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Boletim de Pneumologia Sanitária

versión impresa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.10 n.1 Rio de Janeiro jun. 2002

 

 

Óbitos por asma nos hospitais do Sistema Único de Saúde

 

 

Marina Ferreira de NoronhaI; Hisbello S CamposII

IPesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública - FIOCRUZ. Av. Leopoldo Bulhões 1.480, 7o andar Manguinhos, Rio de Janeiro CEP: 21041-210. e-mail: marinan@ensp.fiocruz.br
IIMédico do Centro de Referência Prol Hélio Fraga, FUNASA/MS. Estrada de Curicica, 2000 Jacarepaguá 22700-550 Rio de Janeiro, RJ - e-mail: hisbello@alternex.com.br

 

 


RESUMO

Os óbitos por asma são raros e considerados 'eventos-sentinela' da qualidade da assistência, uma vez que grande parte deles poderia ser evitada se houvesse assistência adequada. Regularmente, nas últimas décadas, de todos os óbitos por asma notificados no Brasil, cerca de 70% ocorreram em hospitais. Neste estudo, os autores procuraram analisar as mortes hospitalares por asma. Foram analisados a mortalidade proporcional, a mortalidade hospitalal; a taxa de mortalidade e o uso de UTI por asma ocorridos nos hospitais públicos e privados conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) de todo o país, no ano de 1996. Naquele ano, foram registrados 1033 casos de morte com o diagnóstico de asma, o que representou 2% dos óbitos por doenças respiratórias. A mortalidade hospitalar por asma foi mais elevada entre os menores de 1 ano de idade e os com idade superior a 40 anos, e nos estados de São Paulo, Espirito Santo, Bahia, Santa Catarina e Distrito Federal. Os autores consideraram que houve sub-utilização de leitos de UTI e que há indícios de comprometimento na qualidade da assistência hospitalar a pacientes com crise grave de asma. Possivelmente, houve 1) falhas na interpretação da gravidade da crise tanto por parte dos pacientes e familiares quanto por parte dos profissionais de saúde, resultando em demora na procura dos serviços de saúde ou em retardo na adoção de medidas intensivas de tratamento; 2) escolha inadequada da unidade hospitalar; 3) prescrição de terapia inadequada e 4) atendimento em unidades sem os recursos tecnológicos necessários para as condições do paciente. Baseado no levantamento realizado, são feitas recomendações para reduzir os óbitos por asma.

Palavras-chave: óbitos hospitalares por asma, óbitos por asma e uso de UTI.


SUMMARY

Asthma deaths are rare and considered "sentinel-events" of the medical attention quality, as the major part of them could be avoided if assistance was adequated. Regularly, during the last decades, around 70% of asthma deaths occured in hospitaIs. In this study, the authors tried to analyze the hospitalar deaths from asthma. Analyzes included proportional mortality, hospitalar mortality, mortality rates and the use of intensive care in the public hospitaIs and in the private hospitals financed by the govern during the year of 1996. In that year, 1033 hospitalar deaths from asthma were notified, what meant 2% of all deaths from respiratory diseases. Asthma hospitalar mortality was higher among those below one year of age and those older than 40, and in the states of São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Santa Catarina e Distrito Federal. The authors considered that Intensive Care Units were underused and that there are signs indicating problems in the quality of the hospitalar assistance to the patients with severe asthma exacerbations. Probably, there were 1) mistakes in the interpretation of the severity ofthe exacerbation both by the patients and/or their relatives, as by the health professionals, resulting either in delay for searching help or for adopting intensive measures; 2) inadequate choice ofhospital; 3) inadequate medical prescription and 4) medical assistance in hospitals without the technological resources needed according to the patients ' conditions. Based on this analyse, recomendations for reducing hospitalar asthma deaths are made.

Key words: hospitalar asthma deaths; asthma deaths and use of ICU


 

 

Introdução

A asma é uma doença crônica, cujo manejo terapêutico tem estado em constante evolução, particularmente a partir da década de 60, quando se detectaram aumentos anormais das taxas de mortalidade por essa doença em diversos países(1,2,3).

O enfoque medico sobre a asma passou por diversas fases. Na antiguidade (século II), era vista como uma condição capaz de tirar a vida(4), embora as mortes por asma fossem consideradas raras. Relatos do século X II (5) levam a supor que essa perspectiva foi mantida até o final do século passado, quando autores como Laennec e Trousseau não reconheciam esta condição, como pode ser ilustrado pelo aforisma de Sir Willi'am Osler: "the aslhmalic panls on inlo old age "(6) .Tal perspectiva voltou a modificar-se a partir da segunda metade do século atual(7), quando a asma passou a ser considerada como possível causa de morte.

Os óbitos por asma são raros e, por ela ser uma doença que responde ao tratamento, estas mortes tem sido utilizadas como "eventos sentinela" da qualidade dos serviços de saúde. Nessa perspectiva, "grande parte desses óbitos são considerados evitáveis se tudo tivesse transcorrido adequadamente"(8,9) . Sem dúvida, uma parcela das mortes é causada por crises graves e fulminantes, muitas vezes não havendo tempo hábil para cuidados efetivos. Em estudo comparando as taxas de mortalidade por asma, verificou-se que, em 1987, na faixa etária de O a 15 anos, os óbitos por asma no Brasil foram 5,8 vezes maiores que no Canadá, indicando que a taxa de mortalidade no Brasil poderia ser reduzida nessa faixa etária(10) .

Em nosso país, de 1980 a 1996, ocorreram por ano registrados no Sistema de Informações de Mortalidade, uma média de 2.050 óbitos por asma, sendo que aproximadamente 70% destes durante a hospitalização(10,11),resultado diferente do encontrado em outros países, onde a maior proporção dos óbitos ocorreu fora do ambiente hospitalar(12,13,14). Essa alta proporção de mortes hospitalares tanto pode espelhar falhas no atendimento ao asmático em crise como baixo índice de notificação dos óbitos fora do hospital, apontando para a pertinência em se avaliar os óbitos hospitalares.

Neste trabalho, usando a base de dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS), os autores descrevem e discutem a distribuição dos óbitos por asma brônquica, bem como alguns aspectos de sua assistência, nos hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde brasileiro no ano de 1996.

 

Material e método

Foram analisadas todas as hospitalizações brasileiras pagas aos hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS), que evoluíram para o óbito no ano de 1996, com o diagnóstico de asma brônquica (CID 4930,4931, 4939). Há dois Sistemas de Informações no país contendo óbitos e suas causas: o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), que capta todos os óbitos notificados no país, e o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS), que capta somente os óbitos ocorridos nos hospitais públicos e privados conveniados ao SUS. Optou-se por trabalhar com o SIH-SUS por ter sido verificado que a maior proporção dos óbitos por asma tem ocorrido durante a permanência hospitalar e por este disponibilizar informações sobre o processo de assistência hospitalar inexistentes no "SIM" e importantes para uma maior aproximação ao problema. No banco de dados do SIH-SUS encontram-se as informações sobre hospitalizações contidas no formulário de Autorização de Intemação Hospitalar (AIH). A AIH consiste em um resumo de alta que é preenchido para cada intemação realizada em hospitais conveniados ao SUS para f1DS de reembolso financeiro. Os hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde incluem: hospitais Públicos, Próprios, Privados Contratados, Federais, Estaduais, Municipais, Filantrópicos, Universitários, de Sindicatos, e Unidades de Pesquisa. Vale ressaltar que os resultados das análises não representam todo o universo de hospitalizações, mas somente a parcela conveniada ao SUS. Para o manuseio das informações, foi utilizado o programa computacional denominado Sistema Gerador de Tabelas (SGT) da empresa AIB Consultoria e Software.

Nas informações sobre internações, utilizou-se apenas as AIHs do tipo I, pois as AIHs de tipo 5 ( continuação ) referem-se a uma intemação já referida na AIH de tipo 1 e incluí-la significaria ter um mesmo indivíduo sendo considerado duas ou mais vezes em um mesmo período de intemação. Por outro lado, as informações sobre óbitos incluem as AIHs de tipo 1 e 5, pois o óbito pode ter ocorrido na vigência de uma AIH de tipo 5 e estará referido somente nessa AIH.

Para uma aproximação da gravidade dos pacientes e da qualidade da atenção, foram estudados os óbitos ocorridos nas primeiras 48h da hospitalização admitidos ou não em estado agônico, a ocorrência do óbito em hospital com oferta de leitos de UTI e a própria utilização de UTI. Para isto, levantou-se os CGCs e o nome de todos os hospitais brasileiros que apresentaram óbitos por asma, relacionando-os com as informações sobre disponibilidade de UTI contidas no cadastro dos hospitais liberado pelo Departamento de Informática do SUS, referente ao mês de dezembro de 1996. As informações sobre o momento de ocorrência do óbito e sobre a admissão ou não em estado agônico estão contidas no campo de "Motivo da cobrança" do SIH-SUS. Algumas limitações merecem referência: a informação sobre utilização de UTI traz problemas de interpretação por estar envolvendo disponibilidade dessa tecnologia nos hospitais do SUS e o cadastro do DATASUS, sobre leitos de UTI, pode não estar atualizado. A definição dos termos utilizados para a análise dos óbitos no SUS é a seguinte:

• Taxa de Mortalidade por Asma por faixas etárias
Total de óbitos por asma por faixas etárias x 100.000 hab.
População estimada para 1996 (por UF ou por faixa etária)

• Taxa de Mortalidade padronizada por Asma
Σ dos óbitos esperados por asma por faixas etárias por cada Estado x 100.000 hab.
População total estimada para o Brasil em 1996

Para fins de comparação das taxas de mortalidade entre os estados brasileiros, foram padronizadas as taxas por faixas etárias, utilizando a população do Brasil como padrão. Para as taxas específicas estaduais, foram utilizadas as populações por faixas etárias de cada estado brasileiro, estimadas pelo IBGE para o ano de 1996, obtida através do site do DATASUS http://www.datasus.gov.br/cgi/idb97/demog/a01at.htm.

• Mortalidade Hospitalar por Asma
No de óbitos por asma em 1996 por Estados ou faixas etárias x 1.000 hosp
Total de hospitalizações por asma em 1996 (por UF ou por faixa etária).

• Mortalidade Proporcional por Asma
No de óbitos por asma em 1996 por Estados ou por faixas etárias x 100
No de óbitos por todas as hospitalizações no SUS (por UF ou por faixa etária)

• Comparação entre as taxas de mortalidade por asma ocorridas no SUS:

Taxa de mortalidade por asma padronizada por UF
Taxa de mortalidade padronizada brasileira

Taxa de mortalidade por asma de 0a4 anos ocorridas em todos os hospitais do SUS
Taxa de mortalidade média dos EUA de 1993-1995.

 

Resultados

No ano de 1996, foram registrados 1033 casos de óbito com o diagnóstico de asma nos hospitais conveniados ao SUS, sendo 53% no sexo feminino. Essas mortes representaram 2% dos óbitos por doenças respiratórias e 0,3% de todas as mortes ocorridas no país em unidades vinculadas ao SUS (mortalidade proporcional por asma). Os maiores volumes de óbitos hospitalares por asma foram verificados nas regiões Sudeste (42% ) e na Nordeste (33%). O estado de São Paulo apresentou a maior volume de óbitos hospitalares por asma dentre os estados brasileiros (24%), enquanto o Estado da Bahia apresentou 15% e o de Minas Gerais com 9% (Tabela 1 ). Dentre as faixas etárias, os idosos a partir da faixa de 70 a 79 anos (22%) foram os que mais se destacaram, e entre as crianças as faixas de 1 a 4 anos (10%) e de menores de 1 ano (7%) (Tabela 2).

 

 

 

 

As regiões Norte e Nordeste apresentaram as maiores mortalidades proporcionais por asma, acima da média brasileira. Os Estados. da Bahia, Rondônia e Espírito Santo foram os que se destacaram (tabela 1). A faixa etária de 1 a 4 anos foi a que apresentou maior mortalidade proporcional, seguida da faixa de 5 a 9 anos e das faixas de idosos (acima de 70 anos) (Tabela 2).

A mortalidade hospitalar (também dita letalidade hospitalar) em todo o país foi de 2,9 óbitos em cada 1000 internações por asma, tendo as regiões Sudeste e Sul apresentado as maiores taxas. O Estado do Amapá apresentou uma distorção desse indicador pois, embora tenha apresentado a maior mortalidade hospitalar (7,6/ 1000 hospitalizações ), houve somente 1 caso de óbito registrado. Os estados com maior mortalidade hospitalar foram a Bahia, São Paulo, Espírito Santo, Santa Catarina e Distrito Federal (Tabela 1). Considerando as faixas etárias, as maiores taxas de mortalidade hospitalar por asma ocorreram entre os idosos. Entre os menores de 1 ano de idade, ocorreram 3 óbitos por cada 1.000 hospitalizações por asma (Tabela 2). A taxa padronizada de mortalidade por asma nos hospitais conveniados ao SUS, no ano de 1996, foi de 0,6 óbitos/100.000 hab. Essa taxa foi mais elevada nas regiões Nordeste e Sul. Os estados que mais se destacaram foram: Bahia, Espirito Santo, Pemambuco e Paraná (Tabela 1 ). As faixas etárias acima de 60 anos e a de menores de 1 ano apresentaram as maiores taxas de mortalidade (Tabela 2). Vale ressaltar que a padronização das taxas de mortalidade resultou em elevação das taxas nos estados da região Centro-Oeste, Paraná, Espírito Santo, Alagoas e Rondônia.

 

Óbitos e utilização de UTI

A análise das mortes hospitalares por asma mostrou que 20% (206) dos asmáticos que foram a óbito passaram pela Terapia Intensiva; a proporção foi equivalente entre os sexos. Enquanto as regiões Centro-Oeste (35%), Sul (32%) e Sudeste (25%) apresentaram proporções de uso de UTI acima da média brasileira (20%), as regiões Norte (2,4) e Nordeste (8,3) ficaram muito abaixo. Vale ressaltar que, dos 42 óbitos hospitalares na região Norte, somente um fez uso de UTI. Na região Nordeste, os estados da Bahia e Pemambuco apresentaram o maior número de óbitos (157 e 69 respectivamente) e somente em 3% deles foi utilizada a UTI. Na região Sudeste, chama a atenção os estados do Espírito Santo, onde 14% dos 29 óbitos passaram pela UTI, e o Rio de Janeiro (10%). Nota-se o contraste com São Paulo, onde 31% dos asmáticos que morreram dentro de hospitais estiveram na UTI (Tabela 4). As maiores proporções de óbitos com utilização de UTI foram verificadas entre os adolescentes de 10 a 14 anos (63%) e na faixa de 20 a 29 anos (32%). Entre as crianças e os idosos que foram a óbito, a UTI foi usada em cerca de 20% das vezes (Tabela 3).

 

 

 

 

Dos 1.033 óbitos ocorridos em ambiente hospitalar em 1996,371 (36%) asmáticos faleceram dentro das primeiras 48 horas da admissão. Destes, 228 ( 61% ) foram admitidos em estado agônico. Chama a atenção o fato de que apenas 14% dos que faleceram nas primeiras 48 horas da admissão (53 óbitos) e 16% dos hospitalizados em estado agônico (36 óbitos) foram encaminhados à Terapia Intensiva. Dentre os 662 asmáticos que faleceram após 48 horas da hospitalização, 24% utilizaram UTI (Tabela 3).

Dos 654 hospitais que notificaram óbitos por asma, 242 (37%) ofereciam leitos de UTI, segundo o cadastro do DATASUS. As regiões Norte e Nordeste apresentaram as menores proporções de hospitais com UTI dentre os que notificaram óbito por asma. No estado da Bahia, 87% dos hospitais que atenderam pacientes que foram a óbito por asma, não dispunham desse recurso e, em Pernambuco, 82% também não. Por outro lado, na região Centro-Oeste, metade dos hospitais que atenderam casos que foram a óbito por asma ofereciam leitos de UTI.

Aparentemente, o fato de o paciente ser internado em hospital com UTI não garante o acesso a esse serviço. Quase a metade dos óbitos (45% ou 463 mortes) foi notificada em hospitais com disponibilidade dessa tecnologia. Desses 463 pacientes, menos da metade (44% ou 206 óbitos) passou pela Terapia Intensiva. Se considerado o grupo que morreu nas primeiras 48 horas da admissão, esse fato se torna ainda mais grave, posto que apenas 34% deles foram admitidos na Terapia Intensiva. Dos admitidos em estado agônico, que morreram nas primeiras 48 horas, 37% passaram pela UTI. Quadro diferente foi verificado com os óbitos que ocorreram acima de 48 horas da admissão, quando 50% destes foram encaminhados à UTI. As regiões Centro- Oeste (67% -6 óbitos com 4 tendo utilizado UTI) e Sul (64% -14 óbitos com 9 tendo utilizado UTI) foram as que apresentaram maior proporção dos casos atendidos em hospitais com presença de UTI que chegaram agônicos no hospital e foram encaminhados à Terapia Intensiva (Tabela 4).

 

Discussão

A mortalidade proporcional por asma no SUS indica que estes óbitos são eventos raros em relação ao total de óbitos ocorridos nos hospitais em estudo. No entanto, cada óbito por asma toma-se relevante na medida em que, dada a reversibilidade dos distúrbios ventilatórios e a disponibilidade de estratégias efetivas de tratamento, são considerados potencialmente evitáveis(8.9) . A situação apresenta-se mais séria por serem mais expressivos em crianças de 1 a 9 anos e por ocorrerem, em sua maioria, durante a hospitalização, quando supõe-se que teriam acesso a tecnologias capazes de reverter a gravidade da situação em parte desses casos.

Na análise da taxa de mortalidade por asma, considerando as faixas etárias, observou-se que as taxas acima da média brasileira ocorreram em menores de 1 ano (3,5 vezes a média brasileira); 50-59 anos (1,7 vezes); 60 a 69 anos (3,5 vezes); 70 a 79 anos (9 vezes) e 80 ou mais anos (15 vezes). Estes grupos constituem grupos de risco e são também grupos etários onde o diagnóstico diferencial é por vezes mais dificil, podendo a asma ser confundida com outras doenças como bronquiolite, bronquite, infecções respiratórias agudas em crianças e doença pulmonar obstrutiva crônica, tumores, doenças cardíacas e infecções respiratórias em idosos (7.15.16).

A taxa de mortalidade do SUS na faixa etária de 0 a 4 anos, no ano de 1996, foi cerca de cinco vezes maior que a taxa média norte-americana no período 1993-95(17) . Essa comparação é alarmante uma vez que não foram considerados todos os óbitos ocorridos no Brasil. A diferença seria possivelmente maior se tivessem sido utilizadas as informações do Sistema de Informações sobre Mortalidade brasileiro, que contém o total de óbitos notificados no país.

Entre os estados da federação, chamam a atenção as taxas de mortalidade de Rondônia e da Bahia, que foram as mais elevadas do país (aproximadamente 2 vezes a taxa média brasileira). No entanto, deve-se ressaltar a possível distorção dessa taxa em Rondônia em virtude do pequeno número de óbitos. Nos estados do Espirito Santo, de Pemambuco e do Paraná, essa taxa apresentouse maior que a média brasileira, o que leva à necessidade de maiores e mais profundas investigações. Algumas hipóteses podem ser aventadas:

1. pode estar espelhando uma maior prevalência de casos graves;
2. pode haver baixa resolutividade na atenção à asma, seja ambulatorial e/ou na emergência;
3. pode estar havendo comprometimento na qualidade da atenção hospitalar, tanto nos aspectos relacionados ao acesso como proceso da assistência.

No que diz respeito à mortalidade hospitalas por asma, os maiores valores foram verificados entre os idosos e entre os menores de 1 ano. Dentre os estados da federação, a mortalidade hospitalar mais elevada ocorreu nos estados de São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Santa Catarina e Distrito federal.

A mortalidade hospitalar por asma está relacionada ao volume de hospitalizações de casos graves. Resultados mais favoráveis desse indicador podem ser decorrente da hospitalização de uma grande proporção de casos pouco graves; resultados desfavoráveis podem advir da hospitalização de uma maior proporção de casos graves, quando a reversão do quadro asmático é dificil. Portanto, uma das hipóteses é a variabilidade do perfil de gravidade dos pacientes hospitalizados entre os éstados e faixas etárias. Nota-se que, tomando como referência o volume de intemações por essa doença, os idosos estão entre os de menor volume de hospitalizações, embora apresentando os maiores valores de mortalidade hospitalar. Uma outra hipótese é a de que os maiores valores de mortalidade hospitalar possam estar relacionados a uma má qualidade da assistência ao asmático em qualquer dos níveis da atenção ( ambulatorial, emergência, hospitalização) ou especificamente da hospitalização.

Particularmente na asma, a interpretação da gravidade da crise tanto por parte do paciente e de seus familiares, como por parte dos profissionais que o atendem, é muito importante. No primeiro caso, falhas ncssa interpretação podem repercutir na demora em procurar o serviço de saúde, resultando em admissões em estado grave. No segundo caso, o não reconhecimento imediato da gravidade da crise pode resultar em terapia inadequada e em trágico desenlace. É possível que uma parte dos casos que morreram tenham sido admitidos já em estado crítico, quando pouco se poderia fazer para reverter o quadro. Relatos acerca de óbitos por asma revelam que, às vezes, a rapidez de evolução da crise toma impraticável a adoção de medidas efetivas(18). Muitos desses casos sequer conseguem chegar com vida a um serviço de saúde.

No banco de dados utilizado, não há variáveis específicas disponíveis que apontem para a gravidade do paciente na hospitalização, exceto a informação sobre a admissão de um paciente em estado agônico que foi a óbito ou, como uma aproximação, a utilização de UTI refletindo a gravidade da exacerbação durante a hospitalização. Entretanto, para a avaliação de qualidade da assistência, deve-se ressaltar que apenas essas variáveis não são suficientes para afinnações definitivas, sendo necessária a análise dos prontuários dos doentes que morreram para confinnação.

Nem todos os pacientes com crise grave de asma precisam necessariamente de Terapia Intensiva. Entretanto, estudos mostram que a internação de pacientes com Status Asthmaticus em UTI resultou em uma rápida melhora do estado geral com poucos dias de hospitalização, com raros ou nenhum óbito e poucas complicações. Um outro aspecto apontado nesses estudos, justificando o encaminhamento à UTI, é o monitoramento mais próximo pelos profissionais desse serviço, o que resulta em rápida intervenção na ocorrência de agravamento abrupto da crise(19,20,21) .

Dos 228 indivíduos, admitidos em estado agônico, que faleceram nas primeiras 48 horas, 97 tiveram acesso a hospitais que possuíam leitos de UTI; destes, somente 37% foram encaminhados à UTI. Isso pode estar indicando o baixo acesso a esta tecnologia e/ou a demora na procura de assistência médica por dificuldade de acesso. Pode também estar refletindo avaliação equivocada da gravidade da crise por parte do próprio paciente e/ou responsáveis. Por outro lado, pode-se supor que pouco pudesse ser feito para reverter o quadro de uma parcela desses casos, principalmente se o óbito ocorreu poucas horas depois da admissão de um paciente já em estado moribundo. Os pacientes cujos óbitos não tenham sido tão precoces, possivelmente poderiam ter sobrevivido caso tivessem sido encaminhados imediatamente à UTI. Isso pode indicar possível comprometimento da avaliação da gravidade por parte dos profissionais de saúde no atendimento de emergência.

Uma outra situação são os que faleceram após 48 horas da admissão. Nessa situação, tanto podem ter sido admitidos em estado grave ou terem se agravado durante a hospitalização. Somente 24% desses casos foram encaminhados à UTI e, se considerarmos apenas aqueles que estavam internados em hospitais com disponibilidade dessa tecnologia, 44% estiveram em UTI. Isso pode estar indicando comprometimento na qualidade da assistência hospitalar por deficiências tecnológicas do SUS ou possíveis problemas no processo de atenção ao paciente.

Claramente, dois fatores estão intimamente ligados à situação discutida acima: informação/esclarecimento ao asmático e estruturação do Sistema Único de Saúde. O processo educacional pode tornar possível ao asmático entender sua doença, a importância do controle ambiental e do tratamento e a reconhecer a deterioração de sua doença. A desestruturação do Sistema Público de Saúde, por vezes faz com que unidades responsáveis pelo atendimento ao paciente não estejam devidamente equipadas ou que as condições de trabalho e/ou a capacitação dos profissionais de saúde nem sempre sejam as ideais, o que pode fazer com que vidas sejam perdidas desnecessariamente. Adequar e capacitar os ambulatórios, emergências e hospitais visando o atendimento correto ao asmático, definindo a conduta terapêutica de acordo com a avaliação da gravidade da crise certamente evitará grande parte das mortes. Notase a necessidade de implementação de um programa efetivo de educação/ esclarecimento ao asmático, na rotina dos serviços de saúde, principalmente nos ambulatórios. É também possível que muitos desses óbitos pudessem ter sido evitados se a gravidade da crise tivesse sido adequadamente avaliada e os doentes encaminhados a unidades contendo os recursos tecnológicos necessários.

Enfim, a análise dos óbitos hospitalares por asma, ocorridos no SUS aponta para a necessidade de ações governamentais que resultem na sua redução. Recomenda-se a instituição de um programa governamental abrangendo todos os níveis da assistência (ambulatórios, serviços de emergência e de internação ), contendo a orientação dos asmáticos e seus familiares quanto ao manejo da asma, o treinamento de equipes multiprofissionais na atenção a esses pacientes, o equipamento necessário para hospitais e serviços de emergência disporem de recursos tecnológicos adequados para a avaliação da gravidade e tratamento do paciente com crise asmática, assim como a organização de um sistema de referência para o atendimento a pacientes graves. Recomenda-se também a inclusão da revisão dos casos que foram a óbito por asma pelas Comissões de óbitos.

 

Agradecimento

Nossos agradecimentos à Maria Beatriz Campos pela correção gramatical deste texto, à Roberto Firmento de Noronha, Vera Lúcia Edais Pepe, à Joyce Schramm e Milena P. Duchiade pela leitura e sugestões.

 

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Artigo recebido em 01/04/02. Aprovado em 24/06/2002