterapia é o principal componente do arsenal utilizado para o controle da tuberculose. Destaca-se que das variáveis consideradas na avaliação dos resultados, o abandono do tratamento constitui um desafio antigo para os profissionais que trabalham no controle dessa doença, o qual só se reduz com êxito no controle do tratamento, principalmente com a obtenção da adesão do doente.

Os motivos pelos quais os doentes abandonam o tratamento e o perfil desses indivíduos, têm sido objeto de inúmeros estudos. Avalia-se que as causas estejam ligadas a problemas relacionados aos doentes e aos serviços de saúde(9). O fornecimento de informações sobre a doença e o tratamento, pela equipe de saúde, aos doentes e familiares é de fundamental importância(10).

Os percentuais de abandono de tratamento, no Brasil, têm se mantido estáveis, nos últimos 20 anos, mas em patamares muito elevados, sendo necessário que o PNCT estabeleça estratégias para a redução dessas taxas, que são de 15% em média, atingindo em alguns municípios 30 a 40%(11) . As ações que vêm sendo desenvolvidas pelo Programa não têm se mostrado eficazes para atingir a meta de, no máximo, 5% de taxas de abandono, conforme preconiza o Plano Nacional de Controle da Tuberculose(8). Diante dessa realidade e da problemática do bacilo que vem sofrendo mutações para formas resistentes às drogas, decorrentes de irregularidades e abandono de tratamentos, o PNCT, seguindo orientação da Organização Mundial de Saúde, tem proposto a adoção do Directly Observed Treatment Short course - DOTS.

DOTS significa muito mais do que a simples supervisão da tomada regular de medicamentos. Prevê a existência de uma unidade de orientação, expressa numa condução harmonizada com a participação efetiva dos Estados e Municípios, compatibilizando a descentralização necessária e a integração dos serviços de saúde, em busca da eficácia dos programas de controle da doença. Para isso, é necessário que haja padronização de ações conforme propõe o Manual de Normas para o Controle da Tuberculose, sistema eficiente de registros e notificação de casos, rede de laboratórios com controle regular da qualidade e outros serviços para diagnóstico, tratamento supervisionado, suprimento regular de medicação, supervisão dos serviços, treinamento de pessoal, definição de responsabilidades específicas dos três níveis envolvidos: federal, nacional e municipal, plano de implementação de atividades, definição de custos e fonte derecursos(8).

As maiores dificuldades enfrentadas para a implantação do DOTS são em relação à impossibilidade de o doente comparecer na Unidade diariamente ou de técnicos do programa realizarem visitas freqüentes em sua residência. Assim, cada município, tomando por base orientações do Programa Nacional de Controle da Tuberculose, tem desenvolvido suas ações, respeitando suas peculiaridades, visando acompanhar em tratamento supervisionado ao menos aqueles que são mais predispostos a abandonar o tratamento, reduzindo assim os percentuais de abandono(8).

 

Objetivo

Avaliar a implantação do tratamento supervisionado para o controle do doente de tuberculose pulmonar em Bauru, descrevendo os motivos que levam o doente à adesão ou não desta estratégia. Estudar a representação da doença para esses indivíduos. Avaliar o posicionamento da equipe quanto ao tratamento supervisionado e ao controle da doença.

 

Material e método

Em Bauru, cidade do interior do Estado de São Paulo, são notificados em média, 145 casos de tuberculose por ano, com índices de abandono de cerca de 20%(12). O coeficiente médio de incidência da tuberculose no município, de 1996 a 2000 foi de 48,4/100.000 habitantes, menor do que a média do Estado de São Paulo no período, que foi de 54/100.000 hab. E também menor que o registrado em estudo anterior na região de Bauru, no período de 1993 a 1995(13) que foi de 50,5/100.000 habitantes.

O presente estudo, desenvolvido no período de 1o. de setembro de 1999 a 31 de agosto de 2000 ocorreu concomitantemente com a implantação do tratamento supervisionado no ambulatório municipal de tisiologia de Bauru/SP. Para a pesquisa foram extraídos dados de prontuários, fichas epidemiológicas dos doentes e de entrevistas com os doentes e com a equipe profissional. Os doentes foram entrevistados a partir do quarto mês de tratamento, pela própria pesquisadora. Os profissionais receberam o questionário em envelope fechado identificado nominalmente.

A população de estudo constituiu-se de 90 doentes de tuberculose pulmonar, residentes em Bauru. Foram excluídos os presidiários, os portadores de tuberculose extrapulmonar e os doentes que residiam fora do município.

As entrevistas com os doentes visavam obter informações quanto aos seus conhecimentos sobre a doença, a aceitação dela, o seu comportamento e o das outras pessoas quando souberam que estavam doentes e sobre os efeitos colaterais da medicação. Continha perguntas sobre o grau de satisfação em relação ao atendimento recebido, vantagens e desvantagens do tratamento em que estavam inseridos, se lhes foi oferecido o tratamento supervisionado e quais as dificuldades encontradas para a adesão a esta estratégia. A entrevista buscava ainda, apurar os motivos que levam os doentes a abandonarem o tratamento e se faziam uso de bebida alcoólica. A última parte do questionário, visava obter informações quanto ao conceito de saúde para os doentes. Foram excluídos das entrevistas os doentes mentais institucionalizados.

A entrevista com a equipe profissional continha questões quanto ao conhecimento sobre a doença, ao tratamento supervisionado, à relação do profissional com os doentes e, do ponto de vista do profissional, o porquê da não adesão do doente ao tratamento supervisionado e os motivos de abandono de tratamento.

 

Resultados

Para o acompanhamento do doente de tuberculose no ambulatório, foram estabelecidas rotinas para os dois tipos de tratamento, auto-administrado e supervisionado. Os problemas enfrentados para o início dessa nova estratégia foram discutidos em reuniões com os técnicos envolvidos e gerentes do serviço.

Dos 90 doentes de tuberculose pulmonar estudados, 71 (78,8%) puderam ser entrevistados. As informações obtidas nos prontuários e nas fichas de notificação epidemiológica são referentes ao total de casos.

No presente estudo, a distribuição da tuberculose por sexo e faixa etária,mostrou a predominância do sexo masculino e da faixa etária de 20 a 49 anos, tendo sido observado um número pequeno de doentes com idade inferior a 15 anos. Houve também, a predominância de pessoas de baixa renda e com pouca escolaridade e freqüência elevada de indivíduos fora da força de trabalho, conforme mostra a (Tabela 1).

 

 

A tabela 2 mostra o grau de adesão dos doentes ao tratamento supervisionado, a presença de doenças associadas e o resultado do tratamento.

 

 

O abandono ocorreu tardiamente, 57,9% a partir do 4o ou 5o mês. Ocorreu 4 vezes mais em homens do que em mulheres e 17 vezes mais no grupo acompanhado em tratamento auto-administrado do que no grupo em tratamento supervisionado. Dos 19 doentes que abandonaram o tratamento, 6 eram retratamentos por abandono anterior (31,5%).

Quando pesquisada a situação dos doentes que abandonaram o tratamento, verificou-se que: 4 estavam usando bebida alcoólica, 3 pensaram que estivessem curados, 3 mudaram-se para outra cidade com a família, 3 eram doentes mentais institucionalizados, 2 estavam trabalhando fora do município, 1 tinha aids e decidiu abandonar o tratamento contra a tuberculose e tomar somente os anti-retrovirais.

Quando questionados se a tuberculose tem cura, 69 doentes (97,2% ) responderam que sim, 1 que não tem cura (1,4%) e 1 que não sabia (1,4%). Estes 2 últimos doentes pertenciam ao grupo do tratamento supervisionado. Quanto à transmissão de uma pessoa para outra: 63 responderam que sim (88,7%),4 que não (5,6%) e 4 que não sabiam (5,6%). Dos 4 doentes que responderam que a doença não é transmitida de uma pessoa para outra, 2 estavam em tratamento supervisionado. Dos 4 que não sabiam responder, 3 também eram do grupo em tratamento supervisionado.

Quando os entrevistados foram questionados quanto aos sintomas da tuberculose, 100% deles referiram a tosse e 81,7% a febre. Quando a questão sobre sintomas foi formulada de outra maneira, ou seja: quais os primeiros sintomas que levaram o indivíduo a se sentir doente, a febre foi o sintoma mais relatado, individualmente ou associado a outro, estando frequente em 45,1% das respostas, seguido da tosse (22,6%).

Dos 71 doentes entrevistados, 63 responderam que contaram para as pessoas que tinham tuberculose (88,7%) e 8 não o fizeram (11,2%).

Dezessete, dos 71 doentes entrevistados (23,9%), responderam que perceberam mudanças no comportamento das pessoas, quando souberam que eles estavam com tuberculose. Trinta e dois (45,1 %) responderam ter mudado seu comportamento com as pessoas quando souberam que estavam com tuberculose: 73% se afastaram das pessoas e 23,1 % separaram seus objetos de uso pessoal.

Foi relatado por 15 doentes, 21,1% dos entrevistados, que os medicamentos lhes provocavam efeitos colaterais, estando os problemas estomacais presentes em 75% das respostas, seguidos de reações alérgicas em 17,6% dos casos.

Vinte e seis entrevistados (36,6%) admitiram ter parado de tomar os medicamentos durante o tratamento, 7 dos quais em tratamento supervisionado. Dos que interromperam a medicação, 15 responderam ter parado por até 5 dias (57,7%), cinco pararam por 6 a 10 dias (19,2%), quatro de 11 a 20 dias (15,3%) e 2 por mais de 30 dias (7,6%).

Os motivos mais alegados para parar de tomar a medicação foram: esquecimento (46,2%), uso de bebida alcoólica ou drogas (11,5%), estar tomando muitos remédios e às vezes parar com alguns (11,5%). Um paciente alegou ter parado por se sentir curado e outro por achar que os remédios não estavam fazendo nenhum efeito. Dos 26 pacientes que pararam de tomar a medicação, 9 (34,6%) tinham outra patologia associada à tuberculose, sendo 5 alcoolistas, 3 doentes de aids e 1 drogadito.

Quando questionados a respeito do que o serviço tinha de ruim ou o que precisaria melhorar, 6 responderam que havia muita demora entre o horário em que se apresentavam no ambulatório e a consulta com o médico (8,5%). No entanto, 70,8% consideraram bom o atendimento de toda a equipe e 84,5% disseram que não havia nada de ruim no serviço.

Quando abordados mais especificamente quanto ao tratamento supervisionado, foi verificado que dos 38 doentes que receberam a oferta desse tipo de acompanhamento, 13 não a aceitaram. Desses, 7 alegaram não poder aderir a essa estratégia porque trabalhavam, 2 porque teriam que faltar à escola e 2 porque moravam longe e não gostavam de acordar cedo. A todos os entrevistados, foi perguntado quais as vantagens e desvantagens encontradas no tipo de tratamento em que estavam inseridos, sendo que, no grupo em tratamento supervisionado, as respostas mais frequentes foram: receber maior atenção da equipe e informações sobre a doença (59%), poder falar com as "enfermeiras" como estava se sentindo (18,1%) e 2 disseram que 15 dias após o início do tratamento já se sentiam curados. Apenas 23% do grupo de doentes em tratamento auto-administrado considerou como desvantagem perder as palestras semanais das quais os doentes em tratamento supervisionado participavam freqüentemente.

Quando questionados se recomendariam o tratamento supervisionado a outras pessoas, 20 doentes que estavam nesse tipo de tratamento responderam afirmativamente. Cinco foram questionados sobre o mesmo assunto, após terem abandonado o tratamento supervisionado e também foram unânimes na resposta afirmativa. Esses 5 doentes responderam que recomendariam porque no tratamento supervisionado se recebe mais atenção e melhor acompanhamento da equipe.

Cinco doentes passaram do tratamento supervisionado para o auto-administrado durante o tratamento. Os motivos relatados para a ocorrência dessa mudança foram: 2 por terem voltado a trabalhar, 1 mudou-se para um bairro distante, 1 relatou ter fortes dores nas articulações, o que dificultava sua locomoção até o ambulatório, e 1 porque dava muito trabalho comparecer ao ambulatório semanalmente.

Quando questionàdos se faziam uso de bebida alcoólica, 10 entrevistados (14%) admitiram fazê-lo durante o tratamento, sendo 1 sempre e 9 às vezes. Trinta e seis responderam que faziam uso de bebida alcoólica antes do tratamento (50,7%), mas que haviam parado depois que souberam que estavam doentes e 25 que nunca fizeram uso de bebida alcoólica em nenhum momento de suas vidas (35,2%).

As duas últimas questões dirigidas aos doentes visavam obter informações do significado de saúde para eles, 70% deles responderam que ter saúde significava comer bem, 20,9% ter disposição para o trabalho e 9,0% sentir-se bem.

Os profissionais entrevistados foram unânimes em responder que a doença é curável e pertence ao grupo das infecto-contagiosas. Quanto aos sintomas, foram mencionadas a febre, a anorexia, a tosse e os suores noturnos, por quase todos os profissionais. Outras respostas obtidas foram: dores torácicas, falta de ar, fadiga e hemoptise. Todos responderam que o tempo mínimo para o tratamento da doença é de 6 meses. Consideraram o trabalho como a causa mais freqüente para a não-adesão ao tratamento supervisionado.

Quando questionados sobre a definição de tratamento supervisionado, todos responderam ser o comparecimento do doente ao ambulatório para tomar medicação na frente de um profissional de saude. Quanto aos objetivos do tratamento supervisionado, foram obtidas respostas como: diminuição do abandono, observação direta do tratamento, tratamentos corretos, aumento da responsabilidade do doente na cura da doença, cura em 6 meses e diminuição da possibilidade de resistência às drogas.

Foram considerados fatores facilitadores à adesão ao tratamento supervisionado: abordagem individual, presença de enfermeiro na equipe, atividades educativas e distribuição de passes-saúde e cestas básicas.

Quando questionados se havia diferença nas suas relações com os doentes em tratamento supervisionado ou em tratamento auto-administrado, metade da equipe considerou que sim.

A última questão dirigida aos profissionais visava avaliar, do ponto de vista deles, o porquê de o doente abandonar o tratamento, seja ele auto-administrado ou supervisionado, a resposta mais freqüente foi o uso de drogas e álcool, seguida de melhora do estado geral ou sentirem-se curados, falta de entendimento da necessidade do tratamento completo, falta de colaboração dos familiares, mudança de município e efeitos colaterais dos medicamentos.

 

Discussão

Bauru é um município com incidência elevada de tuberculose devendo priorizar ações de controle da doença, adotando medidas que proporcionem a diminuição do abandono do tratamento.

Particularmente em Bauru, não foi possível implantar o tratamento supervisionado com supervisão da tomada da dose diariamente. A decisão tomada em conjunto com a equipe profissional e gerentes de se estabelecer uma rotina de acompanhamento do doente somente duas vezes por semana, foi a possível no momento, uma vez que existiam dificuldades referentes ao serviço: falta de disponibilidade de viaturas e equipe reduzida e, referentes aos doentes: impossibilidade de comparecerem no ambulatório diariamente devido ao horário de trabalho. No início da implantação o serviço não oferecia nenhum beneficio, como passes-saúde e cestas básicas, que vários autores(14,15,16,17) também consideram importante, embora alertem para a possibilidade de o doente pretender prolongar o tratamento para não perder os beneficios(14).

Embora no início não se oferecesse o tratamento supervisionado a todos os doentes, por necessidade de se avaliar as dificuldades dessa implantação e de adaptação da equipe, os que foram encaminhados para o tratamento supervisionado, eram os que, segundo a literatura(4,18,19,20,21,22) tendem a abandonar o tratamento, como: os que haviam sido previamente tratados e os portadores de outras doenças.

A implantação do tratamento supervisionado no ambulatório de Bauru foi mais do que a simples observação da tomada da medicação pelo doente, pois gerou maior compromisso por parte da equipe com o serviço, além de levá-la a repensar a sua prática cotidiana, priorizar as atividades educativas com os doentes e aumentar a participação do enfermeiro no setor, que passou a realizar maior número de consultas de enfermagem, fatores considerados muito importantes para a elevação das taxas de adesão ao tratamento(23).

O tratamento supervisionado cria novas possibilidadesde se construir um modo diferente de agir em saúde, proporcionando melhor conhecimento da realidade e manutenção de diálogos, melhor vínculo e busca de ações intercomplementares (15).

Um número elevado de doentes acompanhados neste estudo (73,8%) revelou ter horário de trabalho livre ou não coincidente com as consultas e com o atendimento para tratamento supervisionado. Acreditando que essa característica não seja apenas circunstancial, ela poderá facilitar o comparecimento dos doentes ao serviço e, portanto, a ampliação da cobertura do tratamento supervisionado a curto e médio prazo.

Outras patologias associadas à tuberculose podem ser fatores predisponentes ao abandono, à mudança do esquema de tratamento, à presença de efeitos colaterais da medicação, por isso foi pesquisada esta situação no grupo acompanhado. Os doentes co-infectados (aids/tuberculose) podem, eventualmente, deixar de tomar a medicação contra a tuberculose sem abandonar os anti-retrovirais(24).

A taxa de cura da doença neste estudo foi de 75,5%, abaixo da meta preconizada pelo Ministério da Saúde, para todas as formas, de pelo menos 85%.

Os doentes que abandonaram o tratamento, o fizeram tardiamente, a maioria após o 4o mês. A literatura aponta que os doentes tendem a abandonar o tratamento logo que se sentem curados, principalmente quando se sentem aptos para o trabalho(4). Sabe-se que após aproximadamente trinta dias, ocorre, na maioria dos casos, o desaparecimento dos sintomas. Uma possível explicação para esse abandono mais tardio seria um maior esclarecimento, mesmo que ainda insatisfatório, por parte da equipe de saúde a respeito da necessidade de o tratamento ser prolongado até a cura.

No presente estudo o homem abandonou o tratamento 4 vezes mais do que a mulher. Portadores de patologias associadas e retratamentos contribuíram com mais da metade dos abandonos. Pôde-se verificar também, que os doentes acompanhados em tratamento auto-administrado abandonaram 17,8 vezes mais que os em acompanhamento supervisionado. Pode se afirmar que há uma tendência favorável do tratamento supervisionado no controle do abandono, mesmo quando o acompanhamento do doente é realizado duas vezes por semana.

Durante as entrevistas com os doentes, algumas questões visavam avaliar seu conhecimento sobre a doença. Dos 13,8% que erraram as respostas sobre o conhecimento a respeito da doença, a maioria estava em tratamento supervisionado, portanto tinha recebido mais informações individualmente ou em grupo. Observa-se que fornecer a informação nem sempre garante sua assimilação. Resultado semelhante foi encontrado em estudo realizado em Campinas(4). Outro fato que deve ser destacado, é que não parece ter havido diferença na assimilação das informações oferecidas quando ocorreram em grupo ou individualmente.

Observa-se que a tosse, sintoma mais frequente nas respostas, pode não impossibilitar o doente de manter suas atividades cotidianas, diferentemente da febre, que provoca uma sensação corporal muito desagradável. Vários doentes entrevistados alegaram sentirem-se mais cansados para trabalhar depois que adquiriram a tuberculose. A freqüência elevada da tosse reforça a necessidade de busca de casos novos através dos sintomáticos respiratórios, encaminhando para exames aqueles que a apresentem há mais de três semanas.

Quando se pesquisou a mudança de comportamento das pessoas ao saberem que o parente ou amigo estava doente, pôde-se observar que poucas delas mudaram, revelando que a tuberculose talvez esteja sendo mais bem aceita pela população em geral. Os doentes mudaram mais seus comportarnentos com as pessoas que o inverso. Pôde-se observar que 14 dos 32 que assumiram mudanças em relação às pessoas, estavam sendo acompanhados no tratamento supervisionado, ou seja, mesmo recebendo maior atenção da equipe e mais informações sobre a doença ainda se comportaram segundo tabus que os levaram a se afastarem das pessoas e separarem seus objetos de uso pessoal. O vínculo maior com a equipe também não os impediu de se sentirem tristes e deprimidos por causa da doença e de terem medo de morrer, conforme relataram nas entrevistas.

Como citado na literatura(9) existem diversos níveis de não adesão ao tratamento, variando desde a total recusa, ao não cumprimento da duração do tratamento ou ao uso irregular ou incorreto das drogas. Neste estudo, mais de um terço dos doentes referiram ter interrompido a medicação durante o tratamento, mesmo que por poucos dias, sendo que sete deles estavam em tratamento supervisionado. Em relação a esses últimos, a estratégia do tratamento supervisionado parece ter sido positiva para que não abandonassem o tratamento antes da cura, mas não para evitar a suspensão da medicação por alguns dias.

Quando alegaram os motivos que os levaram a suspender o tratamento por alguns dias, revelaram "esquecimento", bebida alcoólica e pensar que estivessem curados, por outro lado, há falhas do serviço, como: demora e centralização do atendimento e falta de acolhimento que podem contribuir para que o doente deixe de tomar a medicação, não podendo ser atribuída a ele toda a responsabilidade pelo sucesso do seu tratamento(4,9,10).

Quando os doentes entrevistados foram questionados especificamente sobre o tratamento supervisionado, mostraram que estavam esclarecidos sobre a estratégia, mas as respostas: "tomar medicamentos sob a fiscalização de alguém" e "receber remédios semanalmente", foram bastante evidentes no entendimento deles, ficando em segundo plano o "recebimento de mais informação sobre a doença" e "maior participação no próprio tratamento".

Comparecer no laboratório uma vez por semana é um fator revelado como dificultante, o que leva a crer que a freqüência diária seria muito difícil. Essa constatação demonstra que para melhor êxito do tratamento supervisionado seria preciso descentralizá-lo e vinculá-lo aos Programas Saúde da Família e Programa de Agentes Comunitários de Saúde(8,14,16,25).

Tendo ou não trocado o tratamento supervisionado pelo auto-administrado, todos recomendariam esse tipo de acompanhamento para outras pessoas, inclusive aqueles que referiram como desvantagem do tratamento supervisionado ter que comparecer no ambulatório mais vezes.

Nas entrevistas com os profissionais, observou-se grande valorização da supervisão da dose, preocupação com a cura da doença e com a diminuição das taxas de abandono de tratamento. Embora a equipe tenha encontrado algumas dificuldades para a implantação do tratamento supervisionado no ambulatório, não foi relatada nenhuma de ordem técnica, somente de ordem administrativa.

Este estudo mostra que uma das contribuições importantes da implantação do tratamento supervisionado foi o estímulo para que os profissionais de saúde envolvidos intensificassem sua função educativa no controle da tuberculose, além de repensar sua prática e reorganizar o serviço. Por outro lado era previsível que o empenho dos profissionais na parte educativa não tivesse, nesse primeiro momento, a repercussão e o impacto esperado, junto aos doentes. Estes permanecem com sua própria representação da doença, com múltiplos fatores interferindo, entre eles o preconceito milenar a respeito da tuberculose, cujos mitos e crendices ainda são evidentes na sociedade contemporânea.

As declarações dos doentes mostram claramente não apenas o impacto da doença em suas vidas e na de seus familiares, bem como a necessidade de os profissionais relevarem sempre tal impacto e enfrentarem, sem desistir, as dificuldades de um longo processo educativo mútuo exigido por uma doença com as características da tuberculose.

 

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Recebido em 08/03/2002. Aprovado em 16/05/2002.